sexta-feira, 21 de julho de 2023

PLOTINO E O NEOPLATONISMO PAGÃO - ANTOLOGIA

 





 

PRIMEIRA SEÇÃO

 

A GÊNESE DO NEOPLATONISMO: DA ESCOLA DE AMÔNIO EM ALEXANDRIA À ESCOLA DE PLOTINO EM ROMA.

 

Síntese: Paolo Cugini

 

 

I. AMÔNIO SACAS E A SUA ESCOLA EM ALEXANDRIA

 

O enigma de Amônio Sacas.

 

Com vinte e oito anos [Plotino] se entregou totalmente à filosofia: apresentando-se às celebridades alexandrinas do tempo, saía das suas aulas desanimado e triste, tanto que desabou com um amigo seu estado de espírito; esse intuiu o desejo da sua alma e o conduziu a Amônio, que ele não tinha ainda freqüentado. Plotino entrou e ouviu a lição; disse depois ao amigo: “Este é o homem que procurava!” Desde aquele dia, foi um constante discípulo de Amônio e aprofundou de tal maneira a filosofia de modo a ter em vista uma experiência direta seja da filosofia praticada pelos persas, seja daquela preponderante entre os hindus[1].

 

[...] Ele [Plotino] era personalíssimo e inovador na sua visão da doutrina dos outros de resto, no método de pesquisa, atinha-se ao espírito de Amônio [...]. Certo dia, apareceu na reunião Orígenes [= Orígenes pagão, condiscípulo de Plotino na escola de Amônio]; Plotino cobriu-se de rubor e estava para levantar-se; mas, rogado por Orígenes para que falasse, ele se esquivou dizendo: “Quando o orador sabe que fala a pessoas que já conhecem o que ele vai dizer, perde todo ardor”. E assim, depois de uma breve conservação, levantou-se para partir[2].

 

Os testemunhos de Hiérocles e de Nemésio sobre o pensamento de Amônio.

 

Amônio, mestre de Plotino, dizia que as realidades inteligíveis têm uma natureza que as torna capazes de se unir às coisas que podem acolhê-las, como as coisas sujeitas à corrupção; mas que, embora elas unidas permanecem puras e incorruptíveis, subsistindo junto delas sem perder a própria natureza. Com efeito, nos corpos, a união produz a transformação em outros corpos; assim que se unem, já que acontece uma transformação em outros corpos; assim, os elementos se transformam nos compostos, o alimento no sangue, o sangue na carne e nas outras partes do corpo. Ao invés, no caso das realidades inteligíveis, a união acontece sem que se siga uma transformação. Com efeito, pela sua natureza, o sensível não pode mudar a essência; mas, ou subsiste ou passa ao não ser; ao invés, o inteligível nem sofre mudança nem passa ao não ser. Doutrina forma, ele não seria incorruptível e a alma, que é vida, se mudasse ao unir-se com o corpo, tornar-se-ia outra coisa e não seria mais vida. E que outra poderia trazer ao corpo senão a vida? Portanto, a alma no corpo não se transforma[3].

 

II. A ESCOLA DE PLOTINO EM ROMA E A GÊNESE DAS “ENÉADAS”.

 

Características e finalidades da escola plotiniana.

 

È-nos referido ainda que ele [Plotino] possuía um espírito vigilante, puro, sempre voltado para o divino, ao qual aspirava com toda a sua alma; além disso, ele nada descuidou para poder libertar-se, “para livrar-se do fluxo envolvente da vida” que, aqui embaixo, “alimenta-se de sangue”! Assim, justamente a esse homem possuído pelo divino, aconteceu muitas vezes, ou seja, quando ele se movia até o primeiro e transcendente Deus, por meio do pensamento e pelos caminhos indicados por Platão no Banquete, apareceu aquele Deus que não tem figura nem forma alguma, mas tem seu trono acima do Espírito e do mundo inteligível inteiro. Na verdade, também eu, Porfírio, posso atestar ter-me aproximado e me unido a Ele somente uma vez: e agora tenho sessenta e oito anos. Portanto, “apareceu” a Plotino e “ficou junto dele o Fim supremo”. Com efeito, para ele a Meta e o Fim eram estar junto e unir-se com o Deus que está acima de tudo; mas, enquanto sei, no tempo em que com ele convivi, ele alcançou bem quatro vezes esse Fim, com um ato inefável[4].

 

III. RETOMADA E CONCLUSÃO DA “SEGUNDA NAVEGAÇÃO”.

Relação entre Plotino e os filósofos precedentes.

 

Nos seus tratados, estão igualmente dispersas também algumas doutrinas estóicas e peripatéticas, como também estão condensadas questões de metafísica aristotélica[5].

 

Plotino ratifica e leva ao seu pleno desenvolvimento as teses do médio-platonismo e do neopitagorismo.

 

Nas reuniões da escola ele [Plotino] primeiramente providenciava a leitura de comentários quaisquer que fossem: de Severo, ou de Cronos, ou de Numênio, ou de Gaio, ou de Atiço, ou ainda, entre os peripatéticos, os de Aspásio, de Alexandria, de Adrasto, ou de outros, ao acaso[6].

 

O método de Plotino.

 

Para dizer verdade, o caminho é duplo para todos, seja para quem está ainda na subida, seja para quem já chegou ao alto: vale dizer, o primeiro parte do baixo; o segundo é reservado àqueles que já estão dentro do mundo do Espírito e, por assim dizer, deixaram uma pegada lá em cima; esses caminharão fatalmente até chegar ao limite daquele lugar que coincide, de resto, com o termo da viajem, quando se encontrarem justamente no cimo: o reino do Espírito[7].

 

Mas, afinal, que é a dialética cujo ensinamento é necessário transmitir também aos que vieram antes? É a capacidade que se tem de exprimir com a razão, sobre cada coisa, o que ela é, como é diferente de outras e o que com eles tem de comum; além disso, em que seres se encontra e qual o lugar de cada um e se é realmente um ser, quantos são os seres e o que, sendo diferente, é não-ser. Ela também discorre sobre o bem e o não-bem, e sobre o que está sujeito ao bem ou ao seu contrário; trata do que é eterno e do que não o é, e em tudo isso procede segundo a ciência, não segundo a opinião. Dando um descanso ao nosso errar em meio às coisas sensíveis, ela se detém no domínio do inteligível; lá ela se exercita, lançando fora a falsidades e alimentando a alma na assim chamada “planície da verdade”, usando o método de divisão de Platão para a distinção das idéias, usando-o também para determinar a essência de um objeto e para alcançar os gêneros supremos. Entrelaçando inteligivelmente um com outro e o que deles é derivado, até que tenha percorrido todo o campo do inteligível, faz depois, por via de análise, o caminho inverso até ter alcançado o princípio. Então, gozando de tranqüilidade, de tranqüilidade que se goza no reino do inteligível, sem se preocupar com mais nada, recolhida na sua unidade, considera o chamado trabalho lógico feito com premissas e silogismos e o deixa de lado como se faz com a arte de escrever em vista de uma nova arte. Apreciando, é verdade, alguns elementos, como necessário à sua própria arte, ela os julga porém como aos demais, considerando alguns úteis, outros supérfluos, apropriados somente para uma espécie particular de pesquisa[8].

 

De maneira alguma se deve pensar que ela [a dialética] seja um simples instrumento do filósofo: na realidade, ela não consiste em puros teoremas e em regras, mas atinge as próprias coisas e tem os seres, por assim dizer, como a sua matéria: no entanto, aproxima-se dos seres com um método próprio porque possui ao mesmo tempo, juntamente com os teoremas, as próprias coisas[9].

 

SEGUNDA SEÇÃO

 

O SISTEMA DE PLOTINO: FUNDAMENTOS E ESTRUTURA.

 

I. A PRIMEIRA HIPÓTESE: O UNO.

 

Demonstração preliminar da existência do Uno e das três hipóstases.

 

Todos os seres são seres em virtudes do Uno, tanto os que são seres num sentido originário como aqueles dos quais se diz que num sentido qualquer são contados entre os seres. Com efeito, o que poderia existir se não houvesse a unidade? Tanto é verdade que, apenas privados da unidade que lhes é atribuída, os seres não são mais os mesmo. Exemplificando, não há exército se não sabe apresentar-se como uno, nem há coro nem rebanho se não são “uno”. Do mesmo modo, nem há casa nem navio se não possuem unidade, dado que a casa é uma unidade e assim também o navio, tanto assim que, se perdem a unidade, a casa não será mas casa nem o navio será mais navio. Assim também as grandezas contínuas não existiriam se nelas não estivesse presente a unidade; sem dúvida, desde que sejam cortados, ao perder a unidade mudam o seu ser. O mesmo vale dos corpos das plantas e dos animais: cada um é uma unidade e, se escapa dessa unidade repartindo-se numa pluralidade, perde aquele primeiro ser que lhe era próprio, não sendo mais o que era; no entanto, tornando-se algo diverso, também o novo ser existe enquanto unidade. De resto, só se goza da saúde se o corpo estiver coordenado em unidade; só se tem beleza quando as partes são mantidas juntamente pela virtude do uno; mas até mesmo a virtude da alma acontece quando as potências se fundem na unidade e, mais exatamente, numa concórdia unitária[10].

 

[...] Todo ser que seja reconhecido como “uno” é uno exatamente na medida implicada pelo seu ser: em conseqüência, os seres menores têm a unidade em grau menor; os seres maiores têm maior unidade. Naturalmente também a alma – ainda que seja diferente do Uno – possui a unidade em grau mais alto, proporcionalmente ao seu ser mais alto e mais próprio dela; no entanto, ela não é o Uno em si; tanto é verdade que a alma é uma e, num certo sentido, essa unidade é acidental; com efeito, temos aqui dois termos: a alma e mais a unidade; nem mais nem menos do que corpo e unidade. Assim o descontínuo – por exemplo, o coro – está bem distante do uno; ao passo que o contínuo está mais perto dele; e mais perto ainda está a alma que está até em comunhão com o Uno. Mas se, pelo fato de que a alma não poderia ser alma sem ser uma unidade, se viesse a identificar a alma como o Uno, responderíamos primeiramente que todas e cada uma das almas só existem em companhia do “ser-unidade”; mas, no entanto, delas é diferente o Uno; pois também não se identificam corpo e unidade, mas o corpo participa do uno; em segundo lugar, também a alma uma é múltipla, embora não conste de partes; já que nela existem muitíssimas potências – raciocinar, desejar, perceber – que são mantidas juntas como por um vínculo unicamente em virtude do uno. A alma enfim, sendo uma em si mesma, introduz a unidade em outros seres; mas ela também a recebe por obra de outro[11].

A impossibilidade de que o Espírito seja o primeiro termo ficará clara pelo seguinte: o Espírito está necessariamente no pensamento; mais exatamente, na sua forma melhor o Espírito não pensa olhando para coisas exteriores, mas pensa o que lhe é anterior, voltando-se sobre si mesmo volta-se para o seu princípio. Ora, se ele é o pensante e o pensado será dúplice e não simples nem o uno; se, ao contrário, olha para um outro, de qualquer maneira olhará para o que é melhor e lhe é superior; e, finalmente, se olha para si mesmo e para o melhor, assim também ele é um segundo termo. Assim sendo, é necessário afirmar o Espírito e volte o olhar para ele e, de outra parte, esteja junto de si mesmos e se pense a si mesmo e se pense como sendo “todas as coisas”. Sendo assim tão vário, o Espírito não é o Uno[12].

 

Portanto, o princípio criador do mundo sensível não poderia ser, ele mesmo, mundo sensível, mas espírito e mundo do Espírito e assim, do mesmo modo, o princípio anterior a esse Espírito, o princípio que o gerou não é, em si mesmo, nem Espírito nem mundo do Espírito, mas é mais simples do que o Espírito e mais simples do que o mundo do espírito. O “muito” não deriva certamente do “muito”, mas esse nosso “muito” deriva do “não-muito”. Se, com efeito, ele fosse “muitos”, esse “muitos” não seria princípio, mas, antes dele, haveriam um princípio desse “muito”. É preciso, pois, concentra-se no que é realmente “uno”, livre de qualquer multiplicidade e mesmo de qualquer simplicidade, se deve ser realmente simples[13].

 

A infinitude, a absoluta transcendência e a inefabilidade do Uno.

 

Além disso, ele não é limitado no seu ser. Por quem o seria? Nem é ilimitado no sentido da grandeza. Por onde se estendia? Ou que finalidade atribuir-lhe, se não tem necessidade de nada? A sua potência, sim, conserva a infinitude. Na verdade, ele não se alimente em uma fonte distinta nem se exaure em si mesmo, pois é em razão dele que existe o inexaurível. Essa infinitude fundamenta-se justamente no fato de que Ele não é “mais de uno” e nada há qual encontre seu limite alguma das realidades que estão nele: digo que, justamente porque é “uno”, Ele não cabe nem em uma medida nem em um número. Assim não encontra fronteiras nem em outro nem em si mesmo; pois, em tal caso, ele incidiria na dualidade. Portanto, nem figura – porque nem mesmo tem partes – nem forma[14].

O Uno [...] nem se encontra em outro nem se encontra em meio ao divisível, e também não é indivisível como o termo mínimo matemático; antes, entre todas as coisas, ele é máximo não por extensão real, mas por potência, de sorte a estar privado de grandeza justamente pela sua potência; tanto é verdade que os seres que vêm logo depois deles são indivisíveis e sem partes por potência e não por volume ou massa.

Deve-se, pois, concebê-lo infinito não porque não tenha limite seja em grandeza seja em número, mas pela ilimitação da sua potência[15].

Mas, se alguém insiste em procurar o modo, lembra-se de que a potência não é determinada quantidade, mas mesmo dividindo-a ao infinito com o pensamento, sempre se obtém a mesma potência abissalmente infinita; já que ela não tem matéria, de sorte a que com a grandeza da massa possa diminuir tornando-se menor[16].

 

Daqui que, entre coisas, ele é inefável no verdadeiro sentido da palavra. Visto que com qualquer palavra que venhas a pronunciar, sempre exprimirás “alguma coisa”. No entanto, a expressão “além do todo” ou essa outra “além do Espírito sumamente venerável” são as únicas que, entre todas as outras, correspondem à verdade porque, definitivamente não são denominações que sejam alguma coisa de diferente daquilo que Ele é, e nem é uma coisa em meio às outras: e Ele é inominado exatamente porque não sabemos dizer nada a seu respeito, mas somente tentamos, como melhor nos suceda, dar alguma indicação acerca Dele, entre nós e para nosso uso[17].

 

As caracterizações positivas do Uno.

 

Se há “alguma coisa” ulteriormente ao Primeiro, exige a necessidade ou que derive dele imediatamente, ou se relacione com ele por meio de intermediários; existe, assim, uma ordem de “coisas do segundo grau” e uma ordem de “coisas do terceiro grau”: um remete ao primeiro – se entende que seja o segundo -, o terceiro remete ao segundo. Entendo que esse nosso Primeiro deva ser de uma simplicidade anterior a qualquer outra e, precisamente, Ele é diverso de tudo o que vem depois dele, existente em si, não misturado com as coisas que dele derivam e, no entanto, capaz de, por sua vez, estar presente segundo um modo próprio dele, nas outras coisas, uno é verdadeiramente Uno (não como se esse “é” fosse uma coisa diversa e depois se aplicasse ao Uno), em suma, o Uno a respeito do qual já a expressão “é uno” soa falsa; Uno do qual não se tem nem conceito nem ciência; em última análise o Uno do qual se costuma dizer que “está além do ser”. Com efeito, se não fosse simples, livre de toda causalidade e composições e verdadeiramente e propriamente uno, Ele não seria princípio; só pelo fato as coisas; pois que o “não-simples” tem necessidade dos elementos simples nele contidos para que seja constituído por eles[18].

 

Mas, o que é princípio não pode ter necessidade do que vem depois dele; o princípio do Todo não tem modo algum necessidade desse Todo; na realidade, o que é carente é carente enquanto aspira ao seu prIncípio; mas, se o Uno é carente, Ele, evidentemente, só pode buscar o não ser Uno. E assim, teria necessidade daquele que o suprimiria! No entanto, tudo o que pode ser dito carente é carente de bem, isto é, do que o conserva. Logo, para o Uno nada é bem; e assim ele não terá desejo de nada no mundo. Ao contrário, Ele é Super-Bem: e não é bem para si mesmo, mas é bem para os outros seres que evidentemente estejam em condições de participar dele[19].

 

[o Uno]... não é, por assim dizer, um Incônscio; não, mas todo o seu conteúdo não só está nele mas também com ele; Ele discerne perfeitamente a si mesmo; nele há vida; mas ainda, tudo é nele; e até a sua contemplação – que é Ele mesmo – é acompanhada, segundo não sei que sentimento, por uma fixidez eterna e por uma atividade espiritual que nada tem a ver com o pensamento do Espírito[20].

E ainda:

Mas que se resignará a acolher uma natureza que não tenha consciência e conhecimento de si? – Mas que quereis que conheça? “Eu sou”? Ora, Ele não “é”! – Por que não dizer, ao menos, “Eu sou o Bem”? – Mas, assim Ele deveria atribuir-se de novo o predicado “é”! Enfim, se Ele se limita a exprimir unicamente “o Bem”, qual seria esse acréscimo? Certamente, alguém poderia muito bem pensar o “bem”, sem o “é”, desse que não o predique de outro; quem, ao contrário, pensa de si mesmo ser ele o bem, deve desenvolver desta forma o seu pensamento: “Eu sou o Bem”, pois de outra maneira ele terá o pensamento “bem”, mas não terá presente que esse pensamento é Ele mesmo. É preciso, pois, que o pensamento seja “Sou o Bem”. Mais exatamente: se o próprio pensamento é o Bem, o pensamento não se referiria a ele, mas ao Bem e Ele mesmo não seria o Bem, e sim o pensamento; se ao contrário, o pensamento do Bem é diverso do Bem, o Bem já existia antes do pensamento dele. Mas se o Bem existe em plena suficiência antes do pensamento, sendo Ele suficiente a si mesmo com respeito ao bem, não tem de maneira alguma necessidade do pensamento em torno de si mesmo. Concluindo, Ele não pensa a si mesmo enquanto bem, mas enquanto “alguma coisa”. Assim, Ele não te, propriamente senão um simples ato intuitivo dirigido ao seu conteúdo[21].

 

O Uno como atividade livre autoprodutora.

 

Mas, para terminar, desde o momento em que sua pretensa “existência” coincide com a sua pretensa “ação” – certamente o “ser” e o “agir” não são aqui coisas diversas, se é verdade que tal diversidade não ocorreria nem mesmo no campo do Espírito -, então a expressão “agir em conformidade como o ser” não é de maneira alguma preferível à outra “ser em conformidade com o agir”; para concluir, o Bem não tem de modo algum uma atividade correspondente à sua natureza; a sua atividade, a saber, que pode ser chamada a sua vida, não pode ser referida ao seu pretenso ser; mas seu pretenso ser é unido e quase conatural com a sua atividade desde toda a eternidade; o Bem cria a si mesmo desde o ser e o ato, e pertence a si mesmo e a nenhum outro[22].

 

No entanto, se é necessário introduzir essas expressões que são inadequadas ao objeto da investigação, deve-se repetir que com razão se afirma a exigência de não fazer Dale uma dualidade nem mesmo por abstração mental; no momento, porém, em vista da persuasão, permitri-nos-emos sair um pouco do caminho da lógica no nosso discurso.

Se, pois, nós Lhe atribuímos atos e se esses atos se cumprem, por assim dizer, através da Sua vontade – pois Ele não age involuntariamente – esses atos são, por assim dizer, a sua “essência”, então a Sua vontade será idêntica à Sua essência. Mas, se assim é, então Ele é tal como quer ser. Portanto, para Ele, não é mais querer e agir segundo a Sua natureza do que querer e agir como idêntico a ser. Por conseguinte, Ele é senhor absoluto de si mesmo, tendo o Seu próprio ser no Seu querer.

Considera ainda o seguinte. Todo ser aspira ao Bem e quer o Bem de preferência ao que ele é; pensa que tanto mais é quanto mais participa do Bem. Assim sendo, todo ser escolhe para si na medida em que mais pode receber do Bem, pois é claro que a natureza do Bem é objeto de escolha primeiramente e antes de tudo por ela mesma, se é verdade que a medida limitada de bem que se encontra num ser é o que primeiramente o torna preferível; portanto, sua essência é livremente, ela advém por meio da vontade, é uma e idêntica com a vontade e existe pela vontade. Assim, enquanto cada ser não atingiu o Bem, deseja algo diverso; apenas porém possui o Bem deseja a si mesmo, e não por acaso existe essa presença do Bem, e sua essência não está fora do seu querer, pois a essência de cada ser é limitada pelo Bem e é em virtude do Bem que ele pertenceu a si mesmo.

Se, portanto, é pelo Bem que cada ser singular se faz a si mesmo, torna-se claro sem mais que o Bem é tal primeiramente para si, já que por Ele é dado aos seres ser eles mesmos e por Ele os seres têm a vontade de ser o que são segundo o que se pode chamar a sua “essência”. Assim, é impossível concebê-lo sem a vontade de ser por ele mesmo o que Ele é; Ele é a si mesmo um bom companheiro na sua vontade de ser Ele mesmo e Ele é justamente o que quer ser e sua vontade e o seu ser são unidade; e por isso a sua unidade não é diminuída, pois o que Ele é, o que de fato é e o que queria ser, não são diferentes.

Com efeito, que mais teria podido querer se não aquilo que é? Explicou-me: se supusermos que Ele escolhe para si mesmo o que quereria ser e lhe seja permitido mudar sua natureza em uma outra, Ele não quereria tornar-se outro com respeito ao que é, e não poderia repreender-se a si mesmo como se por fatalidade fosse o que é, a saber, esse ser que sempre quis e que ainda quer.

Na verdade, a natureza do Bem consiste substancialmente na Sua vontade, a vontade de um ser que não é corrompido nem atraído por sua própria natureza, mas escolhe livremente a si mesmo, pois que nada existe pelo qual possa ser arrastado.

Pode-se ainda dizer que os outros seres não contêm na sua essência uma razão de comprazer-se em si mesmos; com efeito, um ser pode não estar satisfeito consigo mesmo! Ao contrário, na hipóstase do Bem está necessariamente incluída a escolha e a vontade do próprio ser pois, de outra maneira, nunca poderia existir um ser “contente consigo mesmo” já que os seres só se comprazem em si mesmos pela participação ou representação do Bem.

No entanto, é preciso um pouco de condescendência com a termologia já que, falando Dele, somos forçados, para fins de demonstração, a usar expressões que, em todo rigor, não aceitaríamos empregar. Em todo caso, para cada uma delas nos reservamos acrescentar o “por assim dizer”. Se, portanto, o Bem subsiste e coexistem com Ele a escolha e a vontade (sem as quais Ele não poderia existir), e se é necessário que Ele não seja multiplicidade, é preciso reconduzir à unidade Sua vontade e Sua essência; Ele tem necessariamente, ao mesmo tempo, o querer – o querer que deriva Dele mesmo – e o ser – o ser que também deriva Dele mesmo – de sorte que nosso discurso descobriu que Ele é o Criador de si Mesmo. Com efeito, se a vontade provém Dele e é, por assim dizer, sua obra, e se ela se identifica com a sua existência, então Ele existe por si mesmo tal como é. Em conseqüência, Ele não é como o que acontece por acaso, mas é o que Ele mesmo quis ser[23].

Pouco antes dessa página, Plotino observara:

[...] Ele não é como é porque não podia ser diferente, mas porque esse “assim como é” é o que de mais alto se possa imaginar[24].

Decorre daqui que o princípio supremo seja não só amável, ma também amor, amor de si:

Mais ainda, Ele é amável e é Ele mesmo amor, amor de si; pelo simples fato de que não pode ser belo senão a partir de si e em si. E seu modo de união a Ele mesmo não poderia obtê-lo por outra via senão pela unidade e identidade do que se une com aquele ao qual se une[25].

Ele porém possui o lugar supremo – na verdade não “possuindo” mas “sendo” Ele, mesmo o vértice – Ele tem sujeitas as coisas na sua totalidade, não vindo a elas; são elas que vêm a Ele; mais ainda, os outros seres estão em torno Dele, mas não é Ele que volta o olhar para eles, mas eles que O contemplam. Ele é, por assim dizer, transportado ao interior de si mesmo amando a si mesmo e a sua pura luz, sendo Ele mesmo idêntico ao que ama [...][26].

 

A processão de todas as coisas do Uno.

 

[...] Como [...] do Uno, de um “uno” assim feito como nós asseveramos que é o Uno, vem à existência qualquer outra coisa – multiplicidade, ou díade ou número - ? Ou como, ao contrário, Ele não continuou em si mesmo, mas fez brotar uma multiplicidade tão difusa qual a que se descobre nos seres, a multiplicidade da qual, no entanto, nós postulamos que deva remontar a Ele?[27]

 

Existe, sim, alguma coisa que poderia chamar-se um centro; em torno a este centro um círculo irradiando o esplendor que emana daquele centro; em torno a estes (centro e primeiro círculo) um segundo círculo: luz da luz!

Fora desses, porém, não existe um novo círculo de luz, mas o círculo que vem depois, por falta de luz, própria, terá necessidade de uma irradiação que vem de fora. Será então uma roda ou melhor, um globo que tira proveito do que ocupa o terceiro lugar (segundo círculo) – pois com ele imediatamente confina – recebendo toda a luz que ele irradia. Ora, a luz imensa permanecesse enquanto irradia; e o raio que dela emana difunde-se segundo determinada proporção; mas as luzes restantes cooperam para a irradiação e, em parte, permanecem ali, em parte são, além disso, atraídos pelo esplendor das coisas iluminadas[28].

 

Como, pois, convém pensar a respeito Dele, que é imóvel? É um esplendor em torno que emana Dele, mas Ele permanece imóvel; como no sol o esplendor lhe faz uma auréola em torno, esplendor emanando Dele que permanece eternamente. De resto, todos os seres, enquanto duram, emanam do fundo da sua essência, em torno a si e fora de si, uma certa existência necessária ligada à sua operação atual, e é como a figura dos arquétipos dos quais brotou: o fogo difunde o seu calor e a neve não guarda o frio somente dentro de si. Mas uma prova excelente do que dissemos dão-na as substâncias olorosas: com efeito, enquanto duram, algo vindo delas se difunde em torno, de modo a causar prazer em quem está perto.

Além disso, todos os seres, tendo chagado à maturidade, procriam; mas o que é sempre perfeito procria sempre e eternamente; procria sempre algo de inferior ao seu ser. Que deveremos dizer, então, do que é perfeitíssimo? Dele nada pode nascer, a não ser o que é o maior depois Dele; mas o maior depois Dele é o Espírito que O segue como segundo; vale dizer que o Espírito tem a visão Dele e tem necessidade unicamente Dele, mas Ele não tem necessidade de nada. Mais ainda: o que é gerado pelo Uno, que é superior ao Espírito, deve ser Espírito e o Espírito, por sua vez, supera todas as coisas, pois que as outras coisas vêm depois dele. Assim ainda, a Alma é o Pensamento do Espírito e é, de alguma maneira, a sua atividade, exatamente como o Espírito é pensamento e atividade que se referem ao Uno[29].

 

Que é propriamente [i. é. o Uno]? Potência de todos os seres a qual, se não existisse, não existiriam nem a totalidade dos seres e nem mesmo o Espírito – vida primeira e total. Mas, o que está acima da vida é causa da vida: já que não é a atividade da vida – isto é, a totalidade dos seres – que é e, primeiro lugar; não, mas ela é exatamente como se brotasse de uma fonte. Pensa, com efeito, em uma fonte que não tenha outro princípio senão a si mesma e que, no entanto, de si mesma dê a todos os rios sem nunca deixar-se esgotar, mas em si permaneça tranquilamente, pensa ainda nos rios que dela nascem, os quais, antes de correr separados daqui e dali, por um trecho ainda estão juntos; mas cada um sabe, por assim dizer, por onde se derramarão as suas correntes. Ou então, pensa numa árvore gigantesca: a sua vida a pervade inteiramente enquanto o seu princípio permanece imóvel e não se dispersou no todo, mas, por assim dizer, está solidamente fundado na raiz. Portanto, esse princípio fornece à árvore toda a sua vida na sua multiplicidade; mas ele, permanece imóvel em si, uma vez que não é múltiplo, mas somente princípio de uma vida multíplice[30].

 

Assim, cada um dos graus do ser se comporta da seguinte maneira: fazendo do Bem o centro, deve-se pôr o Espírito como um círculo imóvel e a Alma, ao invés, como um círculo móvel, entendendo-se móvel por força de aspiração. Pois o Espírito tem diante de si o Bem e o abraça, a Alma por sua vez deseja o que está para além do ser; e a esfera do Universo tendo em si a Alma com aquela sua aspiração, move-se conforme esse desejo nativo; mas o Universo, enquanto corpo, aspira naturalmente ao ser do qual se encontra fora, ou seja, a estender-se totalmente em torno e a circundar-se de si mesmo; portanto, circularmente[31].

 

Deve-se conceder que, justamente porque com toda a sua circunferência um círculo toca o centro, ele tem as suas propriedades do centro e é como que “centriforme” na medida em que os raios que, em círculo, convergem para o centro único, fazem com que as extremidades deles, que terminam no centro, sejam da mesma natureza do centro que elas atingem e do qual, por assim dizer, os raios brotaram; no entanto, o centro é superior a essa sua coincidência com estes raios e, mais exatamente, a essas extremidades, pontos característicos dos raios e que são o centro somente por assimilação. Na verdade, elas são imagens enfraquecidas dele e como o seu simples traço; o centro tem em seu poder essas extremidades como tem em seu poder os raios que de todas as partes o cercam; justamente por meio dos raios o centro se manifesta assim como é, e é como que desenvolvido sem tê-lo sido verdadeiramente. É justamente assim que convém conceber tanto o Espírito como o Ser: tendo nascido Dele e como que derramado fora e desenvolvido, e a Ele suspendido em virtude da sua natureza espiritual, o Espírito atesta que o Uno há, por assim dizer, um “Espírito não-Espírito”, já que Ele é Uno. Da mesma maneira, o centro aí não é nem os raios nem o círculo, ele é como o pai do círculo e dos raios e deixa neles como um traço de si mesmo; com seu poder tranqüilo ele gerou por íntima força raios e círculos que não se separam completamente dele. Assim é Aquele que é circundado pela potência intelectual e que é como o arquétipo do seu próprio reflexo, intelecto na sua unidade, enquanto o outro, difundindo-se em muitos e no sentido de muitos, é como vencido pela multiplicidade, tornando-se, assim, Espírito; ora, se Aquele que permanece na sua unidade antes do Espírito gerou o Espírito com a sua potência, que concurso de circunstância (o cego acaso ou o acontecer acidental) poderia aproximar-se de tal potência criadora do Espírito, e potência criadora verdadeiramente tal? Eis pois o que se encontra no Espírito; mas, de muitas maneiras superior a esse conteúdo é o que está naquele Uno; é como uma luz partindo de um único centro, em si mesmo diáfano, que se difunde pelo espaço. O que se difunde é apenas um reflexo, enquanto o centro é a luz verdadeira; e, todavia , a luz que se difunde não é de espécie diferente daquele da fonte. Assim o Espírito é uma simples imagem, mas não existe por puro acaso, mas em todo ele há razão e casualidade; o Uno, porém, é causa da causa[32].

 

Mas, como, permanecendo Ele estável, o devir se desenvolve? Em virtude da força de agir. Ela é dúplice: uma está encerrada no ser; outra transborda do ser particular de cada coisa; aquela que pertence ao ser é exatamente a mesma coisa em ato; aquela que transborda e que deve necessariamente acompanhar cada coisa é diversa dela. Assim, por exemplo, acontece no fogo: há, de um lado, o calor que nasce como já derivado da essência, enquanto o fogo, naquele seu simples perseverar como fogo, exerce a força operante guardava nativamente no seu ser. Assim é também no mundo superior; e mesmo, lá, com mais razão ainda, enquanto o Uno permanece no seu próprio modo de ser, a força de agir, tendo nascido da perfeição e da operação que lhe é unida, torna-se hipóstase justamente porque surge de um poder muito grande – certamente entre todos, o poder supremo[33].

 

II. A SEGUNDA HIPÓSTASE: O “NOUS OU O ESPÍRITO

 

A dupla relação que liga o Uno e o Espírito.

 

Na verdade, a “alteridade” inteligível que cria a matéria é eterna; já que ela é o princípio da matéria, ela com o primeiro movimento; por isso este também era chamado “alteridade”, pois o movimento e a alteridade nasceram juntos; e são indeterminadas tanto o movimento com a alteridade, que derivam do Primeiro e têm necessidades Dele para serem determinadas: alcançavam a determinação todas as vezes que se voltam para Ele; antes, porém, também a matéria é algo indeterminado e é puramente o “outro”, não é ainda o bem, mas está privada do seu esplendor. Vale dizer que, se a luz se difunde a partir Dele, o que é receptáculo da luz antes de recebê-lo não tem por si eternamente luz, mas tem a luz como algo distinto de si, uma vez que a luz é derivada de um “Outro”[34].

 

[...] Ele transborda, por assim dizer, e a sua exuberância dá origem a uma realidade nova; mas o ser assim gerado apenas se volta para Ele e ei-lo logo pleno; e nascendo, volta seu olhar si mesmo e ei-lo Espírito. Mais exatamente ainda: sua firme orientação para o Uno cria o Ser, a contemplação que o Ser dirige sobre si mesmo cria o Espírito. Ora, uma vez que o Espírito, para contempla-se, deve igualmente estar orientando para si mesmo, Ele se torna simultaneamente Espírito e Ser[35].

 

Portanto, o Espírito recebe Dele a potência de gerar e permanecer grávido da sua própria progenitura, já que o Bem oferece justamente o que Ele não possuía. Como quer que seja, da unidade do Bem deriva para o Espírito a sua multiplicidade; ou ainda, não sendo o Espírito capaz de manter aquela potência que trazia em si, a dividiu e fez da unidade uma multiplicidade, para que assim pudesse sustenta-la por partes[36].

 

Enquanto o Espírito olhava para o Bem, acaso ele pensou aquele Uno como multiplicidade e, ainda que fosse uno, pensou-o como múltiplo e o repartiu em si pela impossibilidade de pensa-lo todo de uma vez? Mas, enquanto O olhava ele não era ainda Espírito e o olhava de uma maneira que ainda não é espiritual. Mais ainda, deve-se dizer que, propriamente, ele nunca O viu, mas que vivia orientado para Ele, dependia Dele e para Ele se voltava; assim esse seu movimento alcançou a plenitude em virtude do mover-se lá exatamente em torno Dele e plenificou o Espírito de modo que ele não foi simplesmente um movimento mas um movimento pleno e saciado; em seguida ele tornou-se “todos os seres” e conheceu essa novidade com o saber a si mesmo e foi, então, Espírito! Pleno, de modo que possui o que deve contemplar-se, vendo aquelas coisas com a luz que vem Daquele que lhe deu essas mesmas coisas[37].

 

O Espírito como Ser, Pensamento e Vida.

 

Afirmamos que os seres enquanto seres – seja qualquer ser singular em si, seja os seres verdadeiramente tais – têm sua morada na região do Espírito não só porque perseveram inalteradas no seu ser, ao passo que tudo o que é objeto da sensação flui e não permanece (de resto, mesmo entre os sensíveis há alguma coisa que permanece), mas sobretudo porque eles têm em si mesmos a completude do próprio ser. Na realidade, aquela que é chamada “essência originária” não pode ser apenas uma sombra do ser, mas deve possuir a plenitude do ser. O ser, porém, é a sua plenitude quando possui a forma de pensar e do viver. Assim, no ser coexistem a um tempo o pensar, o viver e o ser. Portanto, se é Ser também é Espírito e se é Espírito também é Ser, e o pensar vai juntamente com o ser[38].

 

Se, pois, o ato de pensar tem por objeto o conteúdo do Espírito, então esse conteúdo é a forma; e é também a idéia. Que é, pois, essa forma? É o Espírito e a essência inteligível: cada idéia singular não é diversa do Espírito, mas é, cada uma, Espírito. E o Espírito na sua totalidade é a totalidade das formas; a forma, porém, na sua singularidade, é o Espírito enquanto singular, assim como a ciência total é a totalidade dos seus teoremas, mas cada teorema é uma parte da ciência inteira, não como se dela se separasse localmente, mas na medida em que, como singular, tem sua validez somente no todo. Assim, esse Espírito é em si mesmo e possuindo a si mesmo em paz perfeita, é plenitude eterna. Ora, se Espírito fosse pensado e pensado, leva à completude e gera os seres; mas sendo necessário pensar o ser antes do pensamento, é necessário também que se ponham os seres dentro do Pensante, e que a atividade e o pensamento morem no ser assim como no fogo já está a energia do fogo, a fim de que os seres tenham em si, como tal é atividade: portanto, ambos têm uma única atividade ou melhor, são ambos uma única realidade. Portanto, tanto o Ser como o Espírito têm uma natureza única; assim também, em conseqüência, os seres, a atividade do Ser e o Espírito tal como nós o entendemos; e os pensamentos assim entendidos são a idéia e a forma do ser e sua energia. Somos nós que fazemos essa partição e imaginamos uma coisa antes da outra; pois o espírito que divide é distinto do Espírito indivisível e que não divide, e que é o Ser e todas as coisas[39].

 

O Espírito como “cosmo inteligível”.

 

[...] Nós [...] concedemos que o Ser seja multiplicidade em razão de alteridade, mas não no sentido do lugar. Com efeito, o Ser é “tudo simultaneamente” mesmo se seja, nesse sentido, pluralidade; já que “o ser confina com o ser” e é “todo simultaneamente”; o Espírito igualmente é múltiplo somente em razão de alteridade, não em sentido local, mas é também “todo simultaneamente”[40].

 

O Ser será, pois, vário e múltiplo? Vário, sim, mas com uma variedade simples e uma multiplicidade una. Na verdade, o Ser é forma racional única e múltipla e o ser universal é unitário. Com efeito, também o “outro” é devido ao seu ser e a alteridade lhe pertence: compreende-se que ela não possa entrar no “não-ser”. Além disso, o ser entra na Unidade inseparada e onde quer que esteja o ser, junto dele está a sua unidade e, doutra parte, o Uno é ser em si mesmo, já que é possível que coexistam presença e distinção[41].

 

Os seres inteligíveis, sendo “muitos” são “uno” e sendo “uno” são “muitos” em virtude da sua natureza ilimitada. São, assim “muitos” em “uno” e “uno” em “muitos” e são todos simultaneamente: O seu ato referido ao universal se exerce com todo o seu ser; mas, referido ao particular se exerce igualmente com todo o seu ser[42].

O Ser basta para cada indivíduo singular e abraça em si todas as almas e todos os espíritos. Com efeito, ele é uno, mas também é infinito; é tudo simultaneamente e traz consigo o singular distinto e, no entanto, não-distinto por separação. De fato, em que outro sentido o Ser poderia ser dito infinito senão neste, a saber, que possui tudo ao mesmo tampo, ou seja, toda vida, toda alma e todo espírito? Nenhum destes seres, porém, está separado dos outros por fronteiras: por isso o Ser é uno[43].

 

Mas se é necessário que nenhuma energia operante de Deus permaneça incompleta, nem é permitido pensar quer qualquer coisa que diga respeito a Deus se diferencie do inteiro e do todo, então, em qualquer coisa que Lhe diga respeito está contido o todo. Assim, o que comumente entra no futuro, para Ele está presente; na verdade, nada é tardio para Ele e o que lá já é presente só mais tarde aparece no devir, “em um outro”. Ora, se o futuro já está presente, ele o está necessariamente, exatamente como um pensamento que está antecipadamente firme com relação ao futuro, ou seja, no sentido de que “não tem necessidade de nada” ou de que “é inexaurível”. Por conseguinte, tudo já foi e foi eternamente no sentido de que mais tarde a palavra humana dirá “isto e depois isto”. Somente se for estendido e, por assim dizer, desenrolado pode se mostrar aí o “isto e depois isto”. Mas enquanto é juntamente tudo, então somente “isto”, ou seja, possui também a sua causa[44].

 

Há também uma idéia do indivíduo singular? Se eu ou qualquer outro obtivermos a subida ao mundo inteligível, então o princípio de cada um está ali. Ou ainda, se a alma de Sócrates é sempre Sócrates, então haverá um “Sócrates em si”: em conseqüência, a alma individual será ali (ali tal como costumamos dizer); se, ao contrário, a alma de Sócrates, não é sempre Sócrates, mas o que antes era Sócrates, renasce aqui e ali como Pitágoras ou qualquer outro, então esse nosso ser singular não estará ali (no mundo inteligível)[45].

[...] O número não é o primeiro; antes da Díade vem o Uno, a Díade vem em segundo lugar e, procedendo da unidade, tem o Uno como limite, enquanto o Uno é por si mesmo ilimitado. Sendo limitada a Díade, surge o número. O número é como essência; e também a alma é número. Nem as massas nem as grandezas serão os primeiros princípios; pois essas coisas grosseiras que a sensação crê como seres são posteriores. De resto, também nas sementes o que vale não é o elemento úmido, mas o que não é visível: e isto é número e razão. O número do qual se fala no mundo inteligível e a Díade são razão e espírito. De um lado há a Díade indefinida, entendida como o que é, por assim dizer, fundamento; de outro, o número que surge dela e da unidade; o espírito é como que formado pelas formas ideais que nele se fazem presentes[46].

 

O número estava no ser não como número do ser (pois o ser era ainda unidade); mas a força do número, tendo vindo à existência, partiu o ser e o fez provar, por assim dizer, as dores da multiplicidade; e, assim, será número ou a essência do ser ou a sua atividade; e também o “Vivente em si” e o Espírito serão número[47].

 

[...] Com a ajuda do número, o Ser produz os seres, movendo-se com ritmo numérico e fazendo-se preceder dos números antes de chamar à existência os números, exatamente como a sua unidade prende o próprio Ser ao Primeiro; ao contrário, os números prendem os outros seres não mais ao Primeiro, pois basta que o Ser esteja preso a eles[48].

 

III. A TERCEIRA HIPÓSTASE: A ALMA.

 

A processão da Alma desde o espírito e a dupla relação que vigora entre a Alma e o Espírito.

 

[...] O ser do Espírito é puro ato e nada há fora Dele ao qual se dirija essa atividade; dirige-se,pois, a si mesma. Somente pensando a si mesmo Ele pode, portanto, voltar para si e em si o seu ato. Na realidade, se algo provém Dele, isso acontece em virtude do ‘para si e em si”. Era necessário que, antes de tudo, Ele fosse em si mesmo, e somente depois se voltasse para um ser diverso Dele, ou melhor, que um ser diverso derivasse Dele, mas sendo semelhante a Ele. Como, por exemplo, o fogo é primeiramente em si e tem a atividade do fogo e só então pode produzir fogo em outro objeto [...][49].

Eis um segundo texto não menos eloqüente:

A alma [...] é força operante que procede Dele; pois que algumas vezes o Espírito exerce sua atividade no seu interior e o resultado de tal atividade são os restantes espíritos; outras vezes fora de si e o resultado é a Alma[50].

 

[...] A alma é um pensamento do Espírito e é total atividade e vida que o Espírito lança para fazer subsistir um outro; assim como o fogo que é, de um lado, o calor que está nele, de outro, o calor que ele difunde. No Espírito, porém, é necessário pensar uma atividade que não flui, mas permanece Nele, enquanto a outra atividade subsiste separada. Ora, já que a Alma deriva do Espírito, ela é inteligível e nos seus raciocínios está o seu Espírito; o seu aperfeiçoamento depende sempre novamente Dele, como de um pai que começou a nutri-la como tendo sido gerada imperfeita com relação a Ele. Assim, o existir [da alma] deriva do Espírito e o ato do seu pensar consiste em que o Espírito é contemplado pela alma; quando ela mira o Espírito tira do seu fundo, como coisas que lhe pertencem, tudo o que pensa e ativamente realiza. E isso somente convém chamar atividade da alma: tudo o que é inteligível ou espiritual e procede da morada da alma! As coisas inferiores, ao invés, provêm de outra fonte e são as paixões de tal alma. Em suma, o Espírito sempre torna mais divina a alma por ser Ele seu pai e por estar sempre presente; pois nada se interpõe entre eles a não ser a alteridade no sentido de que a alma é como o grau posterior e é como o receptáculo, enquanto o Espírito é forma. É bela a matéria do Espírito sendo ela formada pelo Espírito e sendo simples[51].

Algo de semelhante ao indefinido é a Alma em face do Espírito e da forma racional, uma vez que, em razão da sua natureza, é por eles informada e elevada assim a uma forma de maior valor [...][52].

[...] A Alma é o pensamento do Espírito e é, num certo sentido, a sua atividade, assim ,como o Espírito é pensamento e atividade que se refere ao Uno. O pensamento da Alma, na verdade, é um pouco obscuro, já que é por assim dizer, somente um simulacro do Espírito e deve, por assim, voltar o olhar para o Espírito; mas o Espírito, igualmente, deve voltar o olhar para Aquele [o Uno], para que possa ser Espírito. Ele O vê, porém sem separar-se Dele já que vem imediatamente depois Dele e entre eles, como também entre o Espírito e a Alma, nada há de intermédio[53].

 

A tarefa da alma racional é certamente pensar, mas não somente pensar; como se distinguiria então o Espírito? Ela acrescenta alguma coisa ao seu ser espiritual pela qual consegue sua própria substância e não permanece no Espírito, possuindo uma obra propriamente sua, como qualquer outra realidade inteligível. Mas, enquanto olha que o que vem antes dela, a Alma pensa; enquanto olha a si mesma, ela se conserva; enquanto olha o que vem depois dela, ordena, dirige e comanda essa realidade. A realidade universal não poderia permanecer estática na esfera do Espírito, desde que surgiu a possibilidade de que alguma coisa O seguisse, mesmo que fosse numa esfera inferior, mas assim mesmo necessária [...][54].

 

[...] Na verdade, a tarefa da alma é a de criar todas as coisas, pois ela tem a natureza de princípio[55].

Toda alma pense bem no seguinte: ela criou todos os viventes, neles inspirando a vida, os que nutre a terra e os que nutre o mar, os que estão no ar e os que está no céu – os astros divinos -; ela criou o sol e também o grande céu; ela o adornou e faz girar segundo determinada ordem, não obstante seja uma natureza diferente das coisas que ordena e move; quanto às coisas que verifica, ela é necessariamente mais digna de honra do que elas, pois enquanto tais coisas estão sujeitas ao nascer e ao morrer (desde que a alma as abandone ou lhes conceda a vida), a alma, por sua vez, existe eternamente já que nunca abandona a si mesma[56].

Por conseguinte, a Alma é não somente princípio de movimento, mas é, ela mesma, movimento:

[...] Essa energia ativa que procede do Ser é “Alma” que se torna o que é, enquanto o Espírito permanece estável; pois também o Espírito surgiu, enquanto “o que era antes dele” (= o Uno) permanecia na imobilidade. A alma, porém, não é imóvel no seu criar; ao contrário, ela gerava a sua imagem quando já estava em movimento. Ora, ela se torna plena do Espírito quando olha para o alto, de onde nasceu; mas quando se move numa outra e oposta direção ela gera – como imagem de si mesma – a sensibilidade e, nas plantas, a potência vegetativa[57].

 

Todas essas gradações [Espírito e Alma] são Ele e não são Ele; são Ele porque Dele derivam; mas não são Ele porque Ele, permanecendo em si mesmo, outra coisa não fez a não se dar. Em conclusão, trata-se de um lento fluir de vida que se estende longamente; cada um dos trechos sucessivos é “um diverso”, mas o todo é compacto em si mesmo e se, em razão da diferença, todas as coisas surgem sempre novas, o antigo não se perde no novo[58].

 

A alma e sua posição intermediária.

 

Quem compreende plenamente isto, explorando assim a vastidão da alma e o seu poder, saberá quão divina e admirável é a alma e como pertence a uma ordem transcendente. Não tem grandeza, mas, no entanto, está em toda grandeza; está aqui e, no entanto, está ali e não com outro meio, mas com o mesmo que é ela mesma, pelo qual está dividida e, por outro lado, não dividida; ou, mais exatamente, em si mesma está dividida e, no entanto, não tombou na condição do que está dividindo; queremos dizer que ela permanece consigo mesma a sua inteireza e somente os corpos fazem-na aparecer dividida, uma vez que os corpos, pela sua própria divisibilidade, não estão em condição de acolhê-la inseparavelmente: a divisão, em resumo, é algo que acontece com os corpos, não com a Alma[59].

 

Pluralidade da Alma.

 

Foi dito assim – como recapitulação da doutrina – que as almas procedem de uma só alma [...]. Por que então a Alma do Todo, sendo da mesma espécie [das almas particulares], criou o mundo, enquanto a alma do indivíduo, embora possuindo tudo em si mesma, nada criou? Já foi dito que ela é capaz de ser a um tempo em muitos e de ser uma. Agora devemos dizer [...] de que maneira e por que a Alma criou o mundo, ao passo que as almas particulares governavam uma parte do mundo. Ora, nada há de admirável em que, entre pessoas de um mesmo saber, umas exerçam um governo maior, outras mais reduzido. Mas, por quê?, poderia alguém perguntar. Porque, poderia outro responder, há entre as almas diferentes de grau e até uma diferença maior enquanto uma [alma do Universo ou alma do Todo] não se separou da alma universal [alma primeira e suprema], mas, permanecendo lá no mundo superior, se revestiu do corpo, enquanto as outras [= as almas particulares], uma vez que o corpo existia e estava sob o domínio da alma irmã, tomaram para si em sorte a parte que lhes era devida, como se aquela [alma do universo] tivesse preparado moradas para elas. Conviria também dizer que a Alma universal [a Alma primeira e suprema] olha para o Espírito universal; as outras, ao invés, olham para os espíritos parciais que lhes são próprios. Talvez também essas poderiam criar; mas desde que a Alma universal tinha criado, isso não foi concebido às outras, já que a primeira tinha tomado a iniciativa de fazê-lo. Tal dúvida poderia surgir também se outra alma qualquer tivesse começado a criar. É melhor dizer que a Alma do mundo criou porque ela está mais intimamente ligada aos Seres supremos e porque maior poder têm os seres que estão voltados para o mundo superior; com efeito, conservado seu ser numa morada estável, criam com maior facilidade. É certamente sinal de maior poder não sofrer naquilo que se cria; mas o seu poder vem do seu permanecer no mundo superior. Assim, perseverando em si mesma, a Alma do mundo cria, enquanto as suas criaturas a seguem; mas as outras almas avançam por si mesmas sobre as coisas; assim se afastam e descem ao abismo; ou então o que há de melhor nelas é forçado a ir para baixo, arrastando na sua ruína seu próprio “ser” e descendo com seus pensamentos até o mais infinito[60].

 

O fato de que a Alma seja uma não suprime a pluralidade das almas – assim como o Ser não suprime os seres – nem a multiplicidade no mundo inteligível suprime a unidade; também não devemos recorrer à multiplicação das almas para encher os corpos de vida e nem devemos crer que a alma se multiplique através da divisão corpórea. Com efeito, antes dos corpos, existem tanto as “muitas almas” como a “Alma única”. No Todo, as “muitas almas” já existem em ato cada uma, e não apenas em potência, uma vez que a Alma Única ou Universal não impede que “muitas” existam nela, nem as “muitas” são obstáculos à Única. Elas se distinguem sem separar-se e estão presente uma à outra sem estranhar-se; pois não são limitadas por fronteiras, assim como as ciências são muitas numa só alma. Do mesmo modo, a Alma única é capaz de trazê-las todas em si. E assim sendo, sua natureza é infinita [...][61].

 

Alma, physis e logos.

 

No entanto, em que se distingue o pensamento sobre o qual discorremos, d assim chamada natureza? Nisso, a saber, que o pensamento é algo primordial, a natureza, ao invés, algo de último. Pois a natureza é uma imagem do pensamento e constituindo a fímbria extrema da alma tem também o último vestígio da razão que nela irradia. Assim como, quando num denso pedaço de cera um sinete penetra até o fundo, a parte superior é muito clara, mas a inferior é apenas um débil marca. Por isso a natureza não sabe, mas somente produz. Queremos dizer que ela dá o que tem em si, sem propósito deliberando, ao que lhe é inferior, o corpóreo e o material; e esse dom é uma produção, assim como o corpo já aquecido cede a sua qualidade formal ao que lhe é contíguo, ainda que em grau menor. [...] O Espírito possui já o seu conteúdo de pensamento; mas a Alma do Universo recebe e recebe sem descanso; para ela isso é o viver e o que emerge é consciência da alma pensante; o quanto de alma que, por outro lado, se reflete na matéria é natureza; natureza na qual os seres reais têm sua consciência (ou acaso antes?) e esses são a fímbria extrema do mundo do Espírito: assim, daí por diante  há apenas uma sucessão de cópias. No entanto, a natureza influi ainda sobre a matéria e, da sua parte, experimenta influxos superiores, mas o que a precede e lhe está mais próximo produz impassivelmente; e ela, ainda estando no mundo superior, nada produz nem nos corpos nem na matéria[62]

 

A natureza [...] é necessariamente pura forma [...]. A natureza [...] é pura forma racional; ela produz, como criatura sua, uma nova forma racional que fornece ao substrato algo de si enquanto – ela mesma – permanece imóvel. Em conclusão, a forma racional que se revela na figura visível, última, e morta como é, não é capaz de produzir outra; ao invés, a forma racional que possui a vida [natureza] é irmã do Criador da forma e, sendo dotada também do mesmo poder, exerce sua faculdade de criação no mundo do devir[63].

 

Mas, que se quer dizer com essas palavras? Que a chamada “natureza”, na realidade, é “alma”, gente de alma mais alta, dotada de uma vida mais intensa; ela se encontra na posse tácita daquele seu íntimoncia (o cego acasou e circunsta e, tornando-se, assim, Espe divis contemplar, não em caminho para o alto e, de resto, nem também para baixo, mas firme no ponto no qual está, na própria fixidez e, direi, na companhia do seu saber de si mesma e, mais ainda, em virtude desse voltar-se para si mesma e desse saber de si mesma ela vê, na medida do possível, aquilo que a segue e não busca mas nada a partir do momento em que completou sua visão no esplendor e na graça[64].

 

IV. A PROCESSÃO DO SENSÍVEL A PARTIR DO INTELIGÍVEL, A SIGNIFICAÇÃO E O VALOR DO COSMOS FÍSICO.

 

A processão da matéria do mundo sensível e as suas características.

 

Também nos seres inteligíveis, a matéria é também o ilimitado e pode ser gerada a partir da infinidade do Uno ou do seu poder ou da sua eternidade; não que o indeterminado se encontre no Uno, mas Ele o produz. Em que sentido ela se encontra tanto lá como aqui? Também o indeterminado é duplo. Em que consiste a diferença? Em que um é exemplar, o outro é imagem. Este último ilimitado é portanto inferior? É mais ilimitado; quanto mais o ilimitado é imagem foge do ser e do verdadeiro, tanto mais é ilimitado. Pois o indefinido é maior porque naquilo em que tem menor determinação. Com efeito, o menos no bem é mais no mal[65].

 

Assim também a matéria, se existe desde a eternidade, não pode não participar, justamente em razão desse seu existir, da potência que a todos dá o bem, tendo como único limite a possibilidade de cada um; mas, se também o seu nascimento é só uma conseqüência necessária de causas anteriores, nem mesmo nesse caso ela deve ser separada do seu princípio como se esse, que no entanto lhe concedeu graciosamente o existir, devesse subitamente deter-se por impotência, antes de alcançá-la![66]

 

Mas a necessidade do mal pode ser compreendida também da seguinte maneira: uma vez que não existe somente o Bem, é necessário que na processão que Dele provém ou, se se quer exprimir de outro modo, na perene degradar-se e decair, atinja-se o último, depois do qual não é possível que algo venha a existir, e esse é o mal. É necessário que exista o que vem logo depois do primeiro; conseqüentemente haverá também o termo último, a matéria, que nada mais guarda Dele: e essa é a necessidade do mal[67].

 

Mas, a matéria do mundo do alto [=a matéria inteligível] é um ser; pois o que está antes dela está além do ser [=o Uno]. Ao invés, aqui embaixo o que está antes da matéria é somente ser. Portanto, ela é “não-ser”, já que é diversa do ser e a ele subjaz[68].

 

A matéria, porém, não sendo nem alma, nem espírito, nem vida, nem forma nem razão, nem limite (porque ela mesma é infinita) nem potência (o que, de fato, ela produz?); ao contrário, tendo decaído aquém de tudo isto, não pode nem mesmo reivindicar o título de ser, mas pode convenientemente ser chamada não-ser; não no sentido em que o “movimento” é chamado não-ser e também o “repouso” é não-ser, mas verdadeiramente não-ser, uma imagem e uma aparência de massa; um desejo de ser substrato, algo parado que não permanece quieto; invisível em si mesmo e que foge de quem quer vê-lo. Quando alguém não o vê, aparece diante dele, e, quando o fixa atentamente volta a ser invisível; é continuamente representação dos contrários: pequeno e grande, menos e mais, defeito e excesso, fantasma evanescente, mas que não consegue desvanecer-se de todo; nem para isto tem vigor, pois não recebe força da parte do Espírito, pois ela nasceu na carência de tudo o que se chama ser. Por isso, em tudo que de si mesma proclama ela mente: se aparece grande é pequena; se preponderante, é deficiente; o ser que se mostra na sua imagem é, na verdade, não-ser ou é um jogo fugido. Assim, as coisas que aparentemente se produzem nela não são senão brincadeira, imagem na imagem, como no espelho o objeto aparece em um ponto, mas está situado noutro; na aparência repleto, está vazio e não tem nada, embora pareça ter tudo. As coisas que entram na matéria e dela saem são simples cópias de ser, e exatamente imagens que caem sobre uma imagem informe e nela se tornam visíveis justamente por não terem forma; parecendo produzir algo, nela não produzem nada porque são vacilantes e frágeis e não têm nenhuma resistência; mas como a matéria também não tem resistência, elas a atravessam de parte a parte sem dividi-la como se passassem pela água, ou como se alguém enviasse formas pelo chamado vazio[69].

 

A alma particular é iluminada enquanto se move para o que vem antes dela, ao passo que caminha para o não-ser se se volta para o que vem depois dela. Ela faz isso se se volta para si mesma; pois o querer a si mesa a faz produzir o que vem depois dela, um simulacro de si mesma, o não-ser; assim caminha no vazio e se torna indeterminada. Essa fantasma – o indeterminado – é completamente obscuro, sem razão e privado completamente de inteligência e muito remoto com relação ao ser! Enquanto está na região intermédia, a Alma está ainda no seu meio próprio; mas se olha novamente, como que com um segundo olhar, dá origem à imagem [ou, como veremos, ao cosmo físico] e penetra satisfeita nele[70].

 

Não havendo um corpo, nem mesmo a alma pode proceder adiante, pois onde ela está segundo a sua natureza não há nenhum lugar. Mas, se ela quer proceder adiante é necessário que produza um lugar para si e, portanto, um corpo. Ora tendo-se fortalecido, por assim dizer, o seu tranqüilo estar-se em si mesma, justamente dessa sede irradiou um luz difusa que, na última extremidade do fogo, transmudou-se em obscuridade [essa é a matéria]. A alma a viu e já que tinha sido produzida , deu-lhe uma figura [ou seja, como veremos, transformou-a em corpo, dotando-se de forma e em cosmo físico]. De fato, não licito que a um vizinho da Alma fosse negada a forma racional – uma forma tal que pudesse receber o que é chamado “umbrátil” porque nascido no meio da sombra[71].

 

As formas e o desenho racional do mundo, sua gênese e relação com a matéria.

 

[...] O processo (com o qual as formas entram na matéria) é quase igual àquele com o qual as imagens dos objetos podem comparecer apenas no espelho e somente enquanto se refletem nele. De resto, se subtraísses o ser [das formas] da realidade sensível, nada mais, em nenhum momento, apareceria de tudo o que é atualmente visível no mundo dos sentidos. Compreende-se bem que o espelho, na realidade aqui debaixo, é também visível em si mesmo porque também ele é uma certa figura; mas, no caso da matéria, não havendo nenhuma espécie de figura, ela não é visível em si mesma pois, de outro modo, deveria fazer-se visível em si e por si, antes mesmo do advento das idéias, ao contrário, acontece-lhe algo semelhante, para assim nos exprimirmos, ao que acontece com o ar, o qual, mesmo quando circundado de luz, é invisível justamente porque não era visível antes de ser iluminado[72].

 

Recomecemos, portanto, a estabelecer de novo com a maior clareza qual seja a natureza do desenho racional do mundo e quanta racionalidade se mostra no fato de ser ele o que é. Ora, esse desenho racional do mundo é... – coragem, talvez acertemos – justamente o Espírito, não o puro Espírito nem o Espírito em si e, na verdade, não entra nem mesmo na categoria da pura Alma; todavia depende deles e é, por assim dizer, uma irradiação de ambos: Espírito e Alma (e, mais exatamente, uma Alma disposta em conformidade com o Espírito) produziam esse desenho racional do mundo como uma vida que traz tacitamente em si uma razão[73].

 

Investigarás, por outro lado, a propósito da Alma, se ela pertence aos seres simples, ou se nela há algo como uma matéria e algo como forma – a Inteligência ou Espírito que está presente nela, de um lado, estaria para a alma como a forma está para o bronze, de outro, como o artífice da forma no bronze. Transportando, porém, ao universo essas considerações se poderá subir a uma Inteligência, pondo-a como verdadeiro fabricador e artífice; então será necessário dizer que o substrato, somente depois de recebidas as formas, tornou-se ora fogo, ora água, ora ar e terra, mas que essas formas derivam de outro e que esse outro é justamente a Alma; porém, se a Alma imprime nos quatro elementos a fora do cosmo, a Inteligência é que tornou-se para a Alma a doadora das formas racionais, do mesmo modo como da Arte derivam na alma do artista as formas racionais que dirigem a criação artística; mas a Inteligência ou Espírito, de uma parte, é como a idéia da Alma – idéia que corresponde à forma -, de outra, sendo o que prepara a forma, é como o criador da estátua: Nele está imanente tudo o que Ele doa. O que Ele doa à Alma é vizinho à verdade; ao invés, o que o corpo recebe da Alma é já sombra e figura[74].

 

[...] O universo está mantido nos vínculos das formas do começo ao fim: em primeiro lugar, a matéria pelas formas dos elementos; depois, sobre essas formas outras e mais outras; de modo que se torna difícil encontrar a matéria oculta sob tantas formas. Mas sendo esta também uma certa forma íntima, o nosso mundo é todo forma e todas as coisas são formas, pois o modelo já era forma[75].

 

Gênese da temporalidade.

 

Se alguém define o tempo como vida da alma no seu movimento que passa de um a outro estado da vida, parece que diz alguma coisa; se a eternidade é vida que consiste em estabilidade, identidade e inalterabilidade, e é infinita, e se o tempo é imagem do eterno – na relação que o universo sensível tem com o universo inteligível – então à vida do inteligível deve corresponder uma vida que convém só por homonímia à potência da alma aqui considerada; e em lugar do movimento de natureza inteligível deve corresponder o movimento de certa parte da alma; em vez de identidade, inalterabilidade e permanência, esse movimento não dura num estado igual, mas sempre exerce uma nova atividade; em lugar da inseparabilidade e da unidade, temos aqui uma simples imagem do uno, ou seja, o uno na continuidade; em lugar do que já é infinito, o que sempre passa no que vem em seguida; finalmente, em lugar de um inteiro compacto, o que será por partes, uma totalidade sempre futura[76].

 

A positividade do mundo corpóreo.

 

[...] O mundo jaz no seio da Alma, que o levanta nos braços, e nada que a ela pertença lhe é negado; assim como na onda uma rede entrelaçada vive, mas não consegue fazer seu o elemento no qual está, mas se a onda se estende, também a rede o faz até conseguir permanecer assim por si mesma, pois cada uma das suas partes não pode encontrar-se senão onde está. Mas a Alma é dotada de tanta capacidade em razão da sua essência, que, embora não sendo quantitativamente determinada, é capaz de abarcar todo o corpo em todas as suas partes permanecendo idêntica: até onde se estende o corpo lá está a alma. De fato, se não houvesse o corpo, ela não teria o que fazer com a sua grandeza, sendo o que ela é. O universo é tão grande quanto o é a Alma e assinala seus limites lá onde a alma está para mantê-lo[77].

 

V. ORIGENS, NATUREZA E DESTINO DO HOMEM.

 

O homem anteriormente à sua descida ao mundo corpóreo.

 

Nós! Quem somos “nós”? Somos “nós”, talvez, justamente aquele Ser, ou somos o que ao Ser se aproxima e é somente “o que é gerado no tempo”? Mesmo antes que ocorresse o nosso nascimento, nós estávamos lá em cima: éramos outros homens, individualmente determinados e também Deuses (ανρωποι αλλοι οντες και τινες και εοι), almas puras, com o Espírito juntamente com o Ser, inteiras, partes da Realidade espiritual sem confins e sem cisões, mas pertencentes, ao todo; tanto é verdade que até hoje não estamos separados dele. Hoje, porém, àquele Homem do Espírito acrescentou-se, infelizmente, um homem bem diferente, desejoso de existência e encontrou justamente nós, já que não estávamos fora do universo; e vestiu-se de nós e juntou-se àquele “Homem do Espírito” que cada um de nós era então [...]; e eis que então nos tornamos esse nosso “conjunto de dois” e não somos mais o que éramos antes. Mas ainda, às vezes, somos exclusivamente o segundo homem que se acrescentou, quando aquele primitivo Homem é inerte ou ainda, de algum modo, encontra-se distante[78].

 

Assim, as almas particulares são dotadas de um impulso de natureza espiritual naquele seu movimento de voltar-se para o Ser de onde nasceram mas possuem também um poder que se exercita sobre tudo o que está sobre a terra; justamente como a luz, ligada ao Sol pelo vértice superior, mas que não recusa a sua expansão ao que lhe está diante. Enquanto essas permanecem no mundo do Espírito em companhia da Alma universal, lhes é dada uma existência livre de preocupação; unidas, então, no céu, à Alma universal, são associadas a ela no governo do mundo à guisa de reis que estão junto ao supremo Senhor e participam do seu governo sem descer dos seus tronos reais; assim, quero dizer, as almas estão juntas, nessa primeira fase, no mesmo lugar[79].

 

Qual é a causa que tornou as almas – as quais são partes destacadas de lá de cima e pertencem completamente ao mundo superior – esquecidas do seu pai Deus e indignas de si mesmas e Dele? Pois bem, primeira raiz do mal, para elas, foi a temeridade, e depois o nascimento e a alteridade primitiva e a vontade de pertencer a si próprias. Assim, ébrias, visivelmente, daquela autodeterminação, pois fizeram o mais largo uso do seu espontâneo movimento, depois daquela grande corrida sobre a via contrária, distanciadas que foram por tão grande espaço, acabaram enfim por ignorar a si próprias e a sua origem: como crianças que, arrancadas muito cedo aos pais e educadas por longo tempo longe, não reconheciam mais nem a si próprias nem aos seus genitores. As almas portanto, não reconhecendo mais nem a Ele nem a si mesmas, desprezando-se por ignorância da sua estirpe, e apreciando as outras coisas, admirando mais a todas as coisas do que a si mesmas, exultaram, atônitas, diante delas e foram vencidas por elas; e se separaram, violentamente, das coisas para as quais já tinham virado as costas com desprezo. Assim resulta que a única causa da total ignorância de Deus consiste em apreciar as coisas terrenas e desprezar o próprio ser[80].

 

O homem e as relações entre a alma e o corpo.

 

Se [...] existem idealmente esses nossos corpos [i. é, as Idéias dos corpos, assim como estão as Idéias dos elementos água, fogo, etc.], a alma tem também o direito de ter deles sensações e percepções; assim há antes de tudo o Homem superior; depois há a alma assim situada, capaz de tais percepções; portanto, também esse homem posterior – que é só uma imagem – possui, em imagem, as formas racionais; e o Homem que se encontra no Espírito contém em si o segundo e este, por sua vez, sobre o terceiro: mas o último tem em si não sei como, todos os outros precedentes, não porque se torne “aqueles homens”, mas porque o seu ser corre paralelo ao deles. Normalmente, em nós há um que age conforme ao “último homem”; contudo, ele toca algo que provém do “homem anterior” e sobre este último desce até mesmo a força operosa do “primeiro Homem”; e assim o homem, paulatinamente, se transforma Naquele segundo no qual essas três formas de humanidade, e, por outro lado, não as possui. Porém, a terceira forma de vida – quero dizer, o terceiro e mais elevado Homem – está totalmente separado do corpo; caso a segunda vida queira segui-lo – e pode certamente segui-lo, sem separar-se dos valores supremos – onde há aquela segunda vida, isto é, essa nossa vida terrena[81].

 

Quanto à nossa alma, em parte, está sempre aplicada aos seres inteligíveis, em parte está voltadas às coisas terrenas, em parte está no meio entre inteligível e sensível. Natureza única, sim, mas em muitas potências, às vezes está inteiramente concorde com a sua parte ótima – que é a ótima parte do ser -; às vezes é a sua parte pior que, arrastada para baixo, isso não seria consentido! Ela está sujeita a esse afano não soube permanecer no sei da suprema beleza; onde, ao invés, estável, a Alma – a que não é parte de nós e da qual não somos mais parte – enquando concede a todo corpo alcançar por si tudo o que pode alcançar dela, está imune de qualquer solicitude, não regendo o mundo em virtude de pensamento reflexo nem corrigindo-se nalguma coisa, mas, mediante a sua visão do que a precede, adorna com prodigiosa potência o todo. Quanto mais está em si mesma, tanto mais bela e potente. Haurindo do alto, a alma dá ao que lhe vem depois: e, iluminada como é, ilumina eternamente[82].

 

[...] Para sentir, valemos-nos da sensação, contudo o nosso é o “eu” que sente. Ora, acontece o mesmo com o nosso pensamento discursivo? Não, pois quando refletimos de modo discursivo, somo exatamente “nós” os que raciocinamos; e somos “nós” que pensamos os pensamos que entram na razão discursiva: justamente porque o nosso “eu” consiste justamente nisso: mas as atividades do Espírito derivam do alto como os impulsos da sensação derivam de baixo: o nosso “eu” é a instância dominante da alma que está no meio entre as duas forças: o pior e o melhor; o pior é a sensação, o melhor é o Espírito. Mas, a sensação é considerada, por convenção, nossa parte sempre; pois nós sempre sentimos; com relação ao Espírito, contudo, a coisa é discutida, seja porque não nos valemos sempre dele, seja porque ele é separado; mas é separado só enquanto não é Ele que se inclina para nós, mas nós que nos voltamos para Ele, elevando o nosso olhar para as alturas. A sensação serve de mensageira ao nosso “eu”; mas sobre o nosso “eu” domina como rei o Espírito[83].

 

A atividade e as funções da alma.

 

[...] A faculdade sensitiva da alma não tem necessidade de estender-se às coisas sensíveis, diretamente, mas deve antes consistir numa especial capacidade perceptiva das marca, que, como conseqüência da sensação, se formam no vivente; pois estas já são de espécies inteligível: pois a sensação, se formam no vivente; pois a sensação exterior é uma imagem daquelas; mas a potência da alma é muito mais verdadeira, segundo a essência, pois é contemplação de formas, pura e impassível[84].

 

Na verdade, a alma é por essência a verdadeira razão de todas as coisas e, precisamente, a razão extrema dos seres do Espírito e de tudo o que há no âmbito do Espírito, e a primeira, ademais, dos seres que estão no universo sensível. Justamente por isso, ela tem como dois rostos, numa e noutra direção: de um extrai saúde e bem-estar e uma animação sempre florescente; pelo outro é iludida, por causa da semelhança, e, como que seduzida, desce. Posta assim no meio, ela tem percepção de ambos; e dos seres do Espírito, costumamos dizer que ela os pensa, quando chega à reminiscência, na medida em que a elas se aplique; ela, na verdade, os conhece porque é, não sei como, aqueles seres: conhece, quero dizer, não porque eles penetram nela, mas porque ela os possui do seu modo e os vê, e é até mesmo “aqueles seres” um pouco confusamente; e, tão logo ela se livre como que da poeira, esses seres tornam-se mais claros e passam da potência ao ato. De modo semelhante, para as coisas sensíveis: a alma se dá conta delas, por assim dizer; e faz de modo que a luz que emana dela os ilumine, e os põe assim diante dos olhos, enquanto a sua faculdade sensitiva está pronta, como num trabalho de parto, e sempre voltada para elas[85].

 

Mas, para a tarefa de recordar, o corpo serve até como obstáculo; pois também no nosso ser atual o esquecimento por causa de certa matéria; mas se o corpo a elimina e se purifica, muitas vezes a recordação reaparece. A recordação, porém, é um perseverar: necessariamente, então, o ser corpóreo que se move e flui será causa de esquecimento e não de memória [...]. Assim, fique atribuída essa função à alma[86].

 

O homem e a sua liberdade.

 

Também, se o Espírito tem, por sua vez, um princípio diverso, este, contudo, não está fora do próprio ser do Espírito, mas está no Bem. Ademais, se o Espírito é conforme ao supremo valor que é o Bem, muito mais ainda se apoiarão Nele o livre-arbítrio e a liberdade; tanto é verdade que cada um só busca a liberdade e o livre-arbítrio graças ao Bem. Assim, se desenvolve a sua força operante na trilha do Bem, o Espírito possui de maneira eminente o livre-arbítrio; pois Ele, ou possui aquele impulso que Dele surge e Nele termina ou permanece em si mesmo, justamente porque vazio Dele: e isso significa para Ele um mais elevado “ser si mesmo”, justamente porque vale na exata medida em que se volta para Ele[87].

 

Os destinos escatológicos da alma e o fim supremo do homem.

 

Valha isso contra os que reintroduzem o ser nos corpos e, sobre a prova da impressão e sobre as aparências da sensação, fundam a credibilidade do verdadeiro; estes fazem como quem sonha, pois quem sonha considera que existem atualmente as coisas que vê existirem, mas não são mais que sonhos! Contudo, também a sensação é própria de uma alma que dorme: porque o que há de alma no corpo não é mais do que uma alma adormecida; e o verdadeiro despertar consiste na ressurreição – a verdadeira ressurreição do corpo, não com o corpo; pois ressurgir com um corpo equivale a cair de uum sono em outro, a passar, por assim dizer, de um leito a outro: mas o verdadeiro levantar-se tem algo de definitivo: não só de um corpo, mas de todos os corpos; os quais são radicalmente contrários à alma: no que levam a contrariedade até a raiz do ser. Dá prova disso até mesmo o seu devir, o seu fluir, o seu extermínio, que não entra no âmbito do ser[88].

 

Só com o corpo as almas percebem os castigos corporais. Ao invés, às almas que estejam puras e não arrastam consigo nada, nem mesmo um pouquinho de corpo, será dado não pertencer a esse tipo de corpo. Se, portanto, não estão, lá onde está a essência e o ser e a divindade – isto é, em Deus – lá justamente, e na sua companhia, mais ainda, no seio de Deus, está aquela alma da qual falamos. Mas se ainda procuras onde ela esteja, pois bem, busca, então, onde estão as coisas supremas: mas, escrutando, não escrutes com os olhos e nem como se escrutasses coisas copóreas[89].

 

Os caminhos da volta ao Absoluto.

 

[...] A alma purificada torna-se idéia e razão; completamente incorpórea e intelectual pertence inteiramente ao deus, do qual flui a fonte da beleza e todas as coisas que lhe são conaturais. Por isso a alma elevada até o Espírito se faz sempre mais bela. O Espírito e tudo o que pertence ao Espírito constituem a beleza própria da alma e não algo estranho, porque somente então ela é verdadeiramente alma. Portanto, diz se justamente que o tornar-se a alma bela e boa é o assimilar-se a Deus, pois daí provém a beleza e a parte melhor dos seres. Mais ainda, a beleza é a verdadeira realidade e dela é completamente diferente a feiúra que é o mal original. Podemos assim identificar o “bom” e o “belo” ou então o Bem e a Beleza. Portanto, com um método semelhante devem ser buscados o Bem e o Belo, de um lado, e o feio e o mal, de outro. No primeiro degrau, deve ser posta a Beleza que é igualmente o Bem: do Bem procede imediatamente o Espírito como belo. A Alma é bela em razão do Espírito. As outras coisas como ações e costumes são belas em razão da forma que a alma lhe imprime. A alma faz também os corpos ou tudo o que assim se denomina. E sendo ela bela com beleza divina e parte do Belo, belo também se torna tudo o que ela toca e sobre o qual exerce o seu poder[90].

 

A reunificação com o Uno.

 

Porém, que sentido tem a purificação da alma que nunca foi contaminada e que significa “separar-se do corpo?” A “purificação” significa deixar a alma só, sem estar com outras coisas nem olhando para outras coisas ou retendo opiniões alheias, qualquer que seja o modo dessas opiniões, e ainda, não ver, como foi dito, as imagens das paixões nem a partir delas forjar paixões. Mas a alma dirigida para o outro caminho, para o alto desde o inferior, não é acaso “purificação” e ainda “separação”, pelo menos a alma que não está mais no corpo se pertencesse a ele, e que é semelhante à luz que não está no barro? Ainda que fique impassível a luz que brilha mesmo no barro! Mas, no que diz respeito à parte afetiva, a “purificação” significa o despertar de fantasias sem realidade e a retenção do olhar, “separação” significa não inclinar-se imoderadamente e não abandonar-se à fantasia das coisas inferiores. O separar-se poderia significar igualmente a eliminação daquilo do qual se desapega a parte afetiva, quando não paira sobre um espírito turvo como conseqüência de voracidade e abundância de carnes impuras, mas quando se apóia sobre o que é delicado, de modo a que a alma possa nele repousar tranquilamente[91].

 

Se, porém, em razão de não ser Ele nada disso, tua razão permanece na indeterminação, firma-te aí e a partir daí contempla. Contempla, mas sem lançar para fora o teu pensamento, pois, Ele não está em um lugar determinado, deixando o resto deserto. Para quem consegue tocá-lo, ali Ele está, para quem não consegue não está. Assim como em tudo o mais, não se pode pensar em alguma coisa quando se pensa em outra e a ela se aplica, nem se deve acrescentar nada ao que é pensado para que se possa com ele identificar-se, assim também no caso presente, quem tem na alma a marca de outra coisa não pode pensar no Uno enquanto aquela marca ali permanece ativa; mesmo porque a alma tomada e dominada por outros objetos não pode mais sofrer a impressão de objetos contrários. Assim como foi dito a propósito da matéria, ou seja, que ela deve estar despojada de tudo se deve receber as formas de todas as coisas, assim, e muito mais, a alma deve ficar privada de formas se pretende que nada haja nela que sirva de obstáculo à plenitude e à iluminação da Natureza primordial que a ela são comunicadas. Assim sendo, deve despojar-se de todas as coisas exteriores, voltar-se totalmente para o seu interior, não mais inclinar-se para algo exterior, mas, desconhecendo tudo o mais [primeiro com o sentimento íntimo, depois quanto às formas], desconhecendo também a si mesma, permanecer toda na contemplação do Uno [...][92].

 

Deixando as outras coisas, aumentas a ti mesmo; e a ti que tudo deixaste, o todo se faz presente. Mas se, ao que a tudo renuncia, ele se faz presente, ao que fica com as outras coisas, ele não aparece; ele não veio para estar junto de ti, mas, se não está presente, foste tu a deixá-lo. E se o deixaste, não foi a ele que deixaste – pois está sempre presente – nem foste para longe, mas, estando ele presente, te voltaste para a parte oposta [para a parte das coisas particulares][93].

 

A natureza da alma não alcançará nunca o absoluto não-ser; mas, se desce, chega ao mal e, assim, ao não-ser, mas não ao total não-ser; correndo, porém, pelo caminho contrário chega, não a um outro, mas a si mesma e, nesse sentido, não estando em outro, não está em nada e só em si mesma. Dizer, porém que está somente em si mesma e não no ser, significa estar Nele. E o que assim está, torna-se não-ser, estando “para além do ser”, justamente enquanto intimamente unido a Ele[94].

 

Não devemos nos admirar se Aquele que provoca tão estupendos desejos tenha ficado totalmente independente até da forma inteligível. Também a alma, desde que tenha sido tomada de intenso amor por Ele, depõe toda forma que acaso tenha, mesmo a forma inteligível que esteja presente nela. De fato, quem possui outra coisa e a ela se entrega ativamente, não vê mais nem se conforma mais a Ele. Mas a alma não deve  ter mais nada ao seu alcance, nem mal nem mesmo bem se quer de verdade acolher, estando só, somente a Ele!

Quando a alma tiver tido a boa ventura de alcançá-lo Ele vier a ter com ela ou, antes, manifeste a sua presença; quando ela tiver se desviado das coisas presentes e se preparando para ser o mais possível bela, chegando mesmo à semelhança – como sejam essa preparação e esse adornar-se torna-se  claro para os que se preparam -, então ela vê em si Aquele que apareceu subitamente (pois não há nenhum intermediário e não há mais dois, mas ambos são um só) e não consegues distingui-los mais enquanto Ele está presente; uma imitação desse estado são os amantes e os amados desse nosso mundo no seu desejo de fusão! Nem a alma sente mais o corpo e nem que está nele, nem se exprime a si mesma como sendo outra coisa, nem homem, nem animal, nem ser, nem o todo, pois a visão de tais coisas seria fora de propósito, e a alma não tem lazer ou vontade para tais coisas; mas, buscando-O a Ele, encontra-O presente e a Ele contempla em lugar de olhar a si mesma, nem tem tempo para ver quem é aquela que contempla. Daqui que não queria trocar essa contemplação por nenhuma coisa do mundo, nem mesmo se alguém lhe oferecesse o céu inteiro, pois nada há que seja melhor nem superior a tal bem; mais alto ela não pode ir e tudo o mais, por elevado que seja, seria para ela uma descida.

É então que a alma possui o reto juízo e o conhecimento de que este é o objeto do seu desejo, e pode garantir que nada á melhor do que ele. De fato, no mundo inteligível não há engano; e onde poderia a alma encontrar uma verdade mais verdadeira?

O que ela diz é Aquele objeto e o seu dizer vem sempre depois (da contemplação); mesmo calando-se ela fala e não mente ao falar do sentimento da sua felicidade, já que não fala por experimentar o corpo algum prazer, mas porque tornou a ser o que era quando era feliz.

E todas as coisas nas quais antes tinha prazer – domínio, poder, riqueza, beleza, saber -, tudo isso ela olha desde o alto e assim o proclama, o que não faria se não tivesse encontrado algo melhor do que tudo isso, nem teme que algo lhe aconteça enquanto está com Ele e simplesmente o contempla. E se tudo o que a cerca fosse destruído, tanto mais quereria estar somente com Ele, tal é o estado de bem-estar por ela alcançado![95]

 

O êxtase.

 

Isso justamente quis significar a prescrição desses mistérios, de não comunicar nada aos não-iniciados; pois não devendo o divino ser divulgado, não é permitido manifestá-lo a outro a menos que, por ele mesmo, tenha tido a ventura de contemplá-lo.

Ora, já que não eram dois, mas o próprio vidente era um com o objeto visto (não tanto visto quanto “unido”), quem tornou-se tal quando se fundiu com Ele, se acaso conseguisse recordar-se teria consigo uma imagem Dele. Esse tal, porém, já era uno, não trazendo em si nenhuma diferença nem em relação consigo mesmo nem com respeito às outras coisas – pois nele não havia nenhum movimento, nem impulso vital, nem desejo de nada, tendo subido a semelhante altura; mas, não havia nem mesmo razão discursiva nem qualquer pensamento nem, afinal, ele mesmo, se é necessário falar assim. Mas, como arrebatado e inspirado ele entrou tranqüilamente na solidão e num estado que não sofre mais abalos nem se afasta mais do ser do Uno nem gira em torno de si, mas permanece estático, como transformado na própria imobilidade.

Na verdade ele passou além só das coisas belas, mas do próprio Belo e andou por cima do coro das virtudes; é semelhante a alguém que tendo penetrado no adito, deixou para trás as estátuas erigidas no templo. Serão essas estátuas que ele encontrará em primeiro lugar ao deixar o adito, depois da visão interior e depois da suprema comunhão não já com uma estátua nem com uma imagem, mas com o próprio Uno; as estátuas tornaram-se então, para ele, visões secundárias.

Mas também ali não houve simplesmente uma visão, mas uma maneira diferente de ver: um êxtase e uma simplificação, um dom de si mesmo e um desejo de contato, repouso e cuidado para bem adaptar-se; pois só assim pode ver o que se encontra no adito. Pois se alguém olha de outro modo nada se lhe tornará presente.

Ora, tudo isso são imagens, alusões enigmáticas dos sábios videntes sobre como se pode contemplar aquele Deus. Mas um sacerdote sábio, entendendo o enigma, pode chegar a uma verdadeira contemplação do adito, desde que nele se encontre. E mesmo que não esteja no adito e julgue que o adito seja invisível, Fonte e Princípio, ele saberá que somente o Princípio vê o Princípio e o semelhante somente com o semelhante se une; nada abandonará das coisas divinas que a alma conseguiu alcançar antes da visão e o resto pedirá à própria visão: o resto, para aquele que passou além de tudo, ou seja, O que É antes de tudo[96].

 

VI. NATUREZA E ORIGINALIDADE DA METAFÍSICA PLOTINIANA.

 

A “contemplação criadora”.

 

No princípio, como quem se diverte, antes de argumentar seriamente, diríamos que tudo aspira à contemplação e mira a esse fim, não só os viventes racionais, mas também os irracionais, e a natureza que está nas plantas e a terra que as produz -; e todas as coisas na medida em que lhes permites a sua natureza a ela atingem cada uma de maneira diferente, o contemplar e o atingir a contemplação, umas captando a sua realidade, outras a imitação e a imagem[97].

 

Mas a natureza é “contemplação” e “objeto de contemplação” ao mesmo tempo; pois é razão. Sendo, pois, contemplação, objeto contemplação e razão, ela produz. Assim, a produção se nos mostrou claramente como contemplação; ela é, com efeito, resultado da contemplação que permanece somente contemplação e não faz outra coisa senão produzir, pois é contemplação criadora[98].

 

Se alguém a interrogasse a respeito da razão pela qual ela produz, e se ela quisesse atender a quem interroga e falar, talvez respondesse assim: “Seria melhor não interrogar, mas compreender e permanecer consigo em silêncio, como eu também sou silenciosa e não tenho costume de falar!” – “Mas, compreender o quê?” – “Que o ser que nasce é espetáculo meu, silêncio, e algo que, por sua natureza, nasce como contemplado, assim como eu nasci da contemplação e tenho da minha natureza ser amiga da contemplação, e meu ato de contemplar produz a coisa contemplada, do modo como os geômetras desenham contemplado; mas eu não desenho, apenas contemplo e assim as linhas dos corpos se estabelecem como se caíssem de mim. Acontece comigo o que acontece à minha mãe [a Alma] e aos meus genitores [as hipóteses superiores], pois também eles nascem de uma contemplação e meu nascimento aconteceu sem que eles fizessem algo; bastou que eles fossem razões superiores e contemplassem a si mesmos para que eu nascesse”[99].

 

Portanto, a cão está em razão de uma contemplação e de uma visão; pois também para os que agem o fim é a contemplação; como se eles, incapazes de alcançar o fim pelo caminho reto, busquem alcançá-lo por um caminho tortuoso. Com efeito, mesmo tendo alcançado o objeto da sua aspiração, o fim não foi o de não conhecer, mas o de conhecer, aquele objeto, de vê-lo presente na alma, pois é claro que ali está para ser contemplado[100]

 



[1] Porfírio, Vida de Plotino, 3.

[2] Porfírio, Vida de Plotino, 14.

[3] Nemésio, De nat. hom., cap. 3, pp. 129ss. Malthaei.

[4] Porfírio, Vida de Plotino, 23.

[5] Porfírio, Vida de Plotino, 14.

[6] Porfírio, Vida de Plotino, 14.

[7] Plotino, Enéadas, I, 3, 1.

[8] Plotino, Enéadas, I, 3, 4.

[9] Plotino, Enéadas, I, 3, 5.

[10] Enéadas, VI, 9, 1.

[11] Enéadas, VI, 9, 1.

[12] Enéadas, VI, 9, 2.

[13] Cf. Anaximandro, Anaxímenes, Meliso e Anaxágoras.

[14] Enéadas, V, 5, 10s.

[15] Enéadas, VI, 9, 6.

[16] Enéadas, VI, 5, 12.

[17] Enéadas, V, 3, 13.

[18] Enéadas, V, 4, 1.

[19] Enédas, VI, 9, 6.

[20] Enéadas, V, 4, 2.

[21] Enéadas, VI, 7, 38.

[22] Enéadas, VI, 8, 7.

[23] Enéadas, VI, 8, 13;.

[24] Enéadas, VI, 8, 10.

[25] Enéadas, VI, 8, 15.

[26] Enéadas, VI, 8, 16.

[27] Enéadas, V, 1, 6.

[28] Enéadas, IV, 3, 17.

[29] Enéadas, V, 1, 6.

[30] Enéadas, III, 8, 10.

[31] Enéadas, IV, 4, 16.

[32] Enéadas, VI, 8, 18.

[33] Enéadas, V, 4, 2.

[34] Enéadas, II, 4, 5.

[35] Enéadas, V, 2, 1.

[36] Enéadas, VI, 7, 15.

[37] Enéadas, VI, 7, 16.

[38] Enéadas, V, 6, 6.

[39] Enéadas, V, 9, 8; cf. também VI, 6, 6.

[40] Enéadas, VI, 4 4.

[41] Enéadas, VI, 4, 11.

[42] Enéadas, VI, 5, 6.

[43] Enéadas, VI, 4, 14.

[44] Enéadas, VI, 7, 1: cf. também V, 1, 4.

[45] Enéadas, V, 7, 1; cf. V, 9, 12.

[46] Enéadas, V, 1, 5.

[47] Enéadas, VI, 6, 9.

[48] Enéadas, VI, 6, 15.

[49] Enéadas, V, 3, 7; cf. também V, 1, 7.

[50] Enéadas, VI, 2, 22; cf. também V, 2, 1.

[51] Enéadas, V, 1, 3.

[52] Enéadas, II, 4, 3.

[53] Enéadas, V, 1, 6.

[54] Enéadas, IV, 8, 3.

[55] Enéadas, II, 3, 8.

[56] Enéadas, V, 1, 2.

[57] Enéadas, V, 2, 1. É desnecessário recordar que a criação da alma não acontece por uma deliberação, mas no contexto geral da “necessidade” da processão, no sentido visto acima. Eis um texto muito claro: Enéadas, V, 2, 1. É apenas conveniente lembrar que o produzir da alma não acontece por uma deliberação, mas no contexto geral da “necessidade” da processão, no sentido acima visto. Eis um texto muito claro: “A alma produz não em virtude de um parecer recebido de fora, nem atende a conselho ou ponderação; isso significaria produzir não de acordo com a natureza, mas por arte adquirida extrinsecamente. Na verdade, a arte é posterior à Alma produtora e outra coisa não faz senão imitar, produzindo somente imagens pálidas e fracas, talvez jogos sem grande valor, e usa muitos expedientes para produzir suas vãs imagens” (Enéadas, IV, 3, 10; ver também III, 2, 1). (Enéadas, IV, 3, 10; cf. também III, 2, 1).

[58] Enéadas, V, 2, 2; cf. III, 2, 2.

[59] Enéadas, Iv, 1, 2; cf. IV, 9, 4.

[60] Enéadas, IV, 3, 5-6; cf. também II, 3, 9; II, 3, 18; III, 4, 4.

[61] Enéadas, VI, 4, 4.

[62] Enéadas, IV, 4, 13.

[63] Enéadas, III, 8, 2.

[64] Enéadas, III, 8, 4.

[65] Enéadas, II, 4, 15; cf. II, 4, 4.

[66] Enéadas, IV, 8, 6.

[67] Enéadas, I, 8, 7.

[68] Enéadas, II, 4, 16.

[69] Enéadas, III, 6, 7.

[70] Enéadas, III, 9, 3.

[71] Enéadas, IV, 3, 9.

[72] Enéadas, III, 6, 13.

[73] Enéadas, III, 2, 16.

[74] Enéadas, V, 9, 3.

[75] Enéadas, V, 8, 7.

[76] Enéadas, III, 7, 11.

[77] Enéadas, IV, 3, 9.

[78] Enéadas, VI, 4, 14.

[79] Enéadas, IV, 8, 4; cf. IV, 8, 2.

[80] Enéadas, V, 1, 1.

[81] Eneádas, VI, 7, 6.

[82] Enéadas, II, 9, 2.

[83] Enéadas, V, 3, 3.

[84] Enéadas, I, 1, 7; cf. III, 8, 7.

[85] Enéadas, IV, 6, 3.

[86] Enéadas, Iv, 3, 26.

[87] Enéadas, VI, 8, 4.

[88] Enéadas, III, 6, 6.

[89] Enéadas, IV, 3, 24.

[90] Enéadas, 1, 6, 6. Plotino, no contexto desses raciocínios, não hesita mesmo em chamar o próprio Absoluto de Beleza Suprema e Primordial (1, 6, 7); mas, explica pouco depois (1, 6, 9) que a Beleza é o Espírito e que o Uno ou o Bem, que está acima do Espírito, “tem diante de si o Belo, que é como a sua projeção. Em suma, para usar uma fórmula geral, Ele é o primeiro Belo; mas, se quisermos distinguir os inteligíveis, deveremos dizer que a beleza inteligível é o lugar das Idéias, enquanto o Belo está além, fonte e princípio do Belo [...]”.

[91] Enéadas, III, 6, 5.

[92] Enéadas, VI, 9, 7.

[93] Enéadas, VI, 5, 12.

[94] Enédas, Vi, 9, 11.

[95] Enéadas, VI, 7, 34.

[96] Enéadas, Vi, 9, 11.

[97] Enéadas, III, 8, 1.

[98] Enéadas, III, 8, 3.

[99] Enéadas, III, 8, 4.

[100] Enéadas, III, 8, 6.

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