domingo, 23 de julho de 2023

AGOSTINHO - A BUSCA DE DEUS

 



Étienne Gilson 

A BUSCA DE DEUS ATRAVES DA INTELIGENCIA

REFLEXÕES SOBRE A OBRA DE SANTO AGOSTINHO

 

 

Síntese de Paolo Cugini

 

 

 

Primeiro degrau: a fé

 

O primeiro passo sobre o caminho que aponta o pensamento rumo a Deus é a aceitação da revelação mediante a fé. Para realizar esta analise Agostinho utiliza o material da própria experiência pessoal. Por muito tempo, de fato, Agostinho buscou a verdade com a razão; na época das suas convicções maniqueias, pensou até de tê-la encontrado com este método, depois de um período de sofrimento interior, no qual passou também através do ceticismo, Agostinho percebeu que a fé era o caminho certo. Agostinho assim se questionava: não é melhor crer para saber mais do que saber para crer?

Segundo Agostinho crer é um ato do pensamento tão natural e necessário, que não dá pra pensar uma vida humana aonde o crer seja colocado em primeiro lugar. O crer é um pensamento acompanhado de um assentimento. Na vida real acontece que acreditamos aquilo que não podemos saber[1]. O crer, então, é um itinerário do pensamento tão normal, de ser a condição da mesma família e da sociedade.

Além disso, podemos afirma que o crer não tem nada de irracional.

Neste sentido Agostinho nos convida a nos afastar do orgulho humano e de acolher a verdade que Deus nos oferece. A fé então, passa por primeira e a inteligência em segunda. A doutrina agostiniana dos relacionamentos entre fé e razão comporta três momentos:

 

1.                      preparação á fé mediante a razão;

2.                      o ato de fé;

3.                      compreensão do conteúdo da fé.

 

A razão é a condição primeira da mesma possibilidade da fé. O homem é o único ser que possa acreditar porque é o único ser dotado de razão. O homem é a imagem de Deus enquanto é um pensamento que se enriquece progressivamente de sempre maior inteligência, graça ao exercício da razão. Assim a razão vem naturalmente antes da inteligência e também antes da fé. Menosprezar a razão significa, então, menosprezar em nós a imagem de Deus. Só que não podemos confiar só na razão para buscar a Deus.

Através do pecado a imagem de Deus foi deformada e por tanto, também a razão vive esta condição. Deformamos em nós a imagem de Deus, mas ao mesmo tempo nós mesmos não conseguimos reformá-la[2]. Aquilo que a razão pede é um socorro do alto que faça aquilo que ela mesma não consegue realizar. A razão pede a Deus a fé como uma purificação do coração que, libertando-a da feiúra do pecado[3], a ajudará de acrescer a própria luz e de voltar a ser plenamente uma razão.

O primeiro progresso deste socorro que a fé oferece a razão, consiste no encontrar-se amparada na verdade. A fé não vê com clareza a verdade, mas pelo menos consegue a vislumbrar algo da verdade. Ela não vê ainda aquilo que acredita, mas já deseja aprofundar este conhecimento. A fé agostiniana é ao mesmo tempo adesão do Espírito á verdade sobrenatural e humilde abandono de todo o homem á graça de Cristo. A adesão do Espírito á autoridade de Deus supõe a humildade, mas a humildade supõe uma confiança em Deus, ela mesma ato de amor e caridade. Se então se toma o caminho espiritual, aquele que adere á Deus com a fé, não submete simplesmente o seu espírito á letra das formulas, mas dobra a sua alma e todo o seu ser á autoridade de Cristo, que nos doa o exemplo da sabedoria e nos confere os meios para alcançá-la. A fé é o primeiro ato humano seja purificador que iluminador. Eis porque o pensamento humano deve encontrar-se profundamente transformado graça a fé. A recompensa que ele recebe da fé é exatamente a inteligência.

Crer em Deus significa amá-lo. Deus exige uma fé que opere mediante a caridade. Os santos já sabem aquilo que nós acreditamos.

Se temos a obrigação de aceitar a verdade e de pedi-la para recebê-la, a buscamos e a aceitamos mesmo para possuí-la. Buscai e encontrarei quer dizer então, que quem crê ainda não encontrou plenamente; de fato a fé busca, mas é a inteligência que encontra. A inteligência é a recompensa da fé[4].

Deus nunca disse que crer nele seja o objetivo ultimo do homem. De fato, não é no acreditar nele, mas no conhecê-lo[5] que consiste a vida eterna. A fé não é fim a si mesma: ela é o penhor de um conhecimento que debruçara definitivamente na vida eterna.

A razão sozinha é incapaz de conduzir o homem á sabedoria beatifica[6]. A razão sozinha não consegue chegar ao fundamento ultimo da verdade, atingir a Sabedoria sem o socorro da fé[7].

Todas as verdades reveladas podem, em certa medida serem conhecidas; nenhuma delas, porém, pode ser exaurida, pois elas têm Deus como objeto. Se é verdade que a fé busca e a inteligência encontra, Aquele que ela encontra é tal que, encontrando-o, o busca ainda. A fé em Deus precede até a prova da sua existência, para nos estimular a descobri-la, pois é rumo a Deus que a Sabedoria nos conduz, e não se chega a Deus sem Deus.

 

 

Segundo degrau: a evidencia racional

 

O primeiro conselho que Agostinho oferece aquele que entende provar a existência de Deus é de acreditar nele. Antes de demonstrar a existência de Deus é preciso responder aqueles que sustentam que nada é demonstrável. O erro do qual tinha sofrido o jovem Agostinho era o ceticismo da Nova Academia. Os Acadêmicos negam que é possível conhecer algo.  Segundo eles em filosofia nunca se consegue a saber algo.

Agostinho elaborou duas teses sobre o conhecimento sensível:

- considerada como uma simples aparência, tomada como aquilo que é realmente, o conhecimento sensível é infalível;

- colocada como critério da verdade inteligível, da qual difere em modo especifico, nos leva necessariamente no erro.

Na obra “De vita Beata” Agostinho mostra que a certeza da existência do sujeito pensante é fundada sobre a certeza da existência do pensamento. Esta verdade incontestável, é a primeira de todas as certezas.

 

 

Terceiro degrau: a alma e a vida

 

  O pensamento, enquanto se liberta da duvida com a certeza da própria existência, se colhe ao mesmo tempo como uma atividade vital de ordem superior, pois pensar equivale a viver. Então, toda vida tem um próprio principio, ou seja, uma alma; o pensamento, portanto, pertence á ordem da alma. Nessa altura o primeiro problema que deve ser resolvido é sobre a natureza da alma. Agostinho insiste sobre o fato que a alma é uma substancia. Segundo Agostinho a alma é a parte superior do homem[8] O homem é uma alma razoável que se serve de um corpo[9]. Todas as provas concernentes a distinção da alma do corpo são apoiadas sobre o principio que as coisas nas quais  pensamento reconhece necessariamente propriedade essenciais distintas, são necessariamente também coisas distintas. Então o corpo é algo por definição de extenso, longo, largo, e profundo[10]. Nada disso pode-se dizer da alma; a alma, portanto, não é um corpo.

A única coisa da qual a alma é segura, é e ser um pensamento; como conseqüência ela tem direito de distinguir-se de tudo aquilo que não é ela mesma e o dever de não atribuí-lo a si. Sendo que a essência do pensamento é o conhecer, isso capta no mesmo tempo seja a própria substancia que a própria existência; sabe aquilo que é, mesmo enquanto é.

A alma confere vida ao corpo. Agostinho não conseguiu resolver o problema da unidade da pessoa, ou seja o problema do homem. Isso é devido ao fato que Agostinho começa sempre a sua reflexão das verdades da tradição bíblica. A plenitude da reflexão cristã sempre antecipou em Agostinho a sua filosofia. Sobre o homem temos então reflexões plotinianas. Somente santo Tomas conseguirá a resolver o problema deixado aberto por Agostinho.

 A alma é toda inteira em todas as partes do corpo tomadas juntas e toda inteira em cada parte, tomada em particular. A inteira doutrina é suspensa ás idéias de Deus; agora, quando se chega até o fim do problema, a razão metafísica da união da alma e do corpo em santo Agostinho é que a alma deve servir de tramite entre o corpo que vivifica e as Idéias de Deus que o animam. A alma pelo fato de ser espiritual não é separada do nada das idéias divinas, também elas de natureza espiritual. O corpo, pelo fato que é extenso no espaço, é incapaz de participar diretamente á natureza das idéias.

Aquilo que é certo é que a alma é criada por Deus do nada, como todas as substancias.

O corpo se une a alma por amor, como uma força ordenadora e conservadora que o vivifica e o move por dentro[11].

Nos Soliloqui mutua do Fédon do Platão o argumento sobre a subsistência da verdade: a verdade é naturalmente indestrutível[12]. A alma, então, é indestrutível. A alma é vida por definição. A imortalidade da alma participa da evidencia do pensamento.



[1] Cf o exemplo que Agostinho faz sobre o relacionamento entre pai e filho: o filho acredita no pai sem saber se ele mesmo é o seu pai (cf. De Civitate dei, XI,3).

[2] Cf. Homilia 43, 3,4.

[3] Cf. Comento al \salmo 123,2.

[4] Cf. Comento ao Evangelho de João 29,6; carta 120,I,2; Homilia 43 I,1.

[5] Cf. Jo 17,3.

[6] Contra Giuliano pel., IV, 14,72.

[7] Nisso Agostinho se distancia de Platão.

[8] Nisso é clara a influencia do pensamento platônico.

[9] De moribus eccl. Cath. I,4,6.

[10] Cf. De quantitate animae III, 4.

[11] De Civ. Dei XI, 23, 1-2.

[12] Solil. II, 19,33.

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