Paolo Cugini
Introdução
Um dos grandes
méritos de Agostinho é de ter reconduzido todas as virtudes ao tema eterno do
amor.
“A virtude é o amor ordenado[1]”.
Agostinho fez do
amor o centro da vida espiritual. Para ele a caridade é o conteúdo de todas as
Escrituras, a síntese da filosofia, o fim da teologia, a alma da pedagogia, o
segredo da política, a essência e a medida da perfeição cristã, a suma de cada
virtude, a inspiração da graça, o principio da vida eterna. É neste contexto
que se deve entender o famoso aforismo agostiniano: “Ama a faz o que quiser[2]”.
O Dinamismo da caridade
Aqui na terra o
homem será sempre justo e pecador[3],
pois ele nunca será livre de imperfeições, fraquezas, transgressões: nunca,
então, terá a plenitude do amor. Por isso o amor é um mandamento: “Ama o Senhor
teu Deus com todo o teu coração”, não como perfeição que devemos ter, mas sim
como meta do nosso caminho. Dessa tomada de consciência nasce o dinamismo da
Caridade, que nunca deve parar.
“Acrescenta sempre, sempre caminha, sempre
progride: nunca pare no caminho, não voltar atrás, não desviar... É bem melhor
um coxo no caminho que um corredor fora[4]”.
Este dinamismo
se fundamento na mesma natureza do amor, que é essencialmente tensão,
movimento, peso, que arrasta o espírito rumo ao lugar do seu descanso e não
para até que o tenha encontrado:
“ O meu peso é o meu amor; ele me leva por
rodo lado em que eu vou[5]”.
Radicalidade
“Tudo te exige aquele que te fez[6]”
Deus, de fato,
não exige só a ação, mas também a intenção, não apenas o louvor da boca, mas
antes de tudo do coração, não apenas o obsequio do intelecto por meio da fé,
mas também aquele da vontade por meio da obediência. Deus é tudo para o homem:
causa do ser, luz do conhecimento, fonte do amor; o homem, então, deve tudo se
mesmo a Deus: o ser, o conhecimento, o amor. Nada pode ficar de fora desta
exigência divina.
É claro que não
se trata da totalidade intensiva, mas sim extensiva, que deve abranger todo o
homem, cada sua atividade, cada seu pensamento. O espaço que a caridade não
ocupa é tomado pela cobiça, o egoísmo, o amor particular, que é o amor
pervertido de sim e dos outros. A partir destas exigências da caridade, nasce a
oposição entre o amor de se e o amor de Deus, sobre o qual Agostinho fundamenta
a cidade do mundo e a cidade de Deus.
Esta oposição é
expressada com os conceitos de cobiça e caridade, cujos reinos são totalmente
contrários. É preciso diminuir o reino
da cobiça para dilatar aquilo da caridade.
“Alimento da caridade é diminuição da cobiça,
a perfeição é ausência de cobiça[7]”.
Só que a cobiça
sumirá somente quando a caridade terá recolhido em unidade e arrumado ruma a
Deus todos os motos do coração, tomando assim o domínio do homem todo.
Desinteresse
A tese de fundo
do agostinismo no campo espiritual é amar a Deus gratuitamente.
“Aquilo que não se ama por si mesmo, não se
ama[8]”.
Este amor não
exclui o desejo do premio, quando se trata de Deus. Amar a Deus gratuitamente
significa não desejar de Deus a não ser Deus mesmo, “esperar Deus de Deus”.
Amar a Deus gratuitamente significa amá-lo por si mesmo, não por algo de
estranho a Ele.
O autentico amor
a Deus é fundado sobre o desejo de possuí-lo. Muitas vezes nas pregações
dirigidas ao povo, Agostinho faz este raciocínio:
“Põe que
Deus te diga: quer viver sempre? Viveras. Quer ser livre e todo mal? O sarais.
Quer gozar todos os prazeres? Gozaras. Mas a uma condição: nunca verás a minha
face. Se aceitares esta proposta, quer dizer que não existe em te o amor de
Deus, se pelo contrario responderás: Não Senhor, fora tudo aquilo que me
prometas, doa-me a te mesmo, porque somente a Te eu procuro, quer dizer que a
faísca do amor divino besta acendida no teu coração[9]”.
Esta noção do
amor gratuito que inclui o desejo de Deus, leva Agostinho a distinguir o temor
servil do temor casto. O primeiro, se exclui a vontade de pecar, é bom e útil,
porque prepara o lugar a caridade, mas só o segundo é inseparável com ela e
cresce junto a ela.
“Irmãos, amamos a Deus com coração puro e
casto. Não está certo o coração daquele que honra Deus visando a recompensa[10]”.
Força de assimilação
Aquilo que
qualifica o homem não é aquilo que ele conhece mas aquilo que ele ama.
“Amas a terra? Serás terra. Amas a Deus? Que dirias,
serás Deus? Não quero dizê-lo de mim, escutamos portanto as escrituras: “ Eu
disse: vós seis deuses e filhos do Altíssimo, todos[11]”.
Este principio
deriva da mesma estrutura do amor, que é dinamismo, abertura ao outro, que não
quieta a não ser na assimilação com a pessoa amada; assimilação que quer dizer
fusão, perca de identidade, mas perfeita união sendo que os dois, apesar de
ficar dois, se tornam uno. Deste principio nascem conseqüências luminosas como
esta: amando a Deus nos tornamos capazes das perfeições de Deus, da eternidade,
da bondade, da beleza. Por isso:
“Vivendo na terra, você é já no céu, se amas
a Deus[12]”.
O amor não é o
penhor mas sim o sinal da vida eterna. Amando moramos com o coração na casa que
amamos.
Outra conseqüência
deste principio é a doutrina da deificação, muito querida aos Pais da Igreja de
Oriente (Ortodoxa).
“Deus quer fazer-te Deus, não por natureza, como
Aquele que Ele gerou, mas por seu dom e adoção[13]”.
“Os homens são deuses não por essência, mas por participação
daquele único e verdadeiro Deus[14]”.
A participação
acontece através do amor que o Espírito Santo derrama nos nossos corações. A
deificação, de fato, será completa somente depois da ressurreição dos corpos
quando “todo o homem deificado aderirá –
como amor -á verdade perpetua e imutável[15]”.
È claro que o
fundamento de tudo é a encarnação do verbo:
“Deus se fez homem porque o homem se tornasse
Deus[16]”.
A humildade companheira inseparável da caridade
“Aonde tem humildade ali tem caridade[17]”.
De fato a
humildade é o fundamento sobre o qual se constrói o edifício da caridade, o
único caminho para alcançar a possuí-la, a casa aonde ela estabelece a sua
moradia. Para encher-se da caridade é preciso esvaziar-se da soberba que é, por
definição, desordenado amor de si. Orgulho e humildade são inimigos. Quem não
reconhece Deus como criador de onde lhe vem todo bem – o homem conhece o
limite, o erro e o pecado – o não confessa a gratuidade da graça que salva, ou
não olha a Cristo que oferece se mesmo como modelo de humildade, não pode ter a
caridade no coração. Agora estes motivos – metafísico, teológico, cristologico
– são aqueles que constituem a razão da humildade. Para Agostinho a humildade
se identifica com a sabedoria e a caridade.
A caridade dom de Deus
A caridade,
centro da vida espiritual, não se põe sobre o plano natural, mas sim sobre o
plano sobrenatural, sobre o qual se apóia toda a mística cristã. A caridade não
um esforço humano, mas antes de tudo um dom de Deus, não uma acesa com as
nossas forças rumo a Deus, mas antes de tudo a noção de Deus que agarra o homem
e o leva nas esferas divinas; não o Eros grego, mas a ágape cristã. Isso não
quer dizer que a ágape cristã na seja uma acesa rumo a Deus ou não constitua o
cumprimento do mais profundo desejo do espírito humano, que foi feito por Deus
e não se acalma até quando não chega em Deus, mas ela supõe a consciência que
nós podemos subir a Deus porque o mesmo Deus desceu ao nosso encontro; porque o
Espírito Santo derrama o seu dom nos nossos corações.
“Desceu Eu, sendo que tu não pode subir: eu sou o Deus
de Abraão, Isaq, Jacó[18]”.
O texto que
fundamenta a posição de Agostinho sobre a Caridade é Rom 5,5.
[1] De civ. Dei 15,22.
[2] Cf. Jô. Ep.tr. 7,8.
[3] Perfeição da Justiça do homem.
[4] Serm. 169,18.
[5] Conf. 13,9,10.
[6] Serm. 34,7.
[7] De div.qq.36,1.
[8] Cf. Solil. 1, 13,22.
[9] Cf. Os 85,11;127,9.
[10] Cf. Os 55,17.
[11] Cf. Jô. 2,14.; Ps 81,6.
[12] Cf. Os 85,6.
[13] Ser 166,4.
[14] Cf. Sal 118,16,1.
[15] Ivi.
[16] Cf. Ser 128.
[17] Cf. prólogo carta de João.
[18] Cf. Os 121,5.
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