quinta-feira, 10 de agosto de 2023

CARTA A DIOGNETO

 



Autor anonimo (II sec. d. C.).

O mistério cristão . Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes. Com efeito, não moram em cidades próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum modo especial de viver. Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrário, vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida social admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, e cada pátria é estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põem a mesa em comum, mas não o leito; estão na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem às leis estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis; amam a todos e são perseguidos por todos; são desconhecidos e, apesar disso, condenados; são mortos e, desse modo, lhes é dada a vida; são pobres, e enriquecem a muitos; carecem de tudo, e têm abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo, tornam-se glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos; são injuriados, e bendizem; são maltratados, e honram;  fazem o bem, e são punidos como malfeitores; são condenados, e se alegram como se recebessem a vida. Pelos judeus são combatidos como estrangeiros, pelos gregos são perseguidos, e aqueles que os odeiam não saberiam dizer o motivo do ódio.

A alma do mundo 6. Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim os cristãos estão no mundo. A alma está espalhada por todas as partes do corpo, e os cristãos estão em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, mas não procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível está contida num corpo visível; os cristãos são vistos no mundo, mas sua religião é invisível. A carne odeia e combate a alma, embora não tenha recebido nenhuma ofensa dela, porque esta a impede de gozar dos prazeres; embora não tenha recebido injustiça dos cristãos, o mundo os odeia, porque estes se opõem aos prazeres. A alma ama a carne e os membros que a odeiam; também os cristãos amam aqueles que os odeiam. A alma está contida no corpo, mas é ela que sustenta o corpo; também os cristãos estão no mundo como numa prisão, mas são eles que sustentam o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus. Maltratada em comidas e bebidas, a alma torna-se melhor; também os cristãos, maltratados, a cada dia mais se multiplicam. Tal é o posto que Deus lhes determinou, e não lhes é lícito dele desertar.

Origem divina do cristianismo . De fato, como já disse, não é uma invenção humana que lhes foi transmitida, nem julgam digno observar com tanto cuidado um pensamento mortal, nem se lhes confiou a administração de mistérios humanos. Ao contrário, aquele que é verdadeiramente Senhor e criador de tudo, o Deus invisível, ele próprio fez descer do céu, para o meio dos homens, a verdade, a palavra santa e incompreensível, e a colocou em seus corações. Fez isso, não mandando para os homens, como alguém poderia imaginar, algum dos seus servos, ou um anjo, ou algum príncipe daqueles que governam as coisas terrestres, ou algum dos que são encarregados das administrações dos céus, mas o próprio artífice e criador do universo; aquele por meio do qual ele criou os céus e através do qual encerrou o mar em seus limites; aquele cujo mistério todos os elementos guardam fielmente; aquele de cuja mão o sol recebeu as medidas que deve observar em seu curso cotidiano; aquele a quem a lua obedece, quando lhe manda luzir durante a noite; aquele a quem obedecem as estrelas que formam o séquito da lua em seu percurso; aquele que, finalmente, por meio do qual tudo foi ordenado, delimitado e disposto: os céus e as coisas que existem nos céus, a terra e as coisas que existem na terra, o mar e as coisas que existem no mar, o fogo, o ar, o abismo, aquilo que está no alto, o que está no profundo e o que está no meio. Foi esse que Deus enviou. Talvez como alguém poderia pensar, será que o enviou para que existisse uma tirania ou para infundir-nos medo e prostração? De modo nenhum. Ao contrário, enviou-o com clemência e mansidão, como um rei que envia seu filho. Deus o enviou, e o enviou como homem para os homens; enviou-o para nos salvar, para persuadir, e não para violentar, pois em Deus não há violência. Enviou-o para chamar, e não para castigar; enviou-o, finalmente, para amar, e não para julgar. Ele o enviará para julgar, e quem poderá suportar a sua presença? Não vês como os cristãos são jogados às feras, para que reneguem o Senhor, e não se deixam vencer? Não vês como quanto mais são castigados com a morte, tanto mais outros se multiplicam?  Isso não parece obra humana. Isso pertence ao poder de Deus e prova a sua presença.

A encarnação Quem de todos os homens sabia o que é Deus, antes que ele próprio viesse? Quererás aceitar os discursos vazios e estúpidos dos filósofos, que por certo são dignos de toda a fé? Alguns afirmavam que Deus é o fogo – para onde irão esses, chamando-o deus? — Outros diziam que é água. Outros ainda que é um dos elementos criados por Deus. Não há dúvida de que se algumas dessas afirmações é aceitável, poderíamos também afirmar que cada uma de todas as criaturas igualmente manifesta Deus. Mas todas essas coisas são charlatanices e invenções de charlatães. Nenhum homem viu, nem conheceu a Deus, mas ele próprio se revelou a nós. Revelou-se mediante a fé, unicamente pela qual é concedido ver a Deus. Deus, Senhor e criador do universo, que fez todas as coisas e as estabeleceu em ordem, não só se mostrou amigo dos homens, mas também paciente. Ele sempre foi assim, continua sendo, e o será: clemente, bom, manso e verdadeiro. Somente ele é bom. Tendo concebido grande e inefável projeto, ele o comunicou somente ao Filho. 10Enquanto o mantinha no mistério e guardava sua sábia vontade, parecia que não cuidava de nós, não pensava em nós. Todavia, quando, por meio do seu Filho amado, revelou e manifestou o que tinha estabelecido desde o princípio, concedeu-nos junto todas as coisas: não só participar dos seus benefícios, mas ver e compreender coisas que nenhum de nós teria jamais esperado.

 

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