sexta-feira, 4 de agosto de 2023

JUSTINO-antologia

 



(material elaborado pelo prof. Paolo Cugini) 

“Também eu nutria, a princípio, o desejo de tratar com algum destes filósofos. Dirigi-me, pois, a um estóico e passei com ele bastante tempo. Entretanto, como nada adiantasse no conhecimento de Deus – ele mesmo era incrédulo e julgava desnecessário tal saber – abandonei-o e associei-me a um dos que passam pelo nome de peripatéticos. Este homem se tinha em conta de muito perspicaz. Freqüentei-o por alguns dias. Pediu-me então que lhe pagasse um salário, para que as nossas relações não resultassem inúteis. Por isso abandonei-o, deixando mesmo de tê-lo em conta de filósofo.

Mas como a minha alma persistisse no desejo ardente de conhecer a natureza e excelência da filosofia, fui ter com um renomado pitagórico, que muito se gloriava do seu saber. Ao tratar com ele da minha admissão como ouvinte e discípulo, perguntou-me: “Como assim? Já estudaste, porventura, a música, a astronomia e a geometria? Ou julgas poder contemplar alguma daquelas realidades que conduzem à felicidade, sem teres aprendido primeiro estas ciências, que desembaraçam a alma das coisas sensíveis, e a tornam apta para as inteligíveis, de modo a poder contemplar o que é belo e bom em si mesmo?” E tendo elogiado sobremaneira aquelas ciências, e insistido na sua necessidade, despediu-me, pois tive de confessar que as ignorava. E’ escusado dizer que me entristeci bastante com esta nova desilusão, tanto mais que eu tivera a impressão de que ele sabia alguma coisa. Mas, refletindo sobre o tempo que teria de gastar naquelas disciplinas, não me senti disposto a tão longa demora.

Cada vez mais perplexo, resolvi procurar os platônicos, que também desfrutavam de grande fama. Ora, justamente naqueles dias chegara à nossa cidade um dos representantes mais doutos e eminentes desta escola. Pus-me a freqüentá-lo com a máxima assiduidade. Fiz grandes progressos e apliquei-me diariamente a ele, tanto quanto me era possível. Senti-me tomado de um grande entusiasmo pelo conhecimento das coisas incorporais, e a contemplação das Idéias dava asas ao meu espírito. Comecei logo a ter-me por sábio, e tolo como era, cuidei chegar sem demora à contemplação de Deus. pois este é o objetivo da filosofia platônica”. 

(Diálogo com Trifon, MG t. 6, c. 477 A s.)

 

 

 

De nossos mestres também, isto é, do Verbo que falou pelos profetas, Platão tomou o que disse sobre Deus ter criado o mundo, transformando uma matéria informe. Para convencer-nos disso, escutai o que disse literalmente Moisés, o primeiro dos profetas, anteriormente já citado. Mais antigo do que os escritores gregos. Por meio dele, dando-nos a entender de que maneira e com quais elementos Deus fez o mundo no princípio, o Espírito profético assim disse: “No princípio Deus fez o céu e a terra. A terra era invisível e informe, as trevas ficavam por cima do abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. E Deus disse: ‘Faça-se a luz’.  E a luz foi feita”. Consequentemente, todo o mundo foi feito pela palavra de Deus a partir de elemento preexistentes, antes indicado por Moisés, coisa que tanto Platão como os que seguem as suas doutrinas aprenderam, e também nós a aprendemos, e vós podeis persuadir-vos disso. E mesmo aquilo que entre os poetas se chama “Érebo” ou abismo, sabemos que já fora dito antes por Moisés.

O que Platão, explicando a criação, diz no Timeu sobre o Filho de Deus: “Deu-lhe a forma de X no universo”, ele o tomou igualmente de Moisés. De fato, nos escritos de Moisés conta-se que, no tempo em que os israelitas tinham saído do Egito e se encontravam no deserto, foram atacados por feras venenosas, víboras, áspides e todo tipo de serpentes, que causavam a morte do povo. Então, por inspiração e impulso de Deus, Moisés pegou bronze, fez uma figura de cruz e a colocou sobre o tabernáculo  santo, dizendo ao povo: “Se olhardes para esta figura e crerdes, sereis salvos por meio dela.” Feito isso, ele conta que as serpentes morreram e que o povo então escapou da morte. Platão deve ter lido isso e, não compreendendo exatamente, nem entendendo que se tratava da figura da cruz, tomou-a pela lera X grega, e disse que o poder que acompanha a Deus estava primeiro estendido pelo universo em forma de X. ao falar de terceiro princípio, deve-se também ao fato de ter lido, como dissemos, em Moisés que o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Com efeito, Platão dá o segundo lugar ao Verbo, que vem de Deus e que ele disse estar espalhado em forma de X no universo; e dá o terceiro lugar ao Espírito que se disse pairar sobre as águas, e assim fala: “E o terceiro sobre o terceiro”.

Que haverá uma conflagração universal, escutai como o Espírito profético o anunciou de antemão. Ele diz o seguinte: “Descerá um fogo sempre vivo e devorará o abismo até embaixo”. Portanto, não somos nós que professamos opiniões iguais aos outros, e sim todos, por imitação, repetem as nossas doutrinas. Entre nós tudo isso pode-se ouvir e aprender até daqueles que ignoram as formas das letras, pessoas ignorantes e bárbaras de língua, mas sábias e fiéis de inteligência, e até pessoas mutiladas e privadas de visão. De onde se pode entender que isso não acontece pela sabedoria humana, mas se diz que é pela força de Deus.                     (Apologia I)

 

 

 

Sabemos que alguns que professaram a doutrina estóica foram odiados e mortos. Pelo menos na ética eles se mostram moderados, assim como os poetas em determinados pontos, por causa da semente do Verbo, que se encontra ingênita em todo o gênero humano. Assim foi Heráclito, como antes dissemos, e entre os do nosso tempo, Musônio e outros que conhecemos. Com efeito, como já anotamos, os demônios sempre se empenharam em tornar odiosos aqueles que, de algum modo, quiseram viver conforme o Verbo e fugir da maldade. Portanto, não é de se admirar se eles, desmascarados, procuram também tornar odiosos, e com mais empenho ainda, àqueles que vivem não apenas de acordo com uma parte do Verbo seminal, mas conforme o conhecimento e contemplação do Verbo total, que é Cristo. eles receberam merecido tormento e castigo, aprisionados no fogo eterno. Se eles agora são vencidos pelos homens em nome de Jesus Cristo, isso é aviso do futuro castigo no fogo eterno que os espera, juntamente com aqueles que os servem. Todos os profetas anunciaram isso de antemão e isso também nos ensinou o nosso mestre Jesus.

(Apologia II)  

 

 

 

Eu mesmo, quando seguia a doutrina de Platão, ouvia as calúnias contra os cristãos. Contudo, ao ver como caminhavam intrepidamente para a morte e para tudo o que é considerado espantoso, comecei a refletir que era impossível que tais homens tivessem na maldade e o amor aos prazeres. Com efeito, que homem amante do prazer, intemperante e que considere coisa boa devorar carnes humanas, poderia abraçar alegremente a morte, que vai privá-lo de seus bens, e que não procuraria antes, de todos os modos, prolongar indefinidamente a as vida presente e esconder-se dos governantes, e menos ainda sonharia em delatar a si mesmo para ser morto? Por obra de homens perversos, os malvados demônios também já conseguiram isso. De fato, buscando condenar à morte alguns cristãos, fundados nas calúnias contra nós, arrastaram também escravos, meninos e mulheres e, por meio de incríveis tormentos, os forçaram a repetir contra nós o que o povo inventa, os mesmos crimes que eles cometem publicamente. Todavia, nada disso nos diz respeito e nada nos preocupa, pois temos o Deus eterno e inefável como testemunha de nossos pensamentos e ações. Com efeito, por qual motivo não haveríamos de proclamar publicamente que tudo isso é bom e demonstrar que se trata de uma divina filosofia, se bastasse dizer que ao matar um homem nós nos iniciamos nos mistérios de Saturno e que, ao fartar-nos de sangue, fazemos o mesmo que esse ídolo que tanto apreciais, ao qual se asperge não só com sangue de animais irracionais, mas também com sangue humano? E para semelhante rito de aspergir com o sangue dos executados, destinais o homem mais ilustre e mais nobre dentre vós. Por fim, quando dizem que abusamos dos varões e nos unimos sem teor com as mulheres, por que não dizer que, fazendo isso, estamos imitando a Zeus e aos outros deuses, alegando em nossa defesa os escritos de Epicuro e dos poetas? A verdade é que nos fazem guerra de mil modos, exatamente porque ensinamos a fugir de semelhantes doutrinas e daqueles que praticam tais coisas ou imitam tais exemplos, como, mesmo nestes discursos que vos dirigimos, nos esforçamos por fazer. Contudo, a vossa guerra em nada nos importa, pois sabemos que o Deus que tudo vê é justo. Oxalá, agora mesmo subisse alguém à tribuna elevada e, com voz de ator, dali vos gritasse: “Envergonhar-vos, envergonhai-vos de imputar à pessoas inocentes a mesma coisa que praticais publicamente e atribuir aquilo que é próprio de vós e de vossos deuses àqueles que absolutamente nada têm a ver com isso. Converte-vos, arrependei-vos.  (Apologia II)    

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