Étienne Gilson
A
BUSCA DE DEUS ATRAVES DA INTELIGENCIA
REFLEXÕES
SOBRE A OBRA DE SANTO AGOSTINHO
Síntese
de Paolo Cugini
Primeiro degrau:
a fé
O primeiro passo sobre o caminho que aponta o pensamento
rumo a Deus é a aceitação da revelação mediante a fé. Para realizar esta
analise Agostinho utiliza o material da própria experiência pessoal. Por muito
tempo, de fato, Agostinho buscou a verdade com a razão; na época das suas
convicções maniqueias, pensou até de tê-la encontrado com este método, depois
de um período de sofrimento interior, no qual passou também através do
ceticismo, Agostinho percebeu que a fé era o caminho certo. Agostinho assim se
questionava: não é melhor crer para saber mais do que saber para crer?
Segundo Agostinho crer é um ato do pensamento tão
natural e necessário, que não dá pra pensar uma vida humana aonde o crer seja
colocado em primeiro lugar. O crer é um pensamento acompanhado de um
assentimento. Na vida real acontece que acreditamos aquilo que não podemos
saber[1].
O crer, então, é um itinerário do pensamento tão normal, de ser a condição da
mesma família e da sociedade.
Além disso, podemos afirma que o crer não tem nada de
irracional.
Neste sentido Agostinho nos convida a nos afastar do
orgulho humano e de acolher a verdade que Deus nos oferece. A fé então, passa
por primeira e a inteligência em segunda. A doutrina agostiniana dos
relacionamentos entre fé e razão comporta três momentos:
1.
preparação á fé mediante a
razão;
2.
o ato de fé;
3.
compreensão do conteúdo da
fé.
A razão é a condição primeira da mesma possibilidade da
fé. O homem é o único ser que possa acreditar porque é o único ser dotado de
razão. O homem é a imagem de Deus enquanto é um pensamento que se enriquece progressivamente
de sempre maior inteligência, graça ao exercício da razão. Assim a razão vem
naturalmente antes da inteligência e também antes da fé. Menosprezar a razão
significa, então, menosprezar em nós a imagem de Deus. Só que não podemos
confiar só na razão para buscar a Deus.
Através do pecado a imagem de Deus foi deformada e por
tanto, também a razão vive esta condição. Deformamos em nós a imagem de Deus,
mas ao mesmo tempo nós mesmos não conseguimos reformá-la[2].
Aquilo que a razão pede é um socorro do alto que faça aquilo que ela mesma não
consegue realizar. A razão pede a Deus a fé como uma purificação do coração
que, libertando-a da feiúra do pecado[3],
a ajudará de acrescer a própria luz e de voltar a ser plenamente uma razão.
O primeiro progresso deste socorro que a fé oferece a
razão, consiste no encontrar-se amparada na verdade. A fé não vê com clareza a
verdade, mas pelo menos consegue a vislumbrar algo da verdade. Ela não vê ainda
aquilo que acredita, mas já deseja aprofundar este conhecimento. A fé
agostiniana é ao mesmo tempo adesão do Espírito á verdade sobrenatural e
humilde abandono de todo o homem á graça de Cristo. A adesão do Espírito á
autoridade de Deus supõe a humildade, mas a humildade supõe uma confiança em
Deus, ela mesma ato de amor e caridade. Se então se toma o caminho espiritual,
aquele que adere á Deus com a fé, não submete simplesmente o seu espírito á
letra das formulas, mas dobra a sua alma e todo o seu ser á autoridade de
Cristo, que nos doa o exemplo da sabedoria e nos confere os meios para
alcançá-la. A fé é o primeiro ato humano seja purificador que iluminador. Eis
porque o pensamento humano deve encontrar-se profundamente transformado graça a
fé. A recompensa que ele recebe da fé é exatamente a inteligência.
Crer em Deus significa amá-lo. Deus exige uma fé que
opere mediante a caridade. Os santos já sabem aquilo que nós acreditamos.
Se temos a obrigação de aceitar a verdade e de pedi-la
para recebê-la, a buscamos e a aceitamos mesmo para possuí-la. Buscai e
encontrarei quer dizer então, que quem crê ainda não encontrou plenamente; de
fato a fé busca, mas é a inteligência que encontra. A inteligência é a
recompensa da fé[4].
Deus nunca disse que crer nele seja o objetivo ultimo do
homem. De fato, não é no acreditar nele, mas no conhecê-lo[5]
que consiste a vida eterna. A fé não é fim a si mesma: ela é o penhor de um
conhecimento que debruçara definitivamente na vida eterna.
A razão sozinha é incapaz de conduzir o homem á
sabedoria beatifica[6]. A
razão sozinha não consegue chegar ao fundamento ultimo da verdade, atingir a
Sabedoria sem o socorro da fé[7].
Todas as verdades reveladas podem, em certa medida serem
conhecidas; nenhuma delas, porém, pode ser exaurida, pois elas têm Deus como
objeto. Se é verdade que a fé busca e a inteligência encontra, Aquele que ela
encontra é tal que, encontrando-o, o busca ainda. A fé em Deus precede até a
prova da sua existência, para nos estimular a descobri-la, pois é rumo a Deus
que a Sabedoria nos conduz, e não se chega a Deus sem Deus.
Segundo degrau: a
evidencia racional
O primeiro conselho que Agostinho oferece aquele que
entende provar a existência de Deus é de acreditar nele. Antes de demonstrar a
existência de Deus é preciso responder aqueles que sustentam que nada é
demonstrável. O erro do qual tinha sofrido o jovem Agostinho era o ceticismo da
Nova Academia. Os Acadêmicos negam que é possível conhecer algo. Segundo eles em filosofia nunca se consegue a
saber algo.
Agostinho elaborou duas teses sobre o conhecimento
sensível:
- considerada como uma simples aparência, tomada como
aquilo que é realmente, o conhecimento sensível é infalível;
- colocada como critério da verdade inteligível, da qual
difere em modo especifico, nos leva necessariamente no erro.
Na obra “De vita
Beata” Agostinho mostra que a certeza da existência do sujeito pensante é
fundada sobre a certeza da existência do pensamento. Esta verdade
incontestável, é a primeira de todas as certezas.
Terceiro degrau:
a alma e a vida
O pensamento,
enquanto se liberta da duvida com a certeza da própria existência, se colhe ao
mesmo tempo como uma atividade vital de ordem superior, pois pensar equivale a
viver. Então, toda vida tem um próprio principio, ou seja, uma alma; o
pensamento, portanto, pertence á ordem da alma. Nessa altura o primeiro
problema que deve ser resolvido é sobre a natureza da alma. Agostinho insiste
sobre o fato que a alma é uma substancia. Segundo Agostinho a alma é a parte
superior do homem[8] O
homem é uma alma razoável que se serve de um corpo[9].
Todas as provas concernentes a distinção da alma do corpo são apoiadas sobre o
principio que as coisas nas quais
pensamento reconhece necessariamente propriedade essenciais distintas,
são necessariamente também coisas distintas. Então o corpo é algo por definição
de extenso, longo, largo, e profundo[10].
Nada disso pode-se dizer da alma; a alma, portanto, não é um corpo.
A única coisa da qual a alma é segura, é e ser um
pensamento; como conseqüência ela tem direito de distinguir-se de tudo aquilo
que não é ela mesma e o dever de não atribuí-lo a si. Sendo que a essência do
pensamento é o conhecer, isso capta no mesmo tempo seja a própria substancia
que a própria existência; sabe aquilo que é, mesmo enquanto é.
A alma confere vida ao corpo. Agostinho não conseguiu
resolver o problema da unidade da pessoa, ou seja o problema do homem. Isso é
devido ao fato que Agostinho começa sempre a sua reflexão das verdades da
tradição bíblica. A plenitude da reflexão cristã sempre antecipou em Agostinho
a sua filosofia. Sobre o homem temos então reflexões plotinianas. Somente santo
Tomas conseguirá a resolver o problema deixado aberto por Agostinho.
A alma é toda
inteira em todas as partes do corpo tomadas juntas e toda inteira em cada
parte, tomada em particular. A inteira doutrina é suspensa ás idéias de Deus;
agora, quando se chega até o fim do problema, a razão metafísica da união da
alma e do corpo em santo Agostinho é que a alma deve servir de tramite entre o
corpo que vivifica e as Idéias de Deus que o animam. A alma pelo fato de ser
espiritual não é separada do nada das idéias divinas, também elas de natureza
espiritual. O corpo, pelo fato que é extenso no espaço, é incapaz de participar
diretamente á natureza das idéias.
Aquilo que é certo é que a alma é criada por Deus do
nada, como todas as substancias.
O corpo se une a alma por amor, como uma força
ordenadora e conservadora que o vivifica e o move por dentro[11].
Nos Soliloqui mutua do Fédon do Platão o argumento sobre
a subsistência da verdade: a verdade é naturalmente indestrutível[12].
A alma, então, é indestrutível. A alma é vida por definição. A imortalidade da
alma participa da evidencia do pensamento.
[1] Cf o exemplo que Agostinho faz sobre o relacionamento entre pai e
filho: o filho acredita no pai sem saber se ele mesmo é o seu pai (cf. De
Civitate dei, XI,3).
[2] Cf. Homilia 43, 3,4.
[3] Cf. Comento al \salmo 123,2.
[4] Cf. Comento ao Evangelho de João 29,6; carta 120,I,2; Homilia 43
I,1.
[5] Cf. Jo 17,3.
[6] Contra Giuliano pel., IV, 14,72.
[7] Nisso Agostinho se distancia de Platão.
[8] Nisso é clara a influencia do pensamento platônico.
[9] De moribus eccl. Cath. I,4,6.
[10] Cf. De quantitate animae III, 4.
[11] De Civ. Dei XI, 23, 1-2.
[12] Solil. II, 19,33.
Nenhum comentário:
Postar um comentário