domingo, 3 de março de 2024

A IDEIA DE SAGRADO

 




 


Sintese: Paolo Cugini

 

Rudolf Otto Em sua obra O Sagrado, Rudolf Otto analisa a realidade apriorística do numinoso ou Sagrado em seus elementos racionais e irracionais e cujos principais aspectos são descritos nas categorias do Mysterium Tremendum como tremendum (arrepiante), majestas (avassalador), mysterium (o "totalmente outro"). O numinoso é "fascinante" e "assombroso" a um só tempo. A obra analisa também as relações entre o Sagrado e o Santo, as aparições do Sagrado nos testemunhos bíblicos do AT e NT e os aspectos do numinoso nos escritos de Lutero. Destaque recebem os aspectos de "irracionalidade", característicos do Sagrado. Os capítulos finais apresentam as principais dimensões do Sagrado como categoria a priori dentro das religiões e do cristianismo. O numinoso, que fenomenologicamente se traduz como sentimento do "mistério terrível e fascinante", é descrito como a priori por não poder ser localizável ou racionalmente dedutível em sua origem última. Sua apreensão dá-se através de adeptos, de produtores religiosos (profetas) e de personificadores do numinoso, os filhos da divindade, uma condição encarnada pelo próprio Jesus. Para o autor, são as experiências e vivências que constituem o fundamento da religião. Por isso tem como propósito descrever e analisar como as pessoas percebem e reagem diante do Sagrado em suas distintas manifestações dentro dos diferentes credos e religiões. A obra constitui-se, por essa razão, num livro essencialmente prático e concreto, uma vez que remete a experiências com as quais, direta ou indiretamente, a maioria das pessoas já se confrontou.

Na análise de OTTO, o sagrado é uma categoria de interpretação e avaliação a priori, e, como tal, somente podemos remetê-la ao contexto religioso. A teoria do sagrado ottoniana nos permite resguardar um atributo essencial para o fenômeno religioso ao mesmo tempo em que o torna operacional. Nesta abordagem, o sagrado reserva aspectos ditos racionais, ou seja, passíveis de uma apreensão conceitual através de seus predicados, e aspectos não racionais, que escapam à primeira apreensão, sendo exclusivamente captados enquanto sentimento religioso. O não-racional é o que foge ao pensamento conceitual, por ser de característica explicitamente sintética, e só é assimilado enquanto atributo. Neste patamar reflexivo está o âmago da oposição entre o racionalismo e a religião. A característica própria do pensamento tradicional diante do fenômeno religioso é de reconhecer aquilo que, por um momento, não obedece às leis da natureza. Esta intervenção no andamento natural das coisas, feita pelo Transcendente, que é o autor destas leis, apresenta-se como uma tese apriorística, ou seja, resta saber se a própria ortodoxia não foi responsável por velar o elemento não-racional da religião ao enfatizar em demasia o estudo de aspectos doutrinários e rituais e menosprezar os aspectos mais espirituais e essenciais da experiência religiosa. Otto concorda com esta assertiva. O contexto cultural religioso do seu trabalho justifica esta premissa.

Para OTTO (1992, p. 12) “...a religião não se esgota nos seus enunciados racionais e em esclarecer a relação entre os seus elementos, de tal modo que claramente ganha consciência de si própria... ...se os predicados racionais estivessem geralmente em primeiro plano, não poderiam esgotar a idéia da divindade, pois referem-se precisamente ao elemento que não é racional. São predicados essenciais, mas sintéticos. Só se compreende exatamente o que são se os considerarmos como atributos de um objeto que, de alguma forma, lhes serve de suporte, mas que eles não captam e nem podem captar.

 

Quando apontamos a percepção de um objeto de maneira particular, admitimos que devemos apreendê-lo de alguma forma; caso contrário, não poderíamos afirmar nada sobre ele. Sob esse aspecto, o autor reconhece que o racional só pode ser apreendido pelo pensamento conceitual. Mas de alguma forma há o que escapa à apreensão conceitual. Sendo assim, um objeto divino pode ser percebido a partir da experiência religiosa, pelo sentimento religioso.

Essa experiência é definida pelo autor como o sentimento numinoso (sensus numinis)2. Trata-se de um estado afetivo específico. Além da emoção convencional, o sentimento do numinoso em si é o que escapa à razão conceitual: só é possível apreendê-lo na medida em que observamos a reação por ele provocada. O numinoso é o sentimento provocado pelo objeto numinoso. Ao distinguir uma dimensão não-racional, o autor preserva a distinção essencial que possibilita tratarmos o sagrado como uma categoria autônoma de

interpretação e avaliação. O numinoso é o cerne da experiência religiosa não sendo acessível à apreensão conceitual contudo seus efeitos de caráter emocional são reconhecíveis.

O sagrado seria uma categoria a priori, pois sua percepção se realiza a partir de elementos do conhecimento puramente a priori demonstrados pela observação e pela crítica da razão. Muito embora Otto afirme que os elementos não-racionais da categoria sagrado conduzem a algo além da razão, ele remete as idéias do numinoso aos conceitos puros a priori de KANT.

A experiência do numinoso é o ponto de convergência de todas as religiões. Otto enfatiza a necessidade da construção de uma superestrutura racional no que tange à compreensão desta experiência. Neste intuito, só é possível apreendê-la em termos racionais.

A religião manifesta-se, para análise, como fato, representação, revelação, tradição ou fenômeno. Nesse leque conceitual há um cerne aglutinador constante, o poder. O poder religioso, no sentido amplo, justifica-se sob o sagrado e se materializa na instituição hierarquizada. A expressão simbólica deste poder é ornada no discurso religioso e no espaço monumental das edificações religiosas.

Segundo BELL (1996), a religião proporciona a segurança a uma cultura sob dois aspectos: protegendo contra o demoníaco e proporcionando uma noção de continuidade com o passado. A religião oferece uma proteção contra os impulsos anárquicos do homem e estabelece as raízes atávicas da vida. O sociólogo enfatiza a questão normativa da religião e sua validade na coerção social. Em contrapartida a secularização, para o autor, realiza a ruptura com o passado, minando a força da tradição. O afrouxamento da moral religiosa estaria ligado ao processo de secularização moderna. É justamente na

característica coercitiva da religião que se estabelecem as relações de poder, e entre os atores sociais desta trama está o corpo sacerdotal. O clero tende a monopolizar o discurso da virtude como forma simbólica de perpetuar a legitimidade da instituição religiosa diante da sociedade.

No ponto de vista da análise sociológica de BECKFORD (1989), a religião está desraigada dos seus antigos pontos de sustentação. Sob este aspecto ela tem se tornado cada vez mais um “fenômeno menos previsível”. Continua com sua força de mobilização social, porém dentro de contextos específicos. Mesmo a descolagem da religião em grupos tradicionais e o afrouxamento de interferência clerical não colocaram necessariamente a religião em um plano secundário. A tese da secularização permeou a análise da religião nas ciências sociais, principalmente na década de 1960 e na primeira metade da década de 1970.

 

BIBLIOGRAFIA

BELL, D. The Cultural Contradictions of Capitalism. New York: Basic Books, 1996

BERGER, P. L. Rumor de Anjos: A Sociedade Moderna e a Redescoberta do Sobrenatural. Petrópolis: Vozes, 1997.

BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1998.

_____. A Economia das Trocas Lingüísticas. São Paulo: EDUSP, 1996.

DURKHEIM, E. As Formas Elementares da Vida Religiosa, São Paulo: Martins Fontes, 1996.

______. Sociologia e Filosofia, São Paulo: Ícone Editora, 1994

ELIADE, M. Tratado de História das Religiões. trad N. Nunes & F. Tomaz, Lisboa: Cosmos, 1977.

_____. O Mito do Eterno Retorno. trad. M. Torres, Lisboa: Edições 70, 1985.

_____. O Sagrado e o Profano: A Essência das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

_____. Imagens e Símbolos: Ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso, São Paulo: Martins Fontes, 1996.

_____. História das Crenças

 

WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: E.M. Guazzeli, 1994.

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

IMMANUEL KANT: Crítica da razão pratica 1788

    Kant foi influenciado por Rousseau sobre a necessidade de encontrar uma moral para o sujeito e o Estado. A filosofia crítica de Kant ten...