sexta-feira, 4 de agosto de 2023

ORÍGENES - antologia

 



 

 (Material elaorado pelo prof. Paolo Cugini)

A este ponto, porém, a inteligência humana se entrega,  forçada a se perguntar como é possível explicar que, a partir do momento que Deus sempre existiu, também as criaturas sempre existiram; e que existiram, por assim dizer, sem ter tido início, as criaturas que sem dúvida  devemos crer que foram criadas e feitas por Deus. Visto que, aqui entram contraste entre si as idéias dos homens, enquanto de ambas as partes se opõem e contrastam conceitos validíssimos que procuram atrair a si aquele que os considera, eis o que, segundo a limitadíssima capacidade da nossa inteligência, nos vem à mente, e que pode ser declarado sem nenhum perigo para fé. Deus sempre foi Pai, e sempre teve o Filho unigênito, que, conforme tudo o que expusemos acima, é chamado também de sabedoria: esta é sabedoria com a qual Deus sempre se alegrava tendo criado o mundo (PROVËRBIOS 8, 30ss), motivo pelo qual também entendemos que Deus sempre se alegra. Ora, nesta sabedoria, que sempre estava com o Pai, estava sempre contida, preordenada sob a forma de idéias, a criação, de modo que não houve momento em que a idéia daquilo que teria sido criado não estivesse na sabedoria. Parece-me que talvez desse modo nós, nos limites da nossa pequenez, possamos pensar Deus de modo ortodoxo, pois não dizemos que as criaturas são não-geradas e coeternas com Deus,  e por outro lado nem que Deus, antes nada tendo feito de bom, tenha começado a operar depois de uma mudança, a partir do momento que é verdadeiro o que foi escrito: “Tudo fizeste na sabedoria” (Salmo 103, 24). E se tudo foi feito na sabedoria, pois a sabedoria sempre existiu, pré-constituídos sob a forma de idéias sempre existiam na sabedoria os seres que sucessivamente teriam sido criados também segundo a substância. Penso que pensando justamente nisso Salomão diz no Eclisiastes: “O que foi feito? O mesmo que será feito; o que foi criado? O mesmo que será criado. Não há nada de novo sob o sol. E se alguém disser: ‘Eis, isto é novo sob o sol. E se alguém disser: ‘Eis, isto é novo’, isso já existiu nos séculos que existiram antes de nós”. (Eclesiastes 1, 9ss). Portanto, se tudo isso que existe sob o sol existiu já nos séculos que se passaram antes de nós, pois não há nada de novo sob o sol, sem dúvida sempre existiram todas as coisas, os gêneros e as espécies, e poderíamos dizer também aquilo que é numericamente uno. (Orígenes, Os princípios, livro I, 4, 4-5)

 

O fim do mundo é prova de que todas as coisas chegaram à plena realização. Este fato nos lembra que se alguém é tomado pelo desejo de ler e conhecer argumentos tão árduos e difíceis deverá ter inteligência cultivada e completa. Com efeito, se ele não tiver tido certa experiência de questões de tal gênero, estes argumentos lhe parecerão inúteis e supérfluos (...).

O fim do mundo ocorrerá quando cada um for submetido às penas conforme os próprios pecados (Mateus 24, 36); e somente Deus conhece o tempo em que cada um receberá aquilo que merece. Consideremos todavia que a bondade de Deus por obra de Cristo conduzirá todas as criaturas para um fim único, depois de ter vencido e submetido também as adversários. Com efeito, assim diz a escritura: “Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos como escabelo de teus pés”. (Salmo 10, 1). Se não parece claro aquilo que a palavra do profeta quer dizer, aprendamos mais abertamente de Paulo, que diz: “É preciso que Cristo reine até que tenha posto todos os seus inimigos sob seus pés”. (I Coríntios 15, 25). E se nem estas palavras tão evidentes do apóstolo nos esclarecem suficientemente o que significa pôr os inimigos sob os pés, ouve como ele continua: “Com efeito, é preciso que tudo lhe seja submetido”. (I Coríntios 15, 27). Mas o que é a submissão pela qual tudo deve estar submetido a Cristo? creio que seja aquela pela qual também nós desejamos estar submetidos a ele, pela qual se lhe submetem os apóstolos e todos os santos que o seguiram: com efeito, submissão pela qual estamos submetidos a Cristo significa salvação que Cristo dá a seus submetidos, conforme tudo o que dizia também Davi: “Não estará minha alma submetida a deus? com efeito, dele vem minha salvação”. (Salmo 61, 1)

Observando tal fim, em que todos os inimigos serão submetidos a Cristo e também será destruído o último inimigo, a morte, e Cristo, a quem tudo foi submetido, entregará o reino a Deus pai (I Coríntios 15, 24ss), disso conhecemos o início das coisas. Com efeito, o fim é sempre semelhante ao início: e como um só é o fim de tudo, assim devemos entender um só início de tudo, e como um só é o fim de múltiplas coisas, assim, de um só início derivaram coisas muito variadas e diferentes, que de novo, pela bondade de Deus, a submissão de Cristo e a unidade do Espírito Santo são reconduzidas a um só fim, que é semelhante ao início (...).

Devemos crer que toda esta nossa submissão corpórea será tirada de tal condição quando cada coisa for reintegrada para ser uma só coisa (João 17, 21), e Deus será tudo em todos (I Coríntios 15, 28). Isso, porém, não acontecerá em um momento, mas lenta e gradualmente, através de séculos infinitos, pois a correção e a purificação sucederão pouco a pouco e singularmente, e enquanto alguns com ritmo mais veloz se apressarão em primeiro lugar para a meta e outros os seguirão de perto, outros, ao contrário, permanecerão muito atrás. E assim, mediante inumeráveis ordens constituídos por aqueles que progridem e, de inimigos que eram, se reconciliam com deus, chega-se ao último inimigo, a morte, para que também este seja destruído e não haja mais inimigo (I Coríntios 15, 26).

Quando todas as almas racionais forem reconduzidas a esta condição, então também a natureza deste nosso corpo será levada à glória de corpo espiritual. Com efeito, como vemos que das naturezas racionais as que mereceram a bem-aventurança não são de natureza diferente em relação às que  viveram na indignidade do pecado, mas são as mesmas, que antes pecaram e depois, convertidas e reconciliadas com Deus,  foram novamente chamadas à bem-aventurança: da mesma forma, também sobre a natureza do corpo não devemos crer que um corpo é este de que agora usamos na ignomínia, na corruptibilidade e na fraqueza, e outro será aquele do qual faremos uso na incorruptibilidade, no poder e na glória; mas será sempre este mesmo corpo que, deixando estas imperfeições de agora, será transformado na glória e se tornará corpo espiritual, de modo que tendo sido vaso para uso vulgar, uma vez purificado se tornará vaso de luxo (Romanos 9, 21), receptáculo de bem-aventurança. E devemos crer que nesta condição permanecerá sempre e imutavelmente por vontade do Criador, segundo a fé de Paulo que diz: “Temos uma habitação não feita por mão de homens, eterna nos céus” ( II Coríntios 5, 1). 

(Orígenes, Os princípios, livro III, 6)   

Nenhum comentário:

Postar um comentário

AS HISTÓRIAS DA PÁSCOA EM JERUSALÉM (Jo 20-21)

    Texto: Maurizio Marcheselli e outros Tradução : Paolo Cugini     1.      Dois capítulos de histórias de Páscoa: João 20 – João 21   O QE...