Sociales
Paris, 2001,
Digitação:
Jaciara Souza Pereira
Síntese:
Paolo Cugini
Contribuição
para uma economia dos bens simbólicos ([¹])
A Denegação da “Economia”
Quando
o único capital útil, eficiente, é o capital irreconhecido, reconhecido,
legítimo, a que se da o nome de “prestigio” ou “autoridade”, neste caso, o
capital econômico pressuposto, quase sempre, pelos empreendimentos culturais só
pode garantir os ganhos específicos produzidos pelo campo – e, ao mesmo tempo,
os ganhos “econômicos” que eles sempre implicam – se vier a converter-se em
capital simbólico: a única acumulação legitima, tanto para o autor quanto para
o crítico, tanto para o marchand de quadros quanto para o editor ou o diretor
de teatro, consiste em adquirir um nome, um nome conhecido e reconhecido,
capital de consagração que implica um poder de consagrar, alem de objetos (é o
efeito de grife ou de assinatura) ou pessoas (pela publicação, exposição,
etc.), portanto, de dar valor e obter benefícios desta operação. (pag. 20)
O Círculo da Crença
Passando
do criador ao descobridor como criador do criador, limitamo-nos a deslocar a
questão inicial; neste caso, restaria determinar de onde vem o poder de
consagrar que é reconhecido ao comerciante de arte. Ainda aqui, a resposta
carismática se oferece já pronta: os grandes marchands, os grandes editores,
são “descobridores” inspirados que, guiados por sua paizão desinteressada e
irrefletida por uma obra, “fizeram” o pintor ou o escritor, ou então,
permitira-lhe ele se fizesse, amparando-o nos momentos difíceis, respaldados na
fé que haviam colocado nele, orientando-o com seus conselhos e livrando-o das
preocupações materiais. (pag. 23)
Fé e Má-Fé
O
princípio da eficácia de todos os atos de consagração não é outro senão o
próprio campo, lugar da energia social acumulada, reproduzido com a ajuda dos
agentes e instituições através das lutas pelas quais eles tentam apropriar-se
dela, empenhando o que haviam adquirido de tal energia nas lutas anteriores.
(pag. 25)
Sacrilégios Rituais
A estas análises, podem-se-iam opor as
tentativas que se multiplicara por volta da década de 60, sobretudo, no domínio
da pintura, para quebrar o círculo da crença, se não fosse por demais evidente
que esses espécies de sacrilégios rituais, dessacralizacoes ainda sacralizantes
que se kimitam sempre a escandalizar os crentes, estão votados a serem, por sua
vez, sacralizados, e a fundaram uma nova crença. (pag. 27)
O Irreconhecimento Coletivo
A
eficácia quase mágica da assinatura não é outra coisa senão o poder,
reconhecido a alguns, de mobilizar a energia simbólica produzida pelo
funcionamento de todo campo, ou seja, a fé no jogo e lances produzidos pelo
próprio jogo. (pag. 28)
O
artista que, ao escrever seu nome em um ready-made, produz um objeto, cujo
preço de mercado não tem qualquer relação com seu custo de produção é
coletivamente incumbido da execução de um ato mágico que nada seria sem toda a
tradição da qual seu gesto é o coroamento, sem o universo dos celebrantes e
crentes que lhe dão sentido e valor por referencia a essa tradição. É inútil
procurar fora do campo, ou seja, no sistema de relações objetivas que o
constituem, nas lutas das quais ele constitui o lugar, e na forma especifica de
energia ou de capital que nele se engendra, o princípio do poder “criador”,
essa espécie de mana ou carisma inefável, celebrado pela tradição. (pag. 29)
Dominante e Pretendentes
A
oposição entre o comercial e o “não comercial” encontra-se por toda parte: ela
é o principal gerador da maior parte dos julgamentos que, em matéria de teatro,
cinema, pintura, literatura, pretendem estabelecer a fronteira entre o que é
arte e o que não o é, ou seja, praticamente entre a arte burguesa e a arte
intelectual, entre a arte tradicional e a arte de vanguarda, entre a rive
droite e a rive gauche ([*¹² Rive droite, rive gauche (literalmente: “margem
direita”, “margem esquerda”), entenda-se do rio Sena ao atravessar Paris: a
rive gauche é considerada o centro cultural da cidade.]) (pag. 30)
Colocados
diante de um objeto tão claramente organizado segundo a oposição canônica, os
críticos – por sua vez, distribuídos no espaço da imprensa, segundo a estrutura
que se encontra na origem do objeto classificado e do sistema de classificação
que eles aplicam – reproduzem, no espaço dos julgamento pelos quais eles o
classificam e se classificam, o espaço no qual eles próprios são classificados
(círculo perfeito do qual só é possível sair, objetivando-o). dito por outras
palavras, os diferentes julgamentos proferidos sobre Le Tournant variam, em seu
conteúdo e forma, segundo o órgão de imprensa no qual eles se exprimem, ou
seja, desde a maior distância do crítico e de seu público ao mundo intelectual
até a maior distância á peça Françoise Dorin e a seu público burguês e a menor
distância ao mundo intelectual ([³³])
Pressupostos
do Discurso e Afirmações Descabidas
A
polarização objetiva do campo faz com que os críticos dos dois lados possam
colocar em relevo as mesmas propriedades e, para designá-las, utilizar os
mesmos conceitos (malvada, cordelinhos, bom senso, saudável, etc.) mas que
assumem um valor irônico (“que bom senso”...)e, portanto, funcionam em sentido
inverso quando se dirigem a um público que não mantém com eles a mesma relação
de convivência, aliás, fortemente denunciada (“basta que dê um nó para que o
público morra de riso”; “a outra que não esperava outra coisa”). O teatro, que
só consegue funcionar respaldado na conivência total total entre o autor e os
espectadores (eis a razão pela qual a correspondência entre as categorias de
teatros e as divisões da classe dominante é, neste ponto, tão estreita e
visível ) constitui a melhor demonstração de que sentido e o valor das palavras (e,
sobretudo, “palavras apropriadas”) dependem do mercado em que são colocadas; de
que as mesma frases podem receber sentidos opostos quando se dirigem a grupos
animados por pressupostos antagonistas. Ao apresentar diante de um público de
bulevar as desventuras de um autor de vanguarda, Françoise, Dorin limita-se a
explorar a lógica estrutural do campo de classe dominante; assim, ela volta
contra o teatro de vanguarda a arma preferencialmente utilizada por este contra
a tagarelice “burguesa” e contra o “teatro burguês” que reproduz seus truísmos
e clichês (estamos pensando em Ionesco ao descrever a Cantatrice chauve ou
Jacques como “uma espécie da paródia ou caricatura do teatro de bulevar, um
teatro de bulevar que se decompõe e se torna louco”): ao quebrar a relação de
simbiose ética e estética que une o discurso intelectul a seu público, ela o
transforma em um sequência de afirmações descabidas que chocam ou provocam o
riso porque não são pronunciadas no lugar e diante do público convenientes, ou
seja, no sentido verdadeiro, uma paródia, discurso que só pode instaurar com
seu público a cumplicidade imediata do riso porque soube obter dele – se é que
de antemão já tinha essa certeza – a revocação dos pressupostos do
discurso parodiado. (pag. 51 e 52)
Os Fundamentos da
Conivência
Convém
abstermo-nos de aceitar como explicação suficiente a relação, termo, entre o
discurso dos critérios e as propriedades de seu público: se a
representação polêmica elaborada cada um
dos campos a respeito de seus adversários reserva a tal lugar e esse modo de
explicação é porque permite desqualificar, por referência á lei fundamental do
campo, as escolhas estéticas ou éticas ao descobrir, em sua origem, o cinismo
calculista – por exemplo, a busca do sucesso a qualquer preço, inclusive pelo
uso da provocação e escândalo, argumento preferencialmente da rive droite; pelo
servilismo interesseiro com o tópico, de preferência, da rive gauche, do
“criado da burguesia”. (pag. 52 e 53)
O Poder da Convicção
A
sinceridade (que é uma das condições da eficácia simbólica) só é possível – e
se realiza – no caso de um acordo perfeito, imediato, entre as expectativas
inscritas na posição ocupada(em um universo menos consagrados, dir-se-ia, “a
definição do posto”) e as disposições do ocupante. Não podemos compreender o
ajustamento das disposições ás posições (que serve de fundamento, por exemplo,
ao ajustamento do jornalista ao jornal e, mesmo tempo, ao público desse jornal,
ou o ajustamento dos leitores ao jornal e, ao mesmo tempo, ao jornalista) se
ignoramos o fato de que as estruturas objetivas do campo da produção estão na
origem das categorias de percepção e apreciação que estruturam a percepção e a
apreciação de seus produtos. (pag. 56)
Tempo Longo e Tempo Curto
É
ainda nas características dos bens culturais, e do mercado onde são oferecidos,
que reside o princípio fundamental das diferenças entre os empreendimentos
comerciais e os empreendimentos culturais. Um empreendimentos encontra-se tanto
mais próximos do pólo comercial (ou, inversamente, mais afastado do pólo
cultural), quanto mais direta ou completamente os produtos oferecidos por ele
no mercado corresponderem a uma demanda preexistente, ou seja, a interesses
preexistentews, e a formas preestabelecidas. (pag. 59)
O Tempo e o
Dinheiro
O
tamanho da empresa e o volume da produção não orientam somente a política
cultural através do peso das despesas fixas e da preocupação correlata com o
rendimento do capital, mas afetam diretamente a prática dos responsáveis pela
seleção dos manuscritos: diferentemente do grande editor, o pequeno pode
conhecer pessoalmente, com a ajuda de alguns conselheiros que, ao mesmo tempo,
são autores da editora, o conjunto dos livros publicados. Em suma, tudo se
conjuga para impedir que o responsável
por uma grande empresa, voltada para atividade editorial, proceda a
investimentos de risco e a longo prazo: a estrutura financeira de sua empresa,
as obrigações econômicas que lhe impõem a rentabilização do capital, portanto,
de pensar antes de tudo nas vendas, além das condições em que ele trabalha e
que, praticamente, impedem seu contato direto com os manuscritos e os autores.
([59]) Por sua vez, o editor de vanguarda só pode enfrentar os riscos
financeiros (em todo caso, objetivamente, menores) corridos ao investir (no
duplo sentido) em empreendimentos que, no melhor dos casos, não podem render
senão benefícios simbólicos, com a condição de reconhecer plenamente os
desafios específicos do campo da produção e, á semelhança dos escritores ou
intelectuais lançados por ele, perseguir o único lucro especifico concebido
pelo campo, pelo menos, a curto prazo, ou seja, o “renome” e a “autoridade
intelectual” correspondente ([60]) (pag. 63 e 64)
Ortodoxia e Heresia
Princípio
da oposição entre arte de vanguarda e arte burguesa, entre ascese material,
garantia da consagração espiritual, e o sucesso mundano, mercado, entre outros
sinais, pelo reconhecimento das instituições (prêmios, academias, etc.) e pelo
êxito financeiro, esta visão escatológica contribui para dissimular a verdade
da relação entre o campo da produção cultural e o campo do poder ao reproduzir,
na lógica especifica do campo intelectual, ou seja, sob a forma transfigurada
do conflito entre duas estéticas, a oposição (que não exclui a
complementaridade) entre as frações dominadas e as frações dominantes da classe
dominante, ou seja, entre o poder cultural (associado á menor riqueza
econômica) e o poder econômico e político (associado á menor riqueza cultural).
Os conflitos propriamente estéticos sobre a visão legítima do mundo, ou seja,
em última análise, sobre o que merece ser representado e sobre a maneira
correta de fazer tal representação, são conflitos políticos (supremamente
eufemizados) pela imposição da definição dominante da realidade e, em
particular, da realidade social. Construída segundo os esquemas geradores da
representação reta (e de direita) da realidade – e, em particular, da realidade
social, ou seja, em poucas palavras, da ortodoxia – a arte da reprodução ([68])
(cuja forma, por excelência, é o teatro burguês) é apropriada para
proporcionar, àqueles que a percebem segundo esses esquemas, a experiências
tranqüilizadoras da evidência imediata da representação, ou seja, da
necessidade do modo de representação e do mundo representado. Esta arte ortodoxa
escaparia ao tempo se não fosse continuamente remetida ao passado pelo
movimento introduzido no campo da produção pela pretensão das frações dominadas em utilizar poderes que lhes são
atribuídos para modificar a visão do mundo e derrubar as hierarquias temporais
e temporárias ás quais está enganchado o gosto burguês. Detentores de uma
delegação (sempre parcial) de legitimidade em matéria cultural, os produtores
culturais e, em particular, aqueles que produzem unicamente para os produtores
tendem sempre a desviar em seu beneficio a autoridade de que dispõem, portanto,
a impor como única legítima sua variante própria da visão dominante do mundo.
No entanto, a contestação das hierarquias artísticas instituídas e o
deslocamento herético dos limites socialmente admitidos entre o que merece ser
conservado, admirado e transmitido, por um lado, e, por outro, o que não tem
tal merecimento, só poderá exercer um efeito propriamente artístico de
subversão se reconhecer tacitamente o fato e a legitimidade dessa delimitação,
ao transformar o deslocamento de tais limites em um ato artístico e ao
reivindicar, assim, para o artista o monopólio da transgressão legitima dos
limites entre sagrado e profano, portanto, das revoluções dos sistemas
artísticos de classificação.
O
campo da produção cultural é o terreno por excelência do enfrentamento entre as
frações dominantes da classe dominante – que combatem aí, ás vezes,
pessoalmente e, quase sempre, por intermédio dos produtores orientados para a
defesa de suas idéias e para a satisfação de suas preferências – e as frações
dominadas que estão totalmente envolvidas neste combate. ([69]). Por meio desse
conflito, consuma-se, em um único e mesmo campo, a integração dos diferentes
subcampos socialmente especializados, mercados particulares completamente
separados no espaço social e, até mesmo, geográfico, em que as diferentes
frações da classe dominante podem encontrar produtos ajustados a seu gosto,
tanto em matéria de teatro, como em matéria de pintura, costura ou decoração.
(pag. 69 e 70)
As Maneiras de
Envelhecer
A
oposição entre as duas economias, ou seja, entre duas relações com a
“economia”, assume assim a forma da oposição entre dois ciclos de vida da
empresa da produção cultural, dois modos de envelhecimento das empresas,
produtores e produtos. ([7³]) A trajetória que conduz da vanguarda á
consagração e a que leva da pequena empresa á grande empresa excluem-se
totalmente: a possibilidade da pequena empresa comercial tornar-se uma grande
empresa consagrada pode equiparar-se á do grande escritor comercial (como Guy
de Cars ou Cécil Saint-Laurent) vir a ocupar empresas comerciais que,
fixando-se como finalidade a acumulação de capital “econômico”, só podem
crescer ou desaparecer (por falência ou absorção), a única distinção pertinente
diz respeito ao tamanho da empresa que tende a crescer com o tempo; no caso das
empresas definidas por um elevado grau de degeneração da “economia” e de submissão á lógica especifica
da economia dos bens culturais, a oposição temporal entre os recém-chegados e
os antigos, os pretendentes e os atuais titulares, a vanguarda e o clássico,
tende a confundir-se com a oposição “econômica” entre pobres e ricos (que são
também os grandes), o barato e o caro – neste caso, o envelhecimento é
acompanhado quase inevitavelmente por uma transformação “econômica” propícia a determinar a transformação da
relação com a “economia”, ou seja, do afrouxamento da denegação da “economia”
que mantém uma relação dialética com o faturamento e o tamanho da empresa: a
única defesa contra o envelhecimento é a recusa de crescer pelos ganhos e para
o lucro, de entrar na dialética do lucro que, ao aumentar o tamanho da empresa,
portanto, as despesas fixas, obriga a buscar o lucro e trazem seu bojo a divulgação,
sempre acompanhada pela desvalorização implicada em toda vulgarização ([74]).
(pag. 72 e73)
Clássicos ou
Desclassificados
É
claro que o primeiro atribuído pelo campo da produção cultural á juventude
remete, uma vez mais, á relação de denegação do poder e da “economia” que está
em sua origem: por seus atributos associados á indumentária e por toda sua
hexis ([ Conjunto de propriedades associadas ao uso do corpo em que se
exterioriza a posição de classe de uma pessoa]) corporal, os intelectuais e os
artistas tendem sempre a colocar-se do lado da juventude é porque, tanto nas
representações quanto na realidade, a oposição entre jovens e velhos a é
homóloga da oposição entre o poder e a seriedade burgueses, por um lado, e, por outro, a indiferença ao
poder ou ao dinheiro, assim como a recusa intelectual do espírito de seriedade,
oposição que a representação burguesa – que avalia a idade pelo poder e pela
relação correlata ao poder – retoma por sua conta quando identifica o
intelectual com o jovem burguês em nome do estatuto comum a ambos de
dominantes-dominados, provisoriamente afastados do dinheiro e do poder. ([84]).
No entanto, o privilégio consentido á juventude e aos valores de mudança e
originalidade aos quais ela está associada só poderá ser compreendido
cabalmente a partir da relação dos artistas com os burgueses; ele exprime
também a lei especifica da mudança do campo da produção a saber: a dialética da
distinção que vota as instituições, escolas, obras e artistas – que, inevitavelmente,
estão associados a determinado momento da história da arte, que fizeram época
ou ganharam notoriedade – a caírem no passado, tornarem-se clássicos ou
desclassificados, serem lançados para fora da história ou “passarem á
histórias”, ao eterno presente da cultura em que as mais incompatíveis
tendências e escolas “em atividade” podem coexistir pacificamente por terem
sido canonizadas, ecademizadas, neutralizadas. (pag. 87 e 88)
A Diferença
Não é
demais afirmar que a história do campo é a história da luta pelo monopólio da
imposição das categoriais de percepção e apreciação legítima; é a própria luta
que faz a história do campo; é pela luta ele se temporaliza. O envelhecimento
dos autores, obras ou escolas não é, modo algum, o produto de um deslize
mecânico para o passado, mas a criação continuada do combate entre aqueles que
fizeram época e lutam para que esta perdure, por um lado, e, por outro, aqueles
que, por sua vez, não podem fazer época sem remeter para o passado os que têm
interesse a interromper o tempo, a eternizar o estado presente; entre os
dominantes que estão comprometidos com a continuidade, a identidade, a
reprodução, e os dominados, os recém-chegados, que estão interessados na
descontinuidade, ruptura, diferença, revolução. Fazer época é impor sua marca,
fazer reconhecer (no duplo sentido) sua diferença em relação aos outros
produtores e, sobretudo, em relação aos produtores mais outros produtores e,
sobretudo, em relação aos produtores e, sobretudo, em relação aos produtores
mais consagrados; é, inseparavelmente, fazer existir uma nova posição para além
das posições ocupadas, á frente dessas posições, na vanguarda. Introduzir a
diferença é produzir tempo. Compreende-se o lugar que, nesta luta pela vida
pela sobrevivência, cabe ás marcas distintivas que, na melhor das hipóteses,
visam identificar, muitas vezes, as mais superficiais e visíveis das
propriedades associadas a um conjunto de obras ou produtores. As palavras,
nomes de escolas ou de grupos, nomes próprios, só têm tanta importância porque
eles fazem as coisas: como sinais distintivos, eles produzem a existência em um
universo em que existir é deferir, “fazer-se um nome”, um nome próprio ou nome
comum (a um grupo). Falsos conceitos, instrumentos práticos de classificação
que estabelecem as semelhanças e as diferenças, nomeando-as, os nomes de
escolas ou de grupos que têm florescido na pintura recente – pop art, minimal
art, process art, land art, doby art, arte conceitual, arte povera, Fluxus,
novo realismo, nova figuração suporte-superficie, op art, cinética – são
produzidos na luta pelo reconhecimento pelos próprios artistas ou seus críticos
titulares, e desempenham a função de sinais de reconhecimento que distinguim as
galerias, os grupos, assim como os pintores e, ao mesmo tempo, os produtos que
eles fabricam ou propõem. (pag. 88 e 89)
Em
cada instante do tempo, seja qual for o campo de luta (campo das lutas de
classe, campos da classe dominante, campo da produção cultural, etc.), os
agentes e as instituições envolvidos no jogo são, ao mesmo tempo, contemporâneo
e temporalmente discordantes. O campo do presente não passa de outro nome do
campo de lutas (como é demonstrado pelo fato de que um autor do passado está
presente na exata medida em que ele está em jogo) e a contemporaneidade como
presença ao mesmo presente, ao presente dos outros, só existe praticamente na
própria luta que sincroniza tempos discordantes (é assim que, como será
demonstrado alhures, um dos principais efeitos das grandes crises históricas,
dos acontecimentos que fazem época, consiste em sincronizar os tempos dos
campos definidos por durações estruturais especificas); no entanto, a luta que produz
a contemporaneidade como confronto de tempos diferentes só poderá ser travada
porque os agentes e os grupos que ela opõe não estão presentes no mesmo
presente. (pag. 89 e 90-)
O
movimento temporal produzido pela aparição de um grupo capaz de fazer época ao
impor uma posição avançada traduz-se pela translação de estrutura do campo do
presente, ou seja, das posições temporalmente hierarquizadas que se opõem em
determinado campo (por exemplo, pop art, arte cinética e arte figurativa);
assim, cada uma das posições encontra-se defasada de uma fila na hierarquia
temporal que, ao mesmo tempo, é uma hierarquia social. (pag. 90)
Também
a irredutibilidade – operada pelo artista – do trabalho da produção á fabricação nunca apareceu de maneira tão
evidente. Em primeiro lugar, porque a nova definição do artista e do trabalho
artístico aproxima o trabalho do artista do trabalho do intelectual e o torna,
mais do que nunca, tributário dos comentários intelectuais. Crítico, mas também
chefe de escola (no caso, por exemplo, de Restany e dos novos realistas) ou
companheiro de identificar a criação com introdução de distâncias, perceptíveis
unicamente aos iniciados, em relação a formas e fórmulas conhecida por todos.
(pag. 96)
O
enriquecimento acompanha o envelhecimento quando a obra chega a entrar no jogo,
quando se torna um desafio e, assim, incorpora uma parcela de energia produzida
pela luta da qual é o objeto. A luta, que remete a obra para o passado, é
também o que lhe garante uma forma de sobrevivência: arrancando-a ao estado de
letra morta, de simples coisa do mundo votada ás leis comuns do envelhecimento,
ela garante-lhe, no mínimo, a eternidade triste do debate acadêmico.([9²])
(pag. 98)
O
COSTUREIRO E SUA GRIFE
Contribuição
para uma teoria da magia([¹])
Pierre
Bourdieu com Yvette Delsaut
*A
Direita e a Esquerda
Por um
lado, a preocupação em conservar e explorar uma clientela restrita e antiga que
só se conquista pela tradição; por outro, a esperança de converter novos
clientes, através de uma arte que pretende estar “ao alcance das massas” – isto
é, e ninguém poderá se enganar neste caso, ao alcance das novas frações da
burguesia ou, o que vem a ser quase o mesmo, que pretende ser cultural e
economicamente acessível aos jovens das frações antigas. O fato de a ideologia
populista de abertura ás massas se encontrar em um campo, onde o esquecimento
das condições de acesso aos bens oferecidos é mais difícil que alhures, tende a
sugerir que ela deva ser sempre compreendida como uma estratégia nos conflitos
internos de um campo: os ocupantes de uma posição dominada em um campo
especializado podem ter interesse, em certas conjunturas, em utilizar a
homologia estrutural entre as oposições internas de um campo e a última
oposição entre as classes para apresentar a procura por uma clientela, no
sentido econômico ou político do termo (aqui, a das frações dominadas do
subcampo dirigente da sob a aparência arrogante democrática de abertura ás
massas, denominação eufemística e imprecisa atribuída ás classes dominadas.
(pag. 116)
Entre
o pólo dominante e o pólo dominado, entre o luxo austero da ortodoxia e o
ascetismo ostensivo da heresia, os diferentes costureiros se distribuem segundo
uma ordem que permanece praticamente invariável, quando lhes aplicamos
critérios tão diferentes como antiguidade da Maison e a importância de seu faturamento,
o preço dos objetos oferecidos e o número de provas, a intensidade das cores e,
hoje, o espaço reservado ás calças nas coleções.As posições na estrutura da
distribuição do capital especifico se exprimem nas estratégias tanto estéticas,
quanto comerciais. Para alguns, as estratégias de conservação que visam manter
intacto o capital acumulado (o renome da qualidade) contra os efeitos da
translação do campo e cujo sucesso depende, evidentemente, da importância do
capital possuído e também da aptidão de seus detentores, fundadores e,
sobretudo, herdeiros, em gerir racionalmente a reconversão, sempre arriscada,
do capital simbólico em capital econômico. Para outros, as estratégias de
subversão, que tendem a desacreditar os detentores do mais sólido capital de
legitimidade, a remetê-los ao clássico e, em seguida, ao desclassificado,
colocando em questão (pelo menos, objetivamente) suas normas estéticas e
apropriando-se de sua clientela presente ou, em todo caso, futura, por meio de
estratégias comerciais que não poderiam ser utilizadas pelas Maison
tradicionais, sem comprometerem sua imagem de prestígio e exclusividade. (pag.
116 e 117)
Segundo
esta lógica, um burguês pobre, isto é, um intelectual, seja qual for sua idade
biológica, equivale a um jovem burguês: aliás têm muitas coisas em comum,
audácias na indumentária, hoje, cabelos longos, gostos fantasistas, idéias
políticas simbolicamente avançadas e, origem de tudo isso na opinião do
burguês, a falta relativa de dinheiro. Os jovens assim definidos – isto é,
grosso modo, o conjunto dos dominantes dominados - não conseguem negar a hierarquia do dinheiro
e da idade a não ser constituindo, de forma decisória, outras formas, menos
custosas, da vida de luxo. (pag. 118)
No
campo da moda, como em todos os outros campos, são os recém-chegados que, á semelhança
do que ocorre no boxe com o desafiante, fazem o jogo. Os dominantes agem sem
riscos: não têm necessidade de recorrer a estratégias de blefe ou enaltecimento
eu são outras tantas maneiras de
confessar sua fraqueza. (pag. 119)
Em
seguida época, os costureiros atuam no interior de um universo de imposições
explicitas (por exemplo, as que se referem ás combinações de cores ou não
cumprimento dos vestidos) ou implícitas (tal como a que, até uma data recente,
excluía as calças das coleções). O jogo dos recém-chegados consiste, quase
sempre, em romper com certas convenções em vigor (por exemplo,
introduzindo misturas de cores ou de
materiais, até então, excluídos), mas dentro dos limites da convivências e sem
colocar em questão a regra do jogo e o próprio jogo. Eles estão comprometidos
com a liberdade, a fantasia e a novidade (frequentemente, identificadas com a juventude), enquanto as
instituições dominantes têm em comum a recusa dos exageros e a busca da arte na
recusa da afetação e do efeito, isto é na dupla negação, lítotes,
understatement, equilíbrio e refinamento. (pag. 121)
Á
linguagem da exclusividade, autenticidade e refinamento, com seus componentes
específicos – sobriedade, elegância, equilíbrio e harmonia – a vanguarda opõe o
rigor ou a audácia, e sempre a liberdade, a jovialidade e a fantasia. ( pag.
122)
Esse
campo que tem sua direita e sua esquerda, seus conservadores e seus
revolucionários, tem também seu centro, seu lugar neutro, representado aqui por
Saint-Laurent que atraio para si os elogios unânimes por meio de uma arte que
une, de acordo com uma hábil dosagem, as qualidades polares (clássicas, sutil,
harmoniosa, sóbria, delicada, discreta, equilibrada, bonita, fina,feminina,
moderna, adaptável a todos os estilos de mulher); que recupera as inovações
espalhafatosas dos outros para transformá-las em audácias aceitáveis (“ele
lança as calças em larga escala que, no fundo, não haviam obtido êxito com
Courrèges por ser um pouco complicado”) que transforma as revoltas da vanguarda
em liberdades legítimas, á maneira de Le Monde que publica Asterix em histórias
em quadrinhos (“É ele o liberty, os Kilts, que é uma saia maravilhosa, o
blazer”); e que não hesita em declarar: “É preciso vir para a rua” ([¹4]). E
podemos deixar a última palavra á revista Le Nouvel Observateur, que conhece o
assunto: “O responsável por essa abertura á esquerda é, precisamente, um antigo
grande costureiro, ou seja, Yves Saint Laurent”([¹5]). (pag. 124)
Os
recém-chegados reintroduzem, incessantemente, no campo um ardor e um rigorismo
de reformistas. Eles podem mesmo assumi9r ares de revolucionários no momento em
que suas disposições de quase artistas de origem burguesa encontram um reforço
na necessidade de perseguir uma clientela tentada a denunciar o contrato tácito
de delegação que confere aos costureiros o monopólio da “criação” (pag. 125)
O Campo e a Duração
A lei
fundamental deste campo, princípio de sua estrutura e mudança, lê-se
diretamente no diagrama (ao lado) em que as maisons de costuras – distribuídas
(da esquerda para a direita) segundo a data de sua fundação – são representadas por dois círculos
concêntricos, proporcionais: um (com traço mais acentuado) relativo ao
faturamento alcançado, enquanto o outro se refere ao número de empregados. A
importância do capital, especifico, cujo faturamento, que é sua forma
reconvertida, representa um bom índice cresce com certa regularidade de acordo
com a antiguidade da Maison; mas somente até certo ponto, marcado aqui por
Dior, a partir do qual tende ao declínio, chegando ao desaparecimento puro e
simples. (pag. 134)
A luta
pela denominação neste campo conduz necessariamente os pretendentes a submeter
á discussão os esquemas de produção e avaliação ortodoxos, produzidos e
impostos pelas instituições dominantes; diferentemente das simples variantes ou
variações produzidas pela utilização dos esquemas de invenção em vigor e que,
seja qual for sua liberdade aparente, são outras tantas reafirmações da autoridade
das instituições dominantes, as revoluções especificas t/em por efeito
desacreditar antigos princípios de produção e avaliação, fazendo aparecer um
estilo – que devia uma parte de sua autoridade e prestigio á sua antiguidade
(“Maison de tradição”, “Maison fundada em...”, etc.) – como démodé, fora de
uso, ultrapassado. Marcar uma época é reenviar todos aqueles que marcaram época
ao status mais ou menos honorífico, mas sempre irreal e, como se diz,
honorário, que cada campo, segundo suas próprias tradições, oferece aos antigos
dominantes; é fazer história inscrevendo na série de rupturas que definem a
periodização específica de um campo uma nova ruptura que remete á história a
precedente periodização e determina a translação de toda a estrutura; é, por fim,
sujeitar-se a ser, mais cedo ou mais tarde, remetido á história por uma ruptura
que obedece aos mesmos princípios e ás mesmas determinações especificas de
todas as precedentes. “Fazer moda” não é somente desclassificar a moda do ano
anterior, mas desclassificar os produtos daqueles que faziam moda no ano
anterior, portanto, desapossá-los de sua autoridade sobre a moda. As
estratégias dos recém-chegados, que são também os mais jovens, tendem a
rejeitar para o passado os mais velhos e estes colocaram com a translação do
campo que desembocará em sua desclassificação (ou, aqui, em seu
desaparecimento) pelas estratégias que utilizam para assegurar sua posição
dominante que é também a mais próxima do declínio. Não nos seria possível
compreender a estrutura e a dinâmica do campo da moda se aceitássemos a
explicação comum pelo conflito de gerações, tautologia destinada a funcionar
como virtude dormitiva, que se impõe com uma insistência particular em um campo
onde a concorrência adquire, de modo mais visível do que em qualquer outra
parte (devido á brevidade dos ciclos), a forma de uma querela entre antigos e
modernos, entre velhos e jovens. (pag. 137 e 138)
As
referências ás artes nobres e legítimas – pintura, escultura, literatura – q1ue
fornecem a maior parte de suas metáforas prestigiosas á descrição das roupas e
um grande número de seus temas á evocação da vida aristocrática que, se
presume, é simbolizada por elas, constituem outras tantas homenagens que a
“arte menor” presta ás artes maiores. Do mesmo modo, a tendência dos
antiquários de grande prestígio para usurparem a denominação de galeria é uma
forma de reconhecer a hierarquia que, no comércio dos objetos de arte, se
estabelece entre as antiguidades – produzidas por artistas e vendidas em
galerias: o mesmo se passa também como o desvelo manifestado pelos costureiros
ao afirmarem sua participação na arte ou, na falta desta, no mundo artístico (as
brochuras de Saint- Laurent limitam-se praticamente a falar de suas criações
para o teatro), com a assistência de todo o aparelho de celebração
(especialistas em relações públicas, jornalistas de moda, etc.) (pag. 141 e
142)
Em
oposição aos objetos técnicos – cujo valor, estritamente definido por sua
aptidão em assegurar, pelo menor custo, uma função especifica, decresce
paralelamente á diminuição de seu rendimento que resulta, seja do desgaste que
provém da utilização, seja da concorrência de instrumentos mais econômicos – os
objetos simbólicos de ciclo curto, entre os quais os artigos da moda
representam o puro limite, possuem um tempo de uso tão arbitrariamente
delimitado, quanto sua própria utilização: diante de uma parte essencial de sua
raridade á labilidade que os define propriamente, pois o lugar da última
diferença, ou seja, do valor distintivo situa-se no tempo – estar na moda é
seguir a última moda – os produtores da alta costura estão votados, por
definição, a uma rápida desvalorização. E não devem prolongar sua carreira além
dos limites que lhes são previamente assinalados por seus próprios criadores,
não ser pela existência de uma série de mercados hierarquizados de um ponto de
vista temporal (além de econômico e social): certos produtos desclassificados
para os consumidores que os utilizam pela primeira vez da última moda – roupas
ou romances, peças de teatro ou penteados, esportes ou lugares de férias –
ainda podem ser postos a serviço das mesmas funções de distinção, isto é, de
classificação, por usuário menos bem posicionados na estrutura da distribuição
desse bem raro e, assim por diante, indefinidamente, ou seja, até o mais baixo
escalão da estrutura social. (pag. 145)
A
degradação no tempo do valor comercial dos bens da moda (com o mecanismo das
liquidações e dos submercados)
corresponde á sua difusão, á sua divulgação, isto é, á deterioração de
seu poder de distinção. Os costureiros consideram explicitamente estes efeitos
em suas criações: “(Utilizo) todas as minhas cores habituais, a não ser que eu
tenha sido negativamente influenciada por aquilo que foi visto demais no ano
anterior” (Christiane Bailly). Mas, dado que o vale distintivo de um produto é,
por definição, relacional, isto é, relativo á estrutura do campo na qual ele se
define,o poder de distinção de um bem da moda pode continuar a ser exercido, a
serviço de um grupo que ocupa determinada posição na estrutura social – e, ao
mesmo tempo, na estrutura da distribuição desse bem – mesmo que ele não seja
mais exercido, em virtude precisamente do acesso de um novo grupo a esse bem,
pelo grupo que ocupa uma posição imediatamente superior. (pag. 146 e 147)
Os primeiros responsáveis pela reclassificação dos objetos desclassificados – empreendimento produtivo do ponto de vista econômico e simbólico, do qual a reabilitação de gêneros populares, vulgares ou vulgarizados é um caso particular – devem deter um capital de autoridade estética de tal forma que sua escolha não possa parecer, em momento algum, como uma falta de gosto: é lógico que essa transgressão inicial é perpetrada pelos artistas ou intelectuais de vanguarda (os primeiros a exaltar, hoje, o Kitsch) que encontram na recusa de reconhecer as normas da convivência estética em vigor a legitimidade estética. Entre as estratégias empregadas para evitar o envolvimento com gostos “comprometedores”, a mais comum consiste em dissipar todo equívoco pela associação de objetos, cujo status ainda permanece indeterminado ou incerto, a outros que, sem sombra de dúvida, são incompatíveis com uma adesão vulgar a tais objetos: é, por exemplo em filosofia, a combinação de Marx com Heiddeger em determinada época; de Marx com Freud revisto por Lacan, em outra; e, em decoração, a associação de um objeto Kitsch a uma cômoda Luis XV ou a uma pintura de vanguarda, etc. (pag. 148)
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