sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

BENEDITO SPINOZA (Amsterdam 1632-1677)

 




(anotações para aulas de filosofia moderna)

 

Paolo Cugini

 

A.   O sentido da filosofia

Foi um homem de grande cultura. Um aspecto do seu pensamento é a grande originalidade na síntese dos autores estudados.

A sua metafisica está em perfeita consonância com a sua vida.

Objetivo do pensamento de S.: libertar o homem das paixões, dar-lhe um estado superior de paz e tranquilidade.

 

B.    A Concepção de Deus

A ordem geométrica

S. na sua Ética escolhe o método indutivo já utilizado por Descartes e Hobbes.

S. queria rejeitar:

a.       o procedimento silogístico abstrato próprio de muitos escolásticos

b.      os procedimentos inspirados nas regras retoricas próprias do Renascimento

c.       o método rabínico da exposição excessivamente prolixas

O gosto pelo procedimento científico, típico do século 17, influenciaram a produção de S. Aparenta uma necessidade racional absoluta.

Posto Deus, tudo daí procede com rigor. Por isso o método de Euclides parece para ele o mais adequado. Além disso o método oferece a possibilidade de manter a distancia o objeto tratado, isento das perturbações alógicas e irracionais.

 

A substância

Para S., a diferença de Descartes que caiu em contradição, existe somente uma sub.: Deus. Somente Deus, de fato, é causa sui. Sub. Neste sentido, é aquilo que não necessita de nada mis além de si mesma para existir e ser concebida e, então, a sub. Coincide com a causa sui.

Deus: um ser absolutamente infinito uma sub. Constituída de uma infinidade de atributos, cada qual deles expressando uma essência eterna e infinita.

Deus é livre, no sentido que existe e age por necessidade de sua natureza. Deus é a única substância existente. Não é possível pensar Deus como causa sui, sem pensá-lo como necessariamente existente (cf. prova ontológica).

O Deus de S é o Deus bíblico, mas com algumas diversidades fundamentais. O Deus de S. não é dotado de personalidade, de vontade, de intelecto. Para S. conceber Deus como pessoa significa cai no antropomorfismo.

Além disso, o Deus de S. não cria por livre escolha algo que é diferente de si. Não é causa transitiva, mas sim causa imanente, sendo inseparável das coisas que dele procedem. Deus é necessidade absoluta, totalmente impessoal (um deus muito parecido com o seu autor, S.).

Deus é necessidade absoluta de ser. As coisas derivam necessariamente da essência de Deus. É aqui que S. encontra a raiz de toda certeza, a razão de tudo, a fonte de uma tranquilidade suprema e de uma paz total.

A necessidade é apresentada como a solução de todos os problemas.

A substância, Deus, que é infinita, manifesta e exprime a sua própria essência em infinitas formas e maneiras, que constituem os atributos, que são eternos e imutáveis. Os homens conhecem somente dos destes atributos: o pensamento e a extensão.

Deus é espacialidade. O corpo não é um atributo, mas um modo finito do atributo da espacialidade. Nesta perspectiva, o mundo não é contraposto a Deus, mas é algo que se prende de modo estrutural a um atributo divino.

Os modos. São impressões da substância, aquilo que existe me outra coisa, por meio da qual tb é concebido. Os modos procedem dos atributos.

O intelecto infinito e a vontade infinita são modos infinitos do atributo infinito do pensamento. Aquilo que é finito só pode ser determinado por um atributo enquanto é modificado por uma modificação que é finita e tem existência determinada.

O infinito só gera o infinito e o finito é gerado pelo finito. Aqui é uma das aporias do sistema de Spinoza.

O mundo é consequência necessária de Deus. Spinoza não atribui a Deus intelecto, vontade e o amor, pois estes são modos, enquanto Deus é substância.

 

A doutrina spinoziana do paralelismo entre ordem idearum e ordem rerum

Para Spinoza pensar e pensamento não indicam uma simples atividade intelectual e incluem desejar e o amar. O intelecto e a mente constituem o modo mais importante, pois é um modo que condiciona os outros modos de pensar.

Ideia: tem raízes na essência de Deus, que não cria as coisas segundo o paradigma de suas próprias ideias, porque não cria de modo algum o mundo no sentido tradicional, dado que este procede necessariamente dele (por isso não tem precisão de cria-lo).

As ideias não são produzidas em nós pelos corpos. A ordem das ideias corre paralela á ordem dos corpos. Todas as ideias derivam de Deus enquanto Deus é realidade pensante. Analogamente, os corpos derivam de Deus enquanto Deus é realidade extensa.

Aqui Spinoza resolve o problema do dualismo cartesiano. Visto que cada atributo expressa a essência divina de igual modo, então a serie dos modos de cada atributo deverá necessariamente e perfeitamente corresponder á serie dos modos de cada um dos outros atributos. Existe, portanto, perfeito paralelismo, que consiste em me perfeita coincidência, enquanto trata da mesma realidade vista sob dois diferentes aspectos.

Em função deste paralelismo Spinoza interpreta o homem como união de alma e corpo. A alma é a ideia ou conhecimento do corpo. A relação entre mente e corpo é constituída por um paralelismo perfeito.

 

C.   O conhecimento

Toda ideia é objetiva, tem uma correspondência na ordem das coisas. Ideias e coisas são duas faces de um mesmo acontecimento. Qualquer ideia tem necessariamente uma correspondência corpórea e qualquer acontecimento tem necessariamente uma ideia correspondente.

Três graus de conhecimento:

a.       empírico é ligado às percepções sensoriais e às imagens

b.      racional encontra sua expressão típica na matemática. É a forma de conhecimento que se baseia em ideias adequadas, que são comuns a todos os homens. Capta as causas das coisas e o encadeamento das causas, compreendendo sua necessidade.

c.       Intuitivo: visão das coisas em seu proceder de Deus.

Relação entre os três gêneros de conhecimento. São conhecimentos das mesmas coisas e aquilo que os diferencia é apenas o nível de clareza e distinção.

Se o conhecimento de Deus é pressuposto indispensável para o conhecimento de todas as coisas, Spinoza deve admitir que o homem conhece Deus de modo preciso.

A distinção entre verdadeiro e falso se dá no segundo gênero do conhecimento e também no terceiro. De fato, as coisas são como as representam a razão e o intelecto e não como as apresenta a imaginação. É próprio da razão considerar as coisas como necessárias e não como contingentes. Enfim o conhecimento intuitivo capta as coisas sob espécie de eternidade.

Consequências morai[1]s. Esta doutrina é útil para a vida:

1.      Ensina que nós agimos unicamente pelo querer de Deus e somos partícipes da sua natureza divina. Aqui está nossa suprema felicidade.

2.      É útil enquanto nos ensina de que modo devemos nos comportar em relação as coisas do destino ou que não está em nosso poder;

3.      Facilita a vida social enquanto ensina a não se irritar contra ninguém, a não desprezar, a não ironizar, a não conflitar;

4.      Facilita a sociedade comum, ensina de que modo os cidadãos devem ser governados e dirigidos, para que realizem livremente aquilo que é melhor.

 

D.   O ideal ético de Spinoza

O homem confirma a ordem da natureza. As paixões não se devem a fraqueza, mas á potencia da natureza e, por isso, não devem ser detestadas e censuradas, mas explicadas e compreendidas.

Paixões: resultantes da tendencia de perseverar no próprio ser por duração indefinida, tendencia que é acompanhada pela consciência, que é a ideia respectiva. Quando a tendencia refere-se a mente, chama-se de vontade; quando se refere também ao corpo, chama-se apetite. Aquilo que favorece positivamente a tendencia a perseverar no próprio ser se chama alegria; o contrário chama-se dor. Destas duas paixões basilares brotam todas as outra.

Spinoza fala de paixão como uma ideia confusa e inadequada. Como força da natureza as paixões são irrefreáveis e uma gere a outra com logica matemática.

Não podemos dizer de nenhuma realidade natural que ela seja imperfeita. Nada daquilo que existe carece de algo: é aquilo que deve ser.

O bem e o mal não indicam nada que existe ontologicamente nas coisas consideradas em si, mas são modos de pensar.

Toda consideração de caráter finalístico e axiológico é banida da ontologia de Spinoza. Na sua perspectiva o bem é o útil e o mal o seu contrário. Virtude é somente o útil e o vicio o seu contrário. Quando o homem segue a razão alcança seu próprio útil para si e para todos.

Vicio é ignorância e virtude é conhecimento (cf. Sócrates). Se é verdade que as paixões são ideias confusas, então quando formemos em nós uma ideia clara e distinta as paixões sumirão. “Clarifica tuas ideias: deixará de ser escravo das paixões”.

Quando nós compreendemos que Deus é causa de tudo, tudo nos dá alegria e tudo produz amor a Deus. O amor intelectual por Deus é a visão de todas as coisas sob o signo da necessidade (divina) e a aceitação alegre de tudo aquilo que acontece, precisamente porque tudo aquilo que acontece depende da necessidade divina.

 

E.    Religião e Estado em Spinoza

A religião permanece no nível do primeiro gênero do conhecimento, em que predomina a imaginação. Os profetas se destacaram pelo poder da fantasia e não pelo intelecto. A religião visa obter a obediência, ao passo que a filosofia visa a verdade. Por isso os regimes tirânicos valem-se da religião para conseguir seus objetivos. A religião é alimentada pelo temor e pela superstição.

O conteúdo da fé se reduz a poucos pontos fundamentais:

a.       Existe Deus justo e misericordioso, modelo de vida autêntica.

b.      Deus é único.

c.       Deus é onipresente, tudo lhe é conhecido,

d.      Deus detém o direito e o domino supremo sobre tudo e não faz nada para obrigação de uma lei, mas segundo seu absoluto beneplácito.

e.       O culto a Deus consiste na justiça e na caridade, no amor ao próximo.

f.        Todos aqueles que obedecem a Deus são salvos.

g.      Deus perdoa os pecados de quem se arrepende.

Para Spinoza a fé não requer dogmas verdadeiros, mas dogmas piedosos: há lugar para diferentes seitas religiosas.

Cristo foi a própria boca de Deus. Cristo teve entendimento da verdade.

Spinoza foi um incansável defensor do Estado do direito. Por sua natureza todo individuo é determinado a existir e operar de certo modo e que este comportamento é necessário. O pacto social origina-se da utilidade que dele deriva e nela se fundamenta. O Estado para o qual são transferidos os direitos na constituição do pacto social não pode ser o Estado absoluto de que fala Hobbes. Alguns direitos do homem são inalienáveis, porque renunciando a eles o home renuncia a ser homem. O fim do Estado não é a tirania, mas a liberdade.

 

Bibliografia

B. SPINOZA, Obra completa Vol. 1-4, Perspectiva, Lisboa 2014-2019.

B. SPINOZA, Èthica, Autêntica, São Paulo2009.

B. SPINOZA, Tratado político, Martins Fontes, São Paulo 2009.

H. RIZK, Compreender Spinoza, Vozes, Petrópolis 2010.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Fim da segunda parte da Éthica. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

AS HISTÓRIAS DA PÁSCOA EM JERUSALÉM (Jo 20-21)

    Texto: Maurizio Marcheselli e outros Tradução : Paolo Cugini     1.      Dois capítulos de histórias de Páscoa: João 20 – João 21   O QE...