Sintese: Paolo Cugini
Rudolf Otto Em sua obra O
Sagrado, Rudolf Otto analisa a realidade apriorística do numinoso ou Sagrado em
seus elementos racionais e irracionais e cujos principais aspectos são
descritos nas categorias do Mysterium Tremendum como tremendum (arrepiante), majestas
(avassalador), mysterium (o "totalmente outro"). O numinoso é
"fascinante" e "assombroso" a um só tempo. A obra analisa
também as relações entre o Sagrado e o Santo, as aparições do Sagrado nos
testemunhos bíblicos do AT e NT e os aspectos do numinoso nos escritos de
Lutero. Destaque recebem os aspectos de "irracionalidade",
característicos do Sagrado. Os capítulos finais apresentam as principais
dimensões do Sagrado como categoria a priori dentro das religiões e do
cristianismo. O numinoso, que fenomenologicamente se traduz como sentimento do
"mistério terrível e fascinante", é descrito como a priori por não
poder ser localizável ou racionalmente dedutível em sua origem última. Sua
apreensão dá-se através de adeptos, de produtores religiosos (profetas) e de
personificadores do numinoso, os filhos da divindade, uma condição encarnada
pelo próprio Jesus. Para o autor, são as experiências e vivências que
constituem o fundamento da religião. Por isso tem como propósito descrever e
analisar como as pessoas percebem e reagem diante do Sagrado em suas distintas
manifestações dentro dos diferentes credos e religiões. A obra constitui-se,
por essa razão, num livro essencialmente prático e concreto, uma vez que remete
a experiências com as quais, direta ou indiretamente, a maioria das pessoas já
se confrontou.
Na análise de OTTO, o sagrado
é uma categoria de interpretação e avaliação a priori, e, como tal, somente
podemos remetê-la ao contexto religioso. A teoria do sagrado ottoniana nos
permite resguardar um atributo essencial para o fenômeno religioso ao mesmo
tempo em que o torna operacional. Nesta abordagem, o sagrado reserva
aspectos ditos racionais, ou seja, passíveis de uma apreensão conceitual através de
seus predicados, e aspectos não racionais, que escapam à primeira
apreensão, sendo exclusivamente captados enquanto sentimento religioso.
O não-racional é o que foge ao pensamento conceitual, por ser de
característica explicitamente sintética, e só é assimilado enquanto atributo. Neste
patamar reflexivo está o âmago da oposição entre o racionalismo e a religião.
A característica própria do
pensamento tradicional diante do fenômeno religioso é de reconhecer aquilo que,
por um momento, não obedece às leis da natureza. Esta intervenção no andamento natural das
coisas, feita pelo Transcendente, que é o autor destas leis, apresenta-se
como uma tese apriorística, ou seja, resta saber se a própria ortodoxia não foi
responsável por velar o elemento não-racional da religião ao enfatizar
em demasia o estudo de aspectos doutrinários e rituais e menosprezar os
aspectos mais espirituais e essenciais da experiência religiosa. Otto concorda com
esta assertiva. O contexto cultural religioso do seu trabalho justifica
esta premissa.
Para OTTO (1992, p. 12) “...a
religião não se esgota nos seus enunciados racionais e em esclarecer a relação entre
os seus elementos, de tal modo que claramente ganha consciência de si própria...
...se os predicados racionais
estivessem geralmente em primeiro plano, não poderiam esgotar a idéia da divindade, pois referem-se
precisamente ao elemento que não é racional. São predicados essenciais, mas
sintéticos. Só se compreende exatamente o que são se os considerarmos como
atributos de um objeto que, de alguma forma, lhes serve de suporte, mas que eles não
captam e nem podem captar.
Quando apontamos a percepção
de um objeto de maneira particular, admitimos que devemos apreendê-lo de alguma forma;
caso contrário, não poderíamos afirmar nada sobre ele. Sob esse aspecto, o
autor reconhece que o racional só pode ser apreendido pelo pensamento
conceitual. Mas de alguma forma há o que escapa à apreensão conceitual. Sendo
assim, um objeto divino pode ser percebido a partir da experiência religiosa,
pelo sentimento religioso.
Essa experiência é definida
pelo autor como o sentimento numinoso (sensus numinis)2. Trata-se de um estado afetivo
específico. Além da emoção convencional, o sentimento do numinoso em si é o que
escapa à razão conceitual: só é possível apreendê-lo na medida em que observamos a
reação por ele provocada. O numinoso é o sentimento provocado pelo objeto numinoso.
Ao distinguir uma dimensão
não-racional, o autor preserva a distinção essencial que possibilita tratarmos o sagrado como uma categoria
autônoma de
interpretação e avaliação. O numinoso
é o cerne da experiência religiosa não sendo acessível à apreensão conceitual contudo seus
efeitos de caráter emocional são reconhecíveis.
O sagrado seria uma categoria a
priori, pois sua percepção se realiza a partir de elementos do conhecimento puramente a priori
demonstrados pela observação e pela crítica da razão. Muito embora Otto
afirme que os elementos não-racionais da categoria sagrado conduzem a algo
além da razão, ele remete as idéias do numinoso aos conceitos puros a priori de
KANT.
A experiência do numinoso é o
ponto de convergência de todas as religiões. Otto enfatiza a necessidade da
construção de uma superestrutura racional no que tange à compreensão desta experiência. Neste intuito, só é
possível apreendê-la em termos
racionais.
A religião manifesta-se, para
análise, como fato, representação, revelação, tradição ou fenômeno. Nesse leque
conceitual há um cerne aglutinador constante, o poder. O poder religioso, no
sentido amplo, justifica-se sob o sagrado e se materializa na instituição
hierarquizada. A expressão simbólica deste poder é ornada no discurso religioso e
no espaço monumental das edificações religiosas.
Segundo BELL (1996), a
religião proporciona a segurança a uma cultura sob dois aspectos: protegendo
contra o demoníaco e proporcionando uma noção de continuidade com o passado. A
religião oferece uma proteção contra os impulsos anárquicos do homem e estabelece as
raízes atávicas da vida. O sociólogo enfatiza a questão normativa da
religião e sua validade na coerção social. Em contrapartida a secularização, para
o autor, realiza a ruptura com o passado, minando a força da tradição. O
afrouxamento da moral religiosa estaria ligado ao processo de secularização moderna. É
justamente na
característica coercitiva da
religião que se estabelecem as relações de poder, e entre os atores sociais desta trama está o corpo
sacerdotal. O clero tende a monopolizar o discurso da virtude como forma
simbólica de perpetuar a
legitimidade da instituição religiosa diante da sociedade.
No ponto de vista da análise
sociológica de BECKFORD (1989), a religião está desraigada dos seus antigos pontos de
sustentação. Sob este aspecto ela tem se tornado cada vez mais um “fenômeno
menos previsível”. Continua com sua força de mobilização social, porém
dentro de contextos específicos. Mesmo a descolagem da religião em grupos
tradicionais e o afrouxamento de interferência clerical não colocaram
necessariamente a religião em um plano secundário. A tese da secularização permeou a análise da religião
nas ciências sociais, principalmente na década de 1960 e na primeira metade da década
de 1970.
BIBLIOGRAFIA
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_____. O Sagrado e
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_____. História
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WEBER, M. A Ética
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