(material elaborado pelo prof. Paolo Cugini)
“Também eu nutria, a
princípio, o desejo de tratar com algum destes filósofos. Dirigi-me, pois, a um
estóico e passei com ele bastante tempo. Entretanto, como nada adiantasse no
conhecimento de Deus – ele mesmo era incrédulo e julgava desnecessário tal
saber – abandonei-o e associei-me a um dos que passam pelo nome de
peripatéticos. Este homem se tinha em conta de muito perspicaz. Freqüentei-o
por alguns dias. Pediu-me então que lhe pagasse um salário, para que as nossas
relações não resultassem inúteis. Por isso abandonei-o, deixando mesmo de tê-lo
em conta de filósofo.
Mas como a
minha alma persistisse no desejo ardente de conhecer a natureza e excelência da
filosofia, fui ter com um renomado pitagórico, que muito se gloriava do seu
saber. Ao tratar com ele da minha admissão como ouvinte e discípulo,
perguntou-me: “Como assim? Já estudaste, porventura, a música, a astronomia e a
geometria? Ou julgas poder contemplar alguma daquelas realidades que conduzem à
felicidade, sem teres aprendido primeiro estas ciências, que desembaraçam a
alma das coisas sensíveis, e a tornam apta para as inteligíveis, de modo a
poder contemplar o que é belo e bom em si mesmo?” E tendo elogiado sobremaneira
aquelas ciências, e insistido na sua necessidade, despediu-me, pois tive de
confessar que as ignorava. E’ escusado dizer que me entristeci bastante com
esta nova desilusão, tanto mais que eu tivera a impressão de que ele sabia
alguma coisa. Mas, refletindo sobre o tempo que teria de gastar naquelas
disciplinas, não me senti disposto a tão longa demora.
Cada vez mais perplexo,
resolvi procurar os platônicos, que também desfrutavam de grande fama. Ora,
justamente naqueles dias chegara à nossa cidade um dos representantes mais
doutos e eminentes desta escola. Pus-me a freqüentá-lo com a máxima
assiduidade. Fiz grandes progressos e apliquei-me diariamente a ele, tanto
quanto me era possível. Senti-me tomado de um grande entusiasmo pelo
conhecimento das coisas incorporais, e a contemplação das Idéias dava asas ao
meu espírito. Comecei logo a ter-me por sábio, e tolo como era, cuidei chegar
sem demora à contemplação de Deus. pois este é o objetivo da filosofia
platônica”.
(Diálogo
com Trifon, MG t. 6, c. 477 A s.)
De nossos mestres também,
isto é, do Verbo que falou pelos profetas, Platão tomou o que disse sobre Deus
ter criado o mundo, transformando uma matéria informe. Para convencer-nos
disso, escutai o que disse literalmente Moisés, o primeiro dos profetas,
anteriormente já citado. Mais antigo do que os escritores gregos. Por meio
dele, dando-nos a entender de que maneira e com quais elementos Deus fez o
mundo no princípio, o Espírito profético assim disse: “No princípio Deus fez o
céu e a terra. A terra era invisível e informe, as trevas ficavam por cima do
abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. E Deus disse: ‘Faça-se a
luz’. E a luz foi feita”.
Consequentemente, todo o mundo foi feito pela palavra de Deus a partir de
elemento preexistentes, antes indicado por Moisés, coisa que tanto Platão como
os que seguem as suas doutrinas aprenderam, e também nós a aprendemos, e vós
podeis persuadir-vos disso. E mesmo aquilo que entre os poetas se chama “Érebo”
ou abismo, sabemos que já fora dito antes por Moisés.
O que Platão,
explicando a criação, diz no Timeu sobre o Filho de Deus: “Deu-lhe a forma de X
no universo”, ele o tomou igualmente de Moisés. De fato, nos escritos de Moisés
conta-se que, no tempo em que os israelitas tinham saído do Egito e se
encontravam no deserto, foram atacados por feras venenosas, víboras, áspides e
todo tipo de serpentes, que causavam a morte do povo. Então, por inspiração e
impulso de Deus, Moisés pegou bronze, fez uma figura de cruz e a colocou sobre
o tabernáculo santo, dizendo ao povo:
“Se olhardes para esta figura e crerdes, sereis salvos por meio dela.” Feito
isso, ele conta que as serpentes morreram e que o povo então escapou da morte.
Platão deve ter lido isso e, não compreendendo exatamente, nem entendendo que
se tratava da figura da cruz, tomou-a pela lera X grega, e disse que o poder
que acompanha a Deus estava primeiro estendido pelo universo em forma de X. ao
falar de terceiro princípio, deve-se também ao fato de ter lido, como dissemos,
em Moisés que o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Com efeito, Platão dá
o segundo lugar ao Verbo, que vem de Deus e que ele disse estar espalhado em
forma de X no universo; e dá o terceiro lugar ao Espírito que se disse pairar
sobre as águas, e assim fala: “E o terceiro sobre o terceiro”.
Que haverá uma
conflagração universal, escutai como o Espírito profético o anunciou de
antemão. Ele diz o seguinte: “Descerá um fogo sempre vivo e devorará o abismo
até embaixo”. Portanto, não somos nós que professamos opiniões iguais aos
outros, e sim todos, por imitação, repetem as nossas doutrinas. Entre nós tudo
isso pode-se ouvir e aprender até daqueles que ignoram as formas das letras,
pessoas ignorantes e bárbaras de língua, mas sábias e fiéis de inteligência, e
até pessoas mutiladas e privadas de visão. De onde se pode entender que isso não
acontece pela sabedoria humana, mas se diz que é pela força de Deus. (Apologia I)
Sabemos que alguns que
professaram a doutrina estóica foram odiados e mortos. Pelo menos na ética eles
se mostram moderados, assim como os poetas em determinados pontos, por causa da
semente do Verbo, que se encontra ingênita em todo o gênero humano. Assim foi
Heráclito, como antes dissemos, e entre os do nosso tempo, Musônio e outros que
conhecemos. Com efeito, como já anotamos, os demônios sempre se empenharam em
tornar odiosos aqueles que, de algum modo, quiseram viver conforme o Verbo e
fugir da maldade. Portanto, não é de se admirar se eles, desmascarados,
procuram também tornar odiosos, e com mais empenho ainda, àqueles que vivem não
apenas de acordo com uma parte do Verbo seminal, mas conforme o conhecimento e
contemplação do Verbo total, que é Cristo. eles receberam merecido tormento e
castigo, aprisionados no fogo eterno. Se eles agora são vencidos pelos homens
em nome de Jesus Cristo, isso é aviso do futuro castigo no fogo eterno que os
espera, juntamente com aqueles que os servem. Todos os profetas anunciaram isso
de antemão e isso também nos ensinou o nosso mestre Jesus.
(Apologia
II)
Eu mesmo,
quando seguia a doutrina de Platão, ouvia as calúnias contra os cristãos.
Contudo, ao ver como caminhavam intrepidamente para a morte e para tudo o que é
considerado espantoso, comecei a refletir que era impossível que tais homens
tivessem na maldade e o amor aos prazeres. Com efeito, que homem amante do
prazer, intemperante e que considere coisa boa devorar carnes humanas, poderia
abraçar alegremente a morte, que vai privá-lo de seus bens, e que não
procuraria antes, de todos os modos, prolongar indefinidamente a as vida
presente e esconder-se dos governantes, e menos ainda sonharia em delatar a si
mesmo para ser morto? Por obra de homens perversos, os malvados demônios também
já conseguiram isso. De fato, buscando condenar à morte alguns cristãos,
fundados nas calúnias contra nós, arrastaram também escravos, meninos e
mulheres e, por meio de incríveis tormentos, os forçaram a repetir contra nós o
que o povo inventa, os mesmos crimes que eles cometem publicamente. Todavia,
nada disso nos diz respeito e nada nos preocupa, pois temos o Deus eterno e
inefável como testemunha de nossos pensamentos e ações. Com efeito, por qual
motivo não haveríamos de proclamar publicamente que tudo isso é bom e
demonstrar que se trata de uma divina filosofia, se bastasse dizer que ao matar
um homem nós nos iniciamos nos mistérios de Saturno e que, ao fartar-nos de
sangue, fazemos o mesmo que esse ídolo que tanto apreciais, ao qual se asperge
não só com sangue de animais irracionais, mas também com sangue humano? E para
semelhante rito de aspergir com o sangue dos executados, destinais o homem mais
ilustre e mais nobre dentre vós. Por fim, quando dizem que abusamos dos varões
e nos unimos sem teor com as mulheres, por que não dizer que, fazendo isso,
estamos imitando a Zeus e aos outros deuses, alegando em nossa defesa os
escritos de Epicuro e dos poetas? A verdade é que nos fazem guerra de mil
modos, exatamente porque ensinamos a fugir de semelhantes doutrinas e daqueles
que praticam tais coisas ou imitam tais exemplos, como, mesmo nestes discursos
que vos dirigimos, nos esforçamos por fazer. Contudo, a vossa guerra em nada
nos importa, pois sabemos que o Deus que tudo vê é justo. Oxalá, agora mesmo
subisse alguém à tribuna elevada e, com voz de ator, dali vos gritasse:
“Envergonhar-vos, envergonhai-vos de imputar à pessoas inocentes a mesma coisa
que praticais publicamente e atribuir aquilo que é próprio de vós e de vossos
deuses àqueles que absolutamente nada têm a ver com isso. Converte-vos,
arrependei-vos. (Apologia II)
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