domingo, 23 de julho de 2023

O CENTRO DA VIDA ESPIRITUAL EM SANTO AGOSTINHO

 



 

 

Paolo Cugini

 

 

Introdução

 

Um dos grandes méritos de Agostinho é de ter reconduzido todas as virtudes ao tema eterno do amor.

 

A virtude é o amor ordenado[1]”.

 

Agostinho fez do amor o centro da vida espiritual. Para ele a caridade é o conteúdo de todas as Escrituras, a síntese da filosofia, o fim da teologia, a alma da pedagogia, o segredo da política, a essência e a medida da perfeição cristã, a suma de cada virtude, a inspiração da graça, o principio da vida eterna. É neste contexto que se deve entender o famoso aforismo agostiniano: “Ama a faz o que quiser[2]”.

 

 

O Dinamismo da caridade

 

Aqui na terra o homem será sempre justo e pecador[3], pois ele nunca será livre de imperfeições, fraquezas, transgressões: nunca, então, terá a plenitude do amor. Por isso o amor é um mandamento: “Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração”, não como perfeição que devemos ter, mas sim como meta do nosso caminho. Dessa tomada de consciência nasce o dinamismo da Caridade, que nunca deve parar.

 

Acrescenta sempre, sempre caminha, sempre progride: nunca pare no caminho, não voltar atrás, não desviar... É bem melhor um coxo no caminho que um corredor fora[4]”.

 

Este dinamismo se fundamento na mesma natureza do amor, que é essencialmente tensão, movimento, peso, que arrasta o espírito rumo ao lugar do seu descanso e não para até que o tenha encontrado:

 

O meu peso é o meu amor; ele me leva por rodo lado em que eu vou[5]”.

 

 

Radicalidade

 

Tudo te exige aquele que te fez[6]

 

Deus, de fato, não exige só a ação, mas também a intenção, não apenas o louvor da boca, mas antes de tudo do coração, não apenas o obsequio do intelecto por meio da fé, mas também aquele da vontade por meio da obediência. Deus é tudo para o homem: causa do ser, luz do conhecimento, fonte do amor; o homem, então, deve tudo se mesmo a Deus: o ser, o conhecimento, o amor. Nada pode ficar de fora desta exigência divina.

É claro que não se trata da totalidade intensiva, mas sim extensiva, que deve abranger todo o homem, cada sua atividade, cada seu pensamento. O espaço que a caridade não ocupa é tomado pela cobiça, o egoísmo, o amor particular, que é o amor pervertido de sim e dos outros. A partir destas exigências da caridade, nasce a oposição entre o amor de se e o amor de Deus, sobre o qual Agostinho fundamenta a cidade do mundo e a cidade de Deus.

Esta oposição é expressada com os conceitos de cobiça e caridade, cujos reinos são totalmente contrários.  É preciso diminuir o reino da cobiça para dilatar aquilo da caridade.

 

Alimento da caridade é diminuição da cobiça, a perfeição é ausência de cobiça[7]”.

 

Só que a cobiça sumirá somente quando a caridade terá recolhido em unidade e arrumado ruma a Deus todos os motos do coração, tomando assim o domínio do homem todo.

 

 

Desinteresse

 

A tese de fundo do agostinismo no campo espiritual é amar a Deus gratuitamente.

 

Aquilo que não se ama por si mesmo, não se ama[8]”.

 

Este amor não exclui o desejo do premio, quando se trata de Deus. Amar a Deus gratuitamente significa não desejar de Deus a não ser Deus mesmo, “esperar Deus de Deus”. Amar a Deus gratuitamente significa amá-lo por si mesmo, não por algo de estranho a Ele. 

O autentico amor a Deus é fundado sobre o desejo de possuí-lo. Muitas vezes nas pregações dirigidas ao povo, Agostinho faz este raciocínio:

 

 “Põe que Deus te diga: quer viver sempre? Viveras. Quer ser livre e todo mal? O sarais. Quer gozar todos os prazeres? Gozaras. Mas a uma condição: nunca verás a minha face. Se aceitares esta proposta, quer dizer que não existe em te o amor de Deus, se pelo contrario responderás: Não Senhor, fora tudo aquilo que me prometas, doa-me a te mesmo, porque somente a Te eu procuro, quer dizer que a faísca do amor divino besta acendida no teu coração[9]”.

 

Esta noção do amor gratuito que inclui o desejo de Deus, leva Agostinho a distinguir o temor servil do temor casto. O primeiro, se exclui a vontade de pecar, é bom e útil, porque prepara o lugar a caridade, mas só o segundo é inseparável com ela e cresce junto a ela.

 

Irmãos, amamos a Deus com coração puro e casto. Não está certo o coração daquele que honra Deus visando a recompensa[10]”.

 

 

Força de assimilação

 

Aquilo que qualifica o homem não é aquilo que ele conhece mas aquilo que ele ama.

 

“Amas a terra? Serás terra. Amas a Deus? Que dirias, serás Deus? Não quero dizê-lo de mim, escutamos portanto as escrituras: “ Eu disse: vós seis deuses e filhos do Altíssimo, todos[11]”.

                                                                                                                    

Este principio deriva da mesma estrutura do amor, que é dinamismo, abertura ao outro, que não quieta a não ser na assimilação com a pessoa amada; assimilação que quer dizer fusão, perca de identidade, mas perfeita união sendo que os dois, apesar de ficar dois, se tornam uno. Deste principio nascem conseqüências luminosas como esta: amando a Deus nos tornamos capazes das perfeições de Deus, da eternidade, da bondade, da beleza. Por isso:

 

Vivendo na terra, você é já no céu, se amas a Deus[12]”.

 

O amor não é o penhor mas sim o sinal da vida eterna. Amando moramos com o coração na casa que amamos.

Outra conseqüência deste principio é a doutrina da deificação, muito querida aos Pais da Igreja de Oriente (Ortodoxa).

“Deus quer fazer-te Deus, não por natureza, como Aquele que Ele gerou, mas por seu dom e adoção[13]”.

 

“Os homens são deuses não por essência, mas por participação daquele único e verdadeiro Deus[14]”.

 

A participação acontece através do amor que o Espírito Santo derrama nos nossos corações. A deificação, de fato, será completa somente depois da ressurreição dos corpos quando “todo o homem deificado aderirá – como amor -á verdade perpetua e imutável[15]”.

 

È claro que o fundamento de tudo é a encarnação do verbo:

 

Deus se fez homem porque o homem se tornasse Deus[16]”.

 

 

A humildade companheira inseparável da caridade

 

“Aonde tem humildade ali tem caridade[17]”.

 

De fato a humildade é o fundamento sobre o qual se constrói o edifício da caridade, o único caminho para alcançar a possuí-la, a casa aonde ela estabelece a sua moradia. Para encher-se da caridade é preciso esvaziar-se da soberba que é, por definição, desordenado amor de si. Orgulho e humildade são inimigos. Quem não reconhece Deus como criador de onde lhe vem todo bem – o homem conhece o limite, o erro e o pecado – o não confessa a gratuidade da graça que salva, ou não olha a Cristo que oferece se mesmo como modelo de humildade, não pode ter a caridade no coração. Agora estes motivos – metafísico, teológico, cristologico – são aqueles que constituem a razão da humildade. Para Agostinho a humildade se identifica com a sabedoria e a caridade.

 

 

A caridade dom de Deus

 

A caridade, centro da vida espiritual, não se põe sobre o plano natural, mas sim sobre o plano sobrenatural, sobre o qual se apóia toda a mística cristã. A caridade não um esforço humano, mas antes de tudo um dom de Deus, não uma acesa com as nossas forças rumo a Deus, mas antes de tudo a noção de Deus que agarra o homem e o leva nas esferas divinas; não o Eros grego, mas a ágape cristã. Isso não quer dizer que a ágape cristã na seja uma acesa rumo a Deus ou não constitua o cumprimento do mais profundo desejo do espírito humano, que foi feito por Deus e não se acalma até quando não chega em Deus, mas ela supõe a consciência que nós podemos subir a Deus porque o mesmo Deus desceu ao nosso encontro; porque o Espírito Santo derrama o seu dom nos nossos corações.

 

“Desceu Eu, sendo que tu não pode subir: eu sou o Deus de Abraão, Isaq, Jacó[18]”.

 

O texto que fundamenta a posição de Agostinho sobre a Caridade é Rom 5,5.

 



[1] De civ. Dei 15,22.

[2] Cf. Jô. Ep.tr. 7,8.

[3] Perfeição da Justiça do homem.

[4] Serm. 169,18.

[5] Conf. 13,9,10.

[6] Serm. 34,7.

[7] De div.qq.36,1.

[8] Cf. Solil. 1, 13,22.

[9] Cf. Os 85,11;127,9.

[10] Cf. Os 55,17.

[11] Cf. Jô. 2,14.; Ps 81,6.

[12] Cf. Os 85,6.

[13] Ser 166,4.

[14] Cf. Sal 118,16,1.

[15] Ivi.

[16] Cf. Ser 128.

[17] Cf. prólogo carta de João.

[18] Cf. Os 121,5.

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