(Maurizio Marcheselli, Il
Quarto Vangelo. La testimonianza del discepolo che Gesù amava, Reggio Emilia:
Edizioni san Lorenzo, 2021. Traduzione di Paolo Cugini)
1. O léxico joanino para o “milagre”
1.1. A terminologia
Comecemos com alguma terminologia e estatísticas a
respeito das palavras que o QE utiliza para indicar o que chamamos de
“milagre”. Na verdade, deparamo-nos imediatamente com um problema de léxico,
pois para nós o termo “milagre” evoca algo em que predomina o aspecto do
prodigioso, algo que foge do comum, que vai contra as leis da natureza,
enquanto a linguagem usada por João emprega, em vez de uma, três palavras,
embora com impacto muito diferente dentro do evangelho: “sinais”, “obras”,
“maravilhas”.
Vamos começar com o termo “sinal”. Uma das palavras gregas utilizadas por João para
indicar o que chamamos de “milagre” é seméion (plural: seméia), que significa,
justamente, “sinal”. Do ponto de vista estatístico ocorre 17 vezes, atribuíveis
a 12 textos. Isto significa que dos 21 capítulos do QE, há 12 contextos em que
João usa esta terminologia. O curioso é que esse léxico se concentra entre João
2 e João 12, onde termina a história do ministério público de Jesus. Uma
exceção é o final de João 20, onde de repente, após uma ausência de oito capítulos,
reaparece em um muito conhecido e muito importante: «20,30 Jesus, na
presença dos seus discípulos, fez muitos outros sinais (seméia) que não estão
escritos neste livro. 31Mas estes foram escritos para que creiais que Jesus é o
Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”
(20.30-31). Este é o último uso da palavra. Que seja o último não é
surpreendente, como aconteceu com o capítulo 20 estamos agora também no final
do QE; o que surpreende é a sua ausência nos oito capítulos imediatamente
anteriores.
O outro termo é “ópera” (grego: ergon; plural erga), cujo campo lexical
também inclui o verbo “operare” (ergázomai), que também significa “trabalhar”.
Em algumas passagens isto dá origem aos clássicos mal-entendidos joaninos,
porque pode ser traduzido precisamente tanto “operar/fazer obras” como
“trabalhar”. Nesses casos o autor joga justamente com a ambivalência semântica
do termo. Esse campo lexical tem maior impacto, pois são 35 ocorrências de
palavras que derivam da raiz “erg-”. Ao mapeá-lo, descobrimos que o verbo
“operare/trabalhar” se concentra apenas entre João 3 e o início de João 9 (na
verdade só é encontrado aqui no QE) e é usado apenas 8 vezes. A maior parte
vai, portanto, para o substantivo ergon, que ocorre 27 vezes.
Em relação a ergon (“obras”) e erga (“obras”), parece
haver uma diferença entre o singular e o plural no QE. Quando usa o termo no
singular, João quer indicar a totalidade do ministério de Jesus: a “obra”,
portanto, é a totalidade do seu ministério, da sua missão. O plural erga
refere-se, em vez disso, a gestos únicos, operações únicas, ações únicas que
Jesus realiza. Estas são manifestações individuais daquele ergon geral que é o
seu ministério.
Por fim, existe um terceiro termo, que
normalmente é traduzido como “prodígio/prodígios”: téras/térata. É uma palavra
presente na Bíblia, pois é frequentemente utilizada no livro do Êxodo. Quando
falamos sobre o que acontece no Egito e falamos sobre os sinais que Deus
realiza através de Moisés e Arão, tanto o termo seméia é o termo téras, que se
traduz, justamente, como “prodígio”. Em seu evangelho João usa esta palavra
apenas uma vez, em 4.48. Isso indica que ele não considera o termo mais
adequado para expressar o que tem interesse em comunicar. Na verdade, face a
uma palavra que mais evoca o aspecto prodigioso, a dimensão do fenómeno
sensacional, deslumbrante, ele prefere as outras duas terminologias.
1.2. A conexão entre os três termos
Como João usa as três palavras e como as combina?
A combinação entre seméion e téras ocorre apenas uma
vez. Como já mencionado, é o único versículo de todo o QE em que aparece o
termo téras. É surpreendente que não seja usado sozinho, mas em combinação com
seméion ("sinal").
Um oficial real está com seu filho doente em Cafarnaum
e, ao saber que Jesus voltou de Jerusalém para a Galiléia, vai ao seu encontro
para pedir a cura de seu filho. Jesus o impacta de uma forma que pode parecer
violenta, isto é, de uma forma que não é imediatamente confidente. Com efeito,
ele reage com as seguintes palavras: “Jesus disse-lhe: 'Se não vires sinais
e prodígios, não acreditas'” (4.48, . Neste contexto, é uma censura ou, em
qualquer caso, uma observação negativa. Jesus estigmatiza o pedido deste
personagem como um pedido de “sinais e prodígios”.
Como esse par de termos deve ser entendido?
Joàao usa muito expressões duplas. Uma das
características do estilo literário joanino é a abundância de pares: pares de
substantivos, pares de verbos, até pares de frases. Esses pares são quase
sempre hendiads. O hendiadys é uma figura retórica em que dois termos são
usados para dizer uma coisa: a palavra é composta por três palavras gregas:
en (“apenas um”), dià (“através”), dyóin (“dois”), portanto “um a dois”. Quase todos
os casais joaninos são hendíades, portanto devem ser traduzidos de forma
unitária. Neste caso a tradução que nos parece preferível é: “Se não vês
sinais prodigiosos...”. O segundo termo (térata) condiciona a leitura do
primeiro (seméia): o nervo exposto, então, é o signo na sua qualidade de
prodígio. Isto é o que Jesus estigmatiza, é neste ponto que se distancia: “Se
não vês sinais prodigiosos, não acredites”.
Que relação existe então entre os três termos que
estamos examinando?
A palavra téras transmite a ideia do prodígio e na
única passagem em que aparece é combinada com seméion, o que leva à
interpretação do signo como um “sinal prodigioso”. Porém, no QE este tipo de
sinal é problemático; portanto, Jesus não atende imediatamente ao pedido do
funcionário. Posteriormente poderá fazer o que lhe for pedido, mas através de
um itinerário que exige explicação adequada.
Que relação existe entre signos e obras? Ou seja: que
ligação existe entre seméion e ergon?
Em primeiro lugar notamos que estas duas palavras não
têm dois referentes diferentes; isto é, no QE não acontece que algumas coisas
sejam chamadas de seméia e outras de erga. Essa terminologia é utilizada em
referência ao mesmo episódio, por exemplo, na história do cego de nascença
(João 9): no início está o léxico das obras e das ações e, logo depois, o
léxico dos sinais. No início da história, Jesus afirma: «Devemos realizar as
obras daquele que me enviou enquanto é dia; chega a noite, quando ninguém mais
pode trabalhar” (Jo 9,4). Segundo sua expressão, o que ele fará é,
portanto, um trabalho. Mas quando surge mais tarde um debate entre os
judeus-fariseus sobre Jesus, lemos: “Como pode um pecador realizar sinais
deste tipo?” (Jo 9:16). Assim, a cura dos cegos de nascença pode ser qualificada
tanto como “sinal” quanto como “obra”. As duas palavras não indicam
acontecimentos diferentes, mas podem referir-se ao mesmo episódio; o mesmo
gesto pode ser chamado de “sinal” e “trabalho”.
Existe alguma diferença entre eles? Ou eles são
completamente intercambiáveis? É uma questão que nunca será resolvida com
certeza. Pode-se observar, porém, que Jesus, como personagem joanino, prefere a
terminologia de “obras” e “fazer”; na verdade, apenas duas vezes ele usa o
termo “sinal”.
No QE Jesus prefere falar das “suas obras” ou das
“obras do Pai” que realiza, enquanto os demais personagens e o narrador falam
de “sinais”; as exceções são alguns deles que se referem aos mesmos eventos e
os chamam de "obras". Pode-se, portanto, afirmar que, embora indique
os mesmos factos, Jesus prefere sobretudo a terminologia “obras”, enquanto os
restantes personagens, juntamente com o evangelista, a de “sinais”.
Os dois termos “obras” e “signos” têm então a
característica de traçar uma constelação semântica própria, ou seja, de estarem
preferencialmente ligados a um termo e não a outro. Por exemplo, “obras” são as
“obras do Pai e do Filho” ou “as obras do Pai no Filho”. Quando se utiliza o
léxico das “obras”, esta é a constelação que aparece, a do vínculo entre Pai e
Filho: é a obra do Pai que se realiza unicamente nas obras do Filho. Não há
diferença substancial entre os dois termos; no entanto, são duas palavras que
têm características próprias, que desenham um certo tipo de constelação e que
transmitem uma certa perspectiva sobre um elemento que talvez seja o mesmo (por
exemplo, a cura dos cegos de nascença).
Quanto ao léxico dos “sinais”, pode-se observar –
ainda que de forma menos massiva que as “obras” em relação ao Pai e ao Filho –
que eles estão ligados ao messias, a Cristo: os sinais isto é, são os “sinais
de Cristo”, os “sinais do Messias”, os sinais ligados à sua vinda. Pode-se
obviamente objetar que o Messias é o Filho! Não se trata, portanto, de uma
diferença de substância, mas apenas de constelações de termos que andam juntos,
que têm um certo tipo de conexões e semelhanças. Os sinais são, portanto, os
sinais de Cristo, os sinais do messias, ou melhor, os sinais que Israel
esperava: quando o messias chegou, ele teria que realizar aqueles sinais e, nos
gestos de Jesus, alguns reconhecem os sinais de o messias esperado.
2. A presença do léxico dos signos em algumas
passagens-chave
Concentramo-nos agora nas passagens em que o autor
utiliza o termo seméion/seméia, parando para notar a presença do léxico dos
"signos" e o alcance que ele tem em algumas passagens-chave do QE.
Não é certo – na verdade, não é recomendável pensar que este seja o caso – que
por seméion entendamos o que temos em mente quando usamos a palavra “milagre”.
Uma vez que entendemos que João chama seméion o que tenderíamos a chamar de
“milagre”, ainda não estabelecemos o que exatamente esse conceito transmite.
Devemos perguntar-nos que significado o evangelista atribui a este termo e,
para encontrar uma resposta, partiremos de uma pequena exploração de algumas
passagens-chave do QE nas quais se encontra a terminologia dos sinais.
2.1. A ligação entre “sinais” e “fé”
Leiamos João 2,11, versículo que conclui a história
das bodas de Caná: «Este, em Caná da Galiléia, foi o início dos sinais
realizados por Jesus; ele manifestou a sua glória e os seus discípulos
acreditaram nele” (2,11).
Aqui está uma tradução mais literal: «Isso fez
Jesus, no início dos sinais em Caná da Galiléia, e ele manifestou a sua glória
e os seus discípulos creram nele”. Ou seja: «Jesus fez isto (o que acaba
de ser contado) como o início dos sinais (arché ton seméia) em Caná da
Galileia, manifestou a sua glória e os seus discípulos acreditaram nele».
Não é um versículo qualquer, como se percebe apenas
pelo tom, mas é um versículo que tem caráter conclusivo e que encerra não só a
história, mas também o primeiro trecho narrativo do evangelho. É um versículo
que tem um peso específico superior aos outros, precisamente porque está
colocado numa posição final: neste ponto termina a primeira parte narrativa do
evangelho. Continuamos a nossa análise com Jo 12,37-41:
«12.37 Embora ele tivesse realizado tão grandes sinais
diante deles, eles não acreditaram nele, 38 para que se cumprisse a palavra
dita pelo profeta Isaías:
Senhor, quem acreditou em nossa palavra? E a quem foi
revelada a força do Senhor? 39Por isso não puderam crer, pois também Isaías
disse: 40Ele cegou seus olhos e seus corações estão duros, para que não vejam
com os olhos e não entendem de coração, e eles não se convertem, e eu os curo! 41Isaías
disse isso porque viu a sua glória e falou dele” (12,37-41).
Esta é também uma passagem que tem um peso específico
particular, pois é a conclusão do ministério público de Jesus: entramos então
na história da paixão. Tudo isso é muito interessante, pois mostra mais uma vez
que a terminologia da seméia se encontra em passagens cruciais do evangelho: no
final da primeira seção narrativa (as bodas de Caná: Jo 2.11); no final da
história do ministério público de Jesus (Jo 12,37).
“Embora ele tivesse feito tão grandes sinais diante
deles, eles não acreditaram nele”: uma tradução mais literal é: “Embora
ele tivesse feito tão grandes sinais diante deles, eles não acreditaram nele”.
Notamos a tensão que se cria entre o episódio de Caná e esta passagem: por um
lado, vê-se imediatamente uma semelhança, porque fala de “fazer sinais” (em
Caná: “Foi isto que Jesus fez, o início do sinais"; aqui: «Embora ele
tivesse feito tão grandes sinais»). Há um contacto evidente entre eles, dado
também pelo uso do termo “glória”: “Assim disse Isaías, porque viu a sua glória
e falou dele” (12,41) / “Isto fez Jesus, o princípio dos sinais e manifestou
a sua glória” (2:11). Existe uma ligação entre “sinais” e “glória”, que
está presente em ambos os textos, embora no segundo seja mais indireta: os
sinais são reveladores da glória. No entanto, há também um contraste, porque em
Caná o efeito deste “fazer sinais nos quais se manifesta a glória” é a
fé, enquanto, na segunda passagem, é a descrença: «Foi isto que Jesus fez, o
início dos sinais em Caná da Galileia, e ele manifestou a sua glória e os seus
discípulos acreditaram nele” (2,11) / “Embora tivesse realizado tão
grandes sinais diante deles, eles não acreditaram nele” (12,37). O mesmo
objeto (o “sinal”) produz, portanto, dois resultados diametralmente opostos,
mas com um contato evidente: “fazer signos”, “sinal-glória”, “sinal e
fé/descrença”. A constelação semântica dos dois textos é absolutamente
idêntica.
Finalmente, vamos ler João 20:30-31:
«20,30 Jesus, na presença dos seus discípulos, fez
muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. 31Mas estes foram
escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,
crendo, tenhais vida em seu nome” (20.30-31).
São os versículos finais de João 20. Novamente, é um
texto que tem uma densidade específica muito alta. Muitos estudiosos do QE
acreditam que esta foi a primeira conclusão do evangelho e que somente mais
tarde foi adicionado mais um belo capítulo (João 21), no qual a história do a
pesca milagrosa no lago Tiberíades e o diálogo entre Jesus e Pedro, com a
pergunta do Ressuscitado: “Tu me amas mais do que estes?” (21h15). Este
capítulo extraordinário foi provavelmente acrescentado posteriormente: numa
primeira fase o QE terminou precisamente em João 20,30-31. São, portanto,
versículos que têm um peso específico muito elevado: estamos claramente perante
uma conclusão e, portanto, têm um carácter recapitulatório.
Pela terceira vez, portanto, encontramos a palavra
seméion numa conclusão, desta vez no final do primeiro final do evangelho, após
a história das aparições pascais. Como já dissemos, o termo que faltava durante
oito capítulos é recuperado para encerrar a narrativa - entendida globalmente -
do evangelho.
Notamos como a constelação de palavras é a mesma dos
casos anteriores (novamente envolve "fazer sinais": "Jesus [...]
fez muitos outros sinais") mas, ao contrário de antes, falta a
terminologia de "glória" aqui da doxa, enquanto o tema da “fé” está
muito claramente presente: «Jesus, na presença dos seus discípulos, fez
muitos outros sinais que não estão escritos neste livro». Quanto aos
sinais, o evangelista admite ter feito uma seleção drástica: haveria muitos
mais para relatar, mas escreveu apenas estes, pelo seguinte motivo: «Mas
estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e
para que crendo tenhais vida em seu nome”. Mais uma vez aparece a ligação
entre o sinal e a fé.
É evidente que neste caso o tema da “glória que se vê”
já não pode ser sublinhado, porque o evangelho se destina a pessoas que não
vêem Jesus: aqueles sinais que os discípulos históricos de Jesus puderam ver
tornaram-se, portanto, agora uma história. O objetivo que o evangelista se
propõe ao narrar estes sinais é, porém, o mesmo que Jesus se propôs ao
realizá-los, ou seja, suscitar a fé, conduzir à fé. E João escreve o seu
evangelho (ao escrever e transformar em história o que Jesus fez) para atingir
o mesmo objetivo, ou seja, lendo sobre esses sinais, podemos chegar à fé, como
aconteceu em Caná, nós que não estávamos em Caná' fomos.
2.2. A ligação entre “sinais” e “glória”
Falar da presença do léxico dos signos em algumas
passagens-chave do QE nos leva a compreender que João atribui grande
importância ao vínculo que existe entre seméion e doxa, entre “signo” e
“glória”. No QE a primeira vez que o termo “glória” aparece é no Prólogo:
“E o Verbo se fez carne e veio morar entre nós; e
vimos a sua glória, glória como do Filho unigênito que vem do Pai, cheio de
graça e de verdade” (Jo 1.14).
O autor, que se junta a outras testemunhas oculares
(na verdade escreve: “nós”), declara: “Contemplamos a sua glória”. Mas
onde contemplaram esta “glória”? Contemplaram-no na "carne", que é a
humanidade, sendo homem, de Jesus. No Prólogo João escreve que olhando para a
"carne", isto é, a concretude histórica da pessoa Jesus, que vem de
Nazaré, eles viram a glória".
O que isto significa? O que é “glória” na Bíblia e,
portanto, também no QE?
Na Bíblia, a glória não tem nada a ver com fama,
renome ou celebridade. Glória é o que se percebe de fora do profundo mistério
de uma pessoa. Isto também se aplica a Deus: a “glória de Deus” não é algo
totalmente diferente do próprio Deus. Ninguém jamais viu Deus em si mesmo;
Contudo, Deus realiza ações e gestos nos quais pode ser reconhecido. Esta é a
sua “glória”. Glória é o que se percebe do lado de fora de algo que de outra
forma estaria oculto, íntimo. Isto também se aplica ao ser humano: a glória de
um homem na Bíblia não é a sua fama, mas sim o que transparece do exterior e se
percebe sobre a sua identidade profunda. O que então João quer dizer quando
declara que olhando para a carne de Jesus (portanto, para sua humanidade) ele
viu sua glória? O que é essa glória? O que se manifestou do que está oculto e
profundo? Não que fosse filho de Maria e/ou José, como diziam alguns; mas que
ele é o Unigênito que vem do Pai. Esta é a sua glória! Naquilo que Jesus fez,
as testemunhas perceberam, portanto, que a sua identidade profunda se referia a
Deus: olhando para a humanidade (a carne) de Jesus, viram a glória do
Unigénito. Isso é um choque! No homem de Nazaré viram a própria
presença do Unigênito que vem do Pai! Isto é o que afirma o Prólogo. E
mesmo quando começa a própria história do Evangelho, no episódio de Caná,
encontramos a primeira aparição do termo “glória”: “Jesus fez isto como o
início dos sinais” e ao fazer isto ( que foi o arché, o início dos seus
sinais) «manifestou a sua glória».
Naquilo que Jesus fez em Caná, portanto, transparece o
mistério mais profundo de quem ele é: ele veio às bodas como filho de Maria
(ela foi convidada, e Jesus também vai com seus discípulos), mas naquilo que
ele faz em Caná - que é “o início dos sinais” - revela-se a sua glória, isto é,
vislumbra-se o mistério profundo, aquilo que não pode ser apreendido
imediatamente e que, no entanto, pode ser percebido ali. É a mesma glória de
que fala o Prólogo: naquilo que Jesus faz em Caná vemos a glória do Unigênito que
vem do Pai. Na experiência visível de algo que foi visto, ouvido e até provado
(em Caná provaram um vinho excelente!), as testemunhas perceberam o mistério
profundo daquela pessoa que é Jesus, isto é, a sua glória, que é a glória do
Unigênito que vem do Pai. Isso se aplica a todos os signos. Quais são os sinais
para João? Por que ele usa o termo seméion/seméia em vez de téras, “prodígio”,
que usa apenas uma vez?
Porque seméion indica que aquele acontecimento é,
antes de tudo, revelação.
João não está interessado no aspecto prodigioso, que é problemático, mas sim no
aspecto revelador: nesses gestos, nesses acontecimentos, algo pode ser
vislumbrado. São seméia, ou seja, significam algo, transmitem algo, indicam
algo, mas não de forma extrínseca. São acontecimentos de revelação, mas não são
como os sinais de trânsito que indicam sem estar envolvidos: é dentro deles que
se percebe a revelação.
João vê o que chamamos de “milagres” como episódios,
momentos, ações nas quais o mistério de Jesus e a sua identidade são indicados,
fazem brilhar: são sinais do seu mistério. Para o evangelista todos os sinais,
absolutamente todos, são reveladores de glória. O de Caná é o arco dos sinais.
E não é apenas no sentido cronológico, sendo o primeiro de uma série; mas
também o é num sentido mais radical: é o arché porque é o seu protótipo e
revela algo que é verdadeiro para todos os signos.
A título de exemplo, evoquemos o último dos sinais que
Jesus realiza ao longo do seu ministério público: a ressurreição de Lázaro
(João 11). É muito interessante ver que no QE, quando chegamos à história da
ressurreição de Lázaro, a terminologia da glória reaparece poderosamente. Isto
porque é um elo que o leitor é convidado a manter para todos os sinais de
Jesus: todos revelam a sua glória como Unigênito que vem do Pai.
«Tendo ouvido, Jesus disse: «Esta doença não visa a
morte, mas é para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado
através dela»» (Jo 11,4): o que Jesus fará em Lázaro, doente e depois
morto, é uma manifestação da glória do Filho de Deus. O autor sempre nos
convida a ler os sinais como uma manifestação de glória. Ele faz isso nos
primeiros e últimos sinais de uma forma poderosa; mas nos convida a fazê-lo
como uma característica estável. Nos sinais que Jesus realiza (o que chamamos
de “milagres”, expressão que João claramente evita ao não usar o termo téras)
antes de tudo a glória de Jesus é percebida e revelada, manifestada, mas a
glória de Jesus como Filho de Deus, como participante da condição divina, como
o Unigênito que vem do Pai.
2.3. A ligação entre “sinais” e “vida”
Há também outro elo muito importante, aquele que
existe entre “sinais” e “vida”. O de Caná é um texto muito particular, que
sublinha a ligação entre sinal e glória. Em todos os outros grandes gestos de
Jesus, a relação entre os sinais e a vida aparece com grande força, o que é
destacado em João 20,30, o terceiro dos três textos que analisamos: «Porque,
crendo, tenha vida» (20,31 ). Portanto, ao ouvir a história desses sinais,
o leitor deve acreditar naquele que os realizou para poder participar da vida.
Podemos argumentar precisamente isto: todos os sinais
que Jesus realiza são sinais através dos quais Ele se revela e comunica a vida
divina. Essa é a questão. O que João tem interesse em destacar? Por que esses
episódios são importantes para ele? Não pela sua aparência prodigiosa, mas
porque nesses gestos fica claro que Jesus é capaz de comunicar a própria vida
de Deus.
O que são esses sinais, que chamamos de “milagres”?
1. A transformação da água em vinho em Caná (2.1-11);
2. a cura à distância do filho do oficial real, lá em
Caná (4,45-54);
3. a cura de um homem doente há 38 anos em Jerusalém
(5,1-9);
4. o pão dado aos cinco mil (6,1-14);
5. o cego de nascença (9,1ss);
6. a ressurreição de Lázaro (11.1-44).
Estas são as grandes seméia de Jesus no QE. Poderíamos
acrescentar também o andar sobre as águas (6,16-21), que, no entanto, não é um
sinal separado do sinal do pão.
1. O sinal de Caná está diretamente ligado à “glória”:
ao contrário dos
outros, não se encontra ali a terminologia da vida.
2. Na cura do filho do oficial real, que pede «Desce antes que o meu filho morra»,
Jesus revela-se como aquele que dá a vida: «Vá, o teu filho vive».
3. Em Jerusalém, um homem doente há 38 anos é curado; mas quando Jesus relê o sinal que realizou, indica a
cura em termos de passagem da morte para a vida: “Eu vim para que os mortos
ouçam a voz do Filho de Deus e para que aqueles que a ouviram vivam”. (cf.
5.25). Aqui encontramos a mesma dinâmica, a mesma categoria de leitura do
episódio anterior.
4. O pão que Jesus dá aos cinco mil é interpretado pelo próprio Jesus, no grande discurso
imediatamente seguinte, como “o pão da vida”: “Eu sou o pão da vida” (6,34).
5. A terminologia da vida não se encontra no episódio do cego de nascença. No
Prólogo, porém, lemos: «Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens»
(1,4). Quando Jesus dá luz àquele homem cego de nascença, portanto também lhe
dá vida. A luz (que é imagem do conhecimento) está ligada à vida: Jesus abre os
olhos do cego, faz-lhe passar da cegueira à visão, das trevas à luz,
tornando-se assim, para ele, “luz”. Torna-se uma “luz” para esse homem e
“ilumina-o”, fazendo-o participar na sua própria vida; tal como diz o Prólogo:
«Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens». Ao dar-lhe luz, ao
dar-lhe visão, Jesus também lhe dá vida intrinsecamente, faz-lhe participar na
vida.
6. A ressurreição de Lázaro é claramente uma comunicação de vida.
Insistimos neste ponto: o fio condutor que une todos
os grandes sinais (também chamados “obras”) de Jesus no QE é que neles Jesus se
manifesta como o “doador da vida”. Porém, no grego do QE, para falar de vida,
existem duas palavras diferentes que, em italiano, são ambas traduzidas com o
mesmo termo, criando um problema de compreensão a um nível profundo. Por um
lado, existe a vida biológica, vivida no corpo de carne, que João chama de psyché
(que não é a alma, mas a vida humana). É a vida que teve um começo e está
destinada à morte biológica (esta vida humana também pode ser indicada pelo
termo sarx, “carne”). O termo psyché encontra-se, por exemplo, na seguinte
frase: «O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas» (10,11). Portanto, “o
bom pastor” dá a sua existência humana, a sua vida de homem pelas ovelhas.
Novamente “Você dará sua vida por mim?” (13.38), Jesus responde a Pedro,
que acaba de lhe prometer: «Darei a minha vida por ti» (13.37). O termo psyché
também está presente aqui: Pedro só pode dar a sua própria existência humana. Por
outro lado, há uma outra palavra que João reserva para a vida em sentido
estrito, em sentido forte. É a palavra zoé que se refere ao verbo zoéin, que
significa ao mesmo tempo “viver” e “vivificar”. A palavra zoé indica a vida tal
como Deus a possui. E a vida de Deus tem uma qualidade diferente: é uma vida
eterna; é uma vida que não tem começo nem fim. É uma vida que tem uma
consistência própria e divina. O cerne do QE é que a vida de Deus não espera
pelo início da vida após a morte; o anúncio do evangelho é que a vida de Deus
está disponível agora. Esta é uma boa notícia, é realmente um eanghélion. Os
sinais que Jesus realiza têm todos a ver com esta vida: na cura do filho do
oficial real, na cura do enfermo há 38 anos, na entrega do pão à multidão, na
abertura dos olhos do cego, na chamada a Lázaro do túmulo, Jesus nada faz senão
reiterar o próprio fato de que veio ao mundo para realizar gestos, para fazer
coisas em virtude das quais é possível ao homem, aqui e agora, no encontro com
Ele, participar da vida de Deus. Este é o elemento comum a todos os signos:
revelam algo da identidade de quem os realiza e todos indicam, com insistência,
que quem realiza esses sinais é capaz de comunicar a vida de Deus. A quem o
encontra, que dele se aproxima com fé e amor, Jesus comunica vida como o
próprio Deus a possui. É isso que, para o evangelista, caracteriza os sinais
que Jesus realiza.
2.4. O ministério de Jesus é um ministério em sinais
Perguntemo-nos agora o que contém a categoria joanina
de “signo”. O elemento milagroso é necessário e constitutivo dos signos? Os
discursos também estão incluídos na sinalização? Isto é: os sinais indicam a
totalidade da atividade de Jesus? Qual é o alcance do termo “sinal”? Até agora
não respondemos a esta pergunta. Os que listamos são de fato sinais; mas,
quando o evangelista usa esta palavra, o que ele quer dizer? Vamos dar um
exemplo: na manhã de Páscoa, ao entrar no túmulo com Pedro, João vê algum
sinal? Vários estudiosos respondem afirmativamente. Se for assim, o signo não
precisa necessariamente do prodigioso. Na verdade, dentro do túmulo não
encontramos nenhum milagre: existem alguns panos funerários dispostos de forma
curiosa. Pode-se dizer que João (mas não Pedro) interpreta essa evidência
material como um sinal? Você poderia responder sim. E se a resposta for sim,
então significa que o sinal tem um significado maior que o milagre, porque não
é essencial que algo prodigioso esteja presente para que haja um sinal. Vamos
agora responder à pergunta: o que João quer dizer com a palavra “sinal”? O
problema surge do segundo e terceiro texto que analisamos. O fato de João usar
a palavra “sinal” em Caná não nos causa problema, pois algo extraordinário
realmente aconteceu em Caná. No entanto, quando o evangelista usa o termo em
12,37, bem como em 20,30, fá-lo para resumir a totalidade do ministério de
Jesus. Estes dois versículos, de facto, pretendem referir-se à totalidade da atividade
de Jesus: “Embora tivesse realizou diante deles tão grandes sinais...”
(12,37). O último milagre narrado, porém, é o de Lázaro (Jo 11): João se refere
apenas a esse sinal ou também aos outros? Este último milagre tem um valor
maior? O que o autor quer dizer?
Mais uma razão para podermos fazer-nos a mesma
pergunta sobre João 20,30, porque depois de oito capítulos de silêncio o termo
é usado novamente: «Jesus, na presença dos seus discípulos, fez muitos
outros sinais que não estavam escritos neste livro ». Neste lugar o
evangelista refere-se apenas às coisas narradas até nove capítulos antes ou, ao
que parece, a palavra “sinal” tem um significado mais global, é uma palavra em
virtude da qual o evangelista parece querer recapitular o todo o ministério de Jesus?
Como podemos explicar esse uso joanino? Estamos convencidos de que, para
compreender por que João usa o termo “sinal” nestes dois pontos cruciais (a
conclusão do ministério público e a - primeira - conclusão do evangelho), é
necessário evocar a figura retórica da pars pro toto, ou a sinédoque: apenas
uma parte é citada para entender o todo com ela. O termo seméion, portanto, não
pode referir-se imediatamente a nenhum gesto de Jesus, mas o fato de ser
utilizado nessas duas passagens-chave, por um lado, sublinha o valor
paradigmático daquilo que chamamos de “milagres”, por outro, nos faz
entendê-los como a parte pelo todo. Em outras palavras: a referência primária é
àqueles grandes sinais – que chamaríamos “milagres” – narrados no Evangelho,
mas que se tornam uma figura que indica um aspecto essencial da atividade de
Jesus, o de ser uma atividade de revelação. A frase: «Estes sinais Jesus fez»
certamente se refere aos grandes sinais, mas também os toma como parte do todo,
porque esses sinais são sinais de revelação. Este é o «tudo»: toda a história
de Jesus é um acontecimento no qual se revela o mistério do próprio Jesus. A atividade
de Jesus que se revela ao mundo tem uma manifestação particularmente marcante
nos grandes sinais, mas, precisamente, como pars pro toto. É por isso que o
evangelista pode então usar esta palavra nas duas grandes partes finais: porque
é uma referência que certamente vai aos grandes sinais, mas, mais sobretudo, a
toda a actividade de Jesus.
3. O fundamento da visão joanina dos milagres como
sinais
De onde veio a visão joanina de que milagres são
sinais? O fundamento está naquele versículo do Prólogo que já comentamos, a
saber, João 1.14. O que este versículo diz e por que ajuda a entender a
terminologia joanina ou o uso que João faz da palavra seméion? Este versículo
afirma que, olhando para a carne, vê-se a glória do Unigênito. Isto é: olhando
para a humanidade, vê-se a divindade. Tudo isso é impressionante! João está
argumentando que a divindade, isto é, a glória daquele que é o Unigênito
do Pai, é visível na carne de Jesus de Nazaré! Alguns sugerem que se
trata do oxímoro dos oxímoros, pois aqui reunimos o que, segundo a
sensibilidade comum, não caberia: o máximo da divindade no máximo da
concretude material! Para os ouvidos gregos isto era uma perturbação
muito forte, porque normalmente ouviam falar de uma oposição entre o material e
o espiritual. Nosso texto, porém, afirma o contrário, isto é, que aquilo
que é espiritual e divino só é perceptível naquilo que é material e humano.
Se você quiser chegar ao divino “comprimindo” o humano, não terá um destilado
superior do divino, mas não terá nada, porque existe uma proporcionalidade
direta entre o divino e o humano: o divino se dá a conhecer no humano. E este
oxímoro é precisamente Jesus: o conhecimento
máximo de Deus (do Deus oculto) se dá na pessoa concreta de Jesus de Nazaré. Se matarmos Jesus de Nazaré, porque queremos mais
“espírito” e menos “carne”, não permanece o puro destilado do Unigênito que vem
do Pai, mas nada resta. Aqui reside a raiz da visão joanina: é aqui que, aquilo
que normalmente chamamos “milagres”, se manifestam, essencialmente, como
sinais. A visão joanina combina (e não se opõe) ao sensível e ao transcendente,
ao humano e ao divino, ao material e ao espiritual. O espiritual não é afirmado
pelo sacrifício do material, mas através do material e além dele. Se você parar
no material, você é materialista; mas se você matar o material, o espiritual
não permanece, mas nada permanece. Os gestos de Jesus são acontecimentos que
tocam os sentidos, são coisas que se veem, são palavras que se ouvem (Jesus acompanha
os sinais com palavras). Às vezes há também um elemento olfativo (o cadáver de
Lázaro fede!) ou um elemento gustativo (nas bodas de Caná saboreia-se o vinho).
E quando João, na sua primeira carta, fala da sua experiência pessoal, escreve:
“O que sentimos” (cf. 1Jo 1,1). Em todos estes casos, estamos a lidar com
experiências sensíveis; e é justamente na experiência sensível, naquilo que os
sentidos percebem, que o invisível é vislumbrado. O Deus invisível,
incognoscível e inatingível só pode ser experimentado na mediação daquilo que
os nossos sentidos experimentam. Certamente, se pararmos no sensível,
não chegaremos ao espiritual; porém, o espiritual não vem matando o sensível,
mas sim acolhendo-o e apreendendo o que nele se vislumbra. Portanto os sinais
estão certos isto: são um acontecimento material e concreto que afeta os
sentidos; mas no qual é possível apreender algo mais, no qual um significado
ulterior é revelado. Se por um lado é verdade que este significado adicional
não é revelado a todos, por outro é verdade que, se for divulgado, fá-lo
através de uma experiência sensível. A possibilidade de reconhecer que é Filho
de Deus se dá em Jesus de Nazaré ou na aceitação concreta da sua humanidade. Em
outro lugar não. Existe, portanto, uma ligação intrínseca e profunda entre a
cristologia da encarnação e o facto de João chamar aqueles acontecimentos de
“sinais”: o “sinal” indica a combinação do material e do espiritual, do
sensível e do divino.
4. O papel dos sinais para a fé em Jesus
O último passo é a pergunta: qual o papel dos sinais
para a fé?
Para analisar qual o papel que estes milagres que João
chama de “sinais” têm na jornada de fé das pessoas em Jesus, examinemos o caso
do milagre do vinho em Caná. No QE há afirmações conflitantes, que dão um
efeito de estranhamento. Por exemplo: «2,23Enquanto ele estava em Jerusalém
para a Páscoa, durante a festa, muitos, vendo os sinais que ele realizava,
acreditaram em seu nome. 24Mas ele, Jesus, não confiava neles, porque conhecia
a todos 25e não precisava que ninguém testemunhasse sobre aquele homem. Na
verdade, ele sabia o que há no homem. 3.1 Entre os fariseus havia um
homem chamado Nicodemos, um dos líderes dos judeus. 2Ele foi ter com Jesus de
noite e disse-lhe: «Rabi, sabemos que vieste de Deus como mestre; aliás,
ninguém pode realizar estes sinais que tu realizas, se Deus não estiver com ele””
(2,23-3,2).
Nicodemos é um dos personagens emocionados com os
sinais e, não por acaso, no início Jesus também desconfia muito dele, tanto que
lhe conta ele responde imediatamente que a primeira coisa que deve fazer é “renascer
do alto” (cf. 3.3). Uma passagem como esta deixa-nos perplexos: aqui temos
o caso de pessoas que, por causa dos sinais, procuram Jesus e de quem, por
isso, ele desconfia. Em contrapartida, podemos reler a primeira conclusão de
João «20,31 Mas estes [sinais] foram escritos para que creiais que Jesus é o
Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome». Então,
para que servem os sinais? No primeiro texto parecem gerar uma atitude em que
Jesus não confia, enquanto no segundo João afirma que escreve esses sinais para
que o leitor acredite. A este propósito podemos recordar também João 6 (o
capítulo sobre o “pão da vida”), onde esta dialética se reencontra. Jesus
sente: «Em verdade, em verdade vos digo: procurais-me, não porque vistes
sinais, mas porque comestes os pães e ficastes satisfeitos» (6,26). De
acordo com esta palavra a multidão não viu nenhum sinal. É um texto
interessante, porque diz que a multidão viveu algo grande, que poderíamos
chamar de milagre, mas milagre não é sinal! Experimentar um
milagre, beneficiar-se de um milagre, ainda não é ver um sinal.
O problema aqui é terminológico: o que é sinal para o
evangelista não é necessariamente percebido como tal pelos personagens da
história. A questão é esta: o que João chama de “sinal” nem sempre é
percebido como tal pelos personagens. Eles podem ter se beneficiado de
um milagre, mas vivenciar um milagre não é ver um sinal. Para ver um sinal, é necessária a capacidade de captar,
dentro da experiência sensível, o que se manifesta da identidade de quem fez
esse sinal, o que se manifesta da realidade divina, que nele vem ao nosso
encontro. Então sim, você pode ver o sinal.
Qual é então a conexão entre sinal e fé? Vamos reler o
versículo que encerra a história do casamento de Caná: «Este foi, em Caná da
Galileia, o início dos sinais realizados por Jesus; ele manifestou a sua glória
e os seus discípulos acreditaram nele” (2,11).
O sinal, portanto, conduz à fé? Em que sentido? E em
que condições? Para compreender, devemos lembrar quem são estes discípulos,
aqueles que “acreditaram nele”. Aqui estão seus nomes: uma se chama Andrea;
existe um anônimo (talvez João?); uma se chama Simone, irmão de Andrea; um é
Filipe; o último se chama Natanael. Não sabemos se existem outros: estes são os
cinco que povoam João 1. São os que estão em Caná junto com Jesus. Em João 1,
estes floresceram numa série de reconhecimentos de certo peso. Por exemplo,
depois de passar algumas horas com Jesus, juntamente com o discípulo anónimo,
André dirige-se ao seu irmão Simão e diz-lhe: «Encontramos o messias»
(1.41); não é pouco! Novamente: Filipe diz a Natanael «Encontramos aquele
sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas» (1.45), o que é outra
forma de dizer: «Encontramos o messias». Por sua vez, a princípio
Natanael fica cético, mas no final exclama: “Rabi, tu és o Filho de Deus,
(no sentido de que) tu és o rei de Israel!” (1.49). Também aqui há uma
expressão dupla, em que o segundo termo é mais importante que o primeiro. A
primeira expressão significa: “Tu és o Filho adotivo de Deus”, porque ainda não
chegamos ao fim do evangelho. Isso significa que Jesus é “o rei de Israel”. São
três profissões de fé messiânica.
Assim, quando estes discípulos chegam a Caná, não
estão no “nível zero”. Para eles, o milagre de Caná não é um milagre que conduz
a um ato de fé: a sua fé já existe de antemão, pois Jesus foi reconhecido por
eles como o messias. Em Caná aquela fé inicial, que é condição para poder ler
os sinais e que já se manifestou nos discípulos como eles já a reconheceram como
messias, ele se torna a condição pela qual os discípulos são capazes de captar
um sinal no que acontece. Ou seja, intuem algo em que se revela a identidade
última de Jesus, que já reconheceram inicialmente quando afirmaram que Jesus é
o messias. A compreensão dos discípulos de Caná atinge, portanto, a sua
máxima profundidade. O que significa que, se faltar um arranjo inicial,
o sinal é opaco ou não é sinal: no máximo é um milagre! Não é o prodigioso ou o
milagroso que é decisivo. Quando o elemento prodigioso do sinal está em
primeiro plano, Jesus fica cauteloso. A procura de Jesus gerada pela
experiência do prodigioso tem uma base demasiado frágil, em relação à qual
Jesus parece desconfiado e diante da qual adota a estratégia de tentar mover o
interlocutor para uma base mais sólida, como aconteceu, por exemplo, no caso de
Nicodemos e do oficial real. O sinal tem a função de conduzir aqueles que
já demonstraram uma disposição inicial positiva para com Jesus a uma
compreensão mais profunda e, portanto, mais adequada de quem ele realmente é e
qual é o nível último da sua identidade. Então sim, o signo tem a sua
função; e é uma função reveladora.
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