Material elaborado por pe
Paolo Cugini
A quem duvida ou nega que exista tal
natureza, da qual não se possa pensar nada de maior, dizemos aqui que sua
existência é provada, em primeiro lugar, pelo fato de que aquele mesmo que a
nega ou dela duvida já a possui no intelecto, quando, ouvindo falar disso, compreende
aquilo que é dito; em segundo lugar, porque aquilo que ele compreende é
necessário que não esteja apenas no intelecto, mas também na realidade. E esta
última passagem é provada assim: uma que existir também na realidade é maior do
que existir apenas no intelecto, se aquilo que ele compreende existe apenas no
intelecto, maior do que isso será tudo aquilo que existir também na realidade,
e assim o ente maior de todos será menor do que algum outro ente e não será o
maior de todos, o que certamente é contraditório. Portanto, é necessário que o
ente maior de todos, do qual já se provou que está no intelecto, não esteja
apenas no intelecto, mas também na realidade, porque diversamente não poderia
ser o ente maior de todos. Mas talvez possamos responder do seguinte modo.
Se afirmamos
que este ente já está em meu intelecto apenas pelo fato de que eu compreendo
aquilo que se diz, não poderia dizer de modo semelhante ter o intelecto também
todas as coisas falsas e sem dúvida de nenhum modo existentes em si mesmas,
porque se alguém as dissesse eu compreenderia tudo aquilo que diria? A menos
que por acaso não resulte que este ente seja tal que não possa estar no
pensamento do mesmo modo em que estão também as coisas falsas ou dúbias, e
então eu não seja obrigada a dizer que penso ou tenho no pensamento aquilo que
ouvi, mas que o compreendo e que o tenho no intelecto; ou seja, digamos que não
o posso pensar a não ser entendendo-o, isto é, compreendendo com ciência, que
ele existe na própria realidade.
Todavia, se
assim for, em primeiro lugar ter tal ente no intelecto não será mais coisa
diversa e precedente no tempo, em relação ao compreender em um tempo sucessivo
que o ente existe, como ocorre com uma pintura, que antes está na mente do
pintor e depois na obra produzida. Além disso, bem dificilmente poderá ser
crível que, quando se tiver dito ou ouvido isto, não se possa pensar que isso
não exista, assim como ao invés se pode pensar que Deus não existe. Com efeito,
se não se pode, porque toda essa disputa é assumida contra quem nega ou duvida
que exista uma tal natureza?
Por fim, que
tal ente seja tal de modo a não poder ser percebido, que apenas é pensado, sem
a segura compreensão de sua indubitável existência, deve ser-me provado com
algum argumento que não se preste à dúvida, e não com este; pois, quando
compreendo aquilo que ouvi, isso já está em meu intelecto. Com este argumento,
afirmo ainda que podem existir, da mesma forma, com todas as outras afirmações
incertas ou também falsas ditas por alguém do qual compreendo as palavras; e
existiriam também mais se eu, que ainda não creio neste argumento, nelas
cresse, como acontece freqüentemente.
Portanto, nem
mesmo o exemplo do pintor, que já possui no intelecto a pintura que está para
fazer, pode concordar bem com este argumento. Com efeito, a pintura, ainda
antes de ser pintada, encontra-se na própria arte do pintor, e tal realidade na
arte do artífice não é mais que parte de sua inteligência, pois, como diz santo
Agostinho, “quando um artesão está para construir um armário, antes ele o tem
na mente; o armário fabricado não é vida, porque vive a alma do artífice, na
qual existem todas estas coisas antes de serem produzidas”. Com efeito, como
estas coisas na alma vivente do artífice são vida, a não ser porque não são
mais que a ciência ou inteligência de sua alma?
Ao contrário,
de tudo aquilo que o intelecto percebe como verdadeiro, tendo-o ouvido ou
pensado, com exceção das coisas que são conhecidas como pertencentes à própria
natureza da mente, uma coisa é sem dúvida o conteúdo verdadeiro e outra o
próprio intelecto com que é captado. Portanto, mesmo que fosse verdadeiro que
existe o ente do qual nada pode ser pensado maior, este ser, todavia, ouvido e
compreendido, não é como a pintura ainda não executada e presente no intelecto
do pintor.
A isso
acrescentemos aquilo que observamos, isto é, que não posso, pelo fato de tê-lo
ouvido, pensar ou ter no intelecto aquele ente maior do que todas as coisas que
se podem pensar, do qual se diz que não pode ser outra coisa a não ser o
próprio Deus, como não posso pensar ou ter no intelecto aquele ente em base a
uma coisa por mim conhecida tanto pela sua espécie como pelo seu gênero,
também não posso pensar ou ter no
intelecto, da mesma forma, nem sequer o próprio deus; justamente por este
motivo, portanto, posso também pensar
que Deus não existe.
Com efeito,
não conheço a própria coisa, nem posso conjeturá-la a partir de outra coisa que
lhe seja semelhante, pois tu mesmo afirmas que ela é uma realidade de tal modo
feito, que nenhuma coisa pode ser-lhe semelhante. De fato, se eu ouvisse falar
de um homem que me é completamente desconhecido, do qual ignorasse também a
exist6encia, poderia todavia pensá-lo segundo a própria realidade que é o
homem, por meio da noção específica ou genérica em virtude da qual sei o que
seja um homem ou o que sejam os homens. Todavia, poderia ocorrer, se quem me
fala disso mentisse, que aquele homem pensado por mim não existisse, embora eu
o tenha em todo caso pensado conforme uma realidade perfeitamente verdadeira:
não a realidade que seria aquele homem individual, mas a realidade que é o
homem em geral.
Todavia, quando então ouço dizer “Deus” ou “ente maior
de todos”, não posso tê-lo no pensamento ou no intelecto assim como teria
aquela coisa falsa no pensamento ou no intelecto, porque enquanto posso pensar
aquela coisa em conformidade com uma realidade verdadeira e por mim conhecida,
Deus, ao contrário, não o posso absolutamente pensar a não ser apenas conforme
as palavras. Mas apenas com as palavras se pode bem pouco, ou nunca se pode,
pensar algo de verdadeiro, porque quando se pensa deste modo não se pensa tanto
na própria palavra, isto é, no som das letras ou das sílabas, que é uma
realidade certamente verdadeira, e sim no significado da palavra ouvida, mas
este não é pensado como quem sabe o que aquela palavra normalmente significa,
isto é, como quem a pensa conforme uma realidade verdadeira ao menos apenas no
pensamento, e sim como quem conhece aquele significado e o pensa conforme o
movimento do espírito provocado pela escuta de tal palavra, na tentativa de
construir para si o significado da palavra percebida. Seria verdadeiramente
admirável, se pudesse fazê-lo colhendo a verdade da coisa.
Assim,
portanto, e com certeza não diversamente, me consta Ter até agora em meu
intelecto aquele ente, quando ouço e compreendo quem diz que existe um ente
maior do que todas as coisas que podem ser pensadas. Que isto seja dito a
respeito daquela afirmação segundo a qual aquela suma natureza já está em meu
intelecto.
Que a suma
natureza exista necessariamente também a realidade, isso me é demonstrado
dizendo que, se não fosse assim, tudo aquilo que existe na realidade seria
maior do que ela; portanto, ela não seria aquele ente maior do que todos, do
qual já se provou que seguramente já está no intelecto. A esta argumentação
respondo: se é preciso dizer, daquilo que não pode sequer ser pensado segundo a
verdade de uma coisa qualquer, que está no intelecto, eu não nego que deste
modo ele esteja também em meu intelecto. Mas uma vez que disso não se pode de fato deduzir que ele
exista também na realidade, não lhe concedo absolutamente a existência real,
até que não me seja provada com um argumento indubitável.
Quem diz que
este ente existe, porque diversamente aquilo que é maior do que todos não seria
maior do que todos, não presta suficiente atenção a quem está falando. Eu, com efeito, não digo
ainda, ao contrário, nego ou duvido, que este ente seja maior do que alguma
coisa verdadeira, nem lhe concedo outro ser senão aquele, admitindo que se deve
chamá-lo “ser”, de uma coisa completamente ignota que a mente se esforça para
imaginar apenas segundo a palavra ouvida. Portanto, de que modo me é
demonstrado que este ser maior existe na verdade da coisa, enquanto consta que
é maior do que todas as coisas, quando até agora eu nego ou coloco em, dúvida
justamente este constar, não admitindo que tal ente maior do que todos exista
em meu intelecto ou em meu pensamento, nem mesmo naquele modo com o qual
existem também muitas coisas dúbias e incertas? É primeiro necessário, com
efeito, que me seja certo que tal ser maior existe em uma realidade verdadeira
em algum lugar; então apenas, pelo fato de que é maior do que todas as coisas,
não será mais incerto que subsiste também em si mesmo.
Tomemos um
exemplo. Alguém diz que em alguma parte do oceano há uma ilha que, por causa da
dificuldade, ou melhor, da impossibilidade de encontrar aquilo que não existe,
alguns chamam “Perdida”. Eles fabulam que, muito ais do que se diz das Ilhas
Afortunadas, esta ilha é opulenta pela sua inestimável abund6ancia de todo tipo
de riqueza e de toda delícia; e que, sem possuidor ou habitante qualquer, seja
superior pela superabundância de bens a todas as outras terras habitadas em
todo lugar pelos homens. Que alguém me diga tudo isso, e eu compreenderei
facilmente este dizer, no qual não há nenhuma dificuldade.
Todavia, se
depois acrescentasse, como se fosse esta ilha melhor do que todas as terras
existe verdadeiramente em algum lugar na realidade, mais do que o fato de não
duvidares que existe em teu intelecto; e uma vez que é melhor existir não só no
intelecto, mas também na realidade, porque se não existisse na realidade
qualquer outra terra existente na realidade seria melhor do que ela, e assim a
ilha já por ti entendida como superior não seria superior. Se este, digo,
quisesse convencer-me com tais argumentos que não se deve mais duvidar da
verdadeira existência daquela ilha, ou eu creria que deseja brincar ou não
saberia a qual considerar mais estulto, se lhe concedesse ter razão, e ele, se
cresse ter estabelecido com alguma certeza a existência daquela ilha, sem
ter-me antes demonstrado que a sua
perfeição se encontra em meu intelecto como uma coisa verdadeiramente e
indubitavelmente existente, e não como algo falso ou incerto.
Estas coisas,
no entanto, responderia aquele insipiente às objeções. Quando se lhe diz que
aquele ente maior do que todos é tal de
modo a não poder ser sequer pensado como não existente, e isto de novo não é
demonstrado de outro modo, a não ser dizendo que de outra forma não seria o
ente maior do que todos, o insipiente poderia repetir a mesma resposta e dizer:
quando foi que eu disse que na realidade verdadeira existe tal ente, ou seja, o
“maior do que todos”, de forma que disso se me deva provar que ele existe
também na própria realidade, de modo a não poder ser sequer pensado como não
existente? Em primeiro lugar deve-se por isso provar, com algum argumento
certíssimo, que há alguma natureza superior, isto é, maior e melhor do que
todas as que existem, de modo que disso possamos depois demonstrar todas as
outras qualidades, das quais não pode necessariamente faltar o ente que é maior
e melhor do que todos.
Quando depois
se diz que esta suma realidade não pode ser pensado como não existente,
dir-se-ia talvez melhor que sua não existência, ou também a possibilidade de
sua não existência, não pode ser entendida. Com efeito, conforme o significado
desta palavra, não se podem compreender as coisas falsas; que certamente poder
ser pensadas, da mesma forma com que o insipiente pensou que Deus não existe.
Também eu sei com absoluta certeza que existo, mas sei ainda que poderia também
não existir. Ao invés disso, compreendo de modo indubitável que aquele ser que
é sumo, isto é, Deus, existe e não pode não existir.
Depois não sei
se posso pensar que não existo, enquanto sei com absoluta certeza que existo.
Mas se posso, por que não valeria mesmo também para todas as outras coisas que
conheço com a mesma certeza? Se ao invés não posso, tal impossibilidade não se
referirá apenas a Deus.
(Proslogion)
podes objetar
que quando se diz que não se pode pensar que esta suma realidade não exista,
melhor se diria talvez que não se pode compreender que ela não existe ou também
possa não existir. Ao contrário, era preciso dizer justamente que não se pode
pensar. Com efeito, se eu tivesse dito que não se pode compreender que aquela
realidade não existe, talvez tu mesmo, que dizes que segundo o significado
próprio desta palavra não se podem compreender as coisas falsa, objetarias que
nada daquilo que existe pode ser compreendido como não existente. É falso, com
efeito, que aquilo que existe não exista. Por isso não seria próprio de Deus o
não poder ser compreendido como não existente. E se alguma das coisas que
certissimamente existem pode ser compreendida como não existente, também as
outras coisas certas podem da mesma forma ser compreendidas como não
existentes.
Mas tudo isso não se pode
certamente objetar, se considerarmos bem, a propósito do Pensamento. Com efeito, também se nenhuma das coisas que
existem pode ser compreendida como não
existente, todavia todas podem ser pensadas como não existentes, com exceção do
ente que existe sumamente. Podem com efeito ser pensadas como não existentes
todas e apenas aquelas coisas que têm início ou fim ou uma conjunção de partes
e, como já disse, tudo aquilo que não é como tudo em algum lugar ou em algum
tempo. Ao contrário, não pode ser pensado como não existente apenas aquele ente
no qual nenhum pensamento encontra nem início, nem fim, nem conjunção de
partes, e que é todo sempre e me todo lugar. Saibas, portanto, que podes pensar
que não existes, enquanto sabes certissimamente que existes; eu me maravilho de
que tenhas dito não saber se podes pensá-lo. Com efeito, nós pensamos a
não-existência de muitas coisas que sabemos que existem, e a existência de
muitas coisas que sabemos que não existem: não julgando, mas fingindo que seja
assim como pensamos. Certamente podemos pensar que uma coisa não existe,
enquanto sabemos que existe, porque ao mesmo tempo podemos aquilo e sabemos
isto. E não podemos pensar que a coisa não exista, enquanto sabemos que existe,
porque não podemos pensar que ela ao mesmo tempo exista e não exista. Se
alguém, portanto, distingue de tal modo os dois significados desta expressão,
compreenderá que de nada, enquanto se sabe que existe, se pode pensar que não
exista, e que toda coisa, com exceção daquilo do qual não se pode pensar o
maior, também quando se sabe que existe, se pode pensar que não exista. Assim,
portanto, é próprio de Deus o não poder ser pensado como não existente e,
todavia, não se pode pensar que as coisas múltiplas não existam, enquanto
existem. De que modo se pode todavia dizer a respeito de pensar que Deus não
existe, considero tê-lo explicado suficientemente no meu opúsculo.
(Proslogion)
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