Síntese: Paolo Cugini
INTRODUÇÃO
Os motivos principais pelos
quais Nietzsche e Heidegger são considerados os “pais” do pensamento
pós-moderno tem a ver, sobretudo, com o fato de que, para ambos, desaparece a
idéia de fundamento, que foi essencial ao longo da história ocidental. O debate
filosófico possui hoje ao menos um ponto de convergência: não se da uma
fundação única, ultima, normativa. A crise de fundamentos, porém, não é uma
“boa verdade”, ou seja, por um fundamento valido ou, pelo menos, mais adequado.
Aqui se coloca a importância de uma hermenêutica continuada como pensamento da
diferença em relação a pretensão metafísica de dar conta da compreensão da
realidade.
Em Heidegger, por exemplo, o
fundamento é substituído pelo vento (Ereignis). Em Heidegger e Nietzsche,
portanto, a idéia de uma historia como processo unitário se dissolve,
ocasionando a debilitação do ser. O conceito no qual sintetizam a esta
debilitação se resume no pós da pós-modernidade e tem a ver com o conceito
heideggeriano de convalescença(Verwindung). Para Heidegger pensar é rememorar;
realizar-se na confrontação da herança do pensamento do passado com a pietas
como devoção-respeito. Esta pietas se dá, porem, quando se despoja daquelas
características metafísicas que a faziam como tal. Não se trata de fazer
“arqueologia filosófica”, mas sim de pensar o não pensado: o ser, e a pertença
existente entre o homem e o ser. Trata-se de um salto em direção a algo
diferente.
Capitulo I
UMA LEITURA FILOSÓFICA DA REALIDADE
CONTEMPORÂNEA
1-A modernidade em crise
De qualquer modo Lyotard
postula a idéia de que a modernidade seja outra coisa: “Refiro-me a uma
tradição,aquela da modernidade.
Esta última não é uma época, mais sim um modo
(assim como sublinha a tradição latina do termo), próprio do pensamento
,da enunciação , da sensibilidade”. As idéias modernas não consistem somente no
surgimento de idéias novas, mas de uma práxis. Dentre os elementos sociais e
culturais que fazem parte da modernidade , podemos evidenciar dois: a explosão
da burguesia e o desenvolvimento da ciência experimental.
Para Descartes, o mundo é exclusivamente quantificado, matematizado, e não se encontra nada que não
tenha a ver com esta matemática. “
A matemática torna-se fundamento
de toda a física.
Segundo Carmelo Dtolo: “Ao
lado da expressão modernidade ou idade moderna, se junta um corolário
terminológico: palavras como crise, emancipação, fratura da tradição,
progresso, revolução assumem os contornos de conceitos-horizonte indicativos de
uma transmutação em ato de uma progressiva autoconsciência”. Nesta mesma linha
vai o pensamento de Habermas quando afirma que, junto com a expressão de idade
moderna ou nova, nasce também o conceito de revolução, progresso, emancipação,
desenvolvimento, crise, espírito de tempo. A modernidade não pode nem quer
mudar os próprios critérios de orientação de modelos de uma outra época, mas
busca atingir a sua própria norma por si mesma.
Os três grandes eventos do
século XVI, como a descoberta do mundo novo, o Renascimento e a Reforma,
constituem-se como um momento preliminar da descoberta do proprium da
modernidade, porque estes eventos instauram uma crise que acompanha o cenário
cósmico-antropológico precedente. A crise, na verdade, é uma espécie de sobejo
dos fatos e interpretações que se tornaram precárias diante das soluções
precedentes. Ela imprime uma mudança de paradigma que vai além de uma dimensão
territorial histórica de um período (no caso do século XVI ou mesmo dos
iluministas) para se tornar uma “consciência” da diferença em relação ao
passado.
A modernidade pode ser entendida
como uma contínua e progressiva conquista de uma consciência crítica que o
espírito humano alcança no dever-se liberar da escravidão do passado para
abrir-se à descoberta de uma nova e racional verdade.
Com a crescente mecanização
da vida hodierna, com o desenvolvimento tecnológico abrindo inúmeras
oportunidades de construir o próprio conhecimento, aprofunda-se a crise do
humanismo. Em Heidegger, o avanço da técnica traz em seu movimento a profunda e
constante desumanização do homem. Este, porém, pode dar passos significativos
para fazer frente a este processo de aniquilamento, Segundo Vattimo, esta
constante capacidade da técnica de se elevar além do homem provoca também uma
reação colateral no próprio ser humano.
Para Lyotard, na sociedade
hodierna, o saber é produzido para ser
vendido e consumido para ser valorizado num novo tipo de produção, em
ambos os casos, para ser negociado. Não é mais um fim em si mesmo, mas sim um
valor de uso. A técnica, portanto, “pretende provocar a natureza para aduzir e
produzir energia natural”.
A razão científica atual aspira
ao inteligível tanto quanto almejava a razão clássica, somente que o
inteligível é outro. Para os antigos, o inteligível é a forma da qual participa
o sensível; para os modernos, o inteligível consiste no sensível que
responderia ao projeto da ciência. Para os antigos, a razão, primeiramente, era
uma mediação entre o inteligível e o sensível, em seguida, buscaram
distanciar-se do sensível para chegar ao inteligível, de modo que este último
se tornaste presente á razão do mesmo modo que o sensível aos sentidos. A
consciência moderna é projetiva, não conhece tal norma do objeto. Seguindo o
modelo de Kuhn, a razão moderna é uma estrutura operativa; medeia dois estados
sucessivos do mundo: aquele que é ainda opaco e aquele que um dia será
inteligível.
O projeto iluminista vê no
pensamento uma via emancipadora por meio da liberdade do sujeito individual. A
ciência é fruto do conteúdo e do método deste pensamento.
O homem ocidental construiu
o próprio mundo por meio da técnica e da manipulação tornam-se passivas;
privadas de independência consistência
própria, em outras palavras: privadas de “ser”. A atitude diante das coisas e
do mundo leva o homem a tornar-se ele mesmo mercadoria.
Na modernidade, acentua-se a
separação entre teologia e filosofia, onde a Segunda ostenta o primado sobre a
primeira. A filosofia assume o desenvolvimento do conceito de pessoa, seja no
interior do conceito de Deus como da antropologia. Este acento antropológico
vai conduzir a uma compreensão de pessoa que se orienta quase exclusivamente à
autoconsciência, à liberdade e à dignidade do indivíduo. O “eu” como centro e
ponto de partida e da cristalização do conhecimento teórico da realidade. Ou
seja, o sujeito se autodetermina no que diz a respeito á relação de dependência
com os outros.
O mundo vem entendido como o
mundo do homem que se coloca no centro. Dessa perspectiva se coloca o
pensamento de René Descartes, que é uma espécie de reflexo da imagem
nominalista de Deus. Para Descartes, o homem como res cogitans , na qualidade
de sujeito livre, coloca-se de fronte ao mundo – a todo o resto – que és res
extensa, objetos organizados unicamente por estruturas matemáticas.
A construção do mundo a partir
do eu torna-se o princípio unificador da idade moderna.
A conseqüência desse modo de
pensar é que o mundo perde de per si uma forma espiritual perceptível. O mundo
torna-se uma espécie de cova de pedra, caracterizado por circunstâncias
mecânico-causais, a partir das quais o sujeito autônomo e livre cria o próprio
mundo.
A linha Kantiana está
interessada principalmente em colher as condições transcendentais de
possibilidade do conhecimento, de modo mais genérico da racionalidade, e,,
portanto, esta linha se encarna em todas as filosofias que concentram a sua
atenção sobre a lógica, a epistemologia, as formas do saber científico, e mesmo
do agir ético com intento de individualizar os traços universais e estáveis. A
linha hegeliana, ao contrário, segue uma tendência filosófica que olha
principalmente o ser humano concreto, onde o centro da atenção se concentra na
historicidade dos saberes e mesmo da filosofia. Está em busca da escuta de uma
“história-destino” do ser, e neste caso, pode-se fazer referimento a Heidegger
e seus seguidores.
Como nota A. Masullo: “A
razão, como estrutura necessária universal do pensamento, é o grande princípio,
sobre qual o iluminismo Kantiano se fundamenta pra mostrar que o homem se ergue
acima de si mesmo, acima de seu ser um pedaço da máquina natural e, portanto,
simples instrumento de instrumento, e afrontar assim a devastação niilista que
o racionalismo moderno porta dentro de si”.
A passagem de uma concepção
do mundo na qualidade de trama especular do divino para o conflito
interpretativo do homem é mais complexa que a hipótese relativa á centralização
do sujeito, já que, devido ao acento geométrico do real, muda o centro de
gravidade do princípio de interioridade até se chegar, segundo Brun, à mort de l’intériorite.
Surge a dissensão da identidade do homem que, agora, se compreende não mais a
partir da concentração da alma sobre si mesma, qual fundação da individualidade
do sujeito. Neste sentido, a morte da interioridade conduz a uma diversa source
of the self, construída a partir do impessoal da terceira pessoa, na qual
paradoxamente, faz desvanecer a subjetividade que pretende sustentar; até o
ponto de um deslocamento gradual no subjetivismo pelo qual a mimesis da
realidade é concebida a partir da autodescoberta de si.
O sujeito se concebe e se
pensa dotado de um poder infinito de gestão do real, que é expressa na
exasperação da transformação do mundo. Este procedimento, no entanto, não é
outra coisa que o outro lado da moeda daquilo que se pode denominar “paradoxo
do eu”, que agora deve prestar contas com a complexidade da experiência privada
do seu fundamento.
CAPITULO
II
A PERDA DO FUNDAMENTO
1.
A
crise do conceito do ser
A crise da subjetividade em
Nietzsche é o anúncio da “morte de Deus”.
Nietzsche é emblemático no
aforismo 361 da Gaia ciência, onde expressa a sua inquietação em relação em
relação ao problema do ator e delineia uma filosofia da cultura como produção
de “mentiras”, como sistema de conceitos e valores que não possuem nenhuma
legitimação. A descoberta da mentira, ou do “sonho”, não significa que se possa
deixar de mentir e de sonhar, mas quer dizer que se deve sonhar sabendo que se
está sonhando.
2.
O
homem como projeto jogado no mundo –ser aí
Ao definir o homem como cuidado,
Heidegger pratica a exclusão do mundo teológico e a inclusão do mundo
natural de sua filosofia. É assim que o filósofo liquida com a definição metafísica do homem, o homem apenas referido na auto-reflexão. A
auto-reflexão surge com o fato de ser- no-mundo. O homem não é mais exterior a
si mesmo como observador. Está referido a si como tarefa de ser.
Este encurtamento hermenêutico, praticado para fins da analítica
existencial e que conduzir à interpretação do ser do estar-aí como cuidado,
representa a ruptura mais drástica do filósofo com a tradição metafísica. A
alegoria do cuidado abordado por Heidegger pretende fazer uma descrição do
homem colocado no mundo, como ser-jogado e como ser-para-a-morte, diante de uma
tarefa finita, na já está empenhando desde sempre como cuidado.
O homem como cuidado recebe o
seu sentido no horizonte da temporalidade. Essa temporalidade é constitutiva do
cuidado, de tal modo que a estrutura do estar-aí como ser-no-mundo, que é
pensada de maneira totalizadora a partir do cuidado, articula seu sentido pleno
como finitude, isto é, temporalidade. A tríplice estrutura da temporalidade. A
tríplice estrutura da temporalidade. As duas estruturas se determinam
reciprocamente; desse modo não há o estar- aí como cuidado sem determinação da
temporalidade, e a tríplice estrutura da temporalidade se constitui a partir da
dimensão tríplice do cuidado. Na alegoria do cuidado é Saturno, o deus do
tempo, que se converte em instância mediadora. É guiado pel0o o fio do tempo
que Heidegger critica, dizendo que à metafísica falta o conceito de tempo que
se liga ao homem. A metafísica não sabe o que é o homem, porque a metafísica
não sabe o que é o tempo.
O homem está em constante figura
de si mesmo; assim como o Cuidado à margem do rio, o estar-aí sabe quem ele é.
Mas este saber não é um saber teórico: é própria condição de estar no mundo que
lhe dá a experiência de sua condição.
Enquanto busca compreender-se,
saber seu nome, lidar com os objetos, ele compreende como totalidade. Mas é uma
totalidade que nunca se dá plenamente: o poder-se total do homem é apenas
possível pela antecipação do seu ser-para-a-morte, mas quem decide sua
totalidade é a condição da temporalidade. A temporalidade é o sentido do
Cuidado que é ser do estar-aí. Na alegoria do cuidado, ´´é o tempo que decide
que o Cuidado possuirá a sua sombra, que é ele mesmo.
O problema da morte está
relacionado com o cuidado e a angustia. “Ser para a morte” faz parte do
conjunto da existência. A morte se nos apresenta primeiro por da experiência
dos outros. É uma realidade fundamental e cada deve morrer com sua própria
morte. A totalidade de nossa existência, com a morte chega ao fim. A morte para
nós não é como perfeição de um fruto maduro, mas a cessão, quando chega fim.
“Desde que o homem nasce, é suficientemente velho para morrer” (Bohme).O Desein
é um perder-se, uma possibilidade que se antecipa, ainda que existia em sua
facticidade como caído e lançado no mundo. A possibilidade mais eminente e
enraizado em nosso ser é de morrer. O caráter antecipado do Desein diz que a
morte já está presente. A morte está sempre à espreita do existente humano, que
está sempre correndo para a morte. A morte é a possibilidade mais peculiar e
insuperável de nossa existência, também a mais certa e indeterminada. A morte
rompe todas as nossas ligações com o mundo. A possibilidade ontológica da
morte, também se funde no cuidado “precaução – cautela” como expressão do nosso
ser projetado mais para frente, lançado para as suas possibilidades. A morte é
a nossa mais genuína possibilidade. A angústia revela que somos um ser jogado
no mundo para morrer. O Dasein, pois, deve ser definido como “ser para a
morte”. Erradamente (existência inautêntica), a morte é vista sempre como um
acidente, que acontece aos outros, algo indeterminado que um dia há de chegar.
A vida cotidiana é um constante da morte, que é sempre dos outros. A existência
autentica consiste em aceitar o fato do ser-para-a-morte como nossa
possibilidade mais radical, que reveste um caráter de espera. Nisto, o Dasein
reconhece sua liberdade de ilusão de viver perdido no cotidiano. Enfrenta-se
com uma apaixonada e uma angustiante liberdade para a morte. Esta liberdade
possibilita escolher duas atitudes em relação à morte, aceitação ou destruição.
A alegoria do Cuidado
representa a dramaturgia da existência: pobre Demiurgo que apenas se faz para
esquecer o que é feito, e feito para a morte. É o drama do novo homem que
esquece da totalidade em se espelha constantemente para apenas reter a forma
que se dá no presente. A angústia da
fenomenologia existencial representa o estado de ânimo fundamental do estar-aí
em fuga de se mesmo, precisamente por
ter de se a se mesmo e ao mesmo tempo saber que já está jogado e é um
projeto finito.
A meditação de Heidegger,
embora em termos diversos, segue o itinerário do desmascaramento do sujeito
metafísico e da dissolução do ser como fundamento, do niilismo presente na reflexão nietzscheana sobre o sujeito.
Aqui, está presente, de modo
especial, nos textos do último Heidegger, a afirmação do ser como evento; quer
dizer que o ser não é, mas acontece, se dá. Aqui, segundo a hipótese
vattimiana, se pode denominar o “ niilismo” de Heidegger.
A inviabilidade de um
fundamento na direção de uma ontologia niilista é o que aproxima Nietzsche e
Heidegger. Somente que, para Heidegger, isto acontece não em conseqüência de um mero movimento de
conceitos, mas devido a transformação mais gerais que têm a ver com a técnica
moderna e a sua racionalização do mundo. “ A racionalização e organização do
trabalho social e o desenvolvimento da ciência-técnica, que foram possíveis graças a uma visão
religioso-metafísico do mundo, tornaram supérflua esta crença, e isto também é
niilismo. Destino da subjetividade e dissolução niilista do ser se cruzam entre
si e com a história da racionalização técnico-científica do mundo.”
“ A metafísica realizada”,
portanto, diz respeito ao mundo da total organização técnica do ente, onde o
pensamento dedica-se inteiramente à tarefa do domínio técnico do mundo. Talvez
o termo mais apropriado fosse aquele de Ge-Stell, traduzido por “imposição”,
empregado por Heidegger em sua obra identidade e diferença. “Ge- Stell é o
mundo da produção planificada, que o nosso conhecimento, entendido como
representação, serve e no qual o homem é continuamente interpelado num processo
de ordenações que impõem uma caça contínua às coisas para constituir reservas,
fundos, em vista de um sempre posterior desenvolvimento da produção. Uma
organização técnica do mundo inviabiliza, seja o ser como fundamento, seja a
estrutura hierárquica, dominada pela autoconsciência da subjetividade.
3.
A
secularização: metáfora da modernidade?
A secularização pretende
designar a maturidade do homem capaz de dar conta da própria vida e da
forma e andamento do mundo. Conforme
adverte Giuseppe de Rosa, secularização indica um fenômeno histórico
particular, em virtude do qual o homem põe sempre com mais vigor o acento sobre
a realidade mundana. Neste sentido, referente a este termo, pode-se falar tanto
de um aspecto positivo como negativo. O elemento positivo diz respeito ao fato
de que a secularização reconhece na realidade mundana – política, economia,
cultura, ciência – uma autonomia e um valor próprio independentemente da
religião. O aspecto negativo implica que o reconhecimento do valor e da
autonomia da realidade mundana vem acompanhando com a luta contra a religião.
Um esforço sempre maior para distanciar-se da religião e manter a liberdade
conquistada.
A modernidade nasce de uma
concepção de história que encontra na figura do progresso (Fortschritt) o ponto
culminante da secularização.
Pode-se falar de duas
concepções de secularização. Uma primeira pode ser entendida ad intra do
cristianismo, como horizonte de uma expectativa voltada ao futuro e condição de
possibilidade da filosofia da história marcada pela idéia de progresso. Uma
segunda que refuta a secularização como oposição ao dado cristão, porque o
progresso assume a posição da Providência e, portanto, livre de hipotecas
teológicas.
A modernidade faz uma
transposição de esperanças transcendentais em expectativas imanentes. Aqui vem
á tona toda a sua fragilidade, marcada por certa culpa cultural. O seqüestro
ideológico da secularização, de certo modo, consiste no fato de atribuir-se a
si mesma a chave de interpretação do moderno, renunciado a seu substrato
teológico.
4. A
modernidade: ruptura com a tradição
A modernidade colocou as
premissas de uma mudança radical no que diz respeito aos esquemas de
interpretação da história. Dentre estas premissas vale a pena ressaltar: a
ruptura com a tradição cristão-metafísica; emancipação do sujeito como centro
do conhecimento dos objetos; a idéia de que a religião deve ser movida pela
razão; ontologia da liberdade; auto-afirmação do humano (iluminismo);
rompimento com o passado no que se refere à verdade e à realidade das coisas.
A modernidade pode ser
considerada como a época da imagem unitária do mundo. A pós-modernidade
representa a desobrigação de tal imagem. Isto não quer dizer, porém, que o
pós-moderno represente a intenção inacabada da modernidade.
5.
Metafísica e história do ser
Tradicionalmente, a metafísica
se limita em procurar um ente sobre o qual é possível fundar os outros. Se não
elabora o problema do nada, não elabora autenticamente o problema do ser.
Trata-se de um esquecimento do ser, já que para
elaborar autenticamente o problema do ser, deve-se levar a sério a questão do
nada, uma vez que o problema do ser é movido pelo problema do nada. Por outro
lado, o esquecimento do ser é algo que incube ao ser como tal. Na medida em que
não somos outra coisa senão a abertura ao ser do ente – a metafísica que é o
abrir-se ao ente esquecendo o ser – é a nossa própria essência. A metafísica é,
portanto, a história do ser.
Existe uma conexão entre
vontade de poder e eterno retorno do igual.
Segundo Heidegger, a filosofia
de Nietzsche é o fim da metafísica enquanto retorna ao início do pensamento
grego. Mas em que medida? Na medida em que Nietzsche afirma que o ente é alguma
coisa tornada fixa – estabile--, e que é
no ato criado – devenir --, sendo e tornando-se é. A transformação de devenir
em ente é a suprema vontade de potência. Neste sentido a vontade de potência se
faz valer na sua essência no modo mais puro. A transformação do devenir em ente
– a vontade de poder na sua forma mais suprema – é, na sua essência mais
profunda, eterno retorno do igual.
Dionísio torna-se, para Nietzsche,
a síntese na qual se pode colocar junto à vontade de poder e eterno retorno do
igual. A filosofia de Nietzsche consiste num platonismo fracassado. O
essencial, no entanto, permanece, já que Nietzsche com seu pensamento
metafísico retorna ao início, o círculo se fecha, faz valer-se não do início,
mas se coloca em silêncio. Não permitindo uma via livre, a nenhuma
possibilidade de perguntar em modo essencial a pergunta guia. A metafísica, a
tratação da pergunta guia está no fim, porque a posição metafísica de fundo de Nietzsche
é, num sentido ilustrado, o fim da metafísica, onde atua num profundo
recolhimento, isto é, o complemento de todas as posições de fundo da filosofia
ocidental desde Platão até hoje.
A posição metafísica de
Nietzsche, caracterizada por ele mesmo, e que caracteriza a filosofia é aquela
que podemos denominar de amor-fati, ou seja, amar pela necessidade. Por amor, é
entendida vontade que a coisa amada seja na sua essência isso que é. Fatum –
necessidade , entende-se não como uma fatalidade arbitrária, mas como um
retorno à necessidade que se revela, no colhimento do momento presente. Amor-fati
consistirá, portanto naquela vontade transfigurada de pertencer a isto que do
ente é maximamente ente. Este saber não é outro que um sofrer que palpita
naquele amar dionisíaco.
Heidegger aponta uma
necessidade da destruição da história da ontologia, e considera que a concepção
do ser como simples presença é infundada. Atesta que a metafísica é co-natural
ao próprio estar-aí do homem, já que, a fim de conhecer o ente, faz-se
necessária uma compreensão preliminar do ser do ente – “o projeto” – pelo qual
o ente chega a ser, aparecendo na
presença. O Dasein, ao compreender o ser, vai sempre mais além do ente como
tal. Este entendimento leva Heidegger a enfatizar que a metafísica nada mais é
do que o pensamento ocidental que falhou no entendimento da transcendência
constitutiva do Dasein, ao colocar o ser no mesmo plano do ente.
Na tradição da filosofia
ocidental, o ser é imaginado erroneamente como uma característica comum de
todos os entes. Assim como os entes são concebidos como simples presença, do
mesmo modo também o é o ser. O entendimento diferencial do ser do ente e do
próprio ente se dá, então, de modo derivado. Quer dizer, a metafísica estuda o
ser que tem existência inautêntica – de modo que para alcançar o ente, deve-se
esquecer o ser.
Para Heidegger, refletir sobre
a metafísica implica refletir sobre as condições de possibilidade do ser
lançado no mundo, herdeiro de certa tradição histórica e de certa linguagem. No
que se refere à metafísica, três questões são capitais e necessitam ser
investigadas: o problema do fundamento (ligado á diferença ontológica); o
problema do nada; e o problema da verdade.
CAPÍTULO
III
METAMORFOSE
DA RAZÃO
1.
O
sujeito e a máscara
Uma possível saída é aquela de
assumir-se como peregrino da história que percebe que a natureza dos motivos
sociais mascara a vida e a verdade, num exercício de autocontrole do erro e da
mentira. O viajante da história deve, portanto, liberta-se da sombra do dever
da verdade, somente assim, poderá estar disponível ao evento da verdade, fora
das estruturas da moral e da metafísica. É então que se poderá ousar o
desmascaramento, despedindo-se libertando-se do passado. Consciente que o
desmascaramento sabe de antemão ser algo maior que a pretensão da “verdade” e
reconhece sem angústia moralista que se mente sempre. A hermenêutica do
desmascaramento afronta diretamente a essência autocontraditória da
moral. É verdade que a moral, na sua intencionalidade, é uma justificação
racional do social, porém, é verdade também que tal educação moral não
representa outra coisa que uma máscara, cuja insuficiência se verifica na
inconsistência das funções ou metáforas sociais da verdade.
Segundo Gianni Vattimo: “ na
prática, toda a metafísica é uma necessidade de referimento às noções últimas,
além da quais não se vai, e que explicam, justificam, em síntese colocam o
sujeito em possuidor da situação, reporta a esta originária busca de
segurança”.
A metafísica, segundo esta
abordagem, nasce de uma situação originária de precariedade e indigência, mas
que em conseqüência permite ao homem pilotar a existência com certa margem de
segurança. Por outro lado, o preço a ser pago é a violência do ato metafísico
que se fecha para outras possíveis interpretações. Novamente se coloca aqui a
falha da metafísica, uma vez que está não “coloca á disposição do indivíduo singular
a estrutura total de seu ser.
2.
Uma nova prospectiva hermenêutica:
a dança de Dioniso
É exatamente a provisoriedade que conduz o
viajante da história a uma consciência diferente diante da necessidade de
segurança metafísica, mesmo se uma má consciência intui que a liberdade é
condição da existência. A violência metafísica e a pressão ética imobilizaram o
princípio do prazer, neste particular, urge liberta-se dos “tiranos do
espírito” para tornar-se “aeronautas do espírito”. “Na verdade, segundo
Nietzsche, se se quer submeter a uma análise científica, ou mesmo conhecer e
explicar as ações do homem, se deve podê-las reduzir todas a um único
princípio, que é aquele de se preocupar o prazer.
Para Nietzsche é exatamente aquele resíduo
dionisíaco presente na experiência estética, um messianismo novo que se de um
lado enfraquece o simples valor consolatório da arte, na qualidade de cobertura
da insuportável verdade da vida, por outro lado, indica o espaço a conquistar.
A aurora verdadeira do desmascaramento ético-religioso se dá na salvação do
simbólico, em virtude da qual haverá o esplendor da plenitude salvífica do
meio-dia zarathustriano.
A alegoria profética de Zarathustra
representa a antecipação de um modo hermenêutico que se percebe como
interpretação de eventos que não precisam mais de cânones e regras. É um
interpretar que se deixa dizer no conflito interpretativo e na trans-figuração
das formas. Sua peculiaridade é transcrição do niilismo como provisória
instituição do eterno retorno e a “progressiva negação de todos os valores,
significados, critérios, sobre os quais a metafísica e a moral tradicional se
fundavam”.
Zarathustra é o homem livre de espírito, o
portador do pensamento genealógico. Ele testemunha que o positivo do niilismo é
colocar em evidência o eterno retorno; é o pensamento da hermenêutica do
interminável. Zarathustra é o instrutor de uma imortalidade generante que
excede os significados no que diz respeito á fatalidade do sentido. A
existência é redefinida, não mais pela sua duração, mas pela intensidade do instante
que o amor da vida torna qualitativamente eterno, porque re-naturaliza o homem
nos ritmos de uma ciclicidade aberta.
Á vontade de potência, portanto, se exprime
na decisão pelo momento, cuja imensidade produz “uma humanidade capaz de querer
a repetição, capaz de não viver mais o tempo de modo angustiado, como tensão em
direção a um cumprimento sempre por vir”. E acrescenta Váttimo: “somente se o
momento que o homem vive é imenso, isto é, engloba em si todo o seu
significado, sem algum referimento transcendente, somente com este pacto se
pode querer viver sempre de novo. O amor da vida, da qual fala a conclusão, é a
mesma coisa: o homem que pode querer o eterno retorno é o homem feliz, aquele a
quem a vida deu momentos “imensos” no sentido que se é dito, como coincidência
de existência e significado”.
3.
Uma
nova Koiné hermenêutica
O verdadeiro problema, ainda
hoje, de Koiné hermenêutica: o de acertar contas radicalmente com a
historicidade e finitude da pré-compreensão. O que reduz a hermenêutica à
genérica filosofia da cultura é a pretensão de toda metafísica de apresentar-se
como uma descrição finalmente verdadeira da “estrutura interpretativa” da
existência humana. A hermenêutica não é apenas uma teoria da historicidade da
verdade; é ela mesma uma verdade radicalmente histórica.
As razões para preferira uma
concepção hermenêutica a uma concepção metafísica estão na herança para a qual
arriscamos uma interpretação e à qual damos uma resposta. O exemplo mais claro
para este modo de argumentar é o anúncio nietzschiano da morte de Deus, que não
é um modo de exprimir poeticamente, em “imagens”, uma “tese” metafísica.
Nietzsche não pretendia dizer que Deus está morto porque nós estamos,
finalmente, de acordo que “objetivamente não existe”, mas que a realidade é
feita de modo a excluí-lo.
O Deus da metafísica foi
necessário para que a humanidade organizasse uma vida social ordenada, segura e
não exposta continuamente às ameaças da natureza – combatidas vitoriosamente com um trabalho social
hierárquico ordenado – e das pulsões internas, domadas por uma moral sancionada
religiosamente, mas hoje, que esta obra de asseguramento está, ainda que
relativamente concluída, e vivemos em um mundo social formalmente ordenado,
dispondo de uma ciência e de uma técnica que nos permitem estar no mundo sem o
terror do homem primitivo, Deus aparece como uma hipótese muito distante,
bárbara, excessiva; e, além do mais, aquele Deus que funcionou como princípio
de estabilização e segurança e também aquele que sempre proibiu a mentira.
A evocação do anúncio
nietzschiano nos aproxima também de temática do niilismo. Se a hermenêutica,
como teoria filosófica de caráter interpretativo de toda experiência da
verdade, se pensa coerentemente como nada mais que uma interpretação, não se
encontrará inelutavelmente presa na lógica niilista, que é própria da
hermenêutica de Nietzsche? Em outros termos: não parece possível “experimentar”
a verdade da hermenêutica a não ser apresentado-a como resposta a uma história
do ser interpretada como acontecer do niilismo.
Nietzsche tinha feito a relação
entre a teoria da interpretação e o niilismo. Niilismo significa em Nietzsche a
“desvalorização dos valores supremos” e a fabulação do mundo, não existem
fatos, só interpretação. Até agora os filósofos acreditaram em descrever o
mundo, é chegado o momento de interpretá-lo.
CAPÍTULO
IV
AVENTURA
PÓS-MODERNA
1. A pós-modernidade como fratura e distância da modernidade
Embora os limites e ambigüidades, diferente daquela áurea dramática
apregoada por alguns autores, o termo “pós-moderno” quer na verdade evidenciar
dentro da modernidade a verificação de uma crise. Como bem mostra Fornero: “uma
radical mudança de paradigma no modo de conceber a realidade. Uma mudança na
qual tenderia a reconhecer-se o homem tardo-moderno, no seu esforço de dar um
nome e um rosto à especificidade da própria condição e ao difuso sentido de
“estranheza” ou de “distância” das idéias-força dos últimos séculos. Na tese de
Iñaki Urdanibia “a pós-modernidade é o folclore da sociedade pós-industrial”,
uma consciência que tem cada vez mais presente que as coisas não funcionam mais
como antes. Aqui se coloca novamente a dificuldade de definir a própria
modernidade. Uma vez que para uns a modernidade é um projeto morto, já para os
outros está esgotada, enquanto para outros ainda se trata de um projeto
inacabado.
Fala-se da pós-modernidade
como um movimento de desconstrução e desmascaramento da razão ilustrada como
resposta ao projeto modernista e seu conseqüente fracasso. Esta desconstrução
quer, na verdade, expressar um rechaço ontológico da filosofia ocidental e
também uma espécie de obsessão epistemológica com os fragmentos e fraturas.
2.
A
pergunta pelo sentido da história
A pergunta sobre o sentido
da história vem acompanhada pela questão do sujeito. A modernidade postula a
convicção da subjetividade como lugar e horizonte de acesso ao real. É
importante, porém, salientar que existe uma inadequação entre projetos teóricos
do sujeito e sua realização histórica. O efeito disto será o rompimento com
aquela presunçosa concepção do homem como criador de história, dissolvendo-se
nas máscaras de uma não-identidade. O princípio da subjetividade “se traduz ma
perda da visão unitária do mundo que no sujeito encontrava o princípio da
própria unidade”.
O que acontece na verdade é
uma mudança de paradigma que tem a ver com o colapso da razão e
consequentemente com a crise do sujeito; ambos princípios fundamentais da
modernidade. Mais do que a crise, porém, poder-se-ia falar de metamorfose.
Trata-se de uma metamorfose entendida como busca de construção de sentido. “A
grande narração” (Lyotard) iluminista, idealista e historicista dá lugar a um
pós-moderno de muitas narrações , de processos e mudanças históricas.
Utilizando uma expressão de Volpi: “não há nem sagrado nem profano, nem bem nem
mal, nem racional, nem direita nem esquerda: os blocos compactos e
transparentes da ortodoxia foram corroídos, e é bom que seja assim”.
O pós-moderno se apresenta a
nós como uma espécie de “sistema do não-sistema”. É um pensamento que pretende
ultrapassar a homogeneização de razões absolutas e dos regimes totalitários.
O primeiro elemento que emerge é a crise da história e o referimento ao
transcendente. Para a modernidade, “êxito” é a única coisa que conta na
história e se constitui como o “verdadeiro Deus” radicalmente secularizado. Na
pretensão de se identificar ideal e real ordem rationis. Bruno Forte constata
que a equação entre ideal e real, incrementa o homem na sua ambição de
reconduzir o mundo a si e, ao mesmo tempo, cria um fracasso dos projetos
totalitários e historicamente ideológicos. Dentro deste contexto o sentido da
história se transforma na “historicidade dura e violenta”.
O esgotamento do sentir moderno com relação à história reabre a questão da consciência histórica entendida segundo uma concepção gadameriana como horizonte, quer dizer, a história na sua contingência e finitude.
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