terça-feira, 28 de novembro de 2023

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS IGREJA E INTERNET - 2002



 

I

INTRODUÇÃO

1. O interesse da Igreja pela Internet constitui uma particular expressão do seu antigo interesse pelos meios de comunicação social. Considerando os meios de comunicação como o resultado do processo histórico-científico, mediante o qual a humanidade foi « progredindo cada vez mais na descoberta dos recursos e dos valores contidos em tudo aquilo que foi criado »,1 a Igreja tem declarado com frequência a sua convicção de que eles são, em conformidade com as palavras do Concílio Vaticano II, « maravilhosas invenções técnicas » 2 que já contribuem em grande medida para ir ao encontro das necessidades humanas e podem fazê-lo ainda mais.

Desta forma, a Igreja tem feito uma abordagem fundamentalmente positiva dos meios de comunicação.3 Mesmo quando condenam os abusos sérios, os documentos deste Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais têm-se esforçado por esclarecer que « uma atitude de pura restrição ou de censura por parte da Igreja... não resulta suficiente nem apropriada ».4

Citando a Carta Encíclica Miranda prorsus (1957), do Papa Pio XII, a Instrução Pastoral sobre os meios de comunicação social Communio et progressio, publicada em 1971, sublinhou que: « A Igreja encara estes meios de comunicação social como “dons de Deus” na medida em que, segundo a intenção providencial, criam laços de solidariedade entre os homens, pondo-se assim ao serviço da Sua vontade salvífica ».5 Este continua a ser o nosso ponto de vista e esta é a visão que temos acerca da Internet.

2. Na opinião da Igreja, a história da comunicação humana parece-se com uma longa peregrinação, que leva a humanidade « desde o projecto de Babel, baseado no orgulho, que acabou na confusão e incompreensão recíproca a que deu origem (cf. Gn 11, 1-9), até ao Pentecostes e ao dom de falar diversas línguas, quando se dá a restauração da comunicação, baseada em Jesus, através da acção do Espírito Santo ».6 É na vida, morte e ressurreição de Cristo, « é em Deus feito Homem, nosso Irmão, que se encontra o fundamento e o protótipo da comunicação entre os homens ».7

Os modernos meios de comunicação social constituem factores sociais que têm um papel a desempenhar nesta história. Como o Concílio Vaticano II salienta, « ainda que haja que distinguir cuidadosamente o progresso terreno e o crescimento do Reino de Cristo », contudo « este progresso tem muita importância para o Reino de Deus, na medida em que pode contribuir para uma melhor organização da sociedade humana ».8 Considerando os meios de comunicação social a esta luz, observamos que eles « contribuem eficazmente para unir e cultivar os espíritos, e propagar e afirmar o reino de Deus ».9

Hoje, isto é válido de forma especial no que se refere à Internet, que está a contribuir para promover transformações revolucionárias no comércio, na educação, na política, no jornalismo e nas relações transnacionais e interculturais — mudanças estas que se manifestam não só no modo de os indivíduos se comunicarem entre si, mas na forma de as pessoas compreenderem a sua própria vida. Num documento associado a este, intitulado Ética na Internet, abordamos estas questões na sua dimensão ética.10 Aqui, consideramos as implicações da Internet para a religião e, de maneira especial, para a Igreja católica.

3. A Igreja tem uma finalidade dúplice em relação aos mass media. Um dos aspectos consiste em encorajar o seu progresso correcto e a sua justa utilização para o desenvolvimento, a justiça e a paz da humanidade — para a edificação de uma sociedade a níveis local, nacional e comunitário, à luz do bem comum e num espírito de solidariedade. Considerando a grande importância das comunicações sociais, a Igreja procura « um diálogo honesto e respeitador com as pessoas responsáveis pelos meios de comunicação » — um diálogo que diz respeito, em primeiro lugar, à formação da política das comunicações.11 « Este diálogo implica que a Igreja se esforce por compreender os mass media — os seus objectivos, estruturas internas e modalidades — sustenha e encoraje os que neles trabalham. Baseando-se nesta compreensão e sustento, torna-se possível fazer propostas significativas em vista de afastar os obstáculos que se opõem ao progresso humano e à proclamação do Evangelho ».12

Contudo, a solicitude da Igreja também se refere à comunicação na e pela própria Igreja. Esta comunicação é mais do que um simples exercício na técnica, porque « encontra o seu ponto de partida na comunhão de amor entre as Pessoas divinas e na sua comunicação connosco », e é na realização da comunhão trinitária que « alcança a humanidade: o Filho é o Verbo, eternamente “pronunciado” pelo Pai; em e mediante Jesus Cristo, Filho e Verbo que se fez homem, Deus comunica-se a si mesmo e a sua salvação às mulheres e aos homens ».13

Deus continua a comunicar-se com a humanidade através da Igreja, portadora e guardiã da sua revelação, confiando unicamente ao seu ofício do ensinamento vivo a tarefa de interpretar a sua palavra de maneira autêntica.14 Além disso, a própria Igreja é uma communio, uma comunhão de pessoas e de comunidades eucarísticas que derivam da comunhão com a Trindade e nela se reflectem;15 por conseguinte, a comunicação pertence à essência da Igreja. Mais do que qualquer outro motivo, esta é a razão pela qual « a prática eclesial da comunicação deve ser exemplar, reflectindo os padrões mais elevados de verdade, credibilidade e sensibilidade aos direitos humanos e a outros importantes princípios e normas ».16

4. Há três décadas, a Instrução Pastoral Communio et progressio frisou que « os modernos meios de comunicação social dão ao homem de hoje novas possibilidades de confronto com a mensagem evangélica ».17 O Papa Paulo VI, por sua vez, afirmou que a Igreja « viria a sentir-se culpada diante do seu Senhor »,18 se não lançasse mão destes instrumentos de evangelização. O Papa João Paulo II definiu os mass media como « o primeiro areópago dos tempos modernos », declarando que « não é suficiente, portanto, usá-los para difundir a mensagem cristã e o Magistério da Igreja, mas é necessário integrar a mensagem nesta “nova cultura”, criada pelas modernas comunicações ».19 Realizar isto é ainda mais importante nos dias de hoje, não apenas porque os meios de comunicação actuais influenciam fortemente sobre aquilo que as pessoas pensam acerca da vida mas também porque, em grande medida, « a experiência humana como tal se tornou uma experiência vivida através dos mass media ».20

Tudo isto diz respeito à Internet. E não obstante o mundo das comunicações sociais « possa às vezes parecer separado da mensagem cristã, ele também oferece oportunidades singulares para a proclamação da verdade salvífica de Cristo a toda a família humana. Considerem-se... as capacidades positivas da Internet de transmitir informações religiosas e ensinamentos para além de todas as barreiras e fronteiras. Um auditório tão vasto estaria além das imaginações mais ousadas daqueles que anunciaram o Evangelho antes de nós... Os católicos não deveriam ter medo de abrir as portas da comunicação social a Cristo, de tal forma que a sua Boa Nova possa ser ouvida sobre os telhados do mundo! ».21

II

OPORTUNIDADES E DESAFIOS

5. « As comunicações que se realizam na Igreja e pela Igreja consistem principalmente no anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo. É a proclamação do Evangelho como palavra profética e libertadora, dirigida aos homens e às mulheres do nosso tempo; é o testemunho prestado, face a uma secularização radical, à verdade divina e ao destino transcendente da pessoa humana; é, perante os conflitos e as divisões, a tomada de posição pela justiça, em solidariedade com os crentes, ao serviço da comunhão entre os povos, as nações e as culturas ».22

Uma vez que o anúncio da Boa Nova às pessoas formadas por uma cultura dos mass media exige uma cuidadosa atenção às características singulares dos próprios meios de comunicação, actualmente a Igreja precisa de compreender a Internet. Isto é necessário a fim de que ela possa comunicar-se eficazmente com os indivíduos — de modo especial com os jovens — que se encontram mergulhados na experiência desta nova tecnologia, e também em ordem a fazer bom uso da mesma.

Os mass media oferecem importantes benefícios e vantagens, sob uma perspectiva religiosa: « Eles transmitem notícias e informações acerca de eventos, ideias e personalidades religiosas: servem como veículo para a evangelização e a catequese. Todos os dias oferecem inspiração, encorajamento e oportunidades de culto a pessoas confinadas na própria casa ou em instituições ».23 Contudo, para além e acima disto, existem também alguns benefícios mais ou menos peculiares da Internet. Ela oferece às pessoas um acesso directo e imediato a importantes recursos religiosos e espirituais — livrarias grandiosas, museus e lugares de culto, os documentos do ensinamento do Magistério, os escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja, assim como a sabedoria religiosa de todos os tempos. Ela tem a impressionante capacidade de ultrapassar a distância e o isolamento, levando os indivíduos a entrarem em contacto com as pessoas de boa vontade que nutrem os mesmos interesses e que participam nas virtuais comunidades de fé para se encorajarem e auxiliarem umas às outras. Mediante a selecção e a transmissão de dados úteis, através deste meio de comunicação, a Igreja pode prestar um importante serviço tanto aos católicos como aos não-católicos.

A Internet é relevante para muitas actividades e programas da Igreja — a evangelização, incluindo a reevangelização e a nova evangelização, e a obra missionária tradicional ad gentes, a catequese e outros tipos de educação, notícias e informações, apologética, governo e administração, assim como algumas formas de conselho pastoral e de direcção espiritual. Não obstante a realidade virtual do espaço cibernético não possa substituir a comunidade interpessoal concreta, a realidade da encarnação dos sacramentos e a liturgia, ou a proclamação imediata e directa do Evangelho, contudo pode completá-las, atraindo as pessoas para uma experiência mais integral da vida de fé e enriquecendo a vida religiosa dos utentes. Ela também oferece à Igreja formas de comunicação com grupos específicos — adolescentes e jovens, idosos e pessoas cujas necessidades as obrigam a permanecer em casa, indivíduos que vivem em regiões remotas e membros de outros organismos religiosos — que, de outra forma, podem ser difíceis de alcançar.

Actualmente, um crescente número de paróquias, dioceses, congregações religiosas e instituições ligadas à Igreja, programas e organizações de todos os tipos recorrem efectivamente à Internet para estas e outras finalidades. Nalguns lugares, já existem projectos criativos financiados pela Igreja, tanto a nível nacional como regional. A Santa Sé tem sido activa neste sector já há vários anos e continua a crescer e a desenvolver a sua presença na Internet. Grupos ligados à Igreja, que ainda não deram passos decisivos para entrar no espaço cibernético, são encorajados a considerar a possibilidade de o fazer quanto antes. Recomendamos vivamente o intercâmbio de ideias e de informações acerca da Internet, entre aqueles que já têm experiência neste campo e os principiantes.

6. A Igreja também precisa de compreender e de usar a Internet como instrumento para comunicações internas. Isto exige que tenha claramente em vista a sua especial característica de instrumento de comunicação directo, imediato, interactivo e participativo.

O carácter interactivo e bilateral da Internet já está a ofuscar a antiga distinção entre aqueles que comunicam e os destinatários da comunicação,24 e a dar forma a uma situação em que, pelo menos potencialmente, cada um pode desempenhar ambas as funções. Já não se trata da comunicação unilateral e vertical do passado. Dado que um número cada vez maior de pessoas adquire familiaridade com esta característica da Internet noutros sectores da sua vida, é provável que recorram à mesma também para aquilo que diz respeito à religião e à Igreja.

A tecnologia é nova, mas a ideia não. O Concílio Vaticano II afirmou que os membros da Igreja deveriam apresentar aos seus pastores « as suas necessidades e os seus desejos, com a liberdade e confiança próprias de filhos de Deus e irmãos em Cristo »; com efeito, em conformidade com o conhecimento, a competência ou a posição que ocupam, os fiéis não são apenas aptos, mas às vezes obrigados a « manifestar o seu parecer no que se refere ao bem da Igreja ».25 A Instrução Pastoral Communio et progressio evidenciou o facto de que, como « corpo vivo », a Igreja « tem necessidade de uma opinião pública para alimentar o diálogo entre os seus membros ».26 Embora as verdades da fé « não possam... ser deixadas à interpretação arbitrária », a mesma Instrução Pastoral observou que é « muito vasto o campo em que o diálogo, no interior da Igreja, se deve desenvolver ».27

Ideias análogas são expressas pelo Código de Direito Canónico,28 assim como pelos documentos mais recentes do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais.29 A Instrução Pastoral Aetatis novae denomina a comunicação bilateral e a opinião pública como um « meio de realizar concretamente o carácter de communio da Igreja ».30 De resto, também a Instrução Pastoral Ética nos meios de comunicação social declara: « Uma corrente bilateral de informação e de pontos de vista entre os pastores e os fiéis, a liberdade de expressão sensível ao bem-estar da comunidade e ao papel do Magistério na promoção do mesmo, e a opinião pública responsável constituem importantes expressões do “direito [fundamental] ao diálogo e à informação no seio da Igreja” (Aetatis novae, 10; cf. também Communio et progressio, 12) ».31 A Internet oferece um meio tecnológico efectivo para a realização desta visão.

Então, eis aqui um instrumento que pode ser posto criativamente em prática nos vários aspectos da administração e do governo. Além de abrir canais para a expressão da opinião pública, referimo-nos a actividades como a consulta dos especialistas, a preparação dos encontros e a prática da colaboração nas e entre as Igrejas particulares e os institutos religiosos a níveis local, nacional e internacional.

7. A educação e a formação constituem outra área de oportunidade e de necessidade. « Hoje, todos precisam de algumas formas de educação mediática permanente, mediante o estudo pessoal ou a participação num programa organizado, ou ambos. Mais do que meramente ensinar técnicas, a formação mediática ajuda as pessoas a formarem padrões de bom gosto e de verdadeiro juízo moral, um aspecto da formação da consciência. Através das suas escolas e programas de formação, a Igreja deve oferecer uma educação mediática deste género ».32

No que diz respeito à Internet, a educação e o treinamento devem constituir uma parte dos programas compreensivos de formação a respeito dos meios de comunicação, disponíveis para os membros da Igreja. Na medida do possível, os programas pastorais para as comunicações sociais deveriam prever esta preparação no contexto da formação dos seminaristas, sacerdotes, religiosos e pessoal leigo comprometido na pastoral, assim como dos professores, dos pais e dos estudantes.33

Particularmente os jovens precisam de ser ensinados, « não só a comportarem-se como verdadeiros cristãos, quando são leitores, ouvintes ou espectadores, mas também a saber utilizar as possibilidades de expressão desta “linguagem total” que os meios de comunicação põem ao seu alcance. Sendo assim, os jovens serão verdadeiros cidadãos desta era das comunicações sociais, de que nós conhecemos apenas o início » 34 — uma era em que os mass media são vistos como « parte de uma cultura ainda em desenvolvimento, cujas plenas implicações ainda são compreendidas imperfeitamente ».35 Assim, a formação sobre a Internet e as novas tecnologias exige muito mais do que o ensino das técnicas; os jovens têm necessidade de aprender como agir correctamente no mundo do espaço cibernético, discernir os juízos de acordo com critérios morais sólidos a respeito daquilo que nele encontram e lançar mão das novas tecnologias para o seu desenvolvimento integral e o benefício dos outros.

8. A Internet apresenta à Igreja também alguns problemas singulares, para além e acima das questões de natureza geral, abordadas em Ética na Internet, o documento associado a este.36 Embora se evidencie aquilo que é positivo acerca da Internet, é importante esclarecer o que não o é.

A um nível muito profundo, « às vezes o mundo dos mass media pode parecer indiferente e até mesmo hostil à fé e à moral cristãs. É assim, em parte porque a cultura dos meios de comunicação está imbuída de maneira tão profunda de um sentido tipicamente pós-moderno, que a única verdade absoluta é a aquela segundo a qual não existem verdades absolutas ou que, se elas existissem, seriam inacessíveis à razão humana e portanto se tornariam irrelevantes ».37

Entre os problemas específicos apresentados pela Internet encontra-se a presença de sites que instigam ao ódio, destinados a difamar e a atacar os grupos religiosos e étnicos. Alguns deles estão orientados contra a Igreja católica. Assim como a pornografia e a violência nos mass media, os sites da Internet que propugnam o ódio « evidenciam a componente mais torpe da natureza humana decaída pelo pecado ».38 Não obstante o respeito pela livre expressão possa exigir a tolerância, até a um determinado ponto, mesmo em relação às manifestações de ódio, a auto-regulamentação por parte da indústria — e, onde for necessário, a intervenção da autoridade pública — deveria estabelecer e aplicar limites razoáveis para aquilo que se pode dizer.

A proliferação de web sites que se definem a si mesmos como católicos cria um problema de tipo diferente. Como dissemos, os grupos ligados à Igreja deveriam estar activamente presentes na Internet; além disso, os indivíduos e os grupos não oficiais, bem intencionados e rectamente informados, que agem por sua própria iniciativa, são também encorajados a estar presentes na Internet. Mas é pelo menos desconcertante não distinguir as interpretações doutrinais excêntricas, as práticas devocionais idiossincrásicas e as colocações ideológicas que se identificam como « católicas », das posições autênticas da Igreja. A seguir, sugerimos uma abordagem desta questão.

9. Algumas outras problemáticas exigem uma reflexão séria. No que lhes diz respeito, agora encorajamos a investigação e o estudo contínuos, inclusivamente com « a elaboração de uma antropologia e uma verdadeira teologia da comunicação » 39 — com referência específica à Internet. Naturalmente, além do estudo e da pesquisa, pode e deve fomentar-se um programa pastoral específico para a utilização da Internet.40

Um dos campos de investigação diz respeito à hipótese de que a vasta gama de opções relativas aos produtos e serviços de consumo, disponíveis na Internet, pode ter um efeito excessivo sobre a religião e encorajar uma abordagem « consumista » no que se refere à fé. Os dados indicam que alguns utentes que visitam os web sites religiosos podem vir a encontrar-se numa espécie de liquidação, seleccionando e escolhendo elementos religiosos uniformizados que correspondam aos seus gostos pessoais. A « tendência que alguns católicos têm, de ser selectivos no seu apego » aos ensinamentos da Igreja, constitui um problema reconhecido noutros contextos;41 temos necessidade de mais dados para saber se, e até que ponto, este problema é exacerbado pela Internet.

Analogamente, como se quis observar precedentemente, a realidade virtual do espaço cibernético apresenta algumas implicações preocupantes, tanto para a religião como para outros sectores da vida. A realidade virtual não substitui a Presença Real de Cristo na Eucaristia, a realidade ritual dos outros sacramentos e o culto compartilhado no seio de uma comunidade humana feita de carne e de sangue. Na Internet não existem sacramentos; e até mesmo as experiências religiosas nela possíveis pela graça de Deus, são insuficientes, dado que se encontram separadadas da interacção do mundo real com outras pessoas na fé. Este é outro aspecto da Internet que exige o estudo e a reflexão. Ao mesmo tempo, os projectos pastorais deveriam pensar em como orientar as pessoas no espaço cibernético para a verdadeira comunidade e como, através do ensino e da catequese, a Internet pode vir a ser utilizada em ordem a apoiá-las e a enriquecê-las no seu compromisso cristão.

III

RECOMENDAÇÕES E CONCLUSÃO

10. As pessoas religiosas, assim como os membros solícitos do auditório mais vasto da Internet, que também têm os seus interesses pessoais legítimos e especiais, querem participar no processo que levará ao desenvolvimento futuro deste novo instrumento de comunicação. É supérfluo dizer que isto, às vezes, há-de exigir que corrijam o seu próprio modo de pensar e de agir.

É inclusivamente importante que as pessoas, a todos os níveis da Igreja, lancem mão da Internet de maneira criativa, para assumirem as responsabilidades que lhes cabem e para ajudarem a Igreja a cumprir a sua missão. Na perspectiva das inúmeras possibilidades positivas apresentadas pela Internet, não é aceitável hesitar timidamente, por medo da tecnologia ou por algum outro motivo. « Os métodos de melhoramento das comunicações e do diálogo entre os seus membros podem reforçar os vínculos de unidade entre eles. O acesso imediato à informação torna-lhe [para a Igreja] possível aprofundar o seu diálogo com o mundo contemporâneo... a Igreja pode mais prontamente informar o mundo sobre o seu credo e explicar as razões da sua posição sobre cada problema ou acontecimento. Ela pode escutar mais claramente a voz da opinião pública e estabelecer uma discussão contínua com o mundo em seu redor, “para assim se envolver mais imediatamente” na busca comum da solução dos problemas mais urgentes da humanidade” (cf. Communio et progressio, 114) ».42

11. Por conseguinte, ao concluirmos estas reflexões, oferecemos palavras de encorajamento a vários grupos em particular — aos líderes da Igreja, ao pessoal comprometido no campo da pastoral, aos educadores, aos pais e especialmente aos jovens.

Aos líderes da Igreja. As pessoas que ocupam lugares de liderança, em todos os sectores da Igreja, precisam de compreender os mass media, de aplicar esta compreensão na elaboração de planos pastorais para as comunicações sociais,43 juntamente com políticas e programas concretos nesta área, e de fazer um uso apropriado dos mass media. Onde for necessário, eles mesmos deveriam receber uma formação no campo das comunicações; com efeito, « a Igreja seria bem servida, se um maior número de pessoas que ocupam cargos e desempenham funções no nome dela fossem formados em comunicação ».44

Isto é válido tanto para a Internet como para os meios de comunicação mais antigos. Os líderes da Igreja têm o dever de lançar mão « do [pleno] potencial da “era do computador” para servir a vocação humana e transcendente do homem e para dar assim glória ao Pai, de quem vêm todas as coisas boas ».45 Eles devem empregar esta tecnologia surpreendente em muitos aspectos diferentes da missão da Igreja explorando, ao mesmo tempo, as oportunidades para a cooperação ecuménica e inter-religiosa no seu uso.

Como pudemos observar, em certos casos um aspecto singular da Internet diz respeito à proliferação confusa de web sites não oficiais que se definem a si mesmos como « católicos ». Um sistema de certificação a níveis local e nacional, sob a vigilância dos representantes do Magistério, pode ser útil no que tange aos dados de natureza especificamente doutrinal ou catequética. Aqui, não se tem a intenção de impor uma censura, mas de oferecer aos utentes da Internet uma guia fidedigna no que se refere à posição autêntica da Igreja.

Ao pessoal comprometido no campo da pastoral. Os sacerdotes, diáconos, religiosos e operadores leigos no campo da pastoral deveriam ser formados no campo dos mass media, para aumentar a sua compreensão acerca do impacto das comunicações sociais sobre os indivíduos e a sociedade, e para os ajudar a adquirir uma forma de comunicar que transmita uma mensagem às sensibilidades e aos interesses das pessoas na cultura dos mass media. Hoje, isto naturalmente inclui a sua formação sobre a Internet e a descoberta do modo como devem usá-la no trabalho que lhes é próprio. Eles podem recorrer também aos web sites que oferecem actualizações teológicas e conselhos pastorais.

Quanto ao pessoal directamente comprometido nos meios de comunicação, é quase supérfluo dizer que devem dispor de um treinamento profissional. Contudo, eles precisam também de uma formação doutrinal e espiritual, uma vez que, « para dar testemunho de Cristo é necessário fazer a sua descoberta e cultivar uma relação pessoal com Ele através da oração, da Eucaristia e do sacramento da reconciliação, da leitura e reflexão da Palavra de Deus, do estudo da doutrina cristã e mediante o serviço prestado ao próximo ».46

Aos educadores e catequistas. A Instrução Pastoral Communio et progressio abordou o tema do « dever urgente » que as escolas católicas têm, de formar os comunicadores e os utentes dos meios de comunicação social nos princípios cristãos relevantes.47 Esta mesma mensagem foi repetida muitas vezes. Na era da Internet, com o seu alcance e impacto surpreendentes, hoje a necessidade é mais urgente do que nunca.

As universidades, os colégios, as escolas e os programas educativos católicos, a todos os níveis, deveriam oferecer cursos para os vários grupos — « seminaristas, sacerdotes, religiosos, religiosas ou animadores leigos... professores, pais e estudantes » 48 — assim como uma formação mais avançada em tecnologia das comunicações, administração, ética e questões políticas, destinados aos indivíduos que se estão a preparar para o trabalho profissional no campo dos mass media ou para cargos decisórios, e inclusivamente às pessoas que, pela Igreja, desempenham várias funções nas comunicações sociais. Além disso, recomendamos os temas e os assuntos acima mencionados à atenção dos estudiosos e dos investigadores em disciplinas relevantes nos institutos católicos de ensino superior.

Aos pais. Por amor dos filhos, assim como por amor de si mesmos, os pais devem « adquirir e praticar a capacidade de discernir os espectadores, ouvintes e leitores, agindo como modelos de um uso prudente dos mass media em casa ».49 No que concerne à Internet, os filhos e os jovens têm com frequência mais familiaridade com este instrumento do que os seus próprios pais; não obstante, os pais têm a séria obrigação de orientar e vigiar sobre o uso que os seus filhos fazem da Internet.50 Se isto significa ter que aprender mais acerca dela do que já sabem até agora, isto será muito bom.

A vigilância dos pais deveria prever também o recurso à tecnologia dos filtros, a usar nos computadores disponíveis para os filhos, quando isto for financeira e tecnicamente possível, em ordem a protegê-los na medida do possível contra a pornografia, as ameaças sexuais e outras insídias. Não se deveria permitir o uso da Internet desprovido de um controle. Os pais e os filhos devem dialogar em conjunto sobre aquilo que se vê e se experimenta no espaço cibernético. Neste caso, o dever fundamental dos pais consiste em ajudar os seus filhos a tornar-se judiciosos, utentes responsáveis e não dependentes da Internet, negando o contacto com os seus coetâneos e com a própria natureza.

Às crianças e aos jovens. A Internet é uma porta aberta para um mundo maravilhoso e fascinante, dotado de uma poderosa influência formativa; não obstante, nem tudo o que se encontra do outro lado desta porta é seguro, sadio e verdadeiro. « As crianças e os jovens devem abrir-se à formação concernente aos mass media, resistindo ao caminho fácil da passividade desprovida de critérios, à pressão dos coetâneos e à exploração comercial ».51 Do bom uso da Internet os jovens são devedores a si mesmos — e aos seus pais, famílias, amigos, pastores, professores e, em última análise, ao próprio Deus.

A Internet põe ao alcance dos jovens, cuja idade é inusitadamente precoce, uma imensa capacidade de fazer o bem e também o mal, tanto para si mesmos como para os outros. Ela pode enriquecer a sua vida para além dos sonhos das gerações que os precederam e torná-los capazes, por sua vez, de enriquecer a vida do próximo. Mas ela pode também mergulhá-los no consumismo, na fantasia pornográfica e violenta, e no isolamento patológico.

Como já se disse muitas vezes, os jovens são o futuro da sociedade e da Igreja. O bom uso da Internet pode ajudar a prepará-los para as suas responsabilidades em ambos estes campos. Todavia, isto não acontecerá automaticamente. A Internet não é apenas um meio de divertimento e de gratificação consumista. Ela é um instrumento para a realização do trabalho útil, e os jovens devem aprender a observá-la e a utilizá-la como tal. No espaço cibernético, pelo menos na mesma medida que em qualquer outro lugar, eles podem ser chamados a navegar contra a corrente, a praticar o contraculturalismo e até mesmo a ser perseguidos por amor àquilo que é verdadeiro e bom.

12. A todas as pessoas de boa vontade. Então, finalmente gostaríamos de sugerir algumas virtudes que precisam de ser cultivadas por todos aqueles que desejam fazer bom uso da Internet; o seu exercício deveria fundamentar-se e ser orientado em conformidade com uma valorização realista dos seus conteúdos.

É necessária a prudência em ordem a observar claramente quais são as suas implicações — o potencial para o bem e para o mal — neste novo instrumento de comunicação e a enfrentar de maneira criativa os seus desafios e as suas oportunidades.

É preciso que haja justiça, de maneira especial para eliminar a divisão digital — o fosso entre as pessoas ricas de informação e as outras que são pobres de informação no mundo de hoje.52 Isto exige o compromisso em benefício do bem comum internacional, não menos do que a « globalização da solidariedade ».53

São necessárias a fortaleza e a coragem. Isto significa que se deve defender a verdade diante do relativismo religioso e moral, o altruísmo e a generosidade perante o consumismo individualista, e o decoro face à sensualidade e ao pecado.

É preciso toda a temperança — uma abordagem disciplinada deste instrumento tecnológico surpreendente, a Internet, a fim de o utilizar de maneira sábia e exclusivamente para o bem.

Ao reflectirmos sobre a Internet, assim como acerca dos outros meios de comunicação social, queremos recordar que Cristo é o « protótipo da comunicação » 54 — a norma e o modelo da abordagem da comunicação, assumida pela Igreja, assim como do conteúdo que a Igreja tem o dever de comunicar. « Oxalá os católicos comprometidos no mundo das comunicações sociais anunciem a verdade de Jesus cada vez mais corajosa e impavidamente sobre os telhados, de tal maneira que todos os homens e mulheres possam ouvir falar do amor que está na autocomunicação de Deus em Jesus Cristo, o mesmo ontem, hoje e para toda a eternidade ».55

Cidade do Vaticano, 22 de Fevereiro de 2002, Festa da Cátedra de São Pedro Apóstolo.

John P. Foley
Presidente

Pierfranco Pastore
Secretário

 


(1) João Paulo II, Carta Encíclica Laborem exercens, 25; cf. Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 34.

(2) Concílio Vaticano II, Decreto sobre os meios de comunicação social Inter mirifica, 1.

(3) Cf., por exemplo, Inter mirifica; as mensagens do Papa Paulo VI e do Papa João Paulo II por ocasião dos Dias Mundiais da Comunicação; Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, Instruções Pastorais Communio et progressio; Pornografia e violência nas comunicações sociais: uma resposta pastoral; Aetatis novae; Ética na publicidade; e Ética nos meios de comunicação social.

(4) Pornografia e violência nas comunicações sociais: uma resposta pastoral, n. 30.

(5) Communio et progressio, n. 2.

(6) João Paulo II, Mensagem para o XXXIV Dia Mundial das Comunicações, 4 de Junho de 2000.

(7) Communio et progressio, n. 10.

(8) Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 39.

(9) Inter mirifica, 2.

(10) Cf. Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, Ética na Internet.

(11) Cf. Aetatis novae, n. 8.

(12) Ibidem.

(13) Ética nos meios de comunicação social, n. 3.

(14) Cf. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a Revelação divina Dei Verbum, 10.

(15) Cf. Aetatis novae, n. 10.

(16) Ética nos meios de comunicação social, n. 26.

(17) Communio et progressio, n. 128.

(18) Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, 45.

(19) João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris missio, 37.

(20) Aetatis novae, n. 2.

(21) João Paulo II, Mensagem para o XXXV Dia Mundial das Comunicações, n. 3, 27 de Maio de 2001.

(22) Aetatis novae, n. 9.

(23) Ética nos meios de comunicação social, n. 11.

(24) Cf. Communio et progressio, n. 15.

(25) Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen gentium, 37.

(26) Communio et progressio, n. 115.

(27) Ibid., n. 117.

(28) Cf. cân. 212 §§ 2-3.

(29) Cf. Aetatis novae, n. 10; cf. também Ética nos meios de comunicação social, n. 26.

(30) Aetatis novae, n. 10.

(31) Ética nos meios de comunicação social, n. 26.

(32) Ética nos meios de comunicação social, n. 25.

(33) Cf. Aetatis novae, n. 28.

(34) Communio et progressio, n. 107.

(35) João Paulo II, Mensagem para o XXIV Dia Mundial das Comunicações, 1990.

(36) Cf. Ética na Internet.

(37) João Paulo II, Mensagem para o XXXV Dia Mundial das Comunicações, n. 3, 27 de Maio de 2001.

(38) Pornografia e violência nas comunicações sociais: uma resposta pastoral, n. 6.

(39) Aetatis novae, n. 8.

(40) Cf. João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte, 39.

(41) Cf. João Paulo II, Discurso aos Bispos dos Estados Unidos da América, n. 5, Los Angeles, 16 de Setembro de 1987.

(42) João Paulo II, Mensagem para o XXIV Dia Mundial das Comunicações, 1990.

(43) Cf. Aetatis novae, nn. 22-23.

(44) Ética nos meios de comunicação social, n. 26.

(45) João Paulo II, Mensagem para o XXIV Dia Mundial das Comunicações, 1990.

(46) João Paulo II, Mensagem para o XXXIV Dia Mundial das Comunicações, 4 de Junho de 2000.

(47) Communio et progressio, n. 107.

(48) Aetatis novae, n. 28.

(49) Ética nos meios de comunicação social, n. 25.

(50) Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Familiaris consortio, 76.

(51) Ética nos meios de comunicação social, n. 25.

(52) Cf. Ética na Internet, nn. 10 e 17.

(53) João Paulo II, Discurso ao Secretário-Geral da O.N.U. e à Comissão Administrativa de Coordenação das Nações Unidas, n. 3, 7 de Abril de 2000.

(54) Communio et progressio, n. 10.

(55) João Paulo II, Mensagem para o XXXV Dia Mundial das Comunicações, n. 4, 27 de Maio de 2001

 

Comunhão e Progresso (1971)

 




A instrução pastoral Communio et Progressio foi publicada em 1971 pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais da Santa Sé.

 

Irmã Joana Terezinha Puntel, fsp

O documento Communio et Progressio, é uma Instrução Pastoral, publicada pelo Pontifício Conselho para as Comunicações (1971) e representou o mais avançado documento da Igreja referente às comunicações para a época em que foi publicado. É uma resposta pastoral ao decreto Inter Mirifica (1963), do Vaticano II.

Caracteriza-se, antes de tudo, pela abertura que marcou os documentos do Concílio e a evolução das mentalidades nos anos seguintes. O texto retorna às grandes convicções do Inter Mirifica em relação à mídia, completando-se e apresentando-se de uma forma mais coerente e compreensível. Já se evidencia, no documento, uma atitude de escuta da sociedade contemporânea e a presença das tecnologias da comunicação. Assim se expressa no n. 122: “… a Igreja deve saber como reagem os nossos contemporâneos, católicos ou não, aos acontecimentos e correntes de pensamento atual”.

Como estrutura, a Communio et progressio baseia-se, na sua primeira parte, na doutrina. Com o título “Os Meios de Comunicação social na perspectiva cristã: elementos doutrinais” o texto considera temas teológicos para justificar o dever e o direito da Igreja utilizar-se dos meios de comunicação. O princípio primordial apontado é que “estes meios técnicos têm como finalidade ideal… estreitar os laços de união entre homens e mulheres” (CP 6), pois “a comunhão e o progresso da convivência humana são considerados os fins primordiais da comunicação social e dos meios que emprega” (CP 1). A Igreja vê, assim, no desenvolvimento da mídia, a resposta para o “preceito de Deus: ‘Possuí e dominai a terra’” (CP 7). Portanto, na visão da Igreja, seria um ato de “cooperação” na “criação e conservação” do mundo (CP 7).



A abordagem da segunda parte “Os meios de comunicação social como fatores do progresso humano” versam sobre a ação dos meios de comunicação na sociedade humana. Nesta abordagem, o documento indica as melhores condições para o bom uso dos meios de comunicação, de acordo com a finalidade expressa na primeira parte doutrinal.  O papel dos meios de comunicação, indicado pelo documento, é o de construir união, daí a importância, também, da opinião pública, onde, como que numa espécie de praça pública “homens e mulheres trocam impressões espontaneamente” (CP 24).

Uma terceira parte do documento trata do “Empenho dos católicos no campo dos meios de comunicação” e enfatiza a necessidade de diálogo entre a Igreja e o mundo, propõe uma estrutura pastoral adequada e a formação de organizações que desenvolvam trabalhos específicos com os meios de comunicação, na medida em que a Igreja reafirma que “os modernos recursos técnicos se revelam, hoje em dia, indispensáveis à propagação do Evangelho” (CP 16).

Reconhecendo que o mundo da comunicação evolui rapidamente, a Instrução preferiu fundamentar suas considerações em “alguns princípios imutáveis”, baseados na mensagem do amor (…) e na dignidade do homem e da mulher (CP 183).  O documento reconhece, também, sua indicação de somente algumas linhas gerais de ação, uma vez que “a atual situação da comunicação social não permite descer a muitos pormenores. A concepção cristã da vida apoia-se em princípios imutáveis baseados na mensagem do amor que é a Boa Nova do Evangelho” (CP183).  Sem dúvida, a Communio et Progressio vai além do decreto Inter Mirifica, colocando-se em outra posição: a mídia não é mais vista como um perigo, mas como força benéfica. E também foge de um discurso moralista.

É preciso considerar, outrossim, dentro de uma análise mais acurada, que o documento louva a ideia do progresso tecnológico, mas perpassado de idealismo. O documento trata a mídia como se ela fosse destinada a desenvolver-se numa sociedade na qual não há tensão interna. Os sete anos empregados na preparação do documento não foram suficientes, na verdade, para que a Igreja, em suas várias instâncias, descobrisse a íntima relação entre comunicação social e política. O documento trata da comunicação sem referir-se à sua dimensão política e econômica.  O questionamento, então, pousa sobre o fato de como é possível atribuir uma função social aos instrumentos de comunicação, para promoverem a “comunhão” e o “progresso”, sem discutir o fato de que esta mídia implicada é conduzida, e por vezes, totalmente controlada e denominada  pelo sistema econômico e político. O documento, entretanto, é de grande abertura para que os aspectos omissos, mas realistas da sociedade, fossem discutidos futuramente.

 

Fonte: https://pascombrasil.org.br/comunhao-e-progresso/

sábado, 18 de novembro de 2023

A teologia da encarnação no desafio do transumanismo. Entrevista com Cristoph Theobald

 




Antropologia telogica



 

IHU, Unisinos - 17 novembro 2023

 

Na sala contígua ao departamento de teses da Pontifícia Universidade Gregoriana nos encontramos com o padre Jesuíta Christoph Theobald, teólogo refinado (recordamos sua volumosa obra sobre o Cristianismo como estilo), mas hoje, acima de tudo, padre sinodal. Já é tarde aqui, no centro de Roma, a universidade se esvaziou e a noite rapidamente ficou escura e fria depois do longo e quente outubro, mas o Pe. Christoph, nascido em 1946, está descansado e tranquilo, ansioso por transmitir a força do clima “primaveril” que respirou na grande sala do Sínodo. Dirigimos a ele as nossas perguntas em relação a questionamentos sobre o mundo e a Igreja em tempos de “mudança de época”.

A entrevista é de Andrea Monda e Roberto Cetera, publicada por L'Osservatore Romano, 13-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Não é uma época de mudança, mas uma mudança de época e a maior mudança é certamente aquela antropológica, uma teologia da encarnação parte do homem e hoje devemos reconhecer que o homem e a mulher mudaram profunda e rapidamente. Em uma das entrevistas anteriores que realizamos para a “Zona franca”, o Cardeal Hollerich disse-nos “Meu medo é que continuemos a falar com um homem e uma mulher que não existem mais”. Portanto, uma teologia experiencial como a que o Papa Francisco invoca deve partir de uma observação do homem, de como ele mudou e como podemos dialogar com esse homem. Muitas vezes tememos que o dogma da encarnação tenha produzido na Igreja uma certa fixidez da ideia de homem; considerando que Deus se encarnou naquele homem de Nazaré continuamos a pensar que aquele é o homem. Queríamos partir disso para fazer a primeira pergunta já de praxe nesta série de conversas que estamos realizando sobre os desafios da Igreja na mudança de época: para onde está indo o mundo?

Estamos vivendo obviamente uma mudança de tempos, como diz o Papa Francisco, caracterizada, em minha opinião, e também segundo muitas outras pessoas, por dois fenômenos que me parecem absolutamente decisivos.

O primeiro é a crise ecológica. Está criando agora uma espécie de medo coletivo, um verdadeiro medo entre as pessoas, que corre o risco de atiçar a violência no nosso planeta, a luta pela sobrevivência, mas que também desperta – e isso é positivo – muita reflexão e criatividade. Trata-se, portanto, de um fenômeno ambivalente: por um lado se manifesta uma espécie de resiliência, um impulso criativo, porque a conscientização é rápida e os investimentos tecnológicos, por exemplo para as mudanças energéticas são enormes e, por outro lado, nos tornamos uma humanidade que tem medo porque muitas coisas da realidade nos afetam, como o aumento do nível do mar em muitas regiões do nosso planeta. O segundo elemento é a violência que observamos no cerne da humanidade. Os Estados enfraqueceram e vivemos num sistema econômico extremamente violento. Fiquei muito impressionado durante a assembleia sinodal com todos os sofrimentos de guerra que foram evocados. Parece-me que saímos de uma época em que as guerras eram apenas localizadas, de certa forma circunscritas, e eis que chegamos no tempo do terrorismo e de muitos outros fenômenos semelhantes. A violência se expande nas próprias sociedades porque as regras políticas e econômicas não funcionam mais. Acrescentaria um terceiro fenômeno para voltar à questão antropológica: encontramo-nos numa situação completamente paradoxal, porque diante da teologia da encarnação está se desenvolvendo o transumanismo. Ou seja, um tipo de tecnologia, de digitalização criada pelo homem e que o ultrapassa radicalmente; ele não é mais seu senhor e se comporta como um "aprendiz de feiticeiro" com essa doida utopia de acreditar que pode sobreviver a si mesmo e até superar o limite da morte.

A fé na encarnação de Deus leva-nos a enfrentar seriamente a questão da morte. E o que temo quanto ao futuro é precisamente o transumanismo. Muito dinheiro é investido nesse tipo de evolução indefinida da tecnologia, uma evolução que oculta a questão da transição ecológica que, ao contrário, requer outro tipo de investimento. É justamente em relação a esse diagnóstico que a tradição messiânica do cristianismo intervém. O que dizemos quando falamos sobre o Reino de Deus, que está diante de nós? Esperamos paz e justiça, não apenas entre os seres humanos, mas também entre a humanidade e a terra. Isso é o que implica a fé na encarnação de Deus. Nas suas duas encíclicas Laudato si' e Fratelli tutti, o Papa Francisco considerou algumas tradições messiânicas — isto é, não só a tradição cristã, mas também o judaísmo e o islamismo — que podem e devem ter um impacto sobre o futuro do nosso planeta. E então, para mim, como cristão, entra em jogo aqui a questão da teologia da ressurreição, que é a questão central do cristianismo. Nestes últimos milênios, temos progressivamente tomado consciência de que cada um de nós tem uma só vida e agora percebemos que temos um só planeta: o que está acontecendo é uma mudança da consciência humana, o que significa que o que está em jogo não é apenas a questão da morte individual, mas também aquela da possível morte do nosso planeta.

E é aqui que aparece o impacto messiânico da ressurreição no cristianismo, o que significa que, no fundo, o planeta Terra não pertence a uma só geração, mas a todas as gerações. Nós somos os herdeiros das gerações anteriores e temos outras gerações que habitarão o mesmo planeta. Esse é o sentido da ressurreição, ou da comunhão dos santos, ou seja, que todas as gerações convivem em Deus. É também a razão teológica da igualdade de todas as gerações, de todos os seres humanos. Recebemos o planeta e devemos deixá-lo às gerações sucessivas.

Podemos fazer isso porque já vivemos juntos, todos nós, seres humanos, nas profundezas abissais de Deus.

Discutimos sobre a centralidade do tema da ressurreição com Dom Piero Coda e ressaltamos o aspecto da credibilidade da ressurreição, de como explicá-la ao homem de hoje tão influenciado pela onipotência da ciência. E depois enfrentamos uma questão de fronteira, que diz respeito ao diálogo sobre as ciências e a fé: hoje toda a comunidade científica partilha a ideia de que existem múltiplas dimensões espaço temporais, e o que imaginamos na vida que vem pode ser outra dimensão espaço temporal que os nossos sentidos não percebem. Parece aludir a esse aspecto a passagem do capítulo 17 dos "Atos dos Apóstolos" que, focalizando a ressurreição, afirma que Deus criou o tempo e o espaço. Se o tema central hoje é a credibilidade da ressurreição, o ponto sensível no mundo crente e não crente, permanece a questão posta pelo escândalo representado pela morte. Como então anunciar a fé na ressurreição de Cristo e dos homens?

O espaço e o tempo indicam que somos limitados; no espaço nenhum de nós é onipresente em toda a realidade. A fenomenologia nos ensinou muito sobre isso: penso em HusserlHeidegger e muitos outros, e também no Papa Francisco, segundo quem o tempo é superior ao espaço. Os cientistas concordam que existem outras dimensões, mas eu diria que outras dimensões não nos tiram das dimensões em que existimos. Além disso, existe uma faculdade humana sobre a qual refletem muito cientistas, epistemólogos e filósofos: a imaginação, isto é, a capacidade de imaginar outros mundos. Ora, na cosmologia, temos uma pluralidade de modelos, não existe mais apenas aquele do big bang. Mas também podemos nos perguntar: existem outros universos, universos paralelos, universos futuros após uma entropia generalizada? Vivemos com o imaginário e progredimos nele. E então podemos dizer, no nosso mundo científico moderno, que o Cristianismo é um “mito”; é o que já disse há muito tempo o teólogo evangélico alemão Rudolf Bultmann. Obviamente aqui desponta a questão da credibilidade: o que é hoje credibilidade do imaginário cristão, do mito cristão, levando também em conta que a credibilidade não é estabelecida por uma prova? Acho que existem vários níveis de credibilidade. O nível mais elementar é que cada ser humano hoje experimenta em sua carne o fato de que seu itinerário pessoal esconde um infinito. Como dizia Pascal: “o homem supera infinitamente o homem”. Mas não só: todos nós percebemos hoje que o planeta terra esconde um infinito. A tradição bíblica e cristã tem a coragem para pensar na unidade de todas as gerações humanas. Todas as criações estão vinculadas com a “carne” que é a terra. A credibilidade do “mito cristão” pode ser estabelecida por uma nova evidência ecológica e planetária, e basear-se no fato de que a tradição cristã representa um modo de viver essa nova consciência na “esperança contra toda esperança”.

A imaginação, que se alimenta de símbolos, é frequentemente recorrente em sua gramática teológica. Mas vivemos numa época que matou símbolos, não só na religião. O símbolo desapareceu, a crise da própria liturgia é a crise do símbolo.

Essa crise deriva do fato de o simbolismo humano ter mudado e que a liturgia com a sua estrutura piramidal deriva do imaginário do passado. A transformação ainda não ocorreu mesmo se recebemos sinais fortes nesse sentido. Michel de Certeau nos lembra que a imaginação começa na vida cotidiana, mas ele não é o único a dizê-lo. Um teólogo como Karl Rahner, que muitas vezes consideramos abstrato, elaborou uma teologia da cotidianidade, da vida de todos dias. São dois teólogos extremamente sensíveis à vida concreta das pessoas. Gostaria, portanto, de sublinhar que para se expressar de forma simples em teologia é preciso tê-la estudado muito. A teologia se manifesta de forma simples na poética da vida cotidiana de Certeau e também quando se lê Kart Rahner em seus escritos espirituais e suas meditações sobre a vida cotidiana. Sempre começo meus cursos fazendo perguntas aos alunos do tipo: o que significa acordar, o que significa comer, caminhar, dormir, conversar, orar, etc.? É determinante para uma boa pregação. No que diz respeito à linguagem, vale sublinhar que habitamos o nosso o mundo graças às metáforas. Trata-se de uma outra maneira de falar sobre a imaginação. Uma das metáforas fundamentais da vida humana e cristã é a do odos, do caminho. O Papa Francisco entendeu bem que para caminhar juntos (syn-odos) é preciso primeiro um odos. Retomo aqui pergunta do eunuco nos Atos dos Apóstolos 8,31: “Como poderei entender, se alguém não me ensinar?". O caminho passa por limiares, fronteiras. Procuramos uma casa, uma tenda e para caminhar precisamos de um horizonte e de uma postura.

Diria que essas metáforas nos levam também a reinventar a linguagem cristã e sobretudo o simbolismo litúrgico.

 

Percebe-se que a sua é a geração do grito “poder à imaginação!”

Nasci em 1946, mas também conheço muitos jovens que imaginam muito, porque não são tocados pela morte da imaginação, de imaginar mundos alternativos, outros universos. E imaginação e ciência estão intimamente ligadas. Tenho um afilhado que gosta muito de ciência, cosmologia, e que passa muito tempo em frente à tela imaginando outros universos. Meu pai era professor de matemática e tinha muita imaginação, como todos os grandes matemáticos.

A linguagem simbólica da Igreja, as formas da liturgia, parecem vestígios antigos que já não dizem nada às novas gerações. E, portanto, para onde deveria ir a Igreja hoje, em relação a um mundo com o qual parece ter perdido contato?

Em primeiro lugar, partimos de uma experiência eclesial local, onde existem as condições essenciais para uma experiência de fraternidade, de hospitalidade: eu lhe acolho, você é acolhido assim como é, incondicionalmente. Isso não diz respeito apenas ao âmbito da imaginação, trata-se em primeiro lugar de uma experiência concreta. Eu realizo um trabalho pastoral no centro da França — que é um País de missão — na região de Limousin. Também o chamo de “espaço amazônico” da França. É muito descristianizado e por isso há necessidade de fraternidade entre os cristãos. Você pode perceber isso depois da missa dominical onde as pessoas vieram para se encontrar e conversar. São poucas, mas se veem e se encontram, exatamente como são. É preciso recomeçar daqui.

O segundo elemento decisivo para o futuro da Igreja consiste em aprender a ler junto com outros as Escrituras, em pequenos grupos. Isso é muito importante porque o texto nos oferece algo objetivo e ao mesmo tempo nos dá a palavra, poderíamos dizer hoje de forma “sinodal”. Trata-se da primeira socialização missionária hoje em situação de crise: ao ler as Escrituras as pessoas podem aprender a falar sobre as suas vidas. Nas nossas sociedades, muitas pessoas são efetivamente afásicas, não têm palavras para compartilhar sua experiência e muito menos a sua fé. Essa experiência da escuta comum da palavra de Deus pode eventualmente levar a um novo modo de entrar na experiência sacramental.

Aquela sacramental é a linguagem principal da Igreja, e é a que é majoritariamente nutrida de símbolos e, portanto, a majoritariamente em crise.

Eu diria que o rito está em crise. O símbolo da água não está em crise, nem o da ceia, com o pão e o vinho. O rito, porém, está em crise. É preciso trabalhar nisso no futuro. Para o batismo, por exemplo, ainda temos muitas famílias, especialmente na Itália e também um pouco na França, que vêm com seus filhos porque viveram o milagre do nascimento. Na França paradoxalmente, o número de catecúmenos aumenta consideravelmente, muitas vezes se trata de jovens, de trinta ou quarenta anos que estão começando a refletir sobre o sentido da vida. Cada situação é única e torna-se impossível ter um modelo único de catecumenato porque é preciso acompanhar cada pessoa. E é aí que o simbolismo da água se torna central. Muitas vezes celebramos os batismos na Noite de Páscoa e durante essa noite é proposto um mundo de símbolos. Isso é um problema central hoje: o simbolismo não desapareceu, mas está desarticulado. O simbolismo é um mundo, um imaginário e devemos, portanto, encontrar uma maneira de entrar nele gradualmente usando, como Jesus e os primeiros cristãos, os símbolos elementares da existência humana.

Passemos a outro sacramento: a ordem sacerdotal. O que responder a quem fala, e são muitos, que a crise da Igreja é a crise dos sacerdotes?

Não é a crise do sacramento da ordem, é a crise, eu diria, do ministério na Igreja. O padre tornou-se um faz-tudo, porque há poucos padres, e esses poucos têm que fazer tudo, desaparece assim o seu carisma específico. Quando eu era um jovem seminarista, antes de me tornar jesuíta e padre, ainda havia muitas possibilidades, podia-se tornar padre professor, capelão de hospital, etc., ou seja, era possível expressar o carisma pessoal. Hoje, porém, o sacerdote deve fazer tudo e muitos casos, não consegue mais realizar o seu carisma. Esse é o primeiro elemento da crise. Segundo elemento, muitos jovens, vendo os sacerdotes sobrecarregados e cansados, dizem “não fui feito para viver isso, eu não posso viver isso". E muitos jovens padres concentram-se naquilo que podem melhor controlar. Não têm a capacidade para fazer tudo, limitam-se ao necessário, essencialmente nos sacramentos e no governo, muitas vezes ainda de forma clerical porque é uma forma de realizar-se.

Terceiro elemento: muitos cristãos já nem sabem mais por que os padres são necessários. Ouço duas reações: alguns me dizem que em todas as religiões há os padres; portanto, eles devem existir também na religião cristã; outros me dizem que toda associação precisa alguém que governe, perguntando-se por que a Igreja Católica impõe exigências tão elevadas.

Como responder hoje da maneira mais simples à pergunta: por que os padres são necessários, por que o ministério ordenado é constitutivo? Em última análise, é simples: a Igreja não é uma associação construída num contrato social, mas é convocado por Deus, por Jesus Cristo no Espírito. Precisamos de alguém que simbolize essa convocação. Ao convocar a assembleia, o sacerdote simplesmente diz “o Senhor esteja convosco”, já fez o seu trabalho. É ordenado para isso.

Devemos explicar essa resposta mínima ao povo de Deus: vocês precisam de alguém que os “convoque” como Igreja, que significa a “convocada”. Depois intervém a dimensão histórica. O ministério mudou muito em dois mil anos, e hoje precisamos encontrar uma figura nova que mantenha pelo menos o essencial. Podemos resumir tudo numa frase: foi o Papa Francisco que o disse – ou seja, que a sinodalidade é uma dimensão constitutiva da Igreja, assim como o ministério hierárquico é constitutivo dela: ele se coloca na Igreja sinodal e a convoca.

Assim, por exemplo, poderia ser que no dogma em vez de três graus no sacramento da ordem surjam outros?

Eu não diria. Acredito que a distinção entre ministério episcopal e ministério presbiteral seja fundamental. Firmou-se aproximadamente no final do século II d.C. Essa distinção é estrutural porque a Igreja está inteiramente presente em cada Igreja local: “o bispo está na Igreja local e a Igreja local está no bispo”. O ministério episcopal representa, portanto, o vínculo com toda a Igreja da qual tem a responsabilidade com os demais bispos, enquanto o ministério presbiteral está ligado a uma comunidade local específica dentro de uma Igreja local ou diocesana. Para o ministério diaconal é diferente. A possibilidade de um ministério diaconal exercido por mulheres é uma questão séria que se apresenta hoje e que deve ser discutida.

Na sua opinião, o Sínodo é a resposta adequada da Igreja à mudança de época? O Sínodo sobre a sinodalidade é um retorno, uma recuperação, à reflexão da Igreja sobre o método e, portanto, sobre o Cristianismo como estilo?

O Sínodo sobre a sinodalidade introduz realmente uma nova imagem da Igreja, com base na igualdade batismal entre todos, sem questionar a colegialidade ou, a fortiori, a primazia. Enquanto as nossas democracias e sociedades estão em crise, refletimos muito sobre a questão da deliberação. A Igreja é a primeira instituição no mundo que introduz a deliberação sinodal num nível de igualdade entre todas as Igrejas locais e todos os crentes. Todos estão envolvidos.

Claro que há muitas resistências e estamos apenas no início de um processo muito longo de mudança. Mas essa nova insistência na sinodalidade é da ordem de um sinal messiânico nas nossas sociedades cada vez mais fragmentadas. Na minha opinião, trata-se justamente da resposta para a mudança de época que estamos vivendo.

Eu diria que o Concílio Vaticano II, em particular a Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et spes, foi possível graças à pastoral da Ação Católica; penso mais especificamente no Cardeal Joseph-Léon Cardijn, que falou no Concílio: trata-se do método de “ver, julgar e agir”, que é mais do que um método. Depois do Concílio tudo isso se perdeu, surgiram outros movimentos e a pastoral se fragmentou. O Papa Francisco introduziu a “conversação espiritual” no trabalho do Sínodo e espera que todas as igrejas locais adotem esse modo de proceder como estilo. Esse método, que é, portanto, mais do que um simples método, é complexo e implica também o exercício da argumentação. É esse viés estritamente teológico que faltou durante essa assembleia sinodal. Espero que esse “modo de proceder” se torne um novo modo de realizar a pastoral; poderia ser um bom fruto do Sínodo.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/634298-a-teologia-da-encarnacao-no-desafio-do-transumanismo-entrevista-com-cristoph-theobald

AS HISTÓRIAS DA PÁSCOA EM JERUSALÉM (Jo 20-21)

    Texto: Maurizio Marcheselli e outros Tradução : Paolo Cugini     1.      Dois capítulos de histórias de Páscoa: João 20 – João 21   O QE...