Textos
Quando considero a duração mínima da minha vida,
absorvida pela eternidade precedente e seguinte, o espaço diminuto que ocupo, e
mesmo o que vejo, abismado na infinita imensidade dos espaços que ignoro e me
ignoram, assusto-me e assombro-me de me ver aqui e não lá. Quem me pôs aqui?
Por ordem de quem me foram destinados este lugar e este espaço?
O que é, então, que este desejo e essa incapacidade
nos proclamam, mas que houve uma vez no homem uma verdadeira felicidade da qual
agora resta a ele apenas a marca e o traço vazio, que ele em vão tenta
preencher de todo o seu entorno, buscando de coisas ausentes a ajuda ele não
obtém nas coisas presentes? Mas estes são todos inadequados, porque o infinito
abismo só pode ser preenchido por um objeto infinito e imutável, isto é,
somente pelo próprio Deus.
Todos os homens buscam a felicidade. E não há exceção.
Independentemente dos diversos meios que empregam, o fim é o mesmo. O que leva
um homem a lançar-se à guerra e outros a evitá-la é o mesmo desejo, embora
revestido de visões diferentes. O desejo só dá o último passo com este fim. É
isto que motiva as ações de todos os homens, mesmo dos que tiram a própria
vida.
Os homens têm um instinto secreto, que os leva a
procurar divertimentos e ocupações exteriores, nascido do ressentimento de suas
contínuas misérias; e têm outro instinto secreto, resto da grandeza de nossa
primeira natureza, que os faz conhecer que a felicidade só está, de fato, no
repouso, e não no tumulto; e desses dois instintos contrários, forma-se neles
um projeto confuso, que os leva a procurar o repouso pela agitação... E assim
se passa toda a vida.
O homem é apenas um caniço, o mais fraco da natureza;
mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para
esmagá-lo: um vapor, uma gota de água, são suficientes para matá-lo. Mas, mesmo
que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que o que o mata,
porque ele sabe que morre, e conhece a vantagem que o universo tem sobre ele; e
disso o universo nada sabe. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no
pensamento. É a partir dele que nos devemos elevar e não do espaço e da
duração, que não saberíamos ocupar.
Se você acredita em Deus e nas Escrituras e estiver
certo, será beneficiado com a ida ao paraíso.
Se você acredita em Deus e nas Escrituras e estiver
errado, não terá perdido nada.
Se você não acredita em Deus e nas Escrituras e
estiver certo, não terá perdido nada.
Se você não acredita em Deus e nas Escrituras e
estiver errado, você irá para o fogo eterno.
Quando penso na pequena duração da minha vida,
absorvida na eternidade anterior, no pequeno espaço que ocupa, fundido na
imensidade dos espaços que ignora e que me ignoram, aterro-me e me assombro de
ver-me aqui e não alhures, pois não há razão alguma para que esteja aqui e não
alhures, agora e não em outro qualquer momento. Quem me colocou nessas
condições? Por ordem e obra e necessidade de quem me foram designados esse
lugar e esse momento? Memoria hospitis unius diei praetereuntis. (A lembrança
de hóspede de um dia que passa. Sabedoria, V, 15.)
Ante a cegueira e a miséria do homem, diante do
universo mudo, do homem sem luz, abandonado a si mesmo e como que perdido nesse
rincão do universo, sem consciência de quem o colocou aí, nem do que veio
fazer, nem do que lhe acontecerá depois da morte, ante o homem incapaz de
qualquer conhecimento, invade-me o terror e sinto-me como alguém que levassem,
durante o sono, para uma ilha deserta, e espantosa, e aí despertasse ignorante
de seu paradeiro e impossibilitado de evadir-se. E maravilho-me de que não se
desespere alguém ante tão miserável estado. Vejo outras pessoas ao meu lado,
aparentemente iguais; pergunto-lhes se se acham mais instruídas que eu, e me
respondem pela negativa; no entanto, esses miseráveis extraviados se apegam aos
prazeres que encontram em torno de si. Quanto a mim, não consigo afeiçoar-me a
tais objetos e, considerando que no que vejo há mais aparência do que outra
coisa, procuro descobrir se Deus não deixou algum sinal próprio.
O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora.
Quantos reinos nos ignoram!
Por que são limitados meu conhecimento, minha
estatura, a duração de minha vida a cem anos e não a mil? Que motivos levaram a
natureza a fazer-me assim, a escolher esse número em lugar de outro qualquer,
desde que na infinidade dos números não há razões para tal preferência, nem
nada que seja preferível a nada?
(...) A vida humana é apenas uma ilusão perpétua; o
que fazemos é enganar-nos e iludir-nos mutuamente. Ninguém fala de nós na nossa
presença como na nossa ausência. A união que existe entre os homens é fundada
sobre este mútuo embuste; e poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o
que o seu amigo diz dele quando não está presente, ainda que ele fale então
sinceramente e sem paixão.
O homem é apenas disfarce, engano e hipocrisia em si
mesmo e para com os outros. Não quer que lhe digam a verdade e evita dizê-la
aos outros; e todas estas disposições tão afastadas da justiça e da razão têm
uma raiz natural no seu coração.
Agitação, descanso. Quando me ponho às vezes a considerar as diversas
agitações dos homens, e os perigos e trabalhos a que eles se expõem, na corte,
na guerra, donde nascem tantas querelas, paixões, cometimentos ousados e muitas
vezes nocivos, etc., descubro que toda a miséria dos homens vem duma só coisa,
que é não saberem permanecer em repouso, num quarto. Um homem que tenha o
bastante para viver, se fosse capaz de ficar em sua casa com prazer não sairia
para ir viajar por mar ou pôr cerco a uma praça-forte. Ninguém compraria tão
caro um posto no exército se não achasse insuportável deixar-se estar quieto na
cidade; e quem procura a convivência e a diversão dos jogos é porque é incapaz
de ficar, em casa, com prazer.
Mas quando pensei melhor, e que, depois de ter
encontrado a causa de todos os nossos males, quis descobrir a razão desta,
achei que há uma bem efetiva, que consiste na natural infelicidade da nossa
condição frágil e mortal, e tão miserável que nada nos pode consolar quando
nela pensamos a fundo.
Há homens que passam a vida sem aborrecimento, jogando
todos os dias alguma coisa, e que se julgariam infelizes, se lhes dessem todas
as manhãs o dinheiro que pudesse ganhar a cada dia, com a condição de não
jogar.
Dir-se-á talvez que é o divertimento do jogo que
procuram e não o ganho.
Mas se o fizerem jogar de graça, não de apaixonam, e
aborrecer-lhe-ão.
Não é então o divertimento que procuram: um
divertimento frio e sem paixão aborrecê-los-á.
É preciso que se apaixonem, e que se excitem a si
mesmos, imaginando que seriam felizes, se ganhassem o que não queriam que se
lhes desse com a condição de não jogar; que formem um objeto de paixão que lhes
excite o desejo, a cólera, o medo, a
esperança.
Assim, os divertimentos que fazem a felicidade dos
homens não são somente baixos: são ainda falsos e enganosos…
Quando considero a curta duração da minha vida,
engolida pela eternidade que passou e passará antes e após o pequeno intervalo
que preencho, ou que possa ver, engolfado pela imensidão infinita de espaços
que me são inescrutáveis e que não me conhecem, tenho medo, e me surpreendo de
estar aqui e não acolá, agora e não antes ou depois. Quem me pôs aqui? Quem deu
a ordem e direção para que este espaço e este intervalo de tempo sejam ocupados
por mim?
Quando queremos reprovar de forma útil, e mostrar ao outro que está errado, devemos
observar que lado do problema
ele considera, pois
provavelmente tem razão daquele ponto de vista. Reconhecendo
então que ele está certo, mas descobrindo-lhe ao mesmo tempo o outro lado da
questão, agradamos-lhe e convencemo-lo, pois percebe que não estava errado, mas
apenas deixara de ver todos os lados.
Nós fazemos parte da natureza e nos localizamos entre
dois infinitos dela, o infinitamente pequeno e o infinitamente grande e somos
incapazes de entender ambos. Somos ainda impossibilitados de entender o nada de
onde viemos e entender o infinito onde estamos imersos. Nós somos alguma coisa,
mas não tudo. Nós conhecemos algumas coisas, mas nunca conheceremos tudo, pois
os nossos sentidos não percebem as coisas extremas. Nós estamos situados entre
o ser e o nada.
Assim como não sei de onde venho, também não sei para
onde vou Sei, apenas, que, ao sair deste mundo, cairei para sempre no nada ou
nas mãos de um Deus irritado, sem saber em qual dessas duas situações deverei
ficar eternamente. Eis a minha condição, cheia de miséria, de fraqueza, de
obscuridade. Concluo, de tudo isso, que devo passar todos os dias da minha vida
sem pensar em descobrir o que me deve acontecer. Talvez pudesse encontrar algum
esclarecimento nas minhas dúvidas, mas não quero dar-me a esse trabalho, nem
dar um passo nesse sentido. Tratando com desprezo os que com isso se preocupam,
quero experimentar esse grande acontecimento sem previdência e sem temor,
deixando-me passivamente conduzir à morte, na incerteza da eternidade da minha
condição futura.
É injusto que se apeguem a mim, embora o façam com
prazer e voluntariamente. Eu iludiria aqueles em quem despertasse desejo, pois
não sou o fim de ninguém e não tenho com o que satisfazê-los. Não estou eu
pronto a morrer? E, assim, o objeto de apego dessas pessoas logo morrerá. Logo,
quando não seria eu culpado por fazer crer numa falsidade, embora eu a adoçasse
a acreditasse nela com prazer, e que ela me desse prazer, ainda assim sou
culpado de me fazer amar. E, se atraio as pessoas para que se apeguem a mim,
devo advertir aqueles que estariam prontos a consentir na mentira de que não
devem acreditar, qualquer que seja a vantagem que daí me advenha.
A persistência é a força geradora da vida dentro de
nós;
a persistência é o combustível para as grandes
realizações,
a persistência é a fé que nos faz acreditar no
impossível,
a persistência é a coragem que nos faz enfrentar
obstáculos que parecem maior do que nós,
persistência é garantia de vitória após combate;
Seja persistente, porque enquanto existir vida nada é
impossível para aquele que persiste ignorando o impossível e acreditando em
Deus.
Mas, quanto aos que passam a vida sem pensar nesse
último fim da existência, de forma que, por essa razão, não descobrem em si
próprios as luzes que os persuadam, deixando de procurá-las em outra parte e de
examinar a fundo se essa opinião é daquelas que o povo recebe com uma
simplicidade crédula ou daquelas que, embora obscuras por natureza, possuem,
contudo, um fundamento bastante sólido e inabalável, eu os considero de maneira
diferente.
É, por conseguinte, um grande mal permanecer nessa
dúvida, sendo ao menos um dever indispensável investigar quando ela existe,
porque aquele que duvida e não investiga se torna, então, não só infeliz, mas
também injusto. Com efeito, se com isso se mostra tranquilo e satisfeito, se
disso faz profissão e se por isso se sente orgulhoso, fazendo disso o motivo de
sua alegria e de sua vaidade, não tenho termos para qualificar tão extravagante
criatura.
Mas mesmo limitados, somos os únicos seres pensantes
da natureza. Somos também um dos seres mais fracos da natureza, mas somos
fracos pensantes e é no pensamento que está nossa dignidade, nossa nobreza e
superioridade frente à natureza. Nós somos miseráveis e mortais, mas sabermos
que somos miseráveis e mortais e nisso está nossa grandeza.
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