sexta-feira, 8 de setembro de 2023

EVILÁZIO BORGES TEIXEIRA, AVENTURA PÓS MODERNA E SUA SOMBRA

 

 


Síntese: Paolo Cugini

 

INTRODUÇÃO

 

   Os motivos principais pelos quais Nietzsche e Heidegger são considerados os “pais” do pensamento pós-moderno tem a ver, sobretudo, com o fato de que, para ambos, desaparece a idéia de fundamento, que foi essencial ao longo da história ocidental. O debate filosófico possui hoje ao menos um ponto de convergência: não se da uma fundação única, ultima, normativa. A crise de fundamentos, porém, não é uma “boa verdade”, ou seja, por um fundamento valido ou, pelo menos, mais adequado. Aqui se coloca a importância de uma hermenêutica continuada como pensamento da diferença em relação a pretensão metafísica de dar conta da compreensão da realidade.

 

   Em Heidegger, por exemplo, o fundamento é substituído pelo vento (Ereignis). Em Heidegger e Nietzsche, portanto, a idéia de uma historia como processo unitário se dissolve, ocasionando a debilitação do ser. O conceito no qual sintetizam a esta debilitação se resume no pós da pós-modernidade e tem a ver com o conceito heideggeriano de convalescença(Verwindung). Para Heidegger pensar é rememorar; realizar-se na confrontação da herança do pensamento do passado com a pietas como devoção-respeito. Esta pietas se dá, porem, quando se despoja daquelas características metafísicas que a faziam como tal. Não se trata de fazer “arqueologia filosófica”, mas sim de pensar o não pensado: o ser, e a pertença existente entre o homem e o ser. Trata-se de um salto em direção a algo diferente.

 

 

                                     Capitulo I

 

UMA LEITURA FILOSÓFICA DA REALIDADE CONTEMPORÂNEA

 

                      1-A modernidade em crise

 

   De qualquer modo Lyotard postula a idéia de que a modernidade seja outra coisa: “Refiro-me a uma tradição,aquela da  modernidade. Esta  última não é uma época, mais  sim um modo  (assim como sublinha a tradição latina do termo), próprio do pensamento ,da enunciação , da sensibilidade”. As idéias modernas não consistem somente no surgimento de idéias novas, mas de uma práxis. Dentre os elementos sociais e culturais que fazem parte da modernidade , podemos evidenciar dois: a explosão da burguesia e o desenvolvimento da ciência experimental.

Para Descartes, o mundo é exclusivamente quantificado,  matematizado, e não se encontra nada que não tenha a ver com esta matemática. “  A  matemática torna-se fundamento de toda a física.

 

     Segundo Carmelo Dtolo: “Ao lado da expressão modernidade ou idade moderna, se junta um corolário terminológico: palavras como crise, emancipação, fratura da tradição, progresso, revolução assumem os contornos de conceitos-horizonte indicativos de uma transmutação em ato de uma progressiva autoconsciência”. Nesta mesma linha vai o pensamento de Habermas quando afirma que, junto com a expressão de idade moderna ou nova, nasce também o conceito de revolução, progresso, emancipação, desenvolvimento, crise, espírito de tempo. A modernidade não pode nem quer mudar os próprios critérios de orientação de modelos de uma outra época, mas busca atingir a sua própria norma por si mesma.

   Os três grandes eventos do século XVI, como a descoberta do mundo novo, o Renascimento e a Reforma, constituem-se como um momento preliminar da descoberta do proprium da modernidade, porque estes eventos instauram uma crise que acompanha o cenário cósmico-antropológico precedente. A crise, na verdade, é uma espécie de sobejo dos fatos e interpretações que se tornaram precárias diante das soluções precedentes. Ela imprime uma mudança de paradigma que vai além de uma dimensão territorial histórica de um período (no caso do século XVI ou mesmo dos iluministas) para se tornar uma “consciência” da diferença em relação ao passado.

 

 A modernidade pode ser entendida como  uma   contínua e progressiva  conquista de uma consciência crítica que o espírito humano alcança no dever-se liberar da escravidão do passado para abrir-se à descoberta de uma nova e racional verdade.

 

    Com a crescente mecanização da vida hodierna, com o desenvolvimento tecnológico abrindo inúmeras oportunidades de construir o próprio conhecimento, aprofunda-se a crise do humanismo. Em Heidegger, o avanço da técnica traz em seu movimento a profunda e constante desumanização do homem. Este, porém, pode dar passos significativos para fazer frente a este processo de aniquilamento, Segundo Vattimo, esta constante capacidade da técnica de se elevar além do homem provoca também uma reação colateral no próprio ser humano.

 

     Para Lyotard, na sociedade hodierna, o saber é produzido para ser  vendido e consumido para ser valorizado num novo tipo de produção, em ambos os casos, para ser negociado. Não é mais um fim em si mesmo, mas sim um valor de uso. A técnica, portanto, “pretende provocar a natureza para aduzir e produzir energia natural”.

 

 A razão científica atual aspira ao inteligível tanto quanto almejava a razão clássica, somente que o inteligível é outro. Para os antigos, o inteligível é a forma da qual participa o sensível; para os modernos, o inteligível consiste no sensível que responderia ao projeto da ciência. Para os antigos, a razão, primeiramente, era uma mediação entre o inteligível e o sensível, em seguida, buscaram distanciar-se do sensível para chegar ao inteligível, de modo que este último se tornaste presente á razão do mesmo modo que o sensível aos sentidos. A consciência moderna é projetiva, não conhece tal norma do objeto. Seguindo o modelo de Kuhn, a razão moderna é uma estrutura operativa; medeia dois estados sucessivos do mundo: aquele que é ainda opaco e aquele que um dia será inteligível.

 

    O projeto iluminista vê no pensamento uma via emancipadora por meio da liberdade do sujeito individual. A ciência é fruto do conteúdo e do método deste pensamento.

 

      O homem ocidental construiu o próprio mundo por meio da técnica e da manipulação tornam-se passivas; privadas de independência  consistência própria, em outras palavras: privadas de “ser”. A atitude diante das coisas e do mundo leva o homem a tornar-se ele mesmo mercadoria.

 

   Na modernidade, acentua-se a separação entre teologia e filosofia, onde a Segunda ostenta o primado sobre a primeira. A filosofia assume o desenvolvimento do conceito de pessoa, seja no interior do conceito de Deus como da antropologia. Este acento antropológico vai conduzir a uma compreensão de pessoa que se orienta quase exclusivamente à autoconsciência, à liberdade e à dignidade do indivíduo. O “eu” como centro e ponto de partida e da cristalização do conhecimento teórico da realidade. Ou seja, o sujeito se autodetermina no que diz a respeito á relação de dependência com os outros.

 

   O mundo vem entendido como o mundo do homem que se coloca no centro. Dessa perspectiva se coloca o pensamento de René Descartes, que é uma espécie de reflexo da imagem nominalista de Deus. Para Descartes, o homem como res cogitans , na qualidade de sujeito livre, coloca-se de fronte ao mundo – a todo o resto – que és res extensa, objetos organizados unicamente por estruturas matemáticas.

 

   A construção do mundo a partir do eu torna-se o princípio unificador da idade moderna.

 

    A conseqüência desse modo de pensar é que o mundo perde de per si uma forma espiritual perceptível. O mundo torna-se uma espécie de cova de pedra, caracterizado por circunstâncias mecânico-causais, a partir das quais o sujeito autônomo e livre cria o próprio mundo.

 

      A linha Kantiana está interessada principalmente em colher as condições transcendentais de possibilidade do conhecimento, de modo mais genérico da racionalidade, e,, portanto, esta linha se encarna em todas as filosofias que concentram a sua atenção sobre a lógica, a epistemologia, as formas do saber científico, e mesmo do agir ético com intento de individualizar os traços universais e estáveis. A linha hegeliana, ao contrário, segue uma tendência filosófica que olha principalmente o ser humano concreto, onde o centro da atenção se concentra na historicidade dos saberes e mesmo da filosofia. Está em busca da escuta de uma “história-destino” do ser, e neste caso, pode-se fazer referimento a Heidegger e seus seguidores.

 

    Como nota A. Masullo: “A razão, como estrutura necessária universal do pensamento, é o grande princípio, sobre qual o iluminismo Kantiano se fundamenta pra mostrar que o homem se ergue acima de si mesmo, acima de seu ser um pedaço da máquina natural e, portanto, simples instrumento de instrumento, e afrontar assim a devastação niilista que o racionalismo moderno porta dentro de si”.

 

    A passagem de uma concepção do mundo na qualidade de trama especular do divino para o conflito interpretativo do homem é mais complexa que a hipótese relativa á centralização do sujeito, já que, devido ao acento geométrico do real, muda o centro de gravidade do princípio de interioridade até se chegar, segundo Brun, à mort de l’intériorite. Surge a dissensão da identidade do homem que, agora, se compreende não mais a partir da concentração da alma sobre si mesma, qual fundação da individualidade do sujeito. Neste sentido, a morte da interioridade conduz a uma diversa source of the self, construída a partir do impessoal da terceira pessoa, na qual paradoxamente, faz desvanecer a subjetividade que pretende sustentar; até o ponto de um deslocamento gradual no subjetivismo pelo qual a mimesis da realidade é concebida a partir da autodescoberta de si.

 

    O sujeito se concebe e se pensa dotado de um poder infinito de gestão do real, que é expressa na exasperação da transformação do mundo. Este procedimento, no entanto, não é outra coisa que o outro lado da moeda daquilo que se pode denominar “paradoxo do eu”, que agora deve prestar contas com a complexidade da experiência privada do seu fundamento.

 

 

CAPITULO II

 

A PERDA DO FUNDAMENTO

 

 

1.                      A crise do conceito do ser

 

 

  A crise da subjetividade em Nietzsche é o anúncio da “morte de Deus”.

 

  Nietzsche é emblemático no aforismo 361 da Gaia ciência, onde expressa a sua inquietação em relação em relação ao problema do ator e delineia uma filosofia da cultura como produção de “mentiras”, como sistema de conceitos e valores que não possuem nenhuma legitimação. A descoberta da mentira, ou do “sonho”, não significa que se possa deixar de mentir e de sonhar, mas quer dizer que se deve sonhar sabendo que se está sonhando.

 

2.                      O homem como projeto jogado no mundo –ser aí

 

Ao definir o homem como cuidado,  Heidegger pratica a exclusão do mundo teológico e a inclusão do mundo natural de sua filosofia. É assim que o filósofo liquida com a definição  metafísica do homem, o homem  apenas referido na auto-reflexão. A auto-reflexão surge com o fato de ser- no-mundo. O homem não é mais exterior a si mesmo como observador. Está referido a si como tarefa de ser.

 

Este encurtamento hermenêutico, praticado para fins da analítica existencial e que conduzir à interpretação do ser do estar-aí como cuidado, representa a ruptura mais drástica do filósofo com a tradição metafísica. A alegoria do cuidado abordado por Heidegger pretende fazer uma descrição do homem colocado no mundo, como ser-jogado e como ser-para-a-morte, diante de uma tarefa finita, na já está empenhando desde sempre como cuidado.

 

  O homem como cuidado recebe o seu sentido no horizonte da temporalidade. Essa temporalidade é constitutiva do cuidado, de tal modo que a estrutura do estar-aí como ser-no-mundo, que é pensada de maneira totalizadora a partir do cuidado, articula seu sentido pleno como finitude, isto é, temporalidade. A tríplice estrutura da temporalidade. A tríplice estrutura da temporalidade. As duas estruturas se determinam reciprocamente; desse modo não há o estar- aí como cuidado sem determinação da temporalidade, e a tríplice estrutura da temporalidade se constitui a partir da dimensão tríplice do cuidado. Na alegoria do cuidado é Saturno, o deus do tempo, que se converte em instância mediadora. É guiado pel0o o fio do tempo que Heidegger critica, dizendo que à metafísica falta o conceito de tempo que se liga ao homem. A metafísica não sabe o que é o homem, porque a metafísica não sabe o que é o tempo.  

  

 O homem está em constante figura de si mesmo; assim como o Cuidado à margem do rio, o estar-aí sabe quem ele é. Mas este saber não é um saber teórico: é própria condição de estar no mundo que lhe dá a experiência de sua condição.

 

  Enquanto busca compreender-se, saber seu nome, lidar com os objetos, ele compreende como totalidade. Mas é uma totalidade que nunca se dá plenamente: o poder-se total do homem é apenas possível pela antecipação do seu ser-para-a-morte, mas quem decide sua totalidade é a condição da temporalidade. A temporalidade é o sentido do Cuidado que é ser do estar-aí. Na alegoria do cuidado, ´´é o tempo que decide que o Cuidado possuirá a sua sombra, que é ele mesmo.

 

    O problema da morte está relacionado com o cuidado e a angustia. “Ser para a morte” faz parte do conjunto da existência. A morte se nos apresenta primeiro por da experiência dos outros. É uma realidade fundamental e cada deve morrer com sua própria morte. A totalidade de nossa existência, com a morte chega ao fim. A morte para nós não é como perfeição de um fruto maduro, mas a cessão, quando chega fim. “Desde que o homem nasce, é suficientemente velho para morrer” (Bohme).O Desein é um perder-se, uma possibilidade que se antecipa, ainda que existia em sua facticidade como caído e lançado no mundo. A possibilidade mais eminente e enraizado em nosso ser é de morrer. O caráter antecipado do Desein diz que a morte já está presente. A morte está sempre à espreita do existente humano, que está sempre correndo para a morte. A morte é a possibilidade mais peculiar e insuperável de nossa existência, também a mais certa e indeterminada. A morte rompe todas as nossas ligações com o mundo. A possibilidade ontológica da morte, também se funde no cuidado “precaução – cautela” como expressão do nosso ser projetado mais para frente, lançado para as suas possibilidades. A morte é a nossa mais genuína possibilidade. A angústia revela que somos um ser jogado no mundo para morrer. O Dasein, pois, deve ser definido como “ser para a morte”. Erradamente (existência inautêntica), a morte é vista sempre como um acidente, que acontece aos outros, algo indeterminado que um dia há de chegar. A vida cotidiana é um constante da morte, que é sempre dos outros. A existência autentica consiste em aceitar o fato do ser-para-a-morte como nossa possibilidade mais radical, que reveste um caráter de espera. Nisto, o Dasein reconhece sua liberdade de ilusão de viver perdido no cotidiano. Enfrenta-se com uma apaixonada e uma angustiante liberdade para a morte. Esta liberdade possibilita escolher duas atitudes em relação à morte, aceitação ou destruição.

 

    A alegoria do Cuidado representa a dramaturgia da existência: pobre Demiurgo que apenas se faz para esquecer o que é feito, e feito para a morte. É o drama do novo homem que esquece da totalidade em se espelha constantemente para apenas reter a forma que se  dá no presente. A angústia da fenomenologia existencial representa o estado de ânimo fundamental do estar-aí em fuga de se mesmo, precisamente por  ter de se a se mesmo e ao mesmo tempo saber que já está jogado e é um projeto finito.

 

    A meditação de Heidegger, embora em termos diversos, segue o itinerário do desmascaramento do sujeito metafísico e da dissolução do ser como fundamento, do niilismo presente  na reflexão nietzscheana sobre o sujeito.

 

    Aqui, está presente, de modo especial, nos textos do último Heidegger, a afirmação do ser como evento; quer dizer que o ser não é, mas acontece, se dá. Aqui, segundo a hipótese vattimiana, se pode denominar o “ niilismo” de Heidegger.

 

    A inviabilidade de um fundamento na direção de uma ontologia niilista é o que aproxima Nietzsche e Heidegger. Somente que, para Heidegger, isto acontece  não em conseqüência de um mero movimento de conceitos, mas devido a transformação mais gerais que têm a ver com a técnica moderna e a sua racionalização do mundo. “ A racionalização e organização do trabalho social e o desenvolvimento da ciência-técnica, que  foram possíveis graças a uma visão religioso-metafísico do mundo, tornaram supérflua esta crença, e isto também é niilismo. Destino da subjetividade e dissolução niilista do ser se cruzam entre si e com a história da racionalização técnico-científica do mundo.”

 

    “ A metafísica realizada”, portanto, diz respeito ao mundo da total organização técnica do ente, onde o pensamento dedica-se inteiramente à tarefa do domínio técnico do mundo. Talvez o termo mais apropriado fosse aquele de Ge-Stell, traduzido por “imposição”, empregado por Heidegger em sua obra identidade e diferença. “Ge- Stell é o mundo da produção planificada, que o nosso conhecimento, entendido como representação, serve e no qual o homem é continuamente interpelado num processo de ordenações que impõem uma caça contínua às coisas para constituir reservas, fundos, em vista de um sempre posterior desenvolvimento da produção. Uma organização técnica do mundo inviabiliza, seja o ser como fundamento, seja a estrutura hierárquica, dominada pela autoconsciência da subjetividade.

 

3.          A secularização: metáfora da modernidade?

 

 

    A secularização pretende designar a maturidade do homem capaz de dar conta da própria vida e da forma  e andamento do mundo. Conforme adverte Giuseppe de Rosa, secularização indica um fenômeno histórico particular, em virtude do qual o homem põe sempre com mais vigor o acento sobre a realidade mundana. Neste sentido, referente a este termo, pode-se falar tanto de um aspecto positivo como negativo. O elemento positivo diz respeito ao fato de que a secularização reconhece na realidade mundana – política, economia, cultura, ciência – uma autonomia e um valor próprio independentemente da religião. O aspecto negativo implica que o reconhecimento do valor e da autonomia da realidade mundana vem acompanhando com a luta contra a religião. Um esforço sempre maior para distanciar-se da religião e manter a liberdade conquistada.

 

   A modernidade nasce de uma concepção de história que encontra na figura do progresso (Fortschritt) o ponto culminante da secularização.

 

    Pode-se falar de duas concepções de secularização. Uma primeira pode ser entendida ad intra do cristianismo, como horizonte de uma expectativa voltada ao futuro e condição de possibilidade da filosofia da história marcada pela idéia de progresso. Uma segunda que refuta a secularização como oposição ao dado cristão, porque o progresso assume a posição da Providência e, portanto, livre de hipotecas teológicas.

 

    A modernidade faz uma transposição de esperanças transcendentais em expectativas imanentes. Aqui vem á tona toda a sua fragilidade, marcada por certa culpa cultural. O seqüestro ideológico da secularização, de certo modo, consiste no fato de atribuir-se a si mesma a chave de interpretação do moderno, renunciado a seu substrato teológico.

 

4. A modernidade: ruptura com a tradição

 

  A modernidade colocou as premissas de uma mudança radical no que diz respeito aos esquemas de interpretação da história. Dentre estas premissas vale a pena ressaltar: a ruptura com a tradição cristão-metafísica; emancipação do sujeito como centro do conhecimento dos objetos; a idéia de que a religião deve ser movida pela razão; ontologia da liberdade; auto-afirmação do humano (iluminismo); rompimento com o passado no que se refere à verdade e à realidade das coisas.

 

   A modernidade pode ser considerada como a época da imagem unitária do mundo. A pós-modernidade representa a desobrigação de tal imagem. Isto não quer dizer, porém, que o pós-moderno represente a intenção inacabada da modernidade.

 

5. Metafísica e história do ser

 

   Tradicionalmente, a metafísica se limita em procurar um ente sobre o qual é possível fundar os outros. Se não elabora o problema do nada, não elabora autenticamente o problema do ser.

 

    Trata-se  de um esquecimento do ser, já que para elaborar autenticamente o problema do ser, deve-se levar a sério a questão do nada, uma vez que o problema do ser é movido pelo problema do nada. Por outro lado, o esquecimento do ser é algo que incube ao ser como tal. Na medida em que não somos outra coisa senão a abertura ao ser do ente – a metafísica que é o abrir-se ao ente esquecendo o ser – é a nossa própria essência. A metafísica é, portanto, a história do ser.

 

   Existe uma conexão entre vontade de poder e eterno retorno do igual.

  Segundo Heidegger, a filosofia de Nietzsche é o fim da metafísica enquanto retorna ao início do pensamento grego. Mas em que medida? Na medida em que Nietzsche afirma que o ente é alguma coisa tornada fixa – estabile--, e que  é no ato criado – devenir --, sendo e tornando-se é. A transformação de devenir em ente é a suprema vontade de potência. Neste sentido a vontade de potência se faz valer na sua essência no modo mais puro. A transformação do devenir em ente – a vontade de poder na sua forma mais suprema – é, na sua essência mais profunda, eterno retorno do igual.

 

   Dionísio torna-se, para Nietzsche, a síntese na qual se pode colocar junto à vontade de poder e eterno retorno do igual. A filosofia de Nietzsche consiste num platonismo fracassado. O essencial, no entanto, permanece, já que Nietzsche com seu pensamento metafísico retorna ao início, o círculo se fecha, faz valer-se não do início, mas se coloca em silêncio. Não permitindo uma via livre, a nenhuma possibilidade de perguntar em modo essencial a pergunta guia. A metafísica, a tratação da pergunta guia está no fim, porque a posição metafísica de fundo de Nietzsche é, num sentido ilustrado, o fim da metafísica, onde atua num profundo recolhimento, isto é, o complemento de todas as posições de fundo da filosofia ocidental desde Platão até hoje.

 

    A posição metafísica de Nietzsche, caracterizada por ele mesmo, e que caracteriza a filosofia é aquela que podemos denominar de amor-fati, ou seja, amar pela necessidade. Por amor, é entendida vontade que a coisa amada seja na sua essência isso que é. Fatum – necessidade , entende-se não como uma fatalidade arbitrária, mas como um retorno à necessidade que se revela, no colhimento do momento presente. Amor-fati consistirá, portanto naquela vontade transfigurada de pertencer a isto que do ente é maximamente ente. Este saber não é outro que um sofrer que palpita naquele amar dionisíaco.

 

  Heidegger aponta uma necessidade da destruição da história da ontologia, e considera que a concepção do ser como simples presença é infundada. Atesta que a metafísica é co-natural ao próprio estar-aí do homem, já que, a fim de conhecer o ente, faz-se necessária uma compreensão preliminar do ser do ente – “o projeto” – pelo qual o ente chega  a ser, aparecendo na presença. O Dasein, ao compreender o ser, vai sempre mais além do ente como tal. Este entendimento leva Heidegger a enfatizar que a metafísica nada mais é do que o pensamento ocidental que falhou no entendimento da transcendência constitutiva do Dasein, ao colocar o ser no mesmo plano do ente.

 

   Na tradição da filosofia ocidental, o ser é imaginado erroneamente como uma característica comum de todos os entes. Assim como os entes são concebidos como simples presença, do mesmo modo também o é o ser. O entendimento diferencial do ser do ente e do próprio ente se dá, então, de modo derivado. Quer dizer, a metafísica estuda o ser que tem existência inautêntica – de modo que para alcançar o ente, deve-se esquecer o ser.

 

  Para Heidegger, refletir sobre a metafísica implica refletir sobre as condições de possibilidade do ser lançado no mundo, herdeiro de certa tradição histórica e de certa linguagem. No que se refere à metafísica, três questões são capitais e necessitam ser investigadas: o problema do fundamento (ligado á diferença ontológica); o problema do nada; e o problema da verdade.

      

 

CAPÍTULO III

 

METAMORFOSE DA RAZÃO

 

1.                      O sujeito e a máscara

 

  Uma possível saída é aquela de assumir-se como peregrino da história que percebe que a natureza dos motivos sociais mascara a vida e a verdade, num exercício de autocontrole do erro e da mentira. O viajante da história deve, portanto, liberta-se da sombra do dever da verdade, somente assim, poderá estar disponível ao evento da verdade, fora das estruturas da moral e da metafísica. É então que se poderá ousar o desmascaramento, despedindo-se libertando-se do passado. Consciente que o desmascaramento sabe de antemão ser algo maior que a pretensão da “verdade” e reconhece sem angústia moralista que se mente sempre. A hermenêutica  do

desmascaramento afronta diretamente a essência autocontraditória da moral. É verdade que a moral, na sua intencionalidade, é uma justificação racional do social, porém, é verdade também que tal educação moral não representa outra coisa que uma máscara, cuja insuficiência se verifica na inconsistência das funções ou metáforas sociais da verdade.

 

   Segundo Gianni Vattimo: “ na prática, toda a metafísica é uma necessidade de referimento às noções últimas, além da quais não se vai, e que explicam, justificam, em síntese colocam o sujeito em possuidor da situação, reporta a esta originária busca de segurança”.

    A metafísica, segundo esta abordagem, nasce de uma situação originária de precariedade e indigência, mas que em conseqüência permite ao homem pilotar a existência com certa margem de segurança. Por outro lado, o preço a ser pago é a violência do ato metafísico que se fecha para outras possíveis interpretações. Novamente se coloca aqui a falha da metafísica, uma vez que está não “coloca á disposição do indivíduo singular a estrutura total de seu ser.

 

2.                      Uma nova prospectiva hermenêutica: a dança de Dioniso

 

    É exatamente a provisoriedade que conduz o viajante da história a uma consciência diferente diante da necessidade de segurança metafísica, mesmo se uma má consciência intui que a liberdade é condição da existência. A violência metafísica e a pressão ética imobilizaram o princípio do prazer, neste particular, urge liberta-se dos “tiranos do espírito” para tornar-se “aeronautas do espírito”. “Na verdade, segundo Nietzsche, se se quer submeter a uma análise científica, ou mesmo conhecer e explicar as ações do homem, se deve podê-las reduzir todas a um único princípio, que é aquele de se preocupar o prazer.

 

  Para Nietzsche é exatamente aquele resíduo dionisíaco presente na experiência estética, um messianismo novo que se de um lado enfraquece o simples valor consolatório da arte, na qualidade de cobertura da insuportável verdade da vida, por outro lado, indica o espaço a conquistar. A aurora verdadeira do desmascaramento ético-religioso se dá na salvação do simbólico, em virtude da qual haverá o esplendor da plenitude salvífica do meio-dia zarathustriano.

 

  A alegoria profética de Zarathustra representa a antecipação de um modo hermenêutico que se percebe como interpretação de eventos que não precisam mais de cânones e regras. É um interpretar que se deixa dizer no conflito interpretativo e na trans-figuração das formas. Sua peculiaridade é transcrição do niilismo como provisória instituição do eterno retorno e a “progressiva negação de todos os valores, significados, critérios, sobre os quais a metafísica e a moral tradicional se fundavam”.

 

  Zarathustra é o homem livre de espírito, o portador do pensamento genealógico. Ele testemunha que o positivo do niilismo é colocar em evidência o eterno retorno; é o pensamento da hermenêutica do interminável. Zarathustra é o instrutor de uma imortalidade generante que excede os significados no que diz respeito á fatalidade do sentido. A existência é redefinida, não mais pela sua duração, mas pela intensidade do instante que o amor da vida torna qualitativamente eterno, porque re-naturaliza o homem nos ritmos de uma ciclicidade aberta.

 

  Á vontade de potência, portanto, se exprime na decisão pelo momento, cuja imensidade produz “uma humanidade capaz de querer a repetição, capaz de não viver mais o tempo de modo angustiado, como tensão em direção a um cumprimento sempre por vir”. E acrescenta Váttimo: “somente se o momento que o homem vive é imenso, isto é, engloba em si todo o seu significado, sem algum referimento transcendente, somente com este pacto se pode querer viver sempre de novo. O amor da vida, da qual fala a conclusão, é a mesma coisa: o homem que pode querer o eterno retorno é o homem feliz, aquele a quem a vida deu momentos “imensos” no sentido que se é dito, como coincidência de existência e significado”.

 

3.                      Uma nova Koiné hermenêutica

 

 O verdadeiro problema, ainda hoje, de Koiné hermenêutica: o de acertar contas radicalmente com a historicidade e finitude da pré-compreensão. O que reduz a hermenêutica à genérica filosofia da cultura é a pretensão de toda metafísica de apresentar-se como uma descrição finalmente verdadeira da “estrutura interpretativa” da existência humana. A hermenêutica não é apenas uma teoria da historicidade da verdade; é ela mesma uma verdade radicalmente histórica.

 

  As razões para preferira uma concepção hermenêutica a uma concepção metafísica estão na herança para a qual arriscamos uma interpretação e à qual damos uma resposta. O exemplo mais claro para este modo de argumentar é o anúncio nietzschiano da morte de Deus, que não é um modo de exprimir poeticamente, em “imagens”, uma “tese” metafísica. Nietzsche não pretendia dizer que Deus está morto porque nós estamos, finalmente, de acordo que “objetivamente não existe”, mas que a realidade é feita de modo a excluí-lo.

 

   O Deus da metafísica foi necessário para que a humanidade organizasse uma vida social ordenada, segura e não exposta continuamente às ameaças da natureza – combatidas  vitoriosamente com um trabalho social hierárquico ordenado – e das pulsões internas, domadas por uma moral sancionada religiosamente, mas hoje, que esta obra de asseguramento está, ainda que relativamente concluída, e vivemos em um mundo social formalmente ordenado, dispondo de uma ciência e de uma técnica que nos permitem estar no mundo sem o terror do homem primitivo, Deus aparece como uma hipótese muito distante, bárbara, excessiva; e, além do mais, aquele Deus que funcionou como princípio de estabilização e segurança e também aquele que sempre proibiu a mentira.

 

 A evocação do anúncio nietzschiano nos aproxima também de temática do niilismo. Se a hermenêutica, como teoria filosófica de caráter interpretativo de toda experiência da verdade, se pensa coerentemente como nada mais que uma interpretação, não se encontrará inelutavelmente presa na lógica niilista, que é própria da hermenêutica de Nietzsche? Em outros termos: não parece possível “experimentar” a verdade da hermenêutica a não ser apresentado-a como resposta a uma história do ser interpretada como acontecer do niilismo.

 

  Nietzsche tinha feito a relação entre a teoria da interpretação e o niilismo. Niilismo significa em Nietzsche a “desvalorização dos valores supremos” e a fabulação do mundo, não existem fatos, só interpretação. Até agora os filósofos acreditaram em descrever o mundo, é chegado o momento de interpretá-lo.

 

CAPÍTULO IV

 

AVENTURA PÓS-MODERNA

 

1. A pós-modernidade como fratura e distância da modernidade

 

Embora os limites e ambigüidades, diferente daquela áurea dramática apregoada por alguns autores, o termo “pós-moderno” quer na verdade evidenciar dentro da modernidade a verificação de uma crise. Como bem mostra Fornero: “uma radical mudança de paradigma no modo de conceber a realidade. Uma mudança na qual tenderia a reconhecer-se o homem tardo-moderno, no seu esforço de dar um nome e um rosto à especificidade da própria condição e ao difuso sentido de “estranheza” ou de “distância” das idéias-força dos últimos séculos. Na tese de Iñaki Urdanibia “a pós-modernidade é o folclore da sociedade pós-industrial”, uma consciência que tem cada vez mais presente que as coisas não funcionam mais como antes. Aqui se coloca novamente a dificuldade de definir a própria modernidade. Uma vez que para uns a modernidade é um projeto morto, já para os outros está esgotada, enquanto para outros ainda se trata de um projeto inacabado.

 

   Fala-se da pós-modernidade como um movimento de desconstrução e desmascaramento da razão ilustrada como resposta ao projeto modernista e seu conseqüente fracasso. Esta desconstrução quer, na verdade, expressar um rechaço ontológico da filosofia ocidental e também uma espécie de obsessão epistemológica com os fragmentos e fraturas.

 

 

2.                                  A pergunta pelo sentido da história

 

       A pergunta sobre o sentido da história vem acompanhada pela questão do sujeito. A modernidade postula a convicção da subjetividade como lugar e horizonte de acesso ao real. É importante, porém, salientar que existe uma inadequação entre projetos teóricos do sujeito e sua realização histórica. O efeito disto será o rompimento com aquela presunçosa concepção do homem como criador de história, dissolvendo-se nas máscaras de uma não-identidade. O princípio da subjetividade “se traduz ma perda da visão unitária do mundo que no sujeito encontrava o princípio da própria unidade”.

 

    O que acontece na verdade é uma mudança de paradigma que tem a ver com o colapso da razão e consequentemente com a crise do sujeito; ambos princípios fundamentais da modernidade. Mais do que a crise, porém, poder-se-ia falar de metamorfose. Trata-se de uma metamorfose entendida como busca de construção de sentido. “A grande narração” (Lyotard) iluminista, idealista e historicista dá lugar a um pós-moderno de muitas narrações , de processos e mudanças históricas. Utilizando uma expressão de Volpi: “não há nem sagrado nem profano, nem bem nem mal, nem racional, nem direita nem esquerda: os blocos compactos e transparentes da ortodoxia foram corroídos, e é bom que seja assim”.

 

   O pós-moderno se apresenta a nós como uma espécie de “sistema do não-sistema”. É um pensamento que pretende ultrapassar a homogeneização de razões absolutas e dos regimes totalitários.

O primeiro elemento que emerge é a crise da história e o referimento ao transcendente. Para a modernidade, “êxito” é a única coisa que conta na história e se constitui como o “verdadeiro Deus” radicalmente secularizado. Na pretensão de se identificar ideal e real ordem rationis. Bruno Forte constata que a equação entre ideal e real, incrementa o homem na sua ambição de reconduzir o mundo a si e, ao mesmo tempo, cria um fracasso dos projetos totalitários e historicamente ideológicos. Dentro deste contexto o sentido da história se transforma na “historicidade dura e violenta”.

 

  O esgotamento do sentir moderno com relação à história reabre a questão da consciência histórica entendida segundo uma concepção gadameriana como horizonte, quer dizer, a história na sua contingência e finitude.                                                                         

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