sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Antecedentes da Teoria de Copérnico

 



Antecedentes da Teoria de Copérnico[1]

 

 

Desde muito tempo antes de Copérnico, os céus já eram observados e estudados por filósofos. Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) há mais de dois mil anos, apresentou argumentos sobre a forma da Terra que são válidos até hoje. “Aristóteles não era um astrônomo (na acepção atual da palavra). Seu interesse era explicar o universo, mas sem entrar em detalhes e sem fazer cálculos”\

Aristóteles argumentava que a Terra estava estática no centro do Universo, enquanto as outras esferas celestes a rodeavam concentricamente. Essa concentricidade também foi compartilhada nos estudos de Cálipo de Cízico (370 a.C. – 300 a.C.) e Eudoxo de Cnido (390 a.C. – 337 a.C.), que, segundo Copérnico, não puderam explicar, por meio deles (círculos concêntricos), o movimento de todos os planetas.

A astronomia do século XIII, “na sua vertente teórica, estava empenhada principalmente em um debate acerca dos méritos respectivos das teorias filosóficas comparadas com as teorias matemáticas na hora de explicar os fenômenos”. Daí pode-se perceber o porquê do aparecimento do conhecido sistema “aristotélico-ptolomaico”, pois eram de Aristóteles as teorias filosóficas adotadas na época que regiam os movimentos astronômicos (bem como todos os outros movimentos) e, matematicamente e geometricamente, era o modelo de Ptolomeu o mais difundido e aceito na época.

O livro mais conhecido de Ptolomeu, O Almagesto, “baseado em 500 anos de pensamento astronômico e cosmológico grego”, possui como título grego original “A Compilação Matemática”. Segundo Crombie, o sistema cosmológico de Ptolomeu era basicamente aristotélico em relação às suas concepções físicas. No entanto, divergia em alguns pontos fundamentais “do único sistema adequado conhecido, o de Aristóteles.”. “A dicotomia entre a cosmologia física de Aristóteles e a astronomia matemática de Ptolomeu persistiu durante a Idade Média”. A teoria de Ptolomeu conflitava com a de Aristóteles principalmente quando tratava dos epiciclos e equantes e em relação ao movimento circular uniforme, algo que era defendido desde Platão6 (428 a.C. – 328 a.C.). Koyré (1982) explica as motivações de Ptolomeu para algumas inovações que conflitavam com as ideias de Aristóteles, e a gravidade dessas em relação ao abandono do movimento circular uniforme da seguinte forma, Para não aumentar indefinidamente o número de círculos, Ptolomeu teve de renunciar ao princípio do movimento circular uniforme ou, mais exatamente, encontrou um meio aparente de conciliar a aceitação do princípio com a impossibilidade de segui-lo de fato. Ele resolveu que a dificuldade pode ser vencida admitindo-se que o movimento é uniforme, não em relação ao centro do próprio círculo, mas em relação a um certo ponto interior excêntrico, ponto que ele chama de equante. Isso era algo muito grave, pois, abandonando o princípio do movimento circular uniforme, abandonava-se a explicação física dos fenômenos. É a partir de Ptolomeu, justamente, que encontramos uma ruptura entre a astronomia matemática e a astronomia física. Dessa forma, nota-se a presença de incongruências físicas as quais o sistema aristotélico não possuía.

O sistema ptolomaico vinha sendo interpretado, com frequência, como afirmam Heath e Duhem, meramente como um artifício geométrico, por meio do qual explica-se os fenômenos observados ou “salva-se as aparências”. Então, percebe-se que o objetivo de Ptolomeu era muito mais explicar o que se via do que realmente explicar como as coisas de fato aconteciam.  É na questão dos cálculos, no uso de todos os tipos de recursos matemáticos e na maior concordância entre teoria e observação que talvez esteja a maior diferença entre Ptolomeu e seus predecessores, pois a maioria defendia o modelo geocêntrico, mas Ptolomeu, além de aceitar e seguir essas ideias, também “elaborou uma detalhada teoria matemática dos movimentos dos planetas”. Dessa maneira conseguiu alcançar um “alto grau de precisão e estava longe de ser um sistema „idiota‟ como alguns textos elementares de hoje subjetivam”. Por mais que o modelo proposto por Ptolomeu, conforme Zanetic (2007), não oferecesse uma explicação física convincente com relação ao movimento retrógrado dos astros e à proximidade constante de Mercúrio e Vênus do Sol, entre outros, possuía um embasamento matemático espetacular e, a partir daí, buscava saídas para esses problemas, como, por exemplo, mediante o uso de epiciclos, deferentes e equantes. Dessa forma, fica claro que “Ptolomeu teve de fazer dois grandes ajustamentos à noção básica de que a Terra estava no centro do Universo e tudo o resto revoluteava ao seu redor”. Ou seja, para tentar descrever os movimentos retrógrados dos planetas, Ptolomeu utiliza em sua teoria pequenos círculos (os epiciclos) que giravam num grande círculo perfeito (o deferente) ao redor da Terra, e esse foi o primeiro grande ajustamento. O segundo ajustamento é a existência dos “pontos equânticos”, estes eram conjuntos de pontos levemente desviados da Terra em torno dos quais os planetas giravam com velocidade angular constante, ou seja, para cada planeta existia um ponto equante específico em torno do qual o movimento angular era uniforme, mas a Terra continua sendo o objeto central (ou estático) do Universo.

Na verdade, o que ocorre é o seguinte, o centro do epiciclo é um ponto que se encontra no deferente, este, por sua vez, possui um centro que não coincide com o centro da Terra, o que muitas vezes é equivocadamente afirmado, e aí está a excentricidade defendida por Ptolomeu (e, mais futuramente, Copérnico aceita a excentricidade, mas em relação ao Sol), ou seja, apesar de imóvel, a Terra não está no centro de cada órbita, ideia que é contrária ao sistema de esferas concêntricas de Cálipo de Cízico, Eudoxo de Cnido e Aristóteles, e o movimento circular dos planetas possui um ponto simétrico ao que se encontra à Terra, com relação ao centro do deferente, conhecido como equante, em relação ao qual o movimento angular do centro do epiciclo é uniforme.


Representação gráfica do epiciclo, deferente e equante:



Não há dúvidas que a utilização de círculos menores – epiciclos – se movendo em círculos maiores – deferentes – para explicar o movimento retrógrado dos planetas, os quais Copérnico chamava de errantes13, bem como sua aproximação e afastamento da Terra, foi uma ideia no mínimo sagaz e, por mais que atualmente alguns possam se equivocar, entendendo que Ptolomeu foi um tolo, propondo um modelo totalmente diferente do aceito atualmente, “a proposta de Ptolomeu é Ciência, do mais alto nível”. Entretanto, na teoria de Ptolomeu, “não existia qualquer tentativa para explicar os processos físicos que mantinham tudo a movimentar-se deste modo”. O Almagesto de Ptolomeu abordava, quase que em sua integralidade, cálculos e posições planetárias, o que às vezes dificultava o entendimento da maioria. Talvez por isso, apenas na metade do século XV, surgiu algum trabalho heliocêntrico com embasamento matemático capaz de rivalizar com a teoria geocêntrica aceita há séculos. Assim como a maioria dos filósofos anteriores, Ptolomeu adota um sistema geocêntrico, ou geostático, pois, como afirma Martins (2003), apesar de a Terra estar imóvel, não é o centro de todos os movimentos dos orbes. O modelo de Ptolomeu era composto por oito orbes, a saber: orbe da Lua, do Sol, de Mercúrio, de Vênus, de Marte, de Júpiter, de Saturno e o orbe das estrelas fixas

Orbes do modelo do Plotomeu:



Ptolomeu, além de discordar do sistema heliocêntrico15, também refutava a ideia de que a Terra poderia girar em seu próprio eixo com revoluções de vinte e quatro horas. Para fundamentar sua crítica, Ptolomeu diz que “se a Terra girasse, pelo menos com uma revolução quotidiana esse movimento deveria ser extremamente veemente e de uma velocidade insuperável”. E conclui, “ora, as coisas movidas por uma rotação violenta18 parecem ser totalmente inaptas a se reunir, mas parecem antes dever dispersar-se”. Segundo Koyré, o movimento de rotação da Terra contradizia a experiência quotidiana, ou seja, essa ideia configurava como uma impossibilidade física.

Essa questão da força centrífuga foi uma obstrução muito séria à aceitação da teoria de Copérnico no século XVI. Como afirma Butterfield (1949), somente após trabalhos como de Christiaan Huygens (1629-1695), cujos escritos apareceram cem anos após o De Revolutionibus, é que os comentários de Ptolomeu puderam ser rebatidos com um maior embasamento. Esse é um dos motivos que fez Ptolomeu negar o movimento da Terra, entretanto, conforme Butterfield (1949), essa ideia lhe ocorreu, mas era impossível levantar tal hipótese no contexto da física aristotélica. Em relação às dificuldades em relacionar o movimento da Terra com a física da época, Koyré (1982) afirma que: Por vezes se disse que a ideia do movimento da Terra contradizia demasiadamente as concepções religiosas dos gregos. Penso que, antes, foram outras as razões que determinam o insucesso de Aristarco, certamente as mesmas que, desde Aristóteles e Ptolomeu até Copérnico, se opuseram a toda hipótese não geocêntrica: foi a invencibilidade das objeções físicas contra o movimento da Terra .

Além da teoria de Ptolomeu ser bastante eficaz para o meio intracientífico, também atendia aos anseios extracientíficos, pois, por exemplo, de acordo com a tradição bíblica, no centro de tudo estava a Terra e o homem, para quem tudo foi criado. Os estudos de Ptolomeu também serviram para guiar alguns navegadores na antiguidade. Segundo Kuhn (1957), através dessas explorações os homens puderam perceber o quanto estavam erradas as antigas descrições sobre a forma da Terra e, assim, aprenderam que Ptolomeu podia estar errado, pois ele fora o maior geógrafo, assim como o maior astrônomo e astrólogo, da Antiguidade.

 

Modelo astronômico de Tycho Brahe:






[1] Síntese de uma parte do artigo de:  Hermano Ribeiro de Carvalho e  Lucas Albuquerque do Nascimento,  COPÉRNICO E A TEORIA HELIOCÊNTRICA: CONTEXTUALIZANDO OS FATOS, APRESENTANDO  AS CONTROVÉRSIAS E IMPLICAÇÕES  PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS,  Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia - RELEA, n. 27, p. 7-34, 2019

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