CURSO DE
TEOLOGIA PASTORAL
FACULDADE
CATÓLICA DO AMAZONAS-MANAUS
GAUDIUM ET SPES (1965)
16. No
fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si
mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o está a chamar ao amor
do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração:
faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio
Deus; a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado(9). A
consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra
a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser (10). Graças à
consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de
Deus e do próximo (11). Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão
unidos aos demais homens, no dever de buscar a verdade e de nela resolver
tantos problemas morais que surgem na vida individual e social. Quanto mais,
portanto, prevalecer a recta consciência, tanto mais as pessoas e os grupos
estarão longe da arbitrariedade cega e procurarão conformar-se com as normas
objectivas da moralidade. Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por
ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não
se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem e quando
a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado.
JOÃO PAULO
II - VERITATIS SPLENDOR (1993)
57. O mesmo
texto da Carta aos Romanos, que nos fez ver a essência da lei
natural, também indica o sentido bíblico da
consciência, especialmente na sua conexão específica com a
lei: «Porque, quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente os
preceitos da lei, não tendo eles lei, a si mesmos servem de lei. Deste modo,
demonstram que o que a lei ordena está escrito nos seus corações, dando-lhes
testemunho disso a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os,
quer defendendo-os» (Rm 2, 14-15).
De acordo
com as palavras de S. Paulo, a consciência, de certo modo, põe o homem perante
a lei, tornando-se ela mesma «testemunha» para o homem: testemunha da
sua fidelidade ou infidelidade relativamente à lei, ou seja, da sua essencial
rectidão ou maldade moral. A consciência é a única testemunha: o que acontece
na intimidade da pessoa fica velado aos olhos de quem vê de fora. Ela dirige o
seu testemunho somente à própria pessoa. E, por sua vez, só esta conhece a
própria resposta à voz da consciência.
58. Jamais
se apreciará adequadamente a importância deste íntimo diálogo do homem
consigo mesmo. Mas, na verdade, este é o diálogo do homem com
Deus, autor da lei, modelo primeiro e fim último do homem. «A consciência
— escreve S. Boaventura — é como o arauto de Deus e o seu mensageiro, e o que
diz não o ordena de si própria mas como proveniente de Deus, à semelhança de um
arauto quando proclama o édito do rei. E disto deriva o facto de a consciência
ter a força de obrigar».Portanto, pode-se dizer que a consciência dá ao próprio
homem o testemunho da sua rectidão ou da sua maldade, mas conjuntamente, e
antes mesmo, é testemunho do próprio Deus, cuja voz e juízo penetram
no íntimo do homem até às raízes da sua alma, chamando-o fortiter et suaviter à
obediência: «A consciência moral não encerra o homem dentro de uma solidão
intransponível e impenetrável, mas abre-o à chamada, à voz de Deus. Nisto, e em
nada mais, se encontra todo o mistério e dignidade da consciência moral: em ser
o lugar, o espaço santo no qual Deus fala ao homem».
59. S.
Paulo não se limita a reconhecer que a consciência faz de «testemunha», mas
revela também o modo como ela cumpre uma tal função. Trata-se de «pensamentos»,
que acusam ou defendem os gentios relativamente aos seus comportamentos
(cf. Rm 2, 15). O termo «pensamentos» põe em evidência o carácter
próprio da consciência, o de ser um juízo moral sobre o homem e sobre os
seus actos: é um juízo de absolvição ou de condenação, segundo os actos
humanos são ou não conformes com a lei de Deus inscrita no coração. E é
precisamente acerca do julgamento dos actos e, simultaneamente, do seu autor e
do momento da sua definitiva actuação que fala o Apóstolo, no mesmo texto:
«Como se verá no dia em que Deus julgar, por Jesus Cristo, as acções secretas
dos homens, segundo o meu Evangelho» (Rm 2, 16).
O juízo da
consciência é um juízo prático, ou seja, um juízo que dita aquilo que
o homem deve fazer ou evitar, ou então avalia um acto já realizado por ele. É
um juízo que aplica a uma situação concreta a convicção racional de que se deve
amar e fazer o bem e evitar o mal. Este primeiro princípio da razão prática
pertence à lei natural, mais, constitui o seu próprio fundamento, enquanto
exprime aquela luz originária sobre o bem e o mal, reflexo da sabedoria
criadora de Deus, que, como uma centelha indelével (scintilla animae), brilha
no coração de cada homem. Mas, enquanto a lei natural põe em evidência as
exigências objectivas e universais do bem moral, a consciência é a aplicação da
lei ao caso particular, a qual se torna assim para o homem um ditame interior,
uma chamada a realizar o bem na realidade concreta da situação. A consciência
formula assim a obrigação moral à luz da lei natural: é a obrigação
de fazer aquilo que o homem, mediante o acto da sua
consciência, conhece como um bem que lhe é imposto aqui e
agora. O carácter universal da lei e da obrigação não é anulado, antes
fica reconhecido, quando a razão determina as suas aplicações na realidade
concreta. O juízo da consciência afirma por último a conformidade de um certo
comportamento concreto com a lei; ele formula a norma próxima da moralidade de
um acto voluntário, realizando «a aplicação da lei objectiva a um caso
particular»
PAPA
FRANCISCO - AMORIS LAETITIA (2016)
300. Se se
tiver em conta a variedade inumerável de situações concretas, como as que
mencionamos antes, é compreensível que se não devia esperar do Sínodo ou desta
Exortação uma nova normativa geral de tipo canónico, aplicável a todos os
casos. É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento
pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que
«o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos», as
consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os
mesmos. Os sacerdotes têm o dever de «acompanhar as pessoas interessadas
pelo caminho do discernimento segundo a doutrina da Igreja e as orientações do
bispo. Neste processo, será útil fazer um exame de consciência, através de momentos
de reflexão e arrependimento. Os divorciados novamente casados deveriam
questionar-se como se comportaram com os seus filhos, quando a união conjugal
entrou em crise; se houve tentativas de reconciliação; como é a situação do
cônjuge abandonado; que consequências têm a nova relação sobre o resto da
família e a comunidade dos fiéis; que exemplo oferece ela aos jovens que se
devem preparar para o matrimónio. Uma reflexão sincera pode reforçar a
confiança na misericórdia de Deus que não é negada a ninguém». Trata-se
dum itinerário de acompanhamento e discernimento que «orienta estes fiéis na
tomada de consciência da sua situação diante de Deus. O diálogo com o
sacerdote, no foro interno, concorre para a formação dum juízo correto sobre
aquilo que dificulta a possibilidade duma participação mais plena na vida da
Igreja e sobre os passos que a podem favorecer e fazer crescer. Uma vez que na
própria lei não há gradualidade (cf. Familiaris consortio, 34), este
discernimento não poderá jamais prescindir das exigências evangélicas de
verdade e caridade propostas pela Igreja. Para que isto aconteça, devem
garantir-se as necessárias condições de humildade, privacidade, amor à Igreja e
à sua doutrina, na busca sincera da vontade de Deus e no desejo de chegar a uma
resposta mais perfeita à mesma». Estas atitudes são fundamentais para
evitar o grave risco de mensagens equivocadas, como a ideia de que algum
sacerdote pode conceder rapidamente «excepções», ou de que há pessoas que podem
obter privilégios sacramentais em troca de favores. Quando uma pessoa
responsável e discreta, que não pretende colocar os seus desejos acima do bem
comum da Igreja, se encontra com um pastor que sabe reconhecer a seriedade da
questão que tem entre mãos, evita-se o risco de que um certo discernimento leve
a pensar que a Igreja sustente uma moral dupla.
Nenhum comentário:
Postar um comentário