sexta-feira, 3 de maio de 2024

IMMANUEL KANT: Crítica da razão pratica 1788

 




 

Kant foi influenciado por Rousseau sobre a necessidade de encontrar uma moral para o sujeito e o Estado.

A filosofia crítica de Kant tenta de estabelecer os limites e o poder da razão, colocando no centro da filosofia o sujeito que recusa todo tipo de dogma.

Kant reflete sobre o comportamento humano, condições da moral. Kant quer dizer como podemos saber se um comportamento é moral, a forma geral da moral, que possa ser expressa numa lei. Somente assim todos podem reconhecê-la. A lei moral deve ser Universal e a priori, não deve depender da experiência. Devemos encontrar esta lei em nós.

A lei moral é um fato da mesma razão que cada pessoa pode descobrir. A razão guia a vontade pra fazer isso ou aquilo. A razão pura tende a idealizar.

A moral deve ser:

1.      Incondicionada: não é condicionada do mundo externo e encontra o próprio fim em si mesma.

2.      Universal: é valida para todos e sempre, em todo lugar

3.      Necessária

Quais são as regras que caracterizam a ação do homem:

Dois tipos de princípios práticos:

A.    Máximas: eu me levanto cedo á manhã: é uma norma pessoal. É uma dimensão subjetiva, define aquilo que é bom para mim.

 

B.     Imperativos: Kant distinguiu:

1.      Hipotéticos: objetivo que queremos alcançar.

a.       Habilidade

b.      Conselhos da prudência

 

2.      Categóricos: são incondicionados, são validos sem levar em conta o prazer subjetivo. Se pressupõe que todos agem a partir disso.

Age de forma que a máxima da tua vontade possa sempre valer no mesmo tempo como princípio de uma legislação universal.

 

Fundação da metafisica dos costumes. Princípio:

Age de forma de tratar a humanidade seja na tua pessoa seja naquela de qualquer outro sempre como fim e nunca somente como meio.

 

Os seres humanos não deves nunca ser reduzidos a meios. Nós não sabemos se o universo tem fins, sabemos que cada pessoa tem uma dignidade quem não podemos pisar. A lei moral de Kant se baseia sobre os imperativos categóricos e podem assumir a tarefa de leis morais.

Leis naturais se atuam sem dúvida, enquanto as leis morais podem não se atuar, porque dependem da nossa vontade. Agir moralmente significa respeitar a lei interiormente, nas próprias intenções. A ação é moral se faço uma coisa porque é um dever. É a intenção que determina a validade de uma lei moral.

A lei moral vem de nós como seres racionais. A lei moral é tal somente quando é autônoma e universal. A lei moral não é ligada nem a religião nem aos costumes sociais. Somente dentro de si que o homem encontra a própria lei moral. É a razão que revela em nós a lei moral. Podemos nos autorregular sem influência. Os seres humanos podem viver em liberdade. A lei moral pode realizar-se quando tem liberdade, capacidade de se liberar de qualquer condicionamento externo. Kant escreveu que dois coisas provocavam a sua admiração:

O céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim

Conhecer o universo e agir moralmente. A felicidade de onde vem.

Se me comporto bem posso ser tranquilo com a consciência, mas não rende feliz. Kant define sumo bem a união entre virtude e felicidade. Kant sabe que o homem é formado não somente da razão, mas também do instinto. A dimensão instintual determina desejo não em linha com o dever. Agir moralmente as vezes nos torna infelizes. O sumo bem existe num mundo virtual. Para Kant a moral deve ser respeitada.

Kant fala que devemos recuperar alguns problemas da metafisica, mas centrados no homem. Três postulados éticos:

a.       Imortalidade da alma. Pressupondo que a alma é imortal significa que temos todo o tempo para nos tornarmos felizes

b.      Deus. Somente o criador pode ser o garante da correspondência entre felicidade e bem. É Deus que garanta a felicidade a quem vive virtuosamente. A moral pode ser a base de uma fé racional em Deus. Uma fé moral. Fé de alguém que acredita em Deus porque a moral o leva ali.

c.       Liberdade. É o mesmo princípio sobre o qual se fundamenta a dimensão moral. Sem liberdade não tem moral. Tem em nós uma capacidade que vão além da natureza.

Estes postulados não podem ser negados nem da ciência.

 

Crítica do juízo 1790

Objetivo: colocar em relação natureza e liberdade, céu estrelado e lei moral. Faculdade de juízo e fórmula os julgamentos particulares.

Julgamentos:

a.       Determinantes: determinam o objeto perante fórmulas a priori.

b.      Que refletem: são julgamentos que refletem sobre um caso particular. Buscamos uma finalidade da natureza.

1.      Teleológicos: se ocupam da finalidade dos objetos que analisam. Sentimos a necessidade de dar um sentido as coisas.

2.      Estéticos: se concentra sobre a finalidade privada de uma utilidade específica. Através dos julgamentos estéticos contemplamos o belo e o sublime.

O prazer da beleza natural inaugura um princípio novo, um princípio estético. Os objetos estéticos os percebemos como se tivessem sidos criados por nós. O sentimento da beleza é universal. Temos uma maneira de sentir todos da mesma maneira. A natureza é o modelo. Sensação que temos quando escutam música, o olhamos uma pintura. O prazer universal estético é aquilo que prescinde dos nossos interesses.

A beleza, a harmonia não são as características dos objetos, mas derivam do seu relacionar-se com o homem. A universalidade não depende do externo ou dos objetos. Somos nós enquanto sujeitos à atribuir beleza aos objetos.

Juízos teleológicos. Os organismos naturais não formam construídos para um fim.

Categorias que caracterizam a beleza:

a.      Qualidade: o belo é objeto de um prazer sem interesse. Uma coisa bela é isso em si mesma, não depende de nenhuma outra coisa.

b.      Quantidade: o belo é aquilo que gosta universalmente sem conceito. O julgamento estético é universal e o sentimento de prazer que encontramos numa coisa linda é condivisivel por todos, sem uma motivação. O belo não precisa ser explicado cientificamente.

c.       Relação: o belo é a forma da finalidade de um objeto enquanto é percebida sem a representação de um objetivo. O belo não tem uma finalidade precisa.

d.      Modalidade: o belo é que sem conceito é reconhecido objeto de um prazer necessário, ou seja, o julgamento estético é algo que encontra todos concordes.

O sublime. Se baseia sobre o contraste. Quando olhamos uma tempestade ou uma montanha são situações maiores de nós. O sublime pode ser de dois tipos:

a.       matemático: grandeza do céu, etc.

b.      Dinâmico: se manifesta através da potência.

 A comparação com a natureza desperta em nós o sentido da grandeza espiritual, a nossa proximidade ao noumeno. Este é o nexo entre natureza e moral. A Beleza nos ajuda a encontrar uma ordem, um sentido que parece aquilo que desejamos alcançar como seres humanos. Os sentimentos estéticos jogam uma ponte entre natureza e liberdade.

Emanuel Kant (1724-1804) Critica da razão pura (1781)

 




 

(Anotações do professor Paolo Cugini)

 

Formação de Kant: o pietismo religioso muito radical, a filosofia de Wolf, um filósofo racionalista que escreveu muitos livros para demonstrar que tudo pode ser conhecido com a mente. Na universidade Kant descobre Newton e Jean Jac Rousseau e fica impressionado com na ideia deste filósofo francês leu na forma nova que educar as pessoas.

Época de Kant é uma época das grandes revoluções. A primeira é a revolução Americana do 1783 e depois a revolução francesa de 1789. Kant Pensará que o século em que ele vê é um século fundamental e os princípios que mudaram a história serão os princípios do iluminismo o que crítica de forma livre o pensamento é religioso político e tudo em nome da razão.

Kant se questiona como pode a razão conhecer as coisas? Como é possível conhecer qualquer coisa: Kant escreve a crítica a razão pura exatamente para responder a estas perguntas.

De um lado, tinha os empiristas como Hume que sustentavam que para conhecer algo é preciso fazer experiência: se quiser saber quanto é fria a água do mar precisa mergulhar nela; também Newton dizia que para conhecer são necessários experimentos observações. Se quiser saber quanto é grande a Lua você teve observá-la sua sim pode chegar a uma conclusão sobre o assunto. Hume Crítica vai o princípio de causa e efeito porque ele dizia que não somos certo se amanhã haverá o Sol comi hoje, pós nós somos acostumados a pensar a consequências lógicas que chamamos de causa e efeito: eu costume que nos leva a pensar que um efeito tem sempre a mesma causa. Kant ficou muito impressionado com este tipo de raciocínio. Isso quer dizer que a razão não nos oferece nenhuma convenção absoluta pós o ponto de partida do nosso conhecimento é a experiência. Kant apresenta Hume como um pensador que teve grande influência no desenvolvimento do seu pensamento. Foi o mesmo Kant à afirmar que Hume o despertou daquilo que chamou de sono dogmático, daquela maneira de pensar rígida alicerçada no princípio de causa e efeito, que oferecia certezas baseadas sobre a experiência, mas que precisava colocá-las numa crítica. O dogmatismo é uma forma de pensamento cuja pretensão é conseguir entender tudo confiando apenas na razão. Este foi o pensamento de Wolf. As dúvidas de Hume levam Kant a perceber que o dogmatismo é nada mais que uma ilusão. Sem a experiencia dos sentidos os filósofos não sabem de que falam.

Do outro lado tinha os racionalistas que segundo ele o método interesses tá não tem sentido, para os racionalistas como Leibniz o conhecimento deve ser algo que depende dos nossos pensamentos, o conhecimento pode ser encontrado somente através da razão.

Segundo Kant estes dois caminhos de um lado o empirismo do outro lado o racionalismo não pode ser percorrido se quiser nos entender como a mente humana chega ao conhecimento. Para resolver o problema do conhecimento é precisa uma revolução do tipo de Copérnico. Kant inverte o relacionamento entre sujeito e objeto. De um lado o racionalismo está errado, pois precisa observar: mas também Hume está errado porque somente a experiencia não consegue produzir conhecimento, pois necessita do suporte da razão para elaborar os dados da experiencia.

A experiencia sempre precisa da razão. Precisamos dos dois: sentidos e razão. Ao centro é o sujeito humano. É preciso olhar a realidade a partir da maneira que o homem tem para conhecer. A filosofa de Kant é uma filosofia do sujeito, pois é o sujeito que usa o raciocínio para encontrar uma ordem na realidade. Kant tenta de entender a modalidade me que o homem chega ao conhecimento.  Kant buscar ‘os princípios que o homem utiliza para conhecer. É uma filosofia crítica, distinguir aquilo que é valido daquilo que é falso no nosso pensamento.

 


Crítica da razão pura

Existem conceito que desde sempre temos na nossa mente, conceitos que não foram criados por causa da nossa experiencia. Entre este Kant cita o conceito de espaço e tempo. Estes conceitos são iguais em todos seres humanos. A nossa mente é construída para fazer experiencias sempre no mesmo modo. Kant chama estes conceitos a-priori que pertencem a todos.

Kant chama a sua filosofia idealismo transcendental. Um raciocínio é transcendental quando tem a ver com a modalidade com que conhecemos as coisas e não com as coisas. O Filosofo transcendental se ocupa somente da modalidade do conhecimento, da possibilidade de conhecimento das coisas.

Espaço e tempo são condições transcendentais do conhecimento humano. Se isso é verdade aqui entra um problema. De fato, se nós temos em nós modalidade de conhecimento pré-fixadas como podemos saber se aquilo que conhecemos é assim mesmo ou, pelo contrário, não é um fruto da nossa maneira de ver as coisas? As coisas aparecem como nós as vemos pelo fato que as vemos a partir das nossas precondições a priori e, talvez, em sim, as coisas não são assim como nós as vemos.

Mondo fenomênico: é a realidade que percebemos com as nossas condições a-priori. É este o mundo que nos aparece no espaço e no tempo.

Noumeno: é o mundo em si, um mundo que construímos com o pensamento. Deste mundo não podemos conhecer nada. O noumeno por nós não é conhecível. Talvez no mundo noumenico não existe nem tempo nem espaço.

O que podemos conhecer? Espaço e tempo são pressupostos do nosso conhecimento. Segundo Kant tem outros pressupostos humanos ao conhecimento, que ele chama de categorias.

Conhecer significa julgar, ou seja, unir um sujeito e um predicado. É o intelecto que une dois conceitos. Como se juntam sujeito e predicado: com os julgamentos.

Dois tipos de julgamentos:

a.                       Analíticos a priori: um corpo é extenso. Aqui não precisa fazer experiência. O corpo ´por natureza extenso. Estes julgamentos não ampliam o nosso conhecimento. São julgamentos a priori, pois não precisam da experiencia.

b.                      Sintéticos (sínteses, juntar) a posteriori: ampliam a o conhecimento. Ex: o corpo é pesado. É a experiencia que nos ajuda a entender o peso daquele corpo específico.

Segundo Kant nem A nem B podem garantir um conhecimento científico e universal. Segundo Kant é preciso de um terceiro julgamento se quisermos ter um conhecimento científico e universal:

c.                       Julgamento sintéticos a priori. Julgamentos que acrescentam o conhecimento sem a necessidade de realizar uma experiencia. Estes julgamentos existem, por exemplo na matemática: 5+2-7. São julgamentos que valem sempre.

O objetivo de Kant é mostrar como a mente humana formula julgamentos sintéticos a priori: desta maneira Kant demostra como é possível o conhecimento. Como a mente humana consegue elaborar lei universais que são verdadeiras?

Èe um grande desafio. Tudo depende das condições iniciais, que Kant chama de estruturas a priori.

a.                       Tempo e espaço

b.                      As categorias: conceitos gerais do nosso intelecto: quantidade e causa

Quando utilizamos a e b podemos conhecer.

Crítica da razão pura:

a.                       Doutrina transcendental dos elementos: possibilidade de conhecer. Os elementos são os componentes diferentes do conhecimento.

b.                      Método

componentes diferentes do conhecimento:

a.                       Estética: sensibilidade. Se ocupa de sensações.

b.                      Logica

Logica:

a.                       Analítica: intelecto. Se ocupa de conceitos

b.                      Dialética: razão. Se interessa de ideias metafisicas.

 

Estética e analítica falam dos fenômenos no espaço e no tempo e dos conceitos com os quais elaboramos os dados dos sentidos.

A dialética fala de como a razão tem a pretensão de ultrapassar a experiencia.

Estética e analítica é o terreno da verdade, enquanto a dialética é um oceano da ilusão, pois aqui a razão se perde.

Estética transcendental: é aquilo que nós podemos conhecer através dos sentidos. Se ocupa dos princípios do conhecimento que chegam até nós através os sentidos. Aqui as estruturas a priori são o tempo e o espaço, que são iguais para todos os homens. São as formas puras da sensibilidade.

a.                       Forma: conteúdo que muda continuamente.

b.                      Puras: não misturadas com a sensibilidade.

Analítica transcendental: Intelecto e conceitos que nos ajudam a pensar os objetos. O intelecto é a faculdade com a qual organizamos os dados. Conhecer ´organizar, juntar. Intelecto como faculdade que nos permite de conhecer, forma os julgamentos. Neste caso as estruturas a priori são as categorias, que são iguais para todos os seres humanos. Os julgamentos do intelecto são de 12 tipos que correspondem as 12 categorias.

4 grupos de categorias:

1.                      Quantidade

2.                      Qualidade

3.                      Ação

4.                      Modalidade

Os julgamentos são relações entre dados, maneira de ordenar o multíplice da experiencia sensível. O intelecto com as categorias constrói relações com os dados que se encotram no mundo dos fenômenos. É assim que nós penamos. De um lado temos duas intuições puras (espaço e tempo), do outro 12 categorias.

Tem um princípio fundamental que rende a experiencia possível: o eu penso que junta varias possibilidade e intelecto.

Eu penso: o problema é como conhecemos, não aquilo que conhecemos. Posso sempre dizer que estou pensando algo. Este é o resultado da revolução copernicana de Kant. O conhecimento é possível porque tem o eu que pensa e não porque tem Deus como queriam os racionalistas como Descartes, e nem por causa do mondo que golpeia os sentidos, como achavam os empiristas. O conhecimento se apoia sobre a nossa consciência de nós mesmos, que Kant chama de apercepção.

Dialética: processo a metafisica que não pode mais ter a pretensão de conhecer. Estetica e analítica determinas as condições de possibilidade do conhecimento. O limite da sensibilidade é aquilo de colher somente aquilo que acontece no espaço e no tempo: o limite do intelecto é que conhece somente aquilo que capta a sensibilidade e não pode ir além. Podemos conhecer além dos sentidos? A razão humana não aceita pois ela pretende princípios absolutos.

A razão coloca três ideias daquilo que deseja encontrar:

1.                      Alma

2.                      Deus

3.                      O mundo como totalidade, o universo

Estas são as ideias da metafisica, das quais não podemos ter experiencia pois não são fenômenos sensíveis. Kant se questiona se é possível o conhecimento puro das ideias metafisicas. Toda vez que o ponto de partida do nosso conhecimento são as ideias não encontramos nunca algo de claro e objetivo.

Conclusão: a metafisica como ciência não é possível, porque a metafisica é um esforço de conhecer o mundo além da experiencia humana. Este projeto deve ser abandonado. Não é possível demostrar Deus; Kant era agnóstico. Nem a alma é possível conhecer. Os problemas, então, que desde sempre se ocupava a metafisica, não podem ser resolvidos.

 

terça-feira, 30 de abril de 2024

O RESSUSCITADO (Jo 20)

 





 

Texto: Marcheselli e outros

Tradução: Paolo Cugini

 

Comparado aos sinópticos, o Evangelho segundo João tem a característica de ter uma narrativa mais abundante sobre os acontecimentos pascais. O evangelho segundo Marcos é muito conciso; o de Mateus já tem mais material; o segundo Lucas é o sinóptico mais desenvolvido; João é aquele, entre os quatro evangelistas, que lhe dedica mais espaço: não só João 20, mas também João 21. João é o único que apresenta ambas as aparições em Jerusalém e na Galileia; para Marcos e Mateus as aparições acontecem na Galiléia, enquanto para Lucas tudo acontece em Jerusalém. Em João há a confluência destas duas linhas tradicionais: João 20 narra os episódios ocorridos em Jerusalém, enquanto João 21 se passa inteiramente na Galiléia; é um capítulo muito denso e profundamente unitário.

 

1. Hora, lugar, personagens, verbos

Ao ler uma história, os critérios a procurar para compreender como o autor a estruturou são: 1. tempo; 2. espaço; 3. personagens.

1.1. O clima

Do ponto de vista das indicações cronológicas, tudo se passa na seguinte sequência:

1.      na manhã do “primeiro dia da semana” (20.1-18);

2.      “na tarde daquele dia” (20,19-25);

3.      “oito dias depois” (20,26-29).

O texto de que tratamos corresponde à “manhã do primeiro dia depois do sábado”, ou manhã do dia de Páscoa. Então, o que é narrado nos vv. 1-18 (mais da metade do capítulo) supostamente aconteceu pela manhã; do ponto de vista cronológico é uma parte extremamente compacta.

1.2. O lugar

Do ponto de vista espacial, a forma como o texto foi construído é muito interessante. João, como narrador extremamente refinado, organizou a primeira parte do capítulo segundo um movimento contínuo de um lugar não especificado (onde nunca é dito) até o túmulo. Existe um lugar que João nunca localiza; e também na segunda parte do capítulo fala do “lugar onde estavam os discípulos”, sem nunca especificar onde fica. Talvez haja nisso também uma intenção teológica e espiritual, pois o lugar onde os discípulos estão, do ponto de vista geográfico, pode ser qualquer lugar. Onde estão os discípulos, Jesus também vem. Esta interpretação provavelmente já pode ser dada. Já não existe a localização, por exemplo, de uma casa dos discípulos; ao contrário, onde estão – e João já não diz onde estão – aí vem o Senhor; e isso será contado na segunda parte do capítulo. Nesta primeira parte tudo é tocado neste movimento, que é reproduzido três vezes. Três vezes ocorre o deslocamento de um lugar não especificado até o túmulo; e depois de volta, do túmulo para aquele lugar não especificado. Vejamos essas três mudanças, apoiando-nos no texto.

O v. 1-2 descrevem este duplo movimento: «Maria Magdala foi ao sepulcro pela manhã (…) Depois correu e foi ter com Simão Pedro e o outro discípulo», sem que se dissesse onde se encontravam. De fato, há um movimento pendular: de um lugar não especificado até o túmulo e depois do túmulo até o lugar onde estão os discípulos. Depois recomeçamos: «Pedro saiu então junto com o outro discípulo e foram ao sepulcro» (v. 3); o pêndulo voltou para a tumba. E ainda: «Os discípulos voltaram para casa» (v. 10), e assim o pêndulo voltou a oscilar. Este é o segundo movimento duplo. O terceiro movimento é menos mecânico: «Maria, em vez disso, estava fora, perto do túmulo» (v. 11). Desta vez o evangelista não usa verbo de movimento para indicar o movimento de Maria Madalena, mas, quando a descreve, ela já voltou ao túmulo. Em vez disso, o movimento inverso é novamente afirmado explicitamente: «Maria Magdala foi anunciar aos discípulos» (v. 18). Fica claro como a passagem é construída: há um vaivém inicial nos dois primeiros versos; é um texto curto. Uma segunda ida e volta nos vv. 3-10: um texto mais longo. Finalmente, uma terceira ida e volta nos vv. 11-18.

1.3. Personagens

Estas observações ajudam a estruturar o texto de forma clara, com o esquema: A – B – A1.

a.       A é composto pelos vv. 1-2;

b.      o v. 3-10 compõem B;

c.       A1 é dado pelos vv. 11-18.

 Chamamos de A1 porque a personagem presente neste “quadro” é a mesma: Maria Madalena. É ela quem, na primeira cena, sai pela manhã, vai ao túmulo e depois volta; é ela quem, na última cena, está no túmulo e depois volta. Em vez disso, na parte central, os protagonistas do movimento são Simão e o “discípulo que Jesus amou”: são eles que fazem o caminho. Simão Pedro e o outro discípulo já são mencionados no v. 2; quando Maria Madalena chega àquele lugar não especificado, eles também entram em cena, porque é a eles que ela diz: “Levaram embora o Senhor”. Mas aqui eles não estão envolvidos em nenhum movimento; o movimento é só de Maria. Portanto a estrutura, como um todo, é facilmente reconhecível e também é dramaticamente muito eficaz. Repetimos: são três movimentos de ida e volta; onde, porém, os personagens estruturam a história em A – B – A1.

Vejamos os personagens envolvidos: Maria Madalena, Simão Pedro e o outro discípulo; em A1 aparecem dois personagens, que parecem ser anjos, e por fim o jardineiro, identificado como Jesus. Este é o grupo de personagens; não há outros. Somente no último versículo aparece o grupo dos discípulos: não mais apenas dois discípulos, mas o grupo como tal.

1.4. Os verbos

Neste ponto podemos potencializar essa dinâmica de movimento. Especialmente na sua primeira parte, João 20 é caracterizado por um uso massivo e bastante insistente de verbos de movimento (o verbo grego érchomai, “ir, vir, chegar”, com todos os seus compostos é frequentemente usado; além disso, há o verbo “ correr”; “dobrar” é um verbo de movimento). Verbos de movimento ajudam a estruturar a história.

O outro tipo de palavras que domina a cena são dados pelos verbos de visão que realmente constituem a trama da história. No que diz respeito aos verbos de visão, o QE possui um léxico muito rico; conhece pelo menos 6; aqui são usados ​​​​3 verbos de visão diferentes, que em italiano não podemos reconhecer, pois são sempre traduzidos com um único verbo. Em vez disso, no texto grego há três verbos diferentes, que apresentaremos no comentário.

 

2. A visita ao túmulo vazio

Concentramo-nos principalmente na cena central, com a visita ao túmulo vazio.

2.1. O primeiro movimento de ida e volta (Jo 20.1-2)

«20.1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena chega ao túmulo de madrugada, quando ainda estava escuro, e vê a pedra retirada do túmulo. 2Então corre e vai ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, a quem Jesus amava, e diz-lhes: «Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram!»».

«Maria Madalena vem»: existe o verbo érchetai, “ela vem”, de uso muito comum, que para João é muito importante. «E ele vê»: é o verbo blépo, “ver”. «Depois ele corre e vem»: é o mesmo verbo de antes, usado tanto para ir como para voltar. Sublinhamos que Maria Madalena chega ao túmulo e “vê”. É interessante que, no QE, não esteja dito em nenhum lugar por que Maria foi ao túmulo naquela manhã. Alguns afirmam que ela foi “ver”; em vez disso, João escreve que, quando vai, ele “vê”. Se Marcos e Lucas escrevem que ela vai ungir, João não especifica nenhum motivo; no entanto, desta forma a experiência visual é enfatizada. Maria vai; ninguém sabe por quê; a única coisa que a evangelista escreve sobre o que aconteceu é o que viu: é a única coisa que ela relata. Ela não diz por que foi, só que quando foi lá ela viu.

O que ele viu? Ele viu “a pedra tirada do túmulo”. Podemos imaginar a cena: Maria Madalena chega ao jardim e, de longe, vê que a pedra que fechava a cavidade do túmulo foi retirada. Lembremos como foram feitos os túmulos de que falamos aqui: foram escavados na rocha; não eram túmulos individuais, mas familiares. A entrada dava acesso a uma sala, uma espécie de vestíbulo, onde eram preparados os cadáveres; então, ao redor desta sala, uma série de nichos se abriu. Na Palestina, no período histórico de Jesus, os nichos funerários são de dois tipos: “arcosolio” (onde o cadáver é colocado longitudinalmente); “forno” (o buraco onde é colocado o cadáver é menor e mais profundo). O tipo de túmulo encontrado onde se encontra o Santo Sepulcro é em “forma de forno”. O enterro no “forno” é perfeitamente datável, porque desapareceu com a destruição de Jerusalém em 135 DC; portanto é um tipo de sepultamento que permite uma datação precisa. Então há uma primeira câmara (um vestíbulo) e depois há os nichos que se abrem. Maria Madalena nem chega à entrada do túmulo: ao longe, vê que a pedra foi retirada.

2.2. A corrida de Pedro e do “discípulo amado” ao túmulo (Jo 20,4)

«20.4Então os dois correram juntos e o outro discípulo correu mais rápido que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro».

A cena central é construída assim: primeiro “os dois juntos”, depois se separam. Depois o evangelista segue o “discípulo amado”; então Pedro segue; depois volta ao “discípulo amado”; finalmente, ambos voltando. A história é muito bem construída. Há o movimento de deslocamento conjunto do local não especificado até o túmulo; mas eles logo se separam. Mas o início do v. 4 os vê juntos: «Os dois correram juntos»; para encontrá-los juntos, você tem que ir para v. 10: “Portanto eles foram novamente para eles” ou “para eles; onde eles estão; em sua casa" (mas em grego não existe a palavra "casa"). O V. 10 mostra-os juntos novamente, caminhando de volta. Em 20.4b-9 há separação: aquele vem primeiro; depois o outro; depois o primeiro novamente. Também aqui existe uma estrutura A – B – A1: Giovanni – Simone – Giovanni.

2.3. O “discípulo amado” (20,4b-5)

O “discípulo amado” “20,4b correu mais rápido que Pedro e chegou primeiro ao túmulo 5e, curvando-se (ou: “curvando-se”), viu as roupas caídas, mas não entrou”. Há muito movimento: «correu para a frente», «veio», «inclinou-se»; E depois vem o verbo da visão: “vê”. Mesmo para o “discípulo amado” o movimento conduz a uma experiência visual. Ele foi mais longe que Maria Madalena: evidentemente o “discípulo amado” chega à entrada da cavidade do túmulo, inclina-se (ficando do lado de fora com o corpo) para ver e assim “vê” uma parte do que está no vestíbulo; mas não entra. Para ele o evangelista usa o mesmo verbo que usou para Maria Madalena: blépo. Este discípulo “dobra-se”: o seu movimento termina mais longe que o de Maria Madalena; portanto, tendo ido mais longe, ele “vê” mais. Há uma proporção entre a distância que o movimento vai e quantos objetos o personagem vê. E então ele “vê as roupas caídas”, nada mais. Aqui o grego usa o termo othónia, que traduzimos: “as roupas”. É um termo plural, que indica a totalidade dos objetos funerários. O kit funerário, aquele com o qual o cadáver era embrulhado, era confeccionado com diversos tipos de tecidos e panos. Mais tarde falamos de uma “mortalha”; no caso de Lázaro falamos de “bandagens”, que envolvem as extremidades (Jo 11.44). Depois pode haver um sindòn, ou um grande lençol que envolve todo o corpo. Portanto, havia pelo menos três tipos diferentes de “panos”; o termo othónia é genérico, inclui todos eles. O evangelista não especifica: escreve simplesmente que o “discípulo amado” vê “as roupas fúnebres”, mas não entra.

2.4. Pedro (20,6-7)

«20,6Vem também Simão Pedro, que o seguia, e entra no sepulcro e vê as ligaduras caídas 7e o sudário – que estava sobre a sua cabeça – não com as ligaduras caídas, mas separadamente, cuidadosamente dobradas, num determinado lugar».

«Ele vem»: é sempre o mesmo verbo grego érchomai. Embora se diga do “discípulo amado” que ele não entra, em vez de Pedro está escrito que ele “entra no túmulo”. O movimento dos personagens termina cada vez mais para frente: Maria Madalena parou em jardim; o “discípulo amado” chegou à entrada do túmulo; Pedro entrou no túmulo. À medida que o movimento avança você vê mais; na verdade, Pedro “vê” (em grego: theoréo). Pedro entra e vê assim o que também viu o “discípulo amado”: ​​diz-se que vê genericamente “as vestes funerárias”. Mas então um versículo inteiro é usado para descrever um desses panos. É evidente que este é o elemento “perturbador”, que levanta uma questão. O objeto da visão de Pedro é duplo: o primeiro objeto coincide com o que o “discípulo amado” viu e não merece menção especial; em vez disso, o segundo objeto é descrito com uma quantidade impressionante de elementos. É claro que este é o ponto em que nos concentramos.

O termo grego soudarion vem do latim e indica um lenço que - como você pode imaginar - pode ser usado para coletar suor ou cobrir o rosto. A primeira característica deste «sudário» é «que estava na sua cabeça». É um dos panos: é aquele que cobre o rosto e “não fica com as bandagens caídas” no chão (portanto não está com os demais “panos”). Um primeiro elemento é este: ao entrar, Pedro vê que as roupas não estão todas no mesmo lugar dentro do vestíbulo do sepulcro; alguns estão de um lado, enquanto o sudário está do outro lado, «não com as bandagens deitadas, mas (aqui há a insistência: chorìs, «à parte») enroladas separadamente, bem dobradas, num determinado lugar" Novamente, a mortalha está “bem dobrada”. Portanto, este sudário traz consigo o traço da atividade humana (ou talvez até divina); alguém fez alguma coisa com esta mortalha: se está dobrada, então alguém dobrou e assim ficou. Depois o evangelista insiste: “Num determinado lugar”. Há, portanto, uma certa insistência em caracterizar o sudário:

1.      o facto de estar do outro lado em relação aos restantes objectos funerários;

2.      o fato de estar “bem dobrado”, elemento que indica que foi assim disposto, que alguém fez alguma coisa com aquela mortalha.

2.5. Novamente o “discípulo amado”, que “vê e crê” (Jo 20,8).

Seguindo o esquema A – B – A1, voltamos agora ao “discípulo amado”.

«20.8Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao sepulcro, e viu e acreditou.»

«Quem veio»: aqui há sempre o mesmo verbo grego. Se antes o “discípulo amado” não tinha entrado, agora entra também ele: “Entrou (...) e viu e acreditou”. Aqui o evangelista muda o verbo: duas vezes usou o verbo blepo; então ele usou o verbo theoréo pela primeira vez; agora mude e use horáo. No QV os dois primeiros verbos aqui usados ​​indicam experiência sensível, visão no sentido fenomenal; eles nunca são usados ​​para indicar visão profunda (exceto, talvez, em um caso). Em vez disso, este é o uso que João normalmente faz do verbo horáo: ele o usa para indicar um tipo de “visão” que capta o significado daquilo que ele vê. É evidente que existe a visão como uma experiência puramente sensível (você vê um objeto e pode descrevê-lo em forma, cores, etc.); em vez disso, quando usa horáo, João indica um tipo de visão que capta o significado último do evento que caiu sob a experiência dos sentidos (neste caso é o sentido da visão). Então se compreende melhor a ligação entre os dois verbos “viu e acreditou”: na QV este tipo de visão já é uma visão profunda. O fato de João combinar “viu e acreditou” constitui um hendiadys, ou seja, dois verbos para um único significado. O significado aqui é: «Viu para crer», «Viu crendo». Não são duas ideias distintas: é uma visão que capta o sentido último do que aconteceu e, portanto, gera fé. Não são duas ações completamente distinguíveis: “Ele viu e passou a acreditar”. O que você viu para fazer você acreditar? Comecemos dizendo o que ele não viu: ele não viu três coisas.

1.      1.Ele não viu um milagre: é completamente estranho à perspectiva joanina querer dizer que ele teria visto um milagre e que, por isso, teria acreditado. Portanto a primeira operação a fazer é excluir que o verbo “viu” indique que ele viu algo prodigioso. Pode ser excluída pelo seguinte motivo: na QV a fé gerada pelo prodigioso é julgada como uma fé problemática e insuficiente. Jesus não confia em quem o procura pelo aspecto prodigioso dos sinais que realiza (Jo 2,23-25; Jo 6,26). A QV explica uma certa desconfiança por parte de Jesus e do evangelista para com aqueles que procuram Jesus, porque são movidos pela experiência prodigiosa dos sinais, pelo seu elemento milagroso. Quando uma pessoa o procura por causa disso, Jesus fica extremamente desconfiado. Então pareceria muito estranho que, dentro do túmulo, o “discípulo amado” tivesse visto um milagre, porque seria contraditório com esta frase presente na parte anterior do evangelho. É verdade que existe uma certa linha exegética que, pelo contrário, apoia isto; mas não me parece muito convincente. Alguns autores, mesmo muito sérios, explicam que o “discípulo amado” teria visto as bandagens como o casulo da crisálida; então teria entendido que algo havia acontecido: o corpo teria evaporado, deixando a roupa funerária com a marca do cadáver. Objetivamente, este elemento não está presente no texto e enfatiza a experiência do milagre, que é problemática para o evangelista. Portanto o “discípulo amado” não “viu” um milagre.

 

2.      Não viu mais do que Pedro: a fé do “discípulo amado” não surge porque teve a possibilidade de uma experiência quantitativamente maior. Nasceria então a fé, porque haveria um “mais” de experiência sensível. Mas não é assim: ao entrar no túmulo, o “discípulo amado” vê exatamente as coisas que vê ele viu Pietro. Há uma diferença, que porém não reside na quantidade de coisas vistas. Obviamente há necessidade de uma certa experiência sensível, mas não é o “mais” da experiência sensível que gera a fé. Com a mesma quantidade de objetos vistos, um acredita e o outro não. Há quem afirme que Pedro também acreditou: o evangelista sugeriria isso implicitamente. Contudo, este não é o caso, porque é contrário à orientação do texto. Neste momento Pedro não aceitou a fé. O texto estabelece uma diferença entre dois: um chegou à fé, enquanto o outro ainda não. Portanto o “discípulo amado” não “viu” mais do que Pedro. Isto é importante: a fé não é gerada porque uma pessoa teve a sorte de ter uma experiência quantitativamente maior que outra. Obviamente é necessário ter algumas experiências, mas não é o “mais”, não é a quantidade, que gera a fé. Portanto o “discípulo amado” já não via Pedro; mas ele "acreditou".

 

3.      Ele não viu Jesus: não é tão óbvio e precisa ser explicitado. O “discípulo amado” “viu”, mas não viu Jesus. Portanto o “discípulo amado” não viu milagre; ele não viu mais Pedro; ele não viu Jesus. Graças a isso poderemos mostrar que a bem-aventurança que encerra o evangelho se aplica, antes de tudo, a ele. Quando Jesus diz a Tomé: «Porque me viste, acreditaste; Bem-aventurados aqueles que não viram e acreditaram!” (20.29), pois esta bem-aventurança aplica-se, antes de tudo, ao “discípulo amado”. Portanto o “discípulo amado” não viu Jesus: o túmulo está vazio; Jesus não está no túmulo. Então agora vamos ver o que o “discípulo amado” “viu”. Aqui não existe um termo técnico joanino, que seria seméion (“sinal”); o evangelista não usa esta palavra. Contudo, no final do capítulo lemos: «Jesus, na presença dos seus discípulos, fez muitas outros sinais...” (20h30, CEI2008). Nesta história falta o termo “sinal”; no entanto, uma grande linhagem de exegetas – e eu com eles – sustenta que aquilo que o “discípulo amado” experimentou no túmulo corresponde fundamentalmente ao que o evangelista, em outro lugar, chama de “um sinal”: na disposição das roupas dentro do túmulo, Giovanni capta uma dimensão de signo. No QE o signo é uma experiência sensível (portanto algo que toca os cinco sentidos humanos: neste caso é a visão, mas também podem ser a audição, o olfato, o paladar, o tato) dentro da qual nos faz perceber o transcendente, o divino . Portanto, para João, o sinal implica a coexistência de dois elementos: a experiência sensível e aquele “mais” que é Deus que nela se manifesta, a transcendência que se vislumbra na experiência sensível. Então a experiência sensível torna-se um “sinal”, deixando brilhar algo que vai além da pura experiência dos sentidos humanos. Este é o “sinal” joanino. Dentro do túmulo o “discípulo amado” faz esta experiência: naquilo que o seu sentido da visão percebe, ele capta a dimensão do sinal.

Em que sentido é um “sinal”? E do que é um “sinal”? De um modo que pode parecer engraçado, mas também sério, podemos imaginar que, quando o “discípulo” entra no túmulo e vê, em primeiro lugar se lembra de uma cena que viveu algumas semanas antes. Não muito longe de Jerusalém, ele estava diante de um túmulo (também vazio): o túmulo de Lázaro (João 11). Para compreender João 20 é essencial estabelecer uma comparação com João 11; uma comparação que se revela muito instrutiva.

«11.43 Dito isto, gritou em alta voz: «Lázaro, sai!». 44O morto saiu com os pés e as mãos amarrados com bandagens, e o rosto ainda envolto numa mortalha. Jesus diz-lhes: «Desamarrai-o e deixai-o ir»» (Jo 11,43-44): no caso de Lázaro o a mortalha está em seu lugar, ou seja, está no rosto do falecido. Lázaro – recorda João – saiu do túmulo com a mortalha no rosto e alguém a tirou dele. Em vez disso, dentro do túmulo de Jesus há roupas de um lado e uma mortalha perfeitamente dobrada do outro lado. Lázaro não consegue tirar o sudário do rosto: outro deve tirá-lo para ele; no entanto, aqui é completamente diferente.

Depois vem à mente também uma palavra para o “discípulo amado”: ​​ele recorda um acontecimento que viu e uma palavra que ouviu. O que ele viu foi o modo como Lázaro saiu do túmulo; em vez disso, ele ouviu a palavra que ouvira alguns meses antes. Antes daquela última Páscoa, eles subiram a Jerusalém; no final da “festa das barracas” Jesus havia encerrado o chamado “discurso do bom pastor” (portanto na economia narrativa do QE foi proferido no outono; agora estamos na primavera seguinte) com as seguintes palavras: «10.17Por isso o Pai me ama: porque dou a minha vida (“a minha existência de homem”), para retomá-la. 18Ninguém tira isso de mim, mas eu mesmo afasto isso. Tenho o poder de abatê-lo e tenho o poder de retomá-lo” (Jo 10,17-18).

O que o “discípulo amado” viu no túmulo? No fato de uma mortalha dobrada ele vê a expressão de um ato senhorial, de uma exousía, de um poder. Alguém fez isso: ele tem o poder de ressuscitar da morte e dobrar o pano que cobre seu rosto, distanciando-o dos demais, expressando assim aquele “poder de retomar a vida” de que falava há alguns meses mais cedo. A distância entre as roupas e o fato de o sudário ter sofrido uma ação (alguém o dobrou conscientemente, intencionalmente, com autoridade) desperta no “discípulo amado” a memória daquelas palavras de Jesus. Neste sentido ele viu um sinal: a disposição das roupas dentro do túmulo torna-se a expressão de que ali aconteceu algo que pode ser entendido lembrando:

1.      a maneira diferente como Lázaro saiu de seu túmulo;

 

2.      como Jesus ele havia falado sobre si mesmo, sua morte e o que aconteceria após a morte: “Tenho o poder de fazer isso de novo”. É esse poder, é essa exousía que o “discípulo amado” vê retratada na curiosa forma como as roupas estão dispostas no túmulo vazio.

Então podemos dizer que isto é um “sinal”, porque é uma experiência que não é prodigiosa em si; é uma experiência comum: não existe milagre. Porém, há algo que afeta os sentidos (neste caso o sentido da visão); e nesta experiência sensível algo transcendente, divino, pode ser vislumbrado. Há necessidade de experiência sensível, mas enquanto Pedro não vai além da experiência sensível, o “discípulo amado” é capaz de captar o sentido último daquilo que os seus olhos vêem; aqui reside a sua primazia.

Esta cena também é muito bonita porque retrata os dois discípulos, cada um com um registo ao seu nível; e não há conflito, porque estamos a lidar com dois níveis diferentes. Na verdade, João reconhece uma certa primazia a Pedro: o facto de João parar e deixar Pedro entrar primeiro pode ser interpretado de forma simbólica como reconhecimento do seu papel. Este é um papel que também é claramente atestado em outras partes do QE. Por outro lado, se por um lado o QE reivindica uma primazia de Pedro a um determinado nível, ou seja, como guia da comunidade de discípulos, por outro lado reivindica uma primazia de João ao nível da leitura dos sinais e da compreensão o mistério de Deus que se revela em Jesus O “discípulo amado” é sempre mais rápido que Pedro e todos os outros na compreensão da revelação que Deus faz de si mesmo em Jesus. O texto coloca as duas figuras lado a lado, reivindicando e reconhecendo também por. cada um uma primazia em seu campo específico. O “discípulo amado” é verdadeiramente o primeiro na ordem do conhecimento e da fé.

2.6. «Compreender a Escritura» (20,9)

«20.9 Porque ainda não tinham compreendido a Escritura, que era necessário que ele ressuscitasse dentre os mortos» (20.9): este versículo é uma reflexão que o evangelista compartilha com o leitor; é como se ele falasse em voz alta e se dirigisse diretamente à pessoa que estava lendo seu evangelho. Em si, não é um elemento da história, mas um elemento do diálogo entre o evangelista e o seu leitor. É um versículo formidável e muito poderoso, antes de tudo porque indica que o conteúdo da Escritura, ou do Antigo Testamento (sem indicar uma passagem precisa, porque se refere ao conteúdo de toda a Escritura, entendida globalmente), está aqui resumida como «a ressurreição do messias»: o conteúdo último da Escritura é que o messias será ressuscitado. Esta não é uma etapa específica; mas foi assim que toda a Escritura foi entendida e foi assim que se revelou o seu significado último.

Com a frase “Eles ainda não tinham compreendido a Escritura”, o texto indica que mesmo o “discípulo amado”, ao chegar ao túmulo naquela manhã, não tinha tudo claro. Não aconteceu que, antes daquela manhã, ele tivesse compreendido toda a Escritura e por isso, ao chegar, pensou que o que já havia intuído finalmente se tornara realidade! O V. 9 tem justamente o sentido de indicar que, até aquele momento, nenhum deles (ninguém, nem mesmo o “discípulo amado”) havia entendido o que iria acontecer. O significado do v. 9 é precisamente isto: o “discípulo amado”, na manhã de Páscoa, chega à fé não porque já esteja preparado para o que vai acontecer e, chegando lá, vê a confirmação do que já sabia. Sua fé vem da capacidade de ler os sinais. A sua fé não surge de já ter compreendido toda a Escritura; é o contrário: a partir desse momento a Escritura torna-se um livro aberto. As Escrituras liberam seu significado não antes, mas depois. Antes de ocorrer a ressurreição, a Escritura, o AT é um “livro selado”, como lemos no Apocalipse (Ap 5.1), também para o “discípulo amado”. É somente a partir daquela manhã que a Escritura libera seu significado último. Portanto, o texto deve ser parafraseado assim: «Então entrou também o outro discípulo, que havia chegado primeiro ao túmulo, e ele viu e acreditou com base em sua experiência no túmulo vazio, não porque já tivesse entendido as Escrituras. Até aquele momento, de fato, nem ele nem os outros tinham compreensão das Escrituras.” Sua fé nasceu pela capacidade de ler os sinais e não porque já estivesse preparado; não dispunha de uma espécie de “fotografia antecipada” dos acontecimentos para entrar no túmulo e verificar a correspondência perfeita com o que os seus olhos viam. Este é também o sentido de todo o NT: o AT é um livro que se abre a partir da fé na ressurreição, e não o contrário. Não é que, se você estudar bem o AT, poderá imaginar a ressurreição do messias; este não é absolutamente o caso. Se alguém acreditar que Jesus ressuscitou, então a Bíblia também se torna um livro aberto; o oposto não acontece. Se uma pessoa não tem fé no Senhor ressuscitado, não há nenhum estudo do AT que a prepare antecipadamente para esperar que o messias seja capaz de ressuscitar. Os dois esquemas estão em oposição radical e apenas o primeiro é válido.

 

3. As duas aparições de Jesus (Jo 20,19-31)

3.1. Ver e acreditar, acreditar sem ver (Jo 20.29)

Leiamos a segunda parte de João 20, começando pela bem-aventurança, que já antecipamos. As últimas palavras que, neste capítulo, Jesus dirige aos discípulos constituem, precisamente, o seguinte macarismo: «20,29 Jesus disse-lhe: «Porque me viste, acreditaste; Bem-aventurados aqueles que não viram e acreditaram!»» (20,29). Estas são palavras que Jesus dirige a Tomé. A primeira parte da frase também poderia ser uma pergunta, mas também uma afirmação. Aqui Jesus não tem um tom interrogativo, porque isso implicaria um distanciamento, uma censura mais ou menos velada: “Por que você me viu, você acreditou?”. Em vez disso, é uma observação: Jesus observa que Tomé, visto que o “viu”, então “creu”. Na verdade, não há nada de errado com isso. É que Tommaso perdeu a oportunidade de fazer melhor que os outros; isso sim! Porém, no fato de ele ter acreditado ao ver, há simplesmente a reprodução da experiência que os demais tiveram oito dias antes. Os outros viram Jesus e creram; Tommaso teria tido a oportunidade de fazer melhor: teria tido a oportunidade de acreditar sem ver, mas desperdiçou-a. Este é o ponto: Tomé teria tido a oportunidade de acreditar com base no testemunho de outros, mas não o fez. Também ele quis fazer a experiência da visão do Ressuscitado e por isso também ele, como os outros, chegou à fé. Jesus observa isto: “Porque me viste, acreditaste”; portanto, a bem-aventurança subsequente não é para Tomé: “Bem-aventurados aqueles que não viram e acreditaram!”.  O que essa felicidade significa? «Bem-aventurados aqueles que não viram e acreditaram!»: antes de mais nada, notamos que não há objeto direto nem para o verbo “ver” nem para o verbo “crer”. O grego é parcimonioso em complementos de objetos (!); neste caso funciona a regra geral, ou seja, o objeto direto não se repete porque é o dos verbos imediatamente anteriores. Então, voltemos à frase anterior: “Porque você me viu, você acreditou”. O objeto direto também deve ser fornecido na segunda parte e é o mesmo. Jesus quer dizer: “Bem-aventurados aqueles que não me viram e acreditaram”. O que Jesus está dizendo não é que a fé surge na ausência de qualquer tipo de visão. O significado não é: «Bem-aventurados aqueles que, sem ter visto nada, acreditaram »; em vez disso, a questão é ver Jesus. Jesus não pede uma forma de fé que seja independente de qualquer tipo de experiência sensível; a visão é apenas um dos cinco sentidos. Seria contra a essência de todo o evangelho sustentar que a fé nasce independentemente da experiência sensata; e na verdade este não é o significado da expressão. A bem-aventurança não é: “Bem-aventurados aqueles que, não tendo visto absolutamente nada, passam a acreditar”; em vez disso, é: “Bem-aventurados aqueles que não viram Jesus e ainda assim creram”. Jesus pode ser visto em duas formas: na forma do Jesus terreno (que caminhou pelas ruas da Palestina) e na forma do Jesus ressuscitado, com seu corpo transfigurado; entretanto, a Bem-Aventurança proclama: “Bem-aventurados aqueles que não me viram nem de uma forma nem de outra, e ainda assim acreditaram”. Tomé teria tido a possibilidade de chegar à fé sem vê-lo ressuscitado. Em vez disso, exigiu este tipo de experiência e, mais tarde, também chegou à fé. Mas aqui a bem-aventurança é para quem chega à fé sem ter que experimentá-la (não sem ter qualquer tipo de experiência sensível!); o significado do macarismo é este.

Então, para quem essa felicidade é válida? Certamente para as gerações futuras. A tradução atual, mais literal, permite-nos ler esta bem-aventurança como referindo-se também (e talvez antes de tudo) ao “discípulo amado” no túmulo vazio na manhã de Páscoa. Quem foi o primeiro que acreditou sem ver Jesus? Ele é o “discípulo amado”, que não viu absolutamente nada; ele viu algumas coisas pobres e foi capaz de interpretá-las como sinais. Certamente, porém, ele não viu Jesus dentro do túmulo; ainda assim ele passou a acreditar. Então podemos dizer que ele é o primeiro objeto da bem-aventurança: “Bem-aventurados aqueles que não me viram e ainda assim acreditaram”. Esta parece ser precisamente a intenção do Evangelho, que tem realmente a intenção de nos mostrar o “discípulo amado” como uma gigantesca figura de fé; e, portanto, também como o primeiro de todos os futuros crentes, isto é, daqueles que – como nós – passam a acreditar (se puderem!) independentemente de uma experiência sensível de encontro com Jesus. Passamos a acreditar com base em outra coisa. , com base num testemunho, mas não na experiência sensível e direta de Jesus.

3.2. A arquitetura do texto

São duas cenas com um elemento de corte e depois uma conclusão.

O primeiro episódio ocupa os vv. 19-23. «19Quando, pois, era a hora da tarde e naquele dia, o primeiro da semana». Portanto, há um episódio na noite do domingo de Páscoa. Depois, há outro “oito dias depois, novamente os seus discípulos estavam lá dentro e Tomé estava com eles” (v. 26).

Oito dias depois” indica o domingo seguinte: tanto no contexto judaico como no romano, o dia da partida sempre foi incluído na contagem dos dias. Portanto, a partir do domingo, “oito dias depois” é o domingo seguinte; portanto, no mesmo dia da semana. Notamos que aqui já existe um traço claro do domingo como dia da comunidade cristã. Na forma como as aparições são assinaladas, vemos que a comunidade de João celebrava a Páscoa como um acontecimento semanal: celebrava o domingo como uma Páscoa semanal. Os dois episódios apresentam o grupo de discípulos como tal.

3.3. A primeira aparição de Jesus (20,19-23)

«20,19Na noite daquele dia, o primeiro da semana, enquanto as portas do lugar onde os discípulos estavam estavam fechadas por medo dos judeus, Jesus veio, colocou-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco !». 20Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. E os discípulos se alegraram quando viram o Senhor. 21Jesus disse-lhes novamente: «A paz esteja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio." 22 Dito isto, respirou e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo. 23Aqueles cujos pecados você perdoar, eles serão perdoados; aqueles a quem você não perdoa, não será perdoado” (Jo 20,19-23).

Neste episódio comentamos os dois gestos de Jesus.

1.      O primeiro gesto é: «Mostrou-lhes as mãos e o lado»; a segunda é: «Ele soprou». Os dois verbos são construídos de forma paralela. O primeiro gesto de Jesus é mostrar: estende as mãos e o lado. Isto é significativo, porque este gesto estabelece identidade: através desta exibição a identidade do sujeito é mostrada. Aquele que agora aparece assim é aquele que foi crucificado; na verdade, pouco antes de se dizer que este homem entrou "enquanto as portas estavam fechadas". Portanto, vemos que os dois elementos devem ser mantidos juntos: é Jesus, mas não é Jesus! É evidente que é Jesus, mas já não é ele como era antes; ele está transformado, mas ainda é ele. Devemos manter estes dois elementos juntos, porque, por um lado, os sinais da crucificação estabelecem a continuidade: esse homem é o Crucifixo; por outro lado, o fato de ele entrar com as portas fechadas indica uma transformação. A pessoa é aquela que foi pregada na cruz, mas também é verdade que a sua corporeidade tem agora uma configuração e uma qualidade nova e transformada. É um aspecto importante: é uma corporeidade transfigurada. Jesus mostra as mãos e o lado (mas não os pés) pelo seguinte motivo: não quer deixar o lado de fora porque depois há um gesto que evoca o Espírito. Portanto o lado, o lado e o Espírito. Quando foi descrita a morte de Jesus, foi dito que um soldado lhe abriu o lado com uma lança, da qual jorrou sangue e água (Jo 19,34). Sem dúvida, a água que sai do lado de Jesus morto, para o evangelista, é uma imagem do Espírito: é a água viva que sai do lado do Messias crucificado. Então, referir-se ao lado nesta primeira parte da história combina muito bem com o fato de haver um gesto que fala do Espírito, porque daquele lado saiu a água viva do Espírito, conforme a história de Jesus contada por João 'morte na cruz. Então o primeiro gesto é este: Jesus mostra as mãos e o lado, tendo como tema a continuidade do sujeito na transformação do corpo. Além disso, há uma referência alusiva à importância do Espírito na visão joanina.

 

2.      O segundo gesto: «22Tendo dito isto, soprou e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo»» (20,22). O texto é construído assim: «Dito isto, inspiro»; o verbo usado é enphysào, ou melhor, "inspirado/inalado". E o assunto em que entra a respiração é o mesmo ao qual a palavra se dirige. O texto grego poderia ser traduzido assim: “Tendo dito isto, ele soprou neles e disse-lhes”. O grego usa o complemento dativo apenas uma vez, o que é válido tanto para o verbo “inalar” quanto para o verbo “dizer”; em vez disso, em italiano você tem que repeti-la e a frase se torna redundante. Mas este é o sentido do texto: Jesus «soprou neles e falou-lhes». Portanto, “eles” aplica-se a ambos os verbos e é o destinatário da respiração que lhes é colocada, que são os destinatários da palavra que lhes é dirigida. Então aqui está a estrutura clássica que também é encontrada em muitas histórias do AT sobre os profetas: um gesto e uma palavra que o explica. O gesto já é eloquente por si só e talvez nem precisasse da palavra; mas a palavra torna isso inequívoco. A palavra seguinte que diz «Receba o Espírito Santo» é a explicação do gesto que Jesus acaba de realizar. A palavra é: “Receba o Espírito Santo”. O termo grego pneuma (“Espírito”) permite um certo jogo, pois significa tanto “espírito”, “vento” quanto “respiração”. Mesmo em hebraico o mesmo termo (ruah) pode significar “espírito”, “vento”, “sopro”. Então aqui o jogo é muito fácil entre o gesto de um sopro que sai de Jesus e entra neles e uma palavra que diz: «Recebam o Santo Pneuma (= sopro/Espírito), porque – precisamente – “Espírito” e “sopro” eles podem ser ditos com o mesmo termo. Vamos nos concentrar no gesto. O texto usa um verbo relativamente raro: Jesus “soprou neles”. Na tradução grega do AT esta expressão é encontrada, por exemplo, quando o profeta Elias se inclina sobre o filho morto da viúva de Sarepta e, deitando-se sobre ele, reintroduz o seu sopro na criança: o "in-alita", alita nele, ele deixa passar o fôlego e assim a criança volta à vida (1 Reis 17,17-24). Outro texto é o da criação de Adão (Gn 2.7). É a primeira vez que este verbo bastante raro aparece (em todo o AT é encontrado 5 vezes). O “oleiro”, chamado Adonai (“Senhor”) em hebraico, é um artista de barro e criou um boneco de barro. É realmente uma marionete: não se move, é inerte; então Deus respira e então a boneca começa a se mover, ganhando vida. Antes de ser inerte, era barro; então se torna um ser vivo. Um terceiro texto muito importante se encontra no livro de Ezequiel: a visão dos ossos secos (Ez 37,5). Aqui novamente é isso verbo, quando Deus manda o profeta profetizar e os ossos, que estão espalhados pela planície, se unem e assim se forma o esqueleto. Então Ezequiel profetiza novamente e assim aparecem os nervos e a carne; mas ainda são cadáveres, embora não estejam mais em decomposição. Então ele deve profetizar para o espírito, que é “inspirado”, é colocado dentro desses cadáveres que voltam à vida. Esses três textos são fundamentais para a compreensão do nosso canto. Mas há uma diferença em relação ao Gênesis, que deixamos explícita: os discípulos não são marionetes! Ao contrário do boneco Adão, que é realmente inerte, que é uma figura de barro, Jesus tem pessoas que se movem à sua frente. Os discípulos já possuem o sopro que Adonai colocou em Adão no início da criação; Jesus não se depara com matéria inerte, mas sim com pessoas que respiram. Os discípulos já têm um certo espaço para respirar. Então fica claro que o sopro que Jesus coloca dentro deles não é o sopro que Jesus recebeu de Maria de Nazaré, porque os discípulos já o possuem. O fôlego que Jesus coloca neles é aquele que é seu, não aquele que ele tem como descendente de Adão e filho de Maria e que eles já têm. O sopro que ele coloca neles é o que lhe é próprio, isto é, o que ele possui como Filho unigênito de Deus, como o Logos que sempre existiu antes da criação; ou (mas é a mesma coisa) como o Ressuscitado. É o sopro próprio da própria vida de Deus. Poderíamos dizer que Deus também tem um “sopro”: o “sopro” de Deus é o seu Espírito! Isto é o que Jesus introduz. Certamente é o sopro, mas é o sopro que lhe é próprio, não como descendente de Adão ou filho de Maria, mas como Unigênito do Pai. É este sopro, pelo qual ele vive a partir da ressurreição, que é injetado nos discípulos. Portanto, é verdadeiramente um ato de nova criação: é uma criação, mas num nível diferente daquele de Gen 2. É uma criação, portanto há um elemento de homogeneidade, mas há também algo de novo; é uma criação em um nível diferente do que a de Adão. Na verdade, ele os cria “à sua imagem e semelhança”, ou à imagem d’Ele, que é o Unigênito. Isto explica algo que preocupa vários comentadores: por que não há detalhes? Os sinópticos dizem alguma coisa. Por exemplo, Mateus escreve que Jesus pede: “Ir e fazer discípulos de todas as nações, batizando e ensinando” (cf. Mt 28, 19-20); Jesus dá algumas indicações aos discípulos sobre o que fazer. Lucas faz Jesus dizer: “Sereis minhas testemunhas...”, por isso especifica que devem realizar o ato de dar testemunho dele (cf. At 1, 8). No QE Jesus apenas diz: «Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio», seguido do tema da remissão dos pecados. Há realmente uma pobreza singular de indicações. Por que? Isto está de acordo com o significado do gesto de Jesus que acabamos de ilustrar. O envio em missão não necessita de maiores determinações, porque o significado é que a missão é prolongar a presença do Filho unigênito no mundo. E isso é possível a partir do fato de terem recebido o seu mesmo fôlego, ou seja, o seu Espírito. De facto, aqui há uma construção particular: quando Jesus diz «Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio», observa-se uma curiosidade: a forma como Jesus se refere ao facto de o Pai o ter enviado, em grego é expresso com um verbo no tempo perfeito. O perfeito grego é um tempo verbal que indica uma ação realizada no passado, mas que persiste em seus efeitos até no presente; portanto, o envio de Jesus continua. A ideia não é que a vida de Jesus termine e outra comece; pelo contrário, a ideia é antes que Jesus assuma os seus discípulos no único envio, que é o seu: «Assim como o Pai me fez seu enviado ("e eu continuo sendo o único enviado do Pai": isto diz o tempo perfeito), eu também...". O envio de Jesus não falha. Com efeito, neste momento, no momento em que deixa este mundo para regressar ao Pai, Jesus assume os seus discípulos como prolongamento daquele único envio; Esta é a ideia de João. A Igreja é a extensão da encarnação do Verbo e isto é possível em virtude da presença do Espírito. Tendo-lhes dado o Espírito, Jesus pode dizer: «O meu envio, ou melhor, a minha presença como enviado ao mundo, não falha, porque vós, que agora possuís o meu mesmo Espírito (isto é, o meu fôlego, isto é, a minha vida) agora são enviados para o mundo. Porém, você não é enviado em meu lugar, mas sim na extensão do único envio, que é meu; da única missão, que é a missão do Filho». É o mesmo que quando se diz que “os cristãos tornam-se filhos no Filho”. É precisamente esta ideia: partilham o mesmo Espírito, isto é, o mesmo fôlego, isto é, a mesma vida; portanto, compartilham a condição filial. Portanto, neste sentido a encarnação se prolonga nos discípulos.

3.4. A segunda aparição e a conclusão do evangelho (20.24-31)

«20,24Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando Jesus chegou. 25Os outros discípulos disseram-lhe: «Vimos o Senhor!». Mas ele lhes disse: “Se eu não vir o sinal dos cravos nas suas mãos, e não colocar o meu dedo no sinal dos pregos, e não colocar a minha mão no seu lado, não acreditarei”. 26Oito dias depois, os discípulos estavam de volta em casa e Tomé também estava com eles. Jesus veio, a portas fechadas, ficou no meio e disse: “A paz esteja convosco!”. 27Então disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e olha para as minhas mãos; estenda a mão e coloque-a ao meu lado; e não seja um incrédulo, mas um crente! 28Tomé respondeu-lhe: “Meu Senhor e meu Deus!”. 29Jesus lhe disse: “Porque você me viu, você acreditou; Bem-aventurados aqueles que não viram e acreditaram! 30Jesus, na presença dos seus discípulos, fez muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. 31Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20,24-31).

Compreendemos que existe uma correlação entre o que poderia ter acontecido a Tomé, se ele tivesse acreditado na palavra dos outros discípulos, e o que João espera que aconteça no futuro àqueles que acreditam no seu testemunho. O seu evangelho toma o lugar, para todas as gerações futuras, daquele testemunho que os outros discípulos deram a Jesus Tomé não quiseram aceitá-lo, mas nós – que vimos como ele se arrependeu mais tarde (embora isto não esteja explicitamente explicitado) –. somos convidados a recebê-lo. O funcionamento do texto fica claro: diz que Tomé poderia ter chegado à conclusão a que então chegou, ou seja, reconhecer Jesus ressuscitado (“Senhor meu e Deus meu!”), se tivesse acreditado no testemunho dos outros discípulos. . Com efeito, foi precisamente isto que lhe disseram: «Vimos o Senhor!»; e ele poderia ter acreditado neles. Este é exatamente o ponto. Assim, João, com o seu evangelho escrito, desempenha exatamente a função que o testemunho daqueles discípulos desempenha para com aqueles que não viram Jesus. Portanto, a recomendação é não fazer como Tomé, que, no entanto, também funciona como um atestado da fiabilidade de Jesus. aquelas testemunhas, porque no final ele teve que admitir que o que lhe disseram era verdade. Pode-se dizer que todo o QV é um grandioso atestado e testemunho de Jesus reconhecido como “o Senhor”. De facto, por exemplo, os discípulos dizem: “Vimos o Senhor!”, que é uma das duas expressões que Tomé também usa, quando reconhece Jesus: “Senhor meu e Deus meu!”.

No QE a expressão mais utilizada para identificar Jesus é “o Filho”; mas mesmo “o Senhor” não deixa de ter importância. Ambas as expressões “Filho” e “Senhor” expressam a condição divina de Jesus. A expressão “Filho” refere-se ao fato de Deus ser chamado de “Pai”. “Senhor” é o nome que Deus tem segundo a revelação feita a Moisés; na verdade, “Senhor” é a tradução de Adonai.

Então pode-se dizer que o Evangelho segundo João é, no seu conjunto, um grandioso testemunho de Jesus reconhecido e confessado como “o Senhor”. Desempenha, portanto, a função que esse grupo desempenha aqui; na verdade, o título “o Senhor” está no início e no final do evangelho, em dois pontos-chave. No início é encontrado na boca de João Batista. Quando o questionam, perguntam quem ele é; e o Baptista responde: «1,20 «Eu não sou o Cristo». 21Então lhe perguntaram: “Quem é você então? Você é Elias?”. “Eu não estou”, disse ele. «Você é o profeta?». “Não”, ele respondeu. 22Disseram-lhe então: “Quem é você? Para que possamos dar uma resposta a quem nos enviou. O que você diz sobre você? 23Ele respondeu: «Eu sou a voz que clama no deserto: endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías»» (1,20-23). Na boca de João Batista o «Senhor» já não é Adonai, mas é Jesus. Este é o primeiro uso do título «Senhor» para identificar Jesus. Não há dúvida de que aqui «Senhor» é um título mais forte do que «. Cristo», de «Elias», de «profeta»: aqui está o título máximo. Portanto, no início do evangelho, ressoou nos lábios de João o título “Senhor”, que é o nome de Deus, em referência a Jesus.

Em João 21, logo após a pesca milagrosa e inesperada, o “discípulo amado” pronúncia uma última palavra. Ele disse muito poucas delas no Evangelho e depois disso não dirá mais nada; e a última é precisamente: «É o Senhor!» (21.7). Este é realmente um resumo extremo do que ele faz ao longo de seu evangelho. O Evangelho fotografa-o na atitude de quem grita: “É o Senhor!”; e é uma foto perfeita! É exatamente um instantâneo do que João é em todo o seu evangelho. O fotograma que o representa no barco, enquanto diz a todos: «É o Senhor!», é a fixação perfeita do papel que desempenha através do seu evangelho, pois pode-se afirmar com certeza que, desde o início até ao fim, No final, João não faz outra coisa senão dar testemunho de Jesus como “o Senhor”.

Então o seu evangelho substitui verdadeiramente o que o grupo disse a Tomé: “Vimos o Senhor!”, isto é, Jesus é o Senhor; Jesus leva o nome que é o nome próprio de Deus. Desta forma, João apresenta-se a todos aqueles que o leem como um testemunho dado a Jesus, que pode gerar fé, mostrando Tomé como um exemplo negativo e positivo ao mesmo tempo. Na verdade, ele é um exemplo negativo, porque perdeu a oportunidade; mas também é positivo, porque no final teve que reconhecer que os outros discípulos tinham razão. Neste sentido o Tommaso é positivo e também nos ajuda. O QE pretende cumprir exatamente esta função: para nós, que não podemos ver Jesus, existe a possibilidade de acessá-lo apenas através do testemunho. E João escreve o seu evangelho como atestado de que Jesus é o Senhor, para que quem se abre à fé possa então ter vida precisamente em virtude desta fé.

IMMANUEL KANT: Crítica da razão pratica 1788

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