terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Isaac Newton (1642 – 1727)[1]

 




Foi um matemático, físico, astrônomo, teólogo e autor inglês (descrito em seus dias como um "filósofo natural") que é amplamente reconhecido como um dos cientistas mais influentes de todos os tempos e como uma figura-chave na Revolução Científica. Seu livro Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), publicado pela primeira vez em 1687, lançou as bases da mecânica clássica. Newton também fez contribuições seminais à óptica e compartilha crédito com Gottfried Wilhelm Leibniz pelo desenvolvimento do cálculo infinitesimal.

Em Principia, Newton formulou as leis do movimento e da gravitação universal que criaram o ponto de vista científico dominante até serem substituídas pela teoria da relatividade de Albert Einstein. Newton usou sua descrição matemática da gravidade para provar as leis de movimento planetário de Kepler, explicar as marés, as trajetórias dos cometas, a precessão dos equinócios e outros fenômenos, erradicando a dúvida sobre a heliocentricidade do Sistema Solar. Demonstrou que o movimento dos objetos na Terra e nos corpos celestes poderia ser explicado pelos mesmos princípios. A inferência de Newton de que a Terra é um esferoide oblato foi posteriormente confirmada pelas medidas geodésicas de Maupertuis, La Condamine e outros, convencendo a maioria dos cientistas europeus da superioridade da mecânica newtoniana em relação aos sistemas anteriores.

Newton construiu o primeiro telescópio refletor prático e desenvolveu uma teoria sofisticada da cor com base na observação de que um prisma separa a luz branca nas cores do espectro visível. Seu trabalho sobre a luz foi coletado em seu livro altamente influente Ótica, publicado em 1704. Também formulou uma lei empírica do resfriamento, fez o primeiro cálculo teórico da velocidade do som e introduziu a noção de um fluido newtoniano. Além de seu trabalho sobre cálculo, como matemático Newton contribuiu para o estudo de séries de potências, generalizou o teorema binomial a expoentes não inteiros, desenvolveu um método para aproximar as raízes de uma função e classificou a maioria das curvas do plano cúbico.

Newton era membro do Trinity College e o segundo professor de matemática lucasiano na Universidade de Cambridge. Foi um cristão devoto, mas pouco ortodoxo, que rejeitava, em particular, a doutrina da Trindade. Também se recusava a receber ordens sagradas na Igreja da Inglaterra, o que era incomum para um membro da faculdade de Cambridge da época. Além de seu trabalho nas ciências matemáticas, Newton dedicou grande parte de seu tempo ao estudo da alquimia e da cronologia bíblica, mas a maior parte de seu trabalho nessas áreas permaneceu inédita até muito tempo após sua morte. Politicamente e pessoalmente vinculado ao partido Whig, Newton serviu dois breves mandatos como membro do Parlamento da Universidade de Cambridge, em 1689–1690 e 1701–02. Foi cavaleiro da rainha Ana em 1705 e passou as últimas três décadas de sua vida em Londres, servindo como diretor (1696–1700) e mestre (1700–1727) da Casa da Moeda Real, bem como presidente da Royal Society (1703–1727).

A teoria metodológica de Newton[2]

Fazendo questão de não confundir especulações hipotéticas com as explicações científicas sólidas, Newton explicitou que nenhuma hipótese ou explicação hipotética -- fosse ela ‘metafísica’ ou física, versasse sobre qualidades ocultas ou mecânicas -- tinha lugar adequado na ‘filosofia experimental. Contudo, o peculiar uso que Newton fez dos métodos indutivo e hipotéticodedutivo, numa ordem pré-determinada ao elaborar sua Física, a introdução da análise matemática, de modelos e de aproximações no estudo da natureza, seriam posteriormente reconhecidos e aclamados por muitos filósofos e historiadores da ciência - e copiado por tantos outros cientistas. Por sua vez, o historiador da ciência Cohen (2002, p.171), denominou essa utilização dos métodos citados, somados a outros aspectos de cunho epistemológicos que serão analisados ao longo deste capítulo, de “Estilo Newtoniano”. E o próprio Cohen que nos esclarece o alcance deste método:

 

(...) Newton conseguiu produzir um sistema matemático e princípios matemáticos que puderam então ser aplicados à Filosofia Natural, isto é, ao sistema do mundo e a suas regras e dados, tal como determinados pela experiência. Esse estilo permitiu que Newton tratasse problemas das ciências exatas como se fossem exercícios de matemática pura, e ligasse a experimentação e a observação à matemática de maneira singular e fecunda. (COHEN apud COHEN & WESTFALL, 2002, p.171).

 

Uma das principais características do “Estilo Newtoniano” seria, primeiramente, a matemática e depois, uma série de experimentos e não o contrário.

Acreditamos[3] que um dos pontos mais relevantes na concepção do “Estilo Newtoniano” fora o modo pelo qual o raciocínio matemático de Newton teria sido adequado à análise de problemas físicos e à construção e alteração de modelos, constructos e sistemas imaginários e não a pura interpretação dos dados empíricos. Chegamos a esta conclusão intermediária, baseados na orientação histórica de Fernandes e na compreensão parcial do método utilizado por Newton, conforme descrito por Cohen. No entanto, argumentamos que, para Newton, do mesmo modo que para seu antecessor Galileu, alguns conceitos matemáticos fundamentais teriam suas origens na própria natureza, pois “Se a irreversível ordem do fenômeno era ser constituído racionalmente, ou inteligivelmente, então ele [o fenômeno natural] tinha que ser expresso matematicamente.” (FERNANDES, 1985, p.37). Um dos mais representativos antecessores de Newton, Galileu, no Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano, chegou a afirmar que Deus teria se utilizado da geometria para descrever a natureza.



Desta forma, o que mais chamaria atenção no pensamento científico e no método newtoniano seria, então, a estreita interação da matemática com a sua Filosofia Natural - incluindo a Física e a metafísica. Segundo Smith (2002, p.148), Newton acreditava que os postulados fundamentais descritos nos Princípios Matemáticos de Filosofia Natural e os resultados finais da análise matemática baseada nesses postulados poderiam ser compatíveis com o mundo real – mundo físico -- revelado pelos experimentos e pela observação crítica. Para Newton, a matemática seria algo mais que um simples ferramental capaz de exprimir com clareza sua visão de mundo.

É importante destacar o fato de que a composição do “Estilo Newtoniano” não se limitava somente ao uso dos métodos indutivo e hipotético-dedutivo numa ordem pré-determinada, como alguns comentadores sugerem. O termo “Estilo Newtoniano” abraçava um complexo de procedimentos que, orquestrados conjuntamente, culminaram com a publicação das obras mais contundente de Newton: os Princípios Matemáticos de Filosofia Natural e a Ótica. Os métodos indutivo e hipotético-dedutivo seriam apenas algumas das características que comporiam o estilo original de Newton na descrição de sua Física, porém, outros muitos aspectos metodológicos diferentes apareceriam em sua ciência e a tornaria diferente das outras.

Um deles dizia espeito ao modo de se conceber, praticar e extrair conclusões de experimentos - o que deu a Newton o status de um grande físico experimental. De acordo com Cohen (2002, p.148), a Física Experimental, conforme concebida contemporaneamente, só teve início a partir da segunda

metade do século XVII, visto que, os ilustres antecessores de Newton -- Galileu e Descartes -- efetivamente não procederam do mesmo modo que este filósofo com relação à maneira de responder as questões colocadas a eles pela natureza.

Em primeiro lugar, historicamente falando, tudo indica que Galileu e Descartes realizaram somente “experimentos imaginários”, mesmo sendo estes de grande valia para ciência. Contudo, estes filósofos ainda estavam longe de serem identificados como físicos experimentais. A título de ilustração, sobre a validade e importância dos “experimentos imaginários”, Koyré afirmou: “As experiências imaginárias, que Mach chamará ‘experiências de pensamento’ (...) e sobre as quais Popper acaba de nos chamar atenção, desempenharam um papel muito importante na história do pensamento científico” (KOYRÉ, 1991, p.209). Porém, a “experiência da física” como entendida contemporaneamente, só começou a ser praticada a partir das publicações de Newton, o que não diminui em nada a valorosa contribuição de Galileu e Descartes. Em segundo lugar, na opinião de Smith (2002, p.159), a “ciência exata” descrita nos Princípios Matemáticos de Filosofia Natural não seria a mesma “ciência exata” de Galileu e Descartes, pois Newton conseguiu mostrar como o mundo seria se este fosse totalmente racional, mesmo não perdendo de vista a dimensão metafísica dos problemas revelados pela natureza. Para Smith, Galileu e Descartes, cada um a sua maneira, ainda continuavam, mesmo que discretamente, atrelados a aspectos escolásticos, isto é, ambos continuavam valorizando a “forte” influência da religiosidade e da escolástica na Filosofia Natural.

 


1672: Newton apresenta a Nova teoria acerca da luz e das cores. Aqui Newton formulava a teoria da natureza corpuscular da luz, segundo a qual os fenômenos luminosos encontravam sua explicação na emissão de partículas de diferentes grandezas: as partículas menores davam origem ao violeta e as maiores ao vermelho. A teoria corpuscular entrava em competição com a teoria ondulatória de Huygens. Por isso Newton publicará sua descoberta somente no 1705.

Em 1685 Newton começou a trabalhar sobre aquela que é considerada a maior obra cientifica: Philosophiae naturalis principia matemática. Neste texto YouTube apresenta uma demonstração matemática da hipótese copernicana como foi proposta por Kepler explicando todos os fenômenos dos movimentos celestes por meio da única hipótese de uma gravitação em direção centro do Sol decrescente segundo o inverso dos quadrados das distâncias em relação a ele.

 

Três regras metodológicas

 

Regra I: não devemos admitir mais causas para as coisas naturais do que aquelas que são tanto verdadeiras como suficientes para explicar suas aparências.

 

Regra II: por isso tanto quanto possível aos mesmos efeitos devemos atribuir as mesmas causas. Esta regra expressa outro postulado ontológico o da uniformidade da natureza. Ninguém pode controlar a reflexão da luz sobre os planetas, mas com base no fato de que a natureza se comporta uniformemente tanto na Terra como nos planetas, nos é possível dizer como a luz se comporta também sobre os planetas.

 

Regra III: as qualidades dos corpos que não admitem aumento nem diminui são de grau e que se descobre pertencerem a todos os corpos no interior do âmbito dos nossos experimentos, devem ser consideradas qualidades universais de todos os corpos.

 

A natureza é simples e uniforme. São esses os 2 pilares metafísicos que sustenta a metodologia de Newton. Uma vez fixados tais pressupostos Newton passa a estabelecer algumas qualidades fundamentais dos corpos, como a extensão, a dureza, a impenetrabilidade e o movimento. É por meio dos nossos sentidos que conseguimos estabelecer essas qualidades.

 

A gravitação universal

se é universalmente evidente a partir dos experimentos e das observações astronômicas que todos os corpos em torno da Terra gravida me em sua direção, proporcionalmente à quantidade de matéria que cada um deles contém singularmente, que de modo semelhante a Lua gravita na direção da Terra em proporção a quantidade da sua matéria; que por outro lado o nosso mar gravita em direção à lua que todos os planetas gravitam uns em direção aos outros e que de igual modo os cometas gravida me direção ao sol, então em com consequência dessa regra devemos admitir universalmente que todos os corpos são dotados de um princípio de gravitação recíproca. Por isso, o argumento extraído dos fenômenos conclui com maior força em favor da gravitação universal do que em favor de sua empenei para habilidade, sobre a qual não temos nenhum experimento em nenhuma forma de observação que possam ser efetuados sobre os corpos celestes. Newton não afirma que a gravitação é essencial aos corpos mas entendi unicamente a sua força de inércia. Esta é imutável. Mas a sua gravidade diminui em relação com o seu afastamento da Terra a natureza portanto é simples e uniforme. A partir dos sentidos das observações e dos experimentos podemos estabelecer algumas propriedades dos corpos: extensão, dureza, mobilidade, força, inercia.  

Essas qualidades são estabelecidas precisamente a partir dos sentidos indutivamente através daquele que é o único procedimento válido para alcançar e fundamentar as proposições da ciência: o método indutivo.

 

Regra IV: na filosofia experimental as proposições inferidas por indução geral dos fenômenos devem ser consideradas como estritamente verdadeiras o co muito próximas da verdade apesar das hipóteses contra áreas que possam ser imaginadas até quando se verifiquem outros fenômenos pelos quais se torne mais exatas ou então sejam submetidas à exceções.

 

Existência de Deus.

Segundo Newton esse sistema extremamente maravilho eu sou do Sol, dos planetas e dos cometas só pode ter se originado do projeto da potência de um ser inteligente e poderoso. EC as estrelas fixas são centros de outros sistemas análogos, tudo isso dado que foi formado pelo idêntico projeto, devi estar sujeito ao domínio do Uno sobretudo visto que a luz das estrelas fixas é da mesma natureza que a luz do Sol e que A luz passa de cada sistema a todos os outros sistemas. A ordem do mundo mostra com toda a evidência a existência de um Deus so mamente inteligente e poderoso.

 

As três leis newtonianas do movimento

Primeira lei: lei da inércia. Todo corpo perseverai em seu estado de quietude ou de movimento retilíneo uniforme, a menos que seja forçado a mudar esse estado por força sobre ele exercidas.

 

Segunda lei: já formulada por Galileu: a mudança de movimento é proporcional à força matriz exercida e ocorre na direção da linha reta segundo a qual a força foi exercida.

 

 Terceira Lei: a toda ação se opõe sempre uma igual a reação, ou seja, as ações recíprocas de 2 corpos são sempre iguais e dirigidas em direção contrária.

 

A descoberta da lei da gravidade o grande feito de Newton. Sua ideia foi a de que existe uma força invisível que exerce controle sobre a matéria sem haver um contato físico direto. A palavra gravidade foi cunhada apartir da palavra latina gravitas, que significa “peso”. Com ela explicou com tanta precisão os movimentos das luas de Júpiter, de Saturno e da Terra, bem como os movimentos de todos os planetas ao redor do sol, que nos duzentos anos seguintes poucas melhorias significativas foram feitas em relação à sua obra. Essa força invisível está em ação entre as massas e é proporcional ao valor delas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas. Isso significa que, se duas massas são separadas, a força da gravidade entre elas diminui de tal forma que, quando a distância chega a 10 vezes, a força é de 100 vezes (quadrado de dez) menor do que a atração inicial. No caso do Sol, que está 400 vezes mais distante da Terra do que a Lua, a fator inversamente proporcional redutor da força gravitacional fica em cerca de 4002 (16.000) – mas essa enorme redução é compensada pela massa imensamente maior do Sol em comparação à da Lua (a proporção de massa Sol-Lua é 30.000.000:1). Assim, a Terra continua orbitando o Sol. Toda essa explicação faz parte do terceiro livro1 do Principia que termina por explicar os movimentos precisos da Lua e ensinar que as marés oceânicas se devem à atração gravitacional da Lua e do Sol sobre as águas. Além disso, calcula a atração do Sol sobre os cometas.


BIBLIOGRAFIA

ISAC NEWTON, Principia, Livro I: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural (Volume 1), Edusp, São Paulo, 2023.

ISAC NEWTON, Principia - Livros II e III: Princípios Matemáticos de Filosofia Natural - O Sistema do Mundo, Edusp, São Paulo 2008.

ISAC NEWTON, Ótica, Edusp, São Paulo 2002. 



[1] Biografia de Wikipedia

[2] Cfr. Reale – Antiseri, Historia da filosofia vol 3, São Paulo, Paulos 2004, p. 232-244.

[3] Cfr.: «Descrição do Método Utilizado por Newton na Elaboração de sua Física», in: https://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0410642_06_cap_02.pdf

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

GALILEU GALILEI (1564-1642)

 




 

Galileo di Vincenzo Bonaulti de Galilei, mais conhecido como Galileu Galilei (Pisa, 15 de fevereiro de 1564 — Florença, 8 de janeiro de 1642), foi um astrônomo, físico e engenheiro florentino, às vezes descrito como polímata. Frequentemente é referenciado como "pai da astronomia observacional”, “pai da física moderna",  "pai do método científico" e "pai da ciência moderna".

Galileu estudou o princípio da relatividade e fenômenos como a rapidez e a velocidade, a gravidade e a queda livre, a inércia e o movimento de projéteis, mas também trabalhou em ciência e tecnologia aplicadas. Nesse âmbito, ele descreveu as propriedades de pêndulos e "balanços hidrostáticos", inventou o termoscópio e várias bússolas militares, e usou o telescópio para observações científicas de objetos celestes. Suas contribuições à astronomia observacional incluem a confirmação visual das fases de Vênus, a observação dos quatro maiores satélites de Júpiter, a observação dos anéis de Saturno e, a análise das manchas solares.

Galileu defendeu os controversos heliocentrismo e copernicanismo, quando a maioria adotava modelos geocêntricos, como o sistema ticônico (combinação dos sistemas Copernicano e Ptolemaico). Ele teve a oposição de astrônomos, que duvidavam do heliocentrismo por conta da ausência da observação de uma paralaxe estelar. O assunto foi então investigado em 1615 pela igreja através da Inquisição Romana, que concluiu que o tema era "tolo e absurdo em filosofia e formalmente herético, pois contradiz explicitamente em muitos lugares o sentido da Sagrada Escritura".

Mais tarde, Galileu defendeu suas opiniões no Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas Mundiais (1632), que parecia atacar o papa Urbano VIII e, assim, alienou-o dos jesuítas, que até então o haviam apoiado. Foi julgado pela Inquisição, considerado "veementemente suspeito de heresia" e forçado a se retratar, e passou o resto de sua vida em prisão domiciliar. Enquanto estava preso, escreveu a obra Duas Novas Ciências, na qual resumiu o trabalho feito, cerca de quarenta anos antes, nas duas ciências atualmente designadas cinemática e força dos materiais[1].

 

A grandeza de Galileu[2] foi e utilizar a luneta como instrumento científico. Galileu levou a luneta para dentro da ciência usando a como instrumento científico ei concebendo a como potencialização dos nossos sentidos. A importância de Galileu em relação à luneta está no fato de que ele superou todo na série de obstáculos epistemológicos, Ideias que proibiam outras ideias e posteriores pesquisas.

Como na pesquisa de Galileu o universo torna-se maior. A certeza de agora em diante é dada pela experiência sensível.

Galileu descobri que a galáxia é um amontoado de inumeráveis estrelas.

O argumento mais importante do sidereus nuncius é a descoberta dos satélites de Júpiter.

A medida que se eu tinha confirmações da teoria copernicana ao mesmo tempo caía aos pedaços a concepção do mundo aristotélico-ptolomaico. Contra a teoria de Aristóteles Galileu sustenta que tava que não há diferença de natureza entre a Terra e a Lua, portanto entre os astros pelo menos a Lua não possui as características de absoluta perfeição que a tradição a ela atribuía.  O mundo sub lunar não é diferente do lunar.

Galileu apresenta argumentos contra o sistema ptolemaico. Galileu demonstrou que a Lua e o Sol não são astros perfeitos, provocando uma grande crise no mundo científico daquele tempo e sobretudo o desconcerto da igreja.

O grande problema levantado por copérnico, que Kepler ei Galileu foi a crise da leitura fundamentalista está da bíblia pós pela igreja daquele tempo a bíblia não podia errar.

Por um lado Galileu, teoriza a demarcação entre proposições científicas e proposições da fé reclamando autonomia dos conhecimentos científicos, que são comprovados e avaliados por meio da aparelhagem constituída pelas regras do método experimental. Por outro lado, essa autonomia da ciência em relação às sagradas escrituras encontra a sua justificação no princípio de que a intenção do Espírito Santo é a de nos ensinar como se vai ao céu e não como vai ao ceu.

A sagrada escritura não é um tratado de astronomia, nas escrituras não encontramos nem mesmo nomeados os planetas exceto o Sol e a Lua.

Não é intenção da sagrada escritura nos ensinar seu imóvel está firme nem se sua figura é informa de espera, de disco o estendida num plano, nem se a Terra está contido em seu centro ou de um lado. Não é função da sagrada escritura determinar a Constituição e os movimentos dos céus e das estrelas. Segundo Galileu a sagrada escritura é uma mensagem de salvação que deixa intacta a autonomia da investigação científica.

Na opinião de Galileu ciência fez são incomensuráveis e por isso são compatíveis. O discurso científico é um discurso em empiricamente controlável que Visa a nos fazer compreender como funciona este mundo, ao passo que o discurso religioso é discurso de salvação que não se preocupa com o que, mas sim com o sentido das coisas da nossa vida.

A ciência de Galileu não é mais um saber a serviço da fé, não depende da fé, mas tem um objetivo diferente e se alicerça se fundamenta em razões diversas das da fé. A escritura contém mensagem da salvação não sendo sua a função de determinar a Constituição dos céus e das estrelas. As proposições da fé nos dizem como se vai ao céu, enquanto as proposições científicas obtidas através de sensatas experiências e demonstrações necessárias a testa como vai o céu. Indo autônoma em relação à fé a ciência deve ser muito mais autônoma ainda em relação a todos os vínculos humanos que impedem sua realização. A ciência é autônoma em relação à fé mas também é algo bem diferente daquele saber dogmático representado pela tradição aristotélica. Isso, porém não significa para Galileu que a tradição e danosa enquanto tradição ela é danosa quando se erigem dogma, dogma incontrolável que pretende ser intocável.

Autonomia em relação à fé e contrária às pretensões do saber dogmático, a ciência de Galileu é a ciência de um realista. Realista é copérnico, realista é Galileu. Este não raciocínio como puro matemático mas como físico, considerando-se mais filósofo do que matemático. Na opinião de Galileu a ciência não é um conjunto de instrumentos úteis mas muito mais a descrição verdadeira da realidade, dizendo nos como vai o céu. A ciência pode nos dar uma descrição verdadeira da realidade, alcançando os objetos e sendo objetiva. Mas só pode celo se estiver em condições de traçar uma distinção fundamental entre as qualidades objetivas e as qualidades subjetivas dos corpos, somente na condição de que a ciência descreva as qualidades objetivas dos corpos, quantitativas e miseráveis e exclua o homem de si mesma as qualidades subjetivas.

Cores, odores, sabores, são qualidades subjetivas, não existem no objeto, mas somente no sujeito que sente, assim como as cócegas não estão na pluma mas sim no sujeito que as sente.

 

O pensamento de Galileu[3] está intimamente ligado à Revolução Científica do século XVI. Com ele ocorre uma mudança radial na atitude mental da nascente ciência moderna. Esta mudança, comparada por alguns, somente com a descoberta do “cosmos” pelos gregos, se estrutura em dois pontos: 1) a destruição da concepção medieval do universo e, consequentemente, de todos os conhecimentos fundados neste; 2) a geometrização do espaço, ou seja, a substituição da concepção de um espaço cósmico, qualitativamente diferenciado e concreto, por um espaço homogêneo e abstrato da geometria euclidiana.

a destruição de uma idéia de mundo finito e ontologicamente diferenciado, ou seja, um mundo aristotelicamente dividido em dois planos: divino (regido por leis eternas) e sublunar (regido pela física). Esta concepção entrou em crise entre os séculos XV e XVI. O aristotelismo-escolástico já não representava o modelo de conhecimento passando a ser considerado como uma “teorética estéril”. Era preciso uma reconstrução do saber teórico livre de toda interpretação metafísica. Este período também é marcado por uma forte expressão de um naturalismo imanentista, isto é, por uma busca de compreensão da natureza como possuidora de uma estrutura interna e não como expressão teleológica transcendente.

A física de Aristóteles se fundamenta, basicamente, na percepção sensível e, deste modo, pode ser caracterizada como anti-matemática. Aristóteles substituiu a posição hipotético-metódica do racionalismo platônico por uma posição empirista, ou seja, o estagirita encerra o processo teórico em um sistema conceitual partindo de um aspecto muito particular da experiência. Este modo de proceder ficou conhecido como “sistematização racional aristotélica” e serviu de base para a escolástica. O problema deste método está no fato de excluir a progressividade do sistema conceitual. A idéia teleológica que continha o peripatetismo, obscurecia os dados das experiências e, ao mesmo tempo, não refletia o sentido e a função dos conceitos. Galileu se posiciona contrário ao aristotelismo por dois motivos: primeiro, sua concepção de espaço e movimento e, segundo, a aceitação da linguagem matemática como instrumento adequado para a compreensão da realidade natural. A lógica aristotélica era, para Galileu, bastante eficaz para a análise do discurso, para a retórica, para as ciências morais, mas não para a compreensão da natureza. Na sua obra Diálogo sobre os dois máximos sistemas, Galileu buscou reabrir, embora aparentemente tivesse valorizando a cultura católica, a discussão sobre a concepção copernicana do universo, não como uma hipótese matemática, mas como uma visão real das coisas. Foi em Copérnico que Galileu encontrou um novo caminho para conceber o mundo com novos olhos e novos exames. Sua crítica ao aristotelismo pode ser resumida nos seguintes pontos: a) ataque à divisão aristotélica entre os mundos celeste e terrestre. Para Galileu, o universo é um todo regido por leis idênticas. O segundo ponto, consiste na defesa de galileniana de Copérnico contar os ataques, no que diz respeito ao movimento dos corpos inclusive da terra. Argumentos do tipo: os graves caem perpendicularmente ou que uma pedra jogada do alto de uma torre deveria cair distante da sua base, devido ao movimento da terra, são desconsiderados por Galileu como falsas. Além destes dois pontos, podemos citar outros três expostos na sua obra De il saggiatori em que Galileu critica diretamente a tradição escolástica medieval, são eles: a) que o paripatetismo tem como base uma arbitrariedade dos processos lógicos, produzindo, consequentemente, conceitos inexatos e ambíguos; b) critica a autoridade da tradição a partir da distinção entre poesia, erudição histórica e ciência – esta apontada como a única fonte de mediação entre a razão e a experiência; c) acusa o peripatetismo de renegar os próprios princípios de aristóteles que não eram, segundo Galilieu, senão que ensinar o saber científico mediante os sentidos.

A CONCEPÇÃO GALILENIANA DE CIÊNCIA

 Uma das características mais marcantes do pensamento de Galileu e da ciência moderna consiste na separação dos assuntos destinados à fé e os destinados à ciência. Segundo Galileu, a religião, por se pautar no dogma da revelação, não tem autoridade para determinar nem opinar em assuntos que envolvem disputadas naturais. Para ele, isso caberia à ciência justamente pelo fato desta se pautar na razão e ter como método as sensatas experiências e demonstrações necessárias. O conhecimento científico é, portanto, autônomo com relação à fé. Livre dos argumentos do tipo ipxe dixit, ou seja, que não resistem a demonstrações, Galileu proporá uma ciência voltada para o mundo sensível e não para o “mundo do papel”. Para Galileu, assim como a religião a tradição também pode tornar-se danosa quando assume o estado de dogmáticas. A ciência é antes de tudo realista e não um mero instrumento de cálculos úteis para previsões. Ela descreve e interroga a natureza. Ao descrever a realidade a ciência passa a ser objetiva desmerecendo valores puramente subjetivos. Galileu busca diferenciar ciência de pseudo-ciências. Ao demonstrar a geometrização da natureza Galileu deslocou o universo antropocêntrico-aristotélico. Uma das grandes contribuições realizadas por Galileu foi a instauração de um novo método de saber frente ao teologismo tradicional. Galileu aponta para a observação direta dos fenômenos naturais como uma exigência racional. Para ele, o método científico consiste em uma determinação recíproca entre a esfera do empírico e a do racional, ou seja, a partir da observação empírica formula-se uma lei geral expressando relações matemáticas tais que possam representar a estrutura do fenômeno para, em seguida, confrontar com os dados da experiência, buscando, assim, uma harmonização pela análise e síntese. O método consistia, portanto, em uma determinação recíproca entre o universal e o particular, entre o empírico e o racional. O copernicanismo de Galileu passa a ser entendido como uma teoria física e uma explicação racional da verdade. Para nosso pensador, antes de se querer entender o universo é preciso saber qual é a sua “língua” e, para ele, a língua do universo é a matemática. Todo o universo se expressa em figuras geométricas. Com Galileu houve a substituição do mundo qualitativo da experiência cotidiana e da percepção sensível pelo mundo abstrato de Arquimedes. O método científico para Galileu se compõe de dois momentos que se interconectam, são eles: as “sensatas experiências”, isto é, a observação mediante os sentidos dos fenômenos em análise e “as necessárias demonstrações” que são conseqüências deduzidas rigorosamente das experiências.

A partir do que foi dito, podemos concluir que todo esforço de Galileu justifica-se na busca de libertação da ciência do racionalismo dogmático-metafísico ao qual permaneceu submetida a tradição filosófico durante muito tempo. Longe do ideal de uma razão fechada em um sistema de conceitos, Galileu propõe sua substituição por uma “sistemática aberta” que se desenvolveu simultaneamente com o aprofundamento e o alongamento do método experimental. O conhecimento científico não se limita mais a conceitos genéricos e abstrações arbitrárias do dado empírico, mas por “leis universais” que determinam a íntima relacionalidade da experiência. A filosofia de Galileu é ciência, ou seja, é fruto da razão e da experiência. O livro da natureza se revela por meio da matemática e da experiência graças ao aperfeiçoamento dos sentidos e por meio de instrumentos e cálculos.

 BIBLIOGRAFIA

GALILEU GALILEI, Ciência e fé - 2ª edição: Cartas de Galileu sobre o acordo do sistema copernicano com a Bíblia. Unesp, Sçao Paulo 2009.

GALILEU GALILEI, Sidereus Nuncius. O Mensageiro das estrelas, Calouste, Lisboa 2010.

GALILEU GALILEI, Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano, Editora 34, São Paulo 2011.


[1] Cfr.: Wikipedia

[2] Cfr. Reale-Antiseri, História da filosofia Vol. 3, São Paulo, Paulos 2004, pp. 189-219.

O PÃO DA VIDA (João 6)

 





Texto de Maurizio Marcheselli

Tradução: Paolo Cugini

 

João 6 é provavelmente o texto mais profundo sobre a Eucaristia em todo o NT, sem negar que existem outras reflexões profundas; contudo, uma reflexão tão complexa como a encontrada em João 6 não me parece ter iguais.

1. Introdução

1.1. Uma rede de relações envolve a Eucaristia

Em primeiro lugar, notamos que, em João 6, a Eucaristia é falada dentro de uma rede de relações extremamente complexa e muito significativa. É impossível falar da Eucaristia extrapolando-a a partir de um conjunto de elementos que são aqueles que lhe dão sentido. Se você extrapolar e torná-lo absoluto, não estará prestando um bom serviço, mas empobrecendo-o; a consciência do que é empobrecida. A Eucaristia tem um significado próprio dentro de uma determinada rede de relações e a primeira intuição fundamental do QE é que, antes de falar da Eucaristia, precisamos reunir alguns elementos, sem os quais não podemos compreender realmente o que ela é. vida. Este é um primeiro ponto a ter em mente.

1.2. A imagem do pão

Uma segunda observação introdutória: João 6 é um capítulo muito longo, o mais longo de todo o evangelho (71 vv.). Porém, está bem unificado por uma imagem norteadora, que é a do pão: a imagem do pão e o termo “pão”, que é o mais recorrente dentro do capítulo. Além disso, juntamente com o termo “pão”, existe todo um conjunto de palavras que dizem “comer” (com verbos diferentes), “comida” (com várias formas de indicar). Portanto, ao contabilizarmos todos os termos que se referem a esta área, reconhecemos que esta é verdadeiramente a pedra angular e que todo o capítulo se desenvolve em torno deste tema. Portanto a imagem principal é a do “pão”. Além disso, Jesus repete duas vezes uma frase crucial: “Eu sou o pão da vida” (v. 35,48); portanto, há uma ligação entre o pão e a vida.

1.3. O uso do símbolo. Jesus usa o pão como imagem.

Jesus adorava falar em imagens. Certamente no QE há discursos muito complexos, aos quais, na sua complexidade, nunca falta uma certa riqueza de imagens. Sem dúvida esta era uma característica de Jesus: em vez de falar em conceitos abstratos, ele adorava usar imagens. Isto é muito interessante. Por que ele usou imagens? Quando falamos em imagens, podemos usá-las de maneiras muito diferentes. Jesus favorece uma certa forma de utilização das imagens que hoje se chama símbolo; então aqui precisamos fazer um esforço para entender bem o que é um símbolo.

O termo “símbolo” deriva do grego sẏmbolon, ou syn-, “com”, “junto”, combinado com bolón, que deriva do verbo bállo/bállein, que significa “perseguir”, “grudar”, “aderir”. lançar” (tem uma conotação forte). Neste caso significa “colocar”; portanto é: “juntar”.

Para que exista um símbolo, pelo menos dois elementos devem estar presentes; caso contrário você não "montará" nada. O primeiro elemento é um objeto comum ou uma situação de vida comum, que é partilhada por todos e que todos conhecem; por exemplo “comer”. Mas isto não basta, porque se trata apenas do elemento material, que ainda não é o símbolo. Algo é necessário mais; isto é, o falante sobrecarrega aquele objeto de uso comum (ou aquela situação da vida cotidiana) com um “extra” de significado. Vejamos um exemplo simples: óculos. Os óculos podem ser descritos: seu formato, o material de que são feitos, se estão na moda ou não; entretanto, tudo isso não é um símbolo, mas a descrição de um objeto. Então você pode começar a dizer que não se vê muito, que tem dificuldade para focar na realidade, que não consegue distinguir os rostos das pessoas que estão à sua frente, se essa pessoa é homem ou mulher, se eles têm cabelos curtos ou longos... Reclamamos que tateamos em uma penumbra indistinta e que, portanto, precisamos de algo que nos ajude a nos concentrar. Na verdade, se você não consegue focar, se não capta os contornos, se fica confuso e, portanto, comete muitos erros de avaliação, então você realmente precisa de um par de óculos para focar os contornos da realidade. É um exemplo muito simples; isso é usar uma imagem como símbolo.

Obviamente, tomando o exemplo dos óculos, é necessário que o ouvinte saiba o que são óculos; na verdade, se você estivesse falando para uma população que não a conhece, o que você diria seria incompreensível. Portanto, o objeto deve ser de uso comum para quem fala e quem ouve, ou seja, para que todos conheçam sua materialidade, para que o ouvinte possa compreender aquele “extra” de sentido com que o falante sobrecarrega aquele objeto comumente usado.

Jesus adorava usar imagens como símbolos: pegava nas situações da vida e sobrecarregava-as de significado. Na realidade, nada é um símbolo em si: são apenas objetos ou situações. Porém, tudo pode se tornar símbolo, pois o processo de simbolização é realizado pela pessoa, que pega um objeto comum ou uma situação cotidiana e os lê em profundidade; e, lendo-os em profundidade, ele lhes dá um “extra” de significado e, dessa forma, os simboliza, os torna simbólicos. O símbolo é belo, porque pressupõe sempre que permaneça uma certa materialidade: é necessário que o ouvinte conheça o objeto ou situação na experiência cotidiana de sua própria vida. Se você não conhece o objeto ou a situação, você não consegue entender. O símbolo precisa da dimensão material, concreta, empírica, para não desaparecer.

Em João 6, o símbolo dominante é o pão. Jesus partilha a experiência de comer e de ter fome com os seus interlocutores; portanto, saber o que é comida, o que é pão. E precisa que os seus interlocutores conheçam e recordem bem a experiência fundamental da alimentação, da necessidade de comida. Todos os seres humanos precisam comer. Na sua experiência comum, a comida lembra-lhes a sua finitude; a necessidade de alimentação lembra a cada pessoa - mesmo aquela que pode ser a mais egocêntrica e a mais desinteressada por tudo e por todos - que deve contribuir com algo de fora, portanto, que depende do ambiente externo e dos outros. A comida nos lembra da finitude, dos limites. A comida lembra-nos que devemos introduzir algo para viver: aqui está o “pão da vida”. Para viver, os seres humanos precisam de se alimentar: esta é a experiência comum e básica, comum a todos. A partir desta experiência muito simples, Jesus começa a falar de um determinado alimento que nutre uma determinada vida. Partindo da experiência muito simples partilhada por todos de que para viver é preciso comer, Jesus acaba falando de uma determinada vida, que se alimenta de um determinado alimento.

1.4. Vida no Quarto Evangelho

No QE existem duas palavras diferentes para indicar “vida”. A tradução portuguesa perde a distinção, pois vem em português sempre traduzido como "vida". Em vez disso, o evangelista nunca confunde os dois tipos de vida. Quando quer falar da vida humana concreta, utiliza um certo termo grego, nomeadamente psyché, que não é “a alma”, mas “vida humana”. No entanto, João fala com mais frequência sobre a vida usando outro termo, nomeadamente zoé. Para o evangelista Zoé é vida; não a vida terrena, mas a vida no sentido pleno. A vida terrena torna-se uma imagem da Vida em sentido pleno. Para João (ou para Jesus, na visão do evangelista João), zoé é a vida tal como Deus a possui. Obviamente é uma vida eterna; é uma vida no sentido absoluto. Deus não tem vida de forma transitória ou passageira; Deus tem vida, na verdade Deus é vida. Nele a vida é algo absolutamente estável, completamente pleno. Ao longo do QE há um anúncio fundamental: a todos é dada a oportunidade de receber – aqui e agora – a vida tal como Deus a possui. Este é o coração do Evangelho segundo a concepção de João, em cuja visão a vida tal como Deus a possui não precisa, para começar, que a vida terrena termine, como, pelo contrário, às vezes se pensa de forma banal, ou seja, , que a vida eterna começaria após o término da vida terrena. Isto é um disparate, fruto de uma má catequese. A visão dos evangelhos é que a vida eterna começa aqui, nesta terra: esta é precisamente a boa notícia, isto é, que Deus criou as condições sob as quais, dentro da vida humana (que é uma vida transitória), ela pode ser recebida – já aqui e agora – vida divina, vida tal como Deus a possui, vida em sentido absoluto. Tal como a vida humana, a vida divina também precisa de “alimento”. Se os seres humanos comem para permanecerem vivos, a vida divina também precisa ser nutrida. Este é um ponto fundamental: a linguagem simbólica é uma linguagem profundamente religiosa. O símbolo tem um poder evocativo extraordinário: construir símbolos é pegar situações da vida cotidiana e carregá-las de significado. Já foi dito que o símbolo é a protolinguagem da experiência religiosa: é linda definição. O símbolo é a linguagem primordial da experiência religiosa. Ao falar em símbolos, você consegue fazer seu interlocutor compreender que a realidade não é pura materialidade; e isso é muito importante. A linguagem simbólica vai além do materialismo com que as pessoas costumam abordar a realidade que, muitas vezes, torna-se opaca, tornando-se objetos e situações. Em vez disso, o olhar simbólico é capaz de ver que tudo sempre tem potencialmente um acréscimo de significado dentro de si; então é preciso soltá-lo, sem nos determos na materialidade do olhar habitual, que só vê “coisas”. Devemos tentar ver os símbolos; e quando as coisas se tornam símbolos, já estamos num horizonte religioso, espiritual.

2. Jesus dá pão (Jo 6,5-11)

«5Então Jesus olhou para cima e viu que uma grande multidão se aproximava dele e disse a Filipe: «Onde podemos comprar pão para esta gente comer?». 6Ele disse isso para testá-lo; na verdade, ele sabia bem o que estava prestes a fazer. 7Filipe respondeu-lhe: “Duzentos denários de pão não bastam nem para que todos recebam um pedaço”. 8Então um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro, disse-lhe: 9“Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes; mas o que é isso para tanta gente?”. 10Jesus respondeu: “Faça-os sentar”. Havia muita grama naquele lugar. Então eles se sentaram e havia cerca de cinco mil homens. 11Então Jesus pegou os pães e, depois de dar graças, distribuiu-os aos que estavam sentados, e fez o mesmo com os peixes, desde que eles quisessem” (Jo 6,5-11).

O ponto em que nos concentramos é o fato de que Jesus decide, de forma independente, distribuir pão à multidão. A história da multiplicação dos pães é a que tem mais atestados nos evangelhos: são 6 histórias da multiplicação dos pães (com Jo 6,1-14: Mt 14,13-21 e 15,32-38; Mc 6,30-44 e 8,1-10; Lucas 9.10-17). É uma das poucas histórias presentes em todos os evangelhos. Nos sinópticos, são os discípulos que se preocupam e apontam a Jesus que a multidão o segue há alguns dias; é melhor dispensá-la antes do anoitecer, caso contrário as pessoas começarão a desmaiar; portanto, sugerem a Jesus que os envie para algum lugar onde possam encontrar algo para comer; é neste ponto que Jesus reage. Porém, no QE não acontece assim: no evangelho segundo João não há pedido; ninguém pede nada a Jesus: nem os discípulos, nem a multidão. Jesus faz tudo sozinho: é ele quem olha para a multidão e manda alimentá-la. Este não é um detalhe menor, pois no QE isso acontece o tempo todo. Um exemplo é a história do cego nascido em João 9: ninguém pede a Jesus que o cure, nem mesmo o próprio cego. Não é como Bartimeu, que grita em Jericó para atrair a atenção de Jesus (Mc 10,47); O cego de nascença de João não pede nada. Nem mesmo os discípulos aqui não pedem nada; Jesus faz tudo sozinho; Por quê? É uma questão crucial, que tem duas respostas.

1. Você não pode perguntar o que não sabe. Só é possível pedir algo que esteja dentro do horizonte das próprias expectativas. Você não pode pedir o que você nem sabe que existe; deve existir pelo menos na sua imaginação! Você não pode pedir aquilo que não tem experiência. Os dons de Jesus ultrapassam qualquer imaginação, portanto não podem ser objeto de pedido.

2. O presente se assemelha à pessoa que o dá. Isto também é verdade na nossa experiência cotidiana: num presente há sempre algo sobre a pessoa que o dá (seja bonito ou feio!). O presente traz indelevelmente a marca de quem o dá. Da mesma forma, todos colocam a marca de quem são nos presentes que dão. Isto é verdade em Jesus até o enésimo poder: pode-se dizer que os dons de Jesus se assemelham a ele de uma forma incrível; Os dons de Jesus têm todas as características que lhe são típicas.

Pergunta: Alguém perguntou por Jesus? Ou seja, Jesus é fruto de um pedido que alguém fez a Deus? O evangelho mostra o contrário: foi Deus quem, um dia, decidiu enviar o seu Filho. Ninguém lhe perguntou nada; Ele fez tudo. Com efeito, podemos acrescentar: os homens nem sequer sabiam que existia um Filho de Deus e, se não se pode perguntar o que não se sabe, certamente não o poderiam pedir. Aqui está então a razão pela qual Jesus dá este pão. Ninguém pergunta a ele; na verdade, ninguém lhe pode perguntar, porque Jesus está impresso neste pão, que tem todas as características típicas de Jesus.

Gosto de um paralelo: «Então Jesus olhou para cima e viu que uma grande multidão se aproximava dele e disse a Filipe: «Onde podemos comprar pão para que esta gente possa comer?»». Jesus levanta os olhos, vê a multidão, conhece as suas necessidades profundas de uma forma muito mais profunda do que a própria multidão pode conhecê-las e decide dar àquela multidão um pão que eles nem pediriam se não fosse ele quem o desse. para eles der. É claro que isto equivale exatamente ao dia em que Deus, do alto do seu céu, ergueu os olhos (na verdade, talvez os tenha baixado!), viu uma grande multidão e pensou em dar-lhes o que essa multidão nunca poderia pediu, mas que correspondeu ao que mais profundamente necessitava. Esse é o dia em que o Filho se tornou carne. Um dia Deus voltou o seu olhar para o mundo, viu a multidão e decidiu por iniciativa própria, sem que ninguém lhe pedisse nada, dar carne ao seu Verbo. Há aqui um ponto crucial: aquele pão que Jesus vai dar é uma imagem dele! Aquele pão tem todas as suas características, aquele pão representa-o: é o Verbo que se fez carne, é o símbolo do Filho de Deus feito filho do homem, do Verbo eterno feito filho de Maria. Então entendemos bem por que, quando pouco depois de o evangelista descrever a refeição, ele escreve algo que faz sorrir quem não entende a linguagem simbólica: o evangelho narra que Jesus distribui ele mesmo o pão, não o dá aos discípulos (v. .11) . Em termos concretos parece impossível: demoraria muito tempo a distribuir pão a 5.000 homens! Jesus tem ajudantes; por que você não os usa?

Neste detalhe, João transmite um significado muito profundo. Se aquele pão – como sugiro – se parece muito com Jesus, então este pequeno detalhe significa que Jesus se dá, se entrega; ninguém toma este pão, mas é ele quem se dá de si mesmo, é ele quem se dá para ser comido. Em João 10 Jesus diz: «Ninguém me tira a vida; Eu dou isso de mim mesmo. Tenho o poder de dá-lo e o poder de recuperá-lo” (cf. 10,18). Isto é o que está indicado aqui: este pão, que representa Jesus, é dado por Ele, outra pessoa não pode dá-lo. Este é o sinal da liberdade absoluta com que o Senhor se deixa comer: entrega-se. Este é o primeiro ponto: a multiplicação dos pães.

Agora vamos pegar os dois picos da discussão. Este discurso é como uma cordilheira: é sempre muito alto, muito alto; mas existem dois picos. Você está sempre em altitude; no entanto, existem dois picos que são verdadeiramente os pináculos deste discurso de Jesus.

3. Pão de sabedoria (Jo 6,30-35)

A primeira citação é encontrada no v. 35, quando Jesus diz: «Eu sou o pão da vida».

«30Então a multidão lhe disse: «Que sinal então você dá para que possamos ver e acreditar em você? Que trabalho você faz? 31Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes de comer pão do céu." 32 Jesus respondeu-lhes: “Em verdade, em verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu, mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu. 33O pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”. 34Então lhe disseram: “Senhor, dá-nos sempre deste pão”. 35Jesus respondeu-lhes: «Eu sou o pão da vida; quem vem a mim não terá mais fome, quem crê em mim não terá mais sede”” (Jo 6,30-35).

A multidão diz a Jesus que “nossos pais”, ou a geração que saiu do Egito, “comeu maná no deserto”, e depois cita a Escritura: “Ele lhes deu pão do céu para comer”; em vez disso, que sinal Jesus faz? Antes de falar dos sinais (ou milagres), Jesus faz a exegese desta passagem da Escritura e a faz como os rabinos faziam naquela época. A multidão citou uma frase: “Deu-lhes a comer pão do céu”; então Jesus pergunta quem é o sujeito do verbo, ou seja: quem foi que “deu”? E ele continua, alegando que eles pensam que ele é Moisés. Mas não: era “meu Pai”; Jesus muda o sujeito do verbo. Além disso, o tempo verbal também muda: não «deu» (passado), mas sim «dà» (presente). É assim que Jesus exegeta a passagem. Enquanto a multidão pensa num acontecimento do passado, do tempo de Moisés, Jesus responde que aquela passagem da Escritura fala de um acontecimento que acontece no presente e que é realizado não por Moisés, mas por Deus: «Meu Pai dá você pão do céu, o verdadeiro.” Poderia ter sido traduzido “O pão de Deus é aquele que desce do céu”, respeitando assim melhor o sentido do texto, porque Jesus não diz imediatamente que aquele pão é uma pessoa; ele prefere deixá-los dar um passo de cada vez. Então ele diz antes de tudo para não pensarmos no passado, mas no presente; nem pensar em Moisés, mas em Deus: “Deus agora te dá o pão do céu, o verdadeiro”. O pão de Deus é “aquilo”; A quem você está se referindo? Para “aquele pão” ou para “aquele cara”? Jesus não diz isso imediatamente. «É ele quem desce do céu e dá vida ao mundo», e a multidão «morde a isca»: «Senhor, dá-nos sempre este pão» do céu. É só neste momento que Jesus revela que aquele pão é uma pessoa: «Eu sou o pão; Eu sou o pão da vida"; é a frase que expliquei como premissa.

Partindo da experiência ordinária de que todos os seres humanos necessitam de alimento para sustentar a sua vida na terra, Jesus revela que agora desceu um pão celestial; este pão é capaz de nutrir não apenas a vida física, e este pão é ele. Então o pão, antes de tudo, é ele, é uma pessoa, é a sua pessoa. Esse pão é ele, o Verbo feito carne. Para explicar esse ponto, vejamos as próximas duas frases: “Quem vem a mim nunca mais terá fome, e quem crê em mim nunca mais terá sede”. É curioso que Jesus divida as imagens. Até agora ele só falou em comer; agora ele fala também de “ter sede”. Jesus duplica a imagem em comer e beber: “Quem vem a mim nunca mais terá fome, e quem crê em mim nunca mais terá sede”. Por que você divide isso? Uma resposta poderia ser que Jesus está pensando na Eucaristia; é uma solução possível.

No entanto, há uma razão primária e mais fundamental. No Antigo Testamento (AT) há uma personagem importante que aparece em muitas passagens: ela é a Sabedoria, que muitas vezes é personificada como uma mulher. Em grego, o termo sophia é feminino, assim como o equivalente hebraico; isso favoreceu a personificação com imagem feminina. Há um texto muito bonito, que Jesus certamente tem em mente enquanto fala:

«9.1 A sabedoria construiu a sua casa ele esculpiu suas sete colunas. 2Ele matou seu gado (eles comem), ele preparou seu próprio vinho (você também bebe) e arrumou sua mesa. 3Ela enviou suas donzelas para proclamar nos pontos mais altos da cidade: 4"Quem é inexperiente deveria vir aqui." Para aqueles que não têm bom senso ela diz: 5“Venha, coma meu pão, beba o vinho que preparei. 6Abandone a inexperiência e você viverá, siga direto pelo caminho do entendimento"" (Provérbios 9,1-6).

Portanto, no banquete da Sabedoria comemos e bebemos; é por esta razão que Jesus duplica a imagem. Mas o que você come? O que a sabedoria lhe dá para comer? Ela alimenta seus sábios ensinamentos, ou seja, ela se alimenta. Isto é o que se come no banquete da sabedoria. Este banquete é para os ignorantes, para os tolos, para os tolos, para os inexperientes; e os inexperientes vão comer experiência, sabedoria, inteligência: vão comer os sábios ensinamentos da sabedoria, ou, em última análise, comê-los. Ele se dispensa, assim como dispensa sabedoria. Tudo isto ajuda a compreender João 6, porque é isto que Jesus diz, juntamente com toda a tradição sapiencial de Israel: “Vinde a mim e comei”. O que você deve comer? Comemos sabedoria, educação, inteligência, porque Jesus é a sabedoria feita carne, ele é a encarnação da sabedoria. Há outro texto, menos utilizado, mas muito adequado.

«1Ó todos vocês que têm sede, venham à água (bebemos), quem não tem dinheiro vem de qualquer jeito, compre e coma (você come)".

Mas como comprar se “duzentos denários de pão não seriam suficientes para lhe dar um pedacinho” (cf. 6.7)? Isaías continua: «Compre sem dinheiro». Há precisamente uma semelhança com João 6: o tipo de alimento que Jesus oferece não pode ser comprado, não tem preço, não pode ser pago. É claro que estamos em outra ordem: esses alimentos só podem ser doados.

«Compre sem dinheiro e coma, sem despesas, vinho e leite. 2Por que vocês gastam dinheiro porque não é pão, sua riqueza pelo que não satisfaz?” «Venha, me escute, e você comerá coisas boas e você desfrutará de comida suculenta. 3Aperte seu ouvido e venha até mim, escutai e vivereis” (Isaías 55,1-3).

O texto diz: «Venha, escute-me, e você comerá coisas boas e desfrutará de comidas suculentas». Diante desta frase, pensamos numa situação como a seguinte: «Ouça-me, sei onde você pode comer bem, vou lhe dar o endereço de um restaurante adequado. Ouça-me e vá comer onde eu lhe disser. Ao pensar assim, ouvir é separado de comer; em vez disso, na tradição profética, comemos enquanto ouvimos. O que você deve comer? A palavra é comida. O texto quer dizer: «Vem, escuta-me e, ouvindo, comerás coisas boas», ou: «Se me ouvires, comerás». É o tema da palavra como pão, da palavra como alimento. Esta é a tradição profética de Israel: “O homem não vive só de pão, mas o homem vive daquilo que sai da boca de Deus” (Dt 8,3), ou daquilo que Deus diz através dos profetas. Jesus tinha esses textos na mente e no coração, assim como os seus ouvintes, porque conheciam os textos bíblicos.

Agora é mais claro o que Jesus diz: “Eu sou o pão da vida”; como você pode dizer aquilo? Em que sentido ele é? Reúne toda a tradição de Israel e quer dizer: «Eu sou o pão da vida, porque dou sabedoria, porque te comunico a sabedoria, porque te trago a palavra de Deus; na verdade, porque eu sou a palavra de Deus que se fez carne e em tudo o que digo e faço é a palavra de Deus que se manifesta a vocês”. Novamente: aqui os estudiosos notam um fato estranho. Depois que a multidão citou uma passagem das Escrituras que diz: “Deu-lhes pão do céu para comer”, Jesus começa a falar de pão, mas não usa mais o verbo “comer”. Pareceria muito estranho; Em vez de faz todo o sentido. Jesus não usa mais o verbo “comer”, porque usa outro. O verbo encontrado com mais frequência nesta parte do discurso é acreditar. Então faz sentido: se ele é o pão, esse pão se come crendo. O equivalente a mastigar, a comer, é acreditar. Nesta descrição simbólica o equivalente a mastigar para assimilar é acreditar; este pão se assimila crendo, este pão se come crendo. Fé é comer, fé é comer. Então ele não fala em comer, mas fala em acreditar. Se uma pessoa deseja nutrir-se e comer aquele pão que nutre nela aquela vida como Deus a possui, então ela deve comer para nutrir essa vida; e você come acreditando. Fé é comer, fé é alimentar-se deste pão que é o pão da sabedoria, que é o pão da palavra. Ainda precisamos falar sobre a Eucaristia, embora comer e beber possa ser uma lembrança da Eucaristia. Provavelmente existe esse aspecto também.

4. Pão de amor (Jo 6,48-51)

O segundo e definitivo pico é encontrado no v. 51: «O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo»; É uma frase famosa.

«48Eu sou o pão da vida. 49Seus pais comeram o maná no deserto e morreram; 50Este é o pão que desce do céu, para que todo aquele que dele comer não morra. 51Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer deste pão viverá para sempre, e o pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6,48-51).

Jesus retoma o primeiro clímax, repetindo exatamente a mesma frase: “Eu sou o pão da vida”. Ele retira isso, porque agora se torna um trampolim a partir do qual ele se eleva. E o ponto, alcançado anteriormente, a partir do qual partimos para uma nova subida final e para chegar ao cume. Por isso reitera: “Eu sou o pão da vida”, e depois dá um salto em frente, que é dado precisamente por aquela frase: “O pão que darei é a minha carne pela vida do mundo”. Para compreendê-lo plenamente, devemos antes de tudo compreender que esta frase é apenas uma forma de repetir o que já disse: “Eu sou o pão da vida”; «O pão que darei é a minha carne para a vida do mundo». O “pão da vida” torna-se “o pão dado para a vida do mundo”: é a mesma ideia. A declaração “Sou eu” passa a ser: “Darei (…) a minha carne”. Este é o ponto crucial. Primeiro disse: «Eu sou o pão que dá vida»; agora diz: «O pão que dá vida ao mundo é a minha carne dada». O que significa a expressão: “minha carne dada por”? Provavelmente estamos habituados a pensar nesta frase como uma frase eucarística; Mas isso não! Em primeiro lugar, fala da morte de Jesus; é uma meditação na cruz, não na Eucaristia. Pode ser que sim, mas a frase: “O pão que eu darei é a minha carne pela vida do mundo” é uma meditação na cruz.

Na Bíblia, “carne” indica o ser humano como um todo, na sua existência mortal. A “carne” é o homem como realidade transitória, fugaz, finita, destinada a morrer. Então é a existência humana. Depois Jesus diz que “o pão que eu darei, um pão que dá vida ao mundo” é “a minha carne”, é “a minha existência de homem entregue”. Aqui há um eco do que Jesus afirma no discurso do “bom pastor”, onde Jesus ensina que “o bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.11, CEI2008). Nesta frase, “vida” é psyché, ou seja, o bom pastor dá a sua existência como homem, está disposto a morrer pelas ovelhas. É a mesma ideia que está aqui: “Dar a própria carne”, a própria existência humana por alguém. O ponto crucial é que isto é pão. Mas em que sentido é esse pão? Por que a existência humana de Jesus, entregue à morte, é o pão que o mundo mais necessita para viver?

A razão é relativamente simples: basta pensar na forma como muitas vezes João, no QE, apresenta a morte de Jesus. O significado fundamental que, para o evangelista, tem a morte de Jesus é o seguinte: «Antes da festa de Páscoa Jesus, sabendo que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1). Este “fim” é a morte, é a cruz. Para João a cruz é o ápice do amor: “Ele os amou até o ápice”, que é – precisamente – a cruz. No QE se diz com muita força que a morte de Jesus é o extremo do amor. Não há outra situação como a da cruz em que vemos o amor de Jesus pelo mundo e o amor de Deus pelos homens. Este é precisamente o pão que todas as pessoas necessitam mais profundamente. O pão que cada pessoa realmente precisa é saber que nesta terra existe alguém que a ama. Na verdade, quando você não come este pão, você morre; e isto pode ser visto claramente, especialmente na sociedade ocidental, onde o menor dos problemas (para muitos) é a disponibilidade de alimentos, mas onde o problema da fome profunda não desapareceu. Quando não há pão de amor, de sentir-se querido, ou, por algum desequilíbrio, ele deixa de ser percebido (essas são as tragédias), a pessoa fica impossibilitada de viver. O pão de que cada pessoa mais necessita é o pão de se sentir amado. Portanto, é um grande pão pelo qual uma pessoa pode dizer: “Ele me amou a ponto de dar a vida por mim”. Com a força desse tipo de alimento você pode continuar por toda a vida. Quando uma pessoa pode dizer, no fundo de si mesma, que sabe que é objeto de uma atenção tão profunda, isso é suficiente para fazê-la viver.

Portanto, para Jesus o pão é a palavra, é a sabedoria, é a cruz, com o que significa: para Jesus a cruz é a revelação, é a manifestação mais marcante da intensidade do amor de Deus pelo mundo e de seu próprio amor pelo mundo. Quando você cura dê na cruz, entendendo o que é, bem aí você pode comer, e também em abundância (!); ali se encontra um pão que sustenta a vida da pessoa, tanto a vida física como a divina. Na verdade, quando olhamos para a cruz como ela realmente é, naquele exato momento, nos tornamos participantes da vida divina.

5. A Eucaristia: pão de sabedoria e pão de amor (Jo 6,53-55)

Até agora, Jesus falou indiretamente sobre a Eucaristia, nunca falou dela explicitamente. Os últimos versículos tornam-se explícitos, porque «53 Jesus disse-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. 54Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. 55Pois a minha carne é a verdadeira comida e o meu sangue é a verdadeira bebida”” (6,53-55).

São expressões de tipo eucarístico: no fundo está certamente a liturgia eucarística, a celebração e a fração do pão, o comer a carne e o beber o sangue do Filho do Homem. Não podemos falar da Eucaristia se não a inserirmos no tecido de relações que procuramos extrair de João 6. Na reflexão de João, a Eucaristia é fundamentalmente a representação contínua e incessante daquele pão duplo que indicamos antes: o pão da sabedoria e o pão do amor. Na visão do quarto evangelista, a Eucaristia é a contínua exposição aos crentes – por parte de Deus e da Igreja – da encarnação e da cruz. Continuamente na Eucaristia o crente é colocado novamente em contato com a carne do Verbo, com a sabedoria, com o Verbo de Deus feito carne, e também com a cruz de Jesus como manifestação máxima e extrema do amor de Deus. A dimensão da sabedoria, da palavra, nunca pode ser separada da Eucaristia, porque significaria esquecer que a carne de Jesus é o Verbo encarnado. A contemplação da cruz como mistério do amor de Deus pelo mundo nunca pode ser separada da Eucaristia. Quando a Eucaristia é celebrada desta forma, então ela é compreendida e torna-se significativa; torna-se até capaz de ser um anúncio, de anunciar algo, porque já não permanece um rito celebrado no seio de uma congregação de pessoas, mais ou menos amigos, mas torna-se verdadeiramente o anúncio daquela Palavra que Deus diz ao mundo e de que o amor que Deus manifestou na cruz de Jesus.

IMMANUEL KANT: Crítica da razão pratica 1788

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