quarta-feira, 17 de abril de 2024

A VINDA DE JESUS ​​DEPOIS DE SUA HORA E O PAPEL DO ESPÍRITO (Jo 14)

 




 

Texto: Marcheselli e outros

Tradução: Paolo Cugini

 

 

1. A despedida de Jesus aos seus seguidores (Jo 13,31-35)

Comecemos a reflexão examinando os versículos que introduzem o capítulo. 14.

«13,31Quando ele saiu, Jesus disse: «Agora o Filho do homem foi glorificado, e Deus foi glorificado nele. 32Se Deus foi glorificado nele, Deus também o glorificará nele e o glorificará imediatamente. 33Filhos, estou convosco mais um pouco; vocês me procurarão, mas, como eu disse aos judeus, agora também vos digo: aonde eu vou, vocês não podem ir. 34Eu lhes dou um novo mandamento: que vocês amem uns aos outros. Assim como eu os amei, vocês também devem amar uns aos outros. 35Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros"" (Jo 13,31-35).

Estes versículos anunciam alguns dos temas principais que serão retomados diversas vezes no contexto da despedida até ao final de João 17. Três podem ser reconhecidos: o grande tema da "glorificação" (vv. 31-32), o da a “partida” (na qual nos concentraremos, v. 33) e o “novo mandamento” (vv. 34-35). O tema da “glorificação” pontua os capítulos seguintes: está presente, ainda que esporadicamente, em João 14-16 e é muito notável em João 17. O tema do “novo mandamento” também retorna depois de ter sido introduzido aqui: em João 15 encontra um amplo desenvolvimento, e talvez a reflexão pudesse ser ampliada recordando que o “novo mandamento” é, em última análise, um tema ético-eclesiológico; esta preocupação eclesiológica e comportamental é relevante no que se segue, especialmente a partir do início de João 15.

Portanto a perícope 13.31-35 tem a função de introduzir uma série de motivos importantes; entre eles, também v. 33, que fala precisamente da “partida”: «Filhos, estou convosco mais um pouco; vocês me procurarão, mas, como eu disse aos judeus, agora também lhes digo: onde eu vou, vocês não podem ir” . Contidas aqui estão algumas palavras que desempenharão um papel significativo no seguinte; por exemplo “por um pouco de tempo”, que retorna diversas vezes em João 16, mas também em 14.19. A razão de “ir” também é importante: Jesus diz “eu vou”. O tema “Jesus que vai” será retomado duas vezes, em duas perspectivas: imediatamente, no diálogo com Pedro, que gostaria de seguir Jesus, mas é informado de que agora não é possível (13,36-38); depois, em termos mais gerais, em João 14, fortemente marcado pelo tema da ida de Jesus, da sua ida, da sua partida.

Os números 31-35 funcionam, portanto, como um ponto de partida: introduzem alguns temas fundamentais e o clima geral da discussão que se seguirá. Vamos nos concentrar em um desses temas e no seu desenvolvimento em João 14. Uma última observação introdutória: o que Jesus diz em João 14, e em todo o contexto da Ceia, diz respeito ao tempo após as aparições do Ressuscitado. Os discursos de despedida levam o olhar para além da Ascensão de Jesus ao céu, no tempo que vai da “Hora” de Jesus até ao seu regresso final, a parusia; dirigem o olhar para o tempo que se abre depois da Ressurreição, o tempo que os discípulos devem viver na história.

2. Estrutura de João 14

Tal como acontece com muitos textos joaninos, há discussões intermináveis ​​sobre como o capítulo pode ser estruturado. 14. Fazemos uma proposta, mencionando previamente algumas outras possibilidades de articulação. Alguns gostariam de dividir o capítulo com base nos verbos “crer” e “amar”, e por isso argumentam que existe um primeiro bloco formado pelos vv. 1-14 (com a presença do verbo “crer”) e depois um segundo bloco formado pelos vv. 15-24 (com a presença do verbo “amar”), seguido da conclusão (vv. 25-31). É uma divisão que coloca uma série de problemas ao nível do vocabulário: é difícil manter-se quando se olha analiticamente a distribuição das palavras. Mas acima de tudo é enganador, pois coloca a ênfase principalmente no discípulo: acaba por centrar o capítulo numa perspectiva antropológica ou, talvez, eclesiológica. “Acreditar” é uma ação humana, assim como “amar” (“Guarda os meus mandamentos para mostrares que me amas”, cf. v. 15.21.23). Esta forma de interpretar coloca a ênfase nas ações e, portanto, no homem que as realiza. Esta não é a perspectiva do capítulo.

Outros propuseram dividir o texto com base nos verbos “andar” e “como”. Uma primeira parte é dominada pelo verbo «vou/vou embora» e uma segunda pelo verbo «estou chegando». Porém, os dois verbos nem sempre são distintos e se encontram juntos no início e no final; portanto, esta divisão também não parece inteiramente convincente. É melhor que o anterior, pois nele está Jesus, e não o homem, o critério de articulação; além disso, é verdade que o tema da partida e do regresso de Jesus é aqui muito importante. Contudo, não é com este critério que se pode identificar como se organiza o falar de Jesus em João 14. Alguém propôs prestar atenção ao contexto do AT, mas este critério ajuda a ver claramente o que está por trás e não tanto a organização real do texto.

A nossa proposta (emprestada em parte dos estudos francófonos) atenta sobretudo, embora não exclusivamente, ao tempo dos verbos, ou seja, à orientação temporal da fala de Jesus. É segundo este critério, combinado com outros (1). . o modo dos verbos: um imperativo é diferente de um indicativo 2. as intervenções dos discípulos 3. a distribuição de palavras individuais e famílias de palavras), para que uma articulação como a que propomos e que é relatada possa ser reconhecida; na abertura.

3. Análise de João 14

A parte predominante da reflexão será dedicada aos vv. 12-16. Uma rápida revisão da parte anterior (vv. 1-11) revela-se indispensável. Contudo, não entraremos no mérito dos versículos finais (vv. 27-31).

3.1. O duplo convite inicial (v. 1)

No início do capítulo há um duplo convite, um duplo imperativo: «Não se turbe o vosso coração. Tenha fé em Deus e tenha fé em mim também” (14,1). Este convite dá lugar então a toda uma série de verbos no modo indicativo. Para encontrar um imperativo é preciso ir até o fim: “Não se turbe o teu coração” (v. 27): é uma clara repetição do início. Para dizer o é verdade que há também outro ponto “imperativo”, de exortação; Jesus diz: «Acredite em mim» (v. 11). E de facto aqui está um primeiro ponto de chegada na exposição. Portanto: um duplo convite inicial, um duplo imperativo.

3.2. Anúncio e primeira declinação do tema: Jesus vem e vai (vv. 2-3)

Começa a exposição no indicativo. Nos v. 2-3 Jesus fala da sua vinda e da sua partida: «2Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não, algum dia eu teria dito a você: “Vou preparar um lugar para você?”. 3Quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e os levarei comigo, para que onde eu estiver vocês também estejam” (CEI2008). Este é o tema que domina todo o capítulo: Jesus vem e vai; Jesus vai embora, mas volta. Nos v. 2-3 a vinda de Jesus, o seu regresso, deve ser entendido principalmente como a sua vinda final. É uma forma de indicar a parusia: aqui Jesus fala da sua vinda definitiva, final, que nenhuma outra virá depois. Nem todo o capítulo fala sobre isso: interessa-se pela vinda e pela partida de Jesus, mas, como muitas vezes acontece na QV, o tema nem sempre é tratado da mesma forma. As modalidades da vinda de Jesus são muitas e variadas, e esta é apenas uma possível declinação da vinda de Jesus: Jesus vindo no último dia.

3.3. Recapitulação da condição atual dos discípulos (vv. 4-11)

Após a introdução deste tema, que é a preocupação fundamental do capítulo (Jesus, depois de ter ido, voltará), a discussão centra-se inicialmente no presente. Na verdade, encontramos uma série de verbos no presente. Enquanto nos vv. 2-3 os tempos verbais estão no futuro (“eu irei”, “eu irei”, “eu tomarei”), do v. 4 a v. Existem 11 verbos no presente do indicativo. Na verdade, os vv. 4-11 têm a função de resumir a condição atual dos discípulos: nestes oito versículos Jesus faz um balanço da condição em que se encontra agora o seu povo, devido à sua presença. Dois termos-chave são usados ​​aqui para ilustrar a condição em que os discípulos se encontram agora, na iminência da partida de Jesus: o “caminho” e o “conhecimento-visão do Pai”.

««4E do lugar para onde vou, tu conheces o caminho». 5Tomé disse-lhe: «Senhor, não sabemos para onde vais; Como podemos saber o caminho?”. 6Jesus disse-lhe: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”” (vv. 4-6).

Jesus, sua presença, está longe do Pai. Graças a Jesus há acesso ao Pai; graças a Jesus é dada a possibilidade de acessar o Pai. É descrito algo que diz respeito ao presente dos discípulos. Depois Jesus retoma a mesma ideia fundamental, mudando a imagem: do “caminho” passa ao “ver”.

«Se me conhecesses, também conhecerias o Pai»: Jesus continua a fazer um balanço da situação, não fala do futuro. «8Filipe disse-lhe: «Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos bastará». 9Jesus respondeu-lhe: “Há muito tempo que estou convosco e não me conheces, Filipe? Quem me viu, viu o Pai. Como você pode dizer: “Mostra-nos o Pai”? 10Vocês não acreditam que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as falo de mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras. 11Acreditem: eu estou no Pai e o Pai está em mim. No mínimo, acredite nas próprias obras"" (14,8-11).

O olhar permanece centrado na situação atual: em Jesus presente a visão do Pai é permitida, concedida e aberta. Em Jesus é possível ver o Pai; na obra do Filho é possível ver a obra do Pai: é isso que agora é dado aos discípulos. Se o compreenderam plenamente é outra questão: aqui estamos simplesmente avaliando o que significava a presença do Verbo encarnado. O Filho presente na terra significava acessibilidade ao Pai. Enquanto o Filho está aqui, o Pai está acessível: o Filho é o caminho para o Pai, é o lugar onde o Pai pode ser visto e experimentado. Este segmento (vv. 4-11) aparece como uma espécie de balanço, uma recapitulação da condição atual dos discípulos, daquilo que lhes é dado agora.

3.4. Promessas que estabelecem o futuro dos discípulos no mundo (vv. 12-26)

Então a orientação muda, voltando-se decididamente para o futuro: “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que eu faço, e fará outras maiores do que estas, porque eu vou para o Pai” ( v. 12). Notamos que o tempo dos verbos muda: a partir de agora quase todos estão no futuro. Há algum presente, mas que tem valor de futuro, e a perspectiva passa de hoje (“Eu sou agora a presença do Pai para você”) para amanhã. Falamos do futuro, depois da Páscoa e da ascensão de Jesus ao Pai. Daí o título proposto: “Promessas que estabelecem o futuro dos discípulos no mundo”. O olhar de Jesus dirige-se para o momento em que os seus discípulos, depois da Páscoa, permanecerão no mundo, enquanto Ele já não está na sua carne como Logos encarnado e presente na terra. Neste sentido, o texto que lemos vai além de João 20, sobre a Ressurreição. Nestes versículos, em que o olhar se dirige para o futuro depois da Páscoa, podem ser reconhecidas quatro promessas, com base nos critérios já mencionados anteriormente (preste atenção sobretudo a como mudam as áreas lexicais e semânticas das palavras utilizadas).

As quatro promessas são:

1.       as maiores obras (vv. 12-14);

2.       o outro Paráclito (vv. 15-17);

3.       a vinda de Jesus após a sua ressurreição (vv. 18-20);

4.       Jesus e o Pai no crente (vv. 21-26).

O verbo “vir” é encontrado nestas promessas, embora não em todas elas. A “vinda” está presente na terceira e quarta promessas: no v. 18 ouvimos: «Não vos deixarei órfãos, irei até vós»; e no v. 23 Jesus diz: «Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará e viremos para ele». Portanto, este capítulo trata especificamente da vinda de Jesus. Estamos na iminência da partida de Jesus, mas o tema não é a partida em si: é tomado como um pressuposto. O tema é como Jesus retorna. João 14 é principalmente uma reflexão sobre os modos como Jesus veio aos discípulos, depois de ter ido ao Pai durante a sua “Hora”. Sem fazer violência ao texto, a palavra “vinda” pode ser aplicada a toda a perícope que inclui os vv. 12-26, mesmo que o verbo “vir” esteja explicitamente presente apenas em dois lugares. Contudo, pode-se afirmar, sem distorcer o rumo da discussão, que as quatro promessas são também quatro modalidades da vinda de Jesus no tempo seguinte à Páscoa: são quatro modalidades de sua presença em seu, para ele, com seu, depois de ter saído. Captemos agora alguns elementos das quatro promessas, isto é, das quatro formas de vinda aqui indicadas; o Espírito é explicitamente mencionado no segundo e no quarto.

3.4.1. Primeira promessa: as maiores obras (vv. 12-14)

«12Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que eu faço e fará obras maiores do que estas, porque eu vou para o Pai. 13E tudo o que pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. 14Se vocês me pedirem alguma coisa em meu nome, eu o farei” (vv. 12-14).

Por um lado, estas palavras de Jesus dão um toque temporal à discussão, pois olham para o futuro; por outro lado, estão muito ligados ao que os precede imediatamente, como Jesus falou das suas obras imediatamente antes. De forma orgânica passamos das obras de Jesus no presente para as obras dos discípulos no futuro. Qual é o significado dos vv. 12-14? Primeiro de tudo, eles devem ser mantidos juntos, como a Bíblia também sugere de Jerusalém, o que tipograficamente o torna um segmento isolado e facilmente reconhecível. São efetivamente uma seção homogênea unificada pelo verbo “fazer”, que está presente cinco vezes nesses três versos. Há também outra cola: entre o v. 12 e v. 13 há um “e”, que tem peso próprio: “porque vou para o Pai. E tudo o que você pedir em meu nome, eu farei”. Portanto, mesmo sintaticamente, é necessário manter v juntos. 12 e v. 13. O v. 14 parece, sintaticamente, mais autônomo, mas está intimamente ligado à última palavra (“Filho”) do v. 13, onde se lê: «E tudo o que pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho». O V. 14 reitera o papel decisivo do Filho, insistindo massivamente: “Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei”. Você deve perguntar a ele em seu nome e ele o fará.

Voltemos aos vv. 12-13 considerando cuidadosamente as expressões individuais:Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que eu faço, e fará maiores do que estas” (v. 12). É a promessa de Jesus: o crente realizará as mesmas obras de Jesus, ainda maiores. A promessa vem acompanhada de uma dupla motivação: é o ponto mais delicado e importante. Por que isso é possível? «Porque vou para o Pai. E tudo o que pedirdes em meu nome, eu farei” (v. 12b-13a). A dupla motivação pela qual aqueles que acreditam em Jesus farão obras como ele e maiores que as dele é: Jesus vai ao Pai e fará tudo o que lhe for pedido pelos discípulos. Depois vem uma finalidade: «Para que o Pai seja glorificado no Filho» (v. 13b); para tudo isso há um propósito, que é a glória do Pai, a manifestação da glória do Pai. É importante compreender que as obras e a formação de discípulos são explicitamente identificadas por Jesus como suas. Preste atenção em como o verbo “fazer” muda de sujeito nestes versículos, passando dos discípulos para Jesus: “Quem crê em mim fará as obras que eu faço e fará outras maiores porque eu as farei”. O texto diz que no futuro o “fazer” de Jesus continuará no “fazer” dos discípulos. Sublinhando o “e” entre v. 12 e v. 13, o significado torna-se ainda mais claro: «Farás obras como as minhas, ainda maiores, porque eu as farei respondendo à tua oração». Nestes versículos encontramos um esquema clássico de João, que até agora sempre foi aplicado à relação do Pai com o Filho e do Filho com o Pai: aqui estamos diante de uma transferência, de um alargamento. O esquema é bastante conhecido; encontra-se, por exemplo, em 15.9: «Assim como o Pai me amou, eu também te amei». Agora o diagrama do relacionamento Pai/Filho passa a descrever o relacionamento discípulo/Jesus. É possível estabelecer uma proporção: assim como as obras que Jesus faz não são feitas por ele, mas pelo Pai (Jesus disse isso anteriormente nos vv. 7-11), assim as obras que os discípulos fazem não são feitas por eles. , mas por Jesus ele os realizará. É uma promessa bonita, adequada para este momento em que Jesus está prestes a partir. O texto nos convida a refletir sobre o significado da Igreja, sobre qual é a missão da Igreja para o evangelista João. É modelado exatamente no modelo de Jesus: assim como as obras de Jesus são na realidade as obras do Pai, as obras dos discípulos são na realidade as obras de Jesus. Mas a afirmação complementar também deve ser formulada: assim como. o Pai não trabalha se não estiver no Filho, por isso, a partir da Páscoa, o Filho trabalha apenas nos seus. Portanto, ele se tornou o lugar, o espaço da operação do Filho, assim como o Filho, o Verbo encarnado, foi o espaço da operação do Pai no mundo. Aqui não estamos simplesmente dizendo que Jesus propõe a sua ação como modelo da ação dos discípulos, assim como Jesus não afirma simplesmente que o Pai é o modelo da sua ação. Jesus está afirmando que ele é, em sentido próprio, o autor das obras que realizarão, assim como dele se deve dizer que o Pai é, em sentido próprio, o autor das obras que realizará. . Estas obras não são coisas prodigiosas, não são milagres; milagres não estão excluídos, mas não há referência direta a eles: o sotaque não é colocado no “prodigioso”. Antes, devemos compreender a promessa na linha da “obra” de Jesus; «As obras» de que se fala aqui são a expansão da “obra” de Jesus. Com o termo “a obra”, João se refere ao conjunto do ministério, das ações de Jesus. Ele não se concentra apenas nos elementos prodigiosos; todo o ministério de Jesus é sua obra. O conteúdo desta obra é “verdade e vida”. A obra de Jesus é uma obra de revelação (Jesus revela o Pai) e é uma obra de vivificação (Jesus comunica a vida, Jesus comunica a vida divina). Jesus de Nazaré diz que as suas obras de revelação do Pai e de comunicação da vida divina serão também obras dos discípulos. Esta é a obra que é entregue e que Jesus glorificado continua e leva a cabo através dos seus discípulos. O texto afirma mesmo que estas obras são “maiores”: não num sentido quantitativo, mas no sentido de que a obra de Jesus assume a sua forma mais plena e maior na sua obra através dos discípulos. A obra de Jesus nos discípulos é uma utilização escatológica mais completa do seu poder como Filho. Enquanto Jesus estiver na terra como Verbo encarnado, ele revela o Pai e dá vida; mas esta capacidade de revelar e vivificar torna-se máxima, extrema na sua “Hora”, na sua Páscoa. Portanto as obras de Jesus depois da Páscoa são obras de extrema revelação e máxima comunicação de vida. É por isso que se diz que são obras “maiores”.

3.4.2. Segunda promessa: o outro Paráclito (vv. 15-17)

A orientação dos verbos continua clara no futuro: «15Se me amais, guardareis os meus mandamentos; 16e eu rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito para permanecer convosco para sempre” (vv. 15-16). Em grego o verbo “rezarei” não é o da oração de súplica, mas do pedido: “rezarei ao Pai”; isto é, “farei um pedido”, “pedirei ao Pai”.

«16E ele vos dará outro Paráclito para permanecer convosco para sempre, 17o Espírito da verdade que o mundo não pode receber porque não o vê nem o conhece. Tu o conheces, porque ele permanece contigo e estará em ti” (vv. 16-17).

A segunda promessa é “o outro Paráclito”. O futuro que se abre depois da Páscoa apresenta um segundo caminho através do qual Jesus vem e regressa ao seu povo e através do qual Jesus está presente e continua uma forma de presença para com o seu povo: ele é o Paráclito. Precisamente para sublinhar que se trata de uma modalidade da vinda de Jesus, do seu estar presente, o texto afirma que o Espírito é um “outro” Paráclito. Ele é “diferente” de Jesus: Jesus é o primeiro Paráclito. A partida de Jesus não significará que os discípulos fiquem sem a função que Jesus desempenhou até agora: será o Espírito da verdade que assumirá esta função. Este é também um modo pelo qual Jesus chega ao que é seu; é certamente uma vinda em que muda a modalidade da presença, mas em todo o caso é uma forma da sua vinda. Pela primeira vez Jesus usa o termo “Paràclito”, que é uma transliteração pura do grego pará-kletós. O significado básico do termo é “chamado a”, em latim ad-vocatus. Também é possível manter outras nuances, mas o significado fundamental da palavra parákletós é passivo: kletós significa “chamado” e pará significa “em”. Jesus é o primeiro Parákletós, ​​o primeiro advocatus, o primeiro “chamado” dos discípulos; ele é o primeiro que os protegeu, os guardou, enquanto esteve no mundo. Mas agora que deixa o mundo e vai para o Pai, promete outro advocatus. O contexto é o do conflito entre os discípulos e o mundo: os primeiros serão objeto de perseguição no mundo. Enquanto Jesus estiver presente, ele os protegerá, como lemos em 17.12ss. Depois da partida de Jesus, a função de advocatus, no grande julgamento que o mundo trará contra os discípulos, será desempenhada pelo Espírito da verdade, precisamente os Parákletós. Portanto Jesus promete que esta função, principalmente de natureza forense e judicial, desempenhada por ele até agora, isto é, enquanto permanecer na terra, será continuado pelo Espírito. A passagem insiste na profunda semelhança de função entre Jesus e o Espírito: ambos são Parákletós, ​​em duas fases diferentes da história salvífica.

O Espírito também é chamado de “Espírito da verdade” (v. 17). A promessa tem por objeto o Paráclito, que é também o “Espírito da verdade”. A ênfase está no genitivo: «Espírito de verdade». Como deve ser entendida a expressão “a verdade”? E que significado tem o genitivo “da verdade”? De acordo com toda o QE, a verdade é a revelação do Pai, que se realiza através das diversas formas de comunicação que Deus fez de si mesmo e que se realiza ao mais alto nível quando chega o seu próprio Logos encarnado! Jesus pode dizer: “Eu sou a verdade” (v. 6), pois nele, Verbo encarnado, se revela o mistério de Deus. O Espírito está ligado à revelação do mistério de Deus. Devemos entender o “Espírito da verdade” como uma conexão geral; significa que o Espírito está intimamente ligado à verdade. É inútil preocupar-se com a preposição «della»: ela simplesmente diz que entre o Espírito e a verdade existe um vínculo profundo, que não é especificado pelo «della», mas por todo o QE e que, portanto, é ser buscado nas outras passagens em que o Espírito está ligado à palavra e ao ensinamento de Jesus. É aí que entendemos o que realmente significa “Espírito de verdade”. Um pouco mais adiante, por exemplo, lembramos que “o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, tudo vos ensinará e vos lembrará tudo o que vos disse” (14,26); esta é uma boa explicação do que significa “da verdade”. «Espírito de verdade» significa que o Espírito tem a função de ensinar as palavras de Jesus (que são “a verdade”) e de recordá-las aos discípulos. Assim começamos a compreender que tipo de ligação existe entre o Espírito e a verdade.

A relação entre o Espírito e os discípulos é descrita sobretudo por duas frases: «Para que fique convosco para sempre» (v. 16); «ele permanece convosco e estará em vós» (v. 17). Depois, qualificando o Espírito com alguns títulos como “outro Paráclito” e “Espírito de verdade”, o texto tenta mostrar o tipo de vínculo que existe entre este Espírito e os discípulos. Este vínculo tem uma gradação temporal: mesmo agora, no momento em que escutam, os discípulos estão a fazer alguma experiência do Espírito.

Mas isso não é tudo: Jesus promete-lhes uma experiência mais profunda do Espírito. Estamos diante de dois níveis, dois momentos de relacionamento entre os discípulos e o Espírito. O primeiro momento é dado pela presença de Jesus. Enquanto Jesus está presente, o Espírito “permanece convosco”: isto é, ele ainda está em relação externa. Enquanto Jesus está presente, sendo Jesus a morada estável do Espírito, os discípulos também têm uma certa experiência disso. Enquanto Jesus estiver presente, enquanto os discípulos tiverem uma experiência de Jesus, eles também terão alguma experiência do Espírito que está nele. Várias passagens da QE poderiam ser aqui lembradas: por exemplo, em 6.63 o fato de que, segundo a QE, as palavras de Jesus são cheias “do Espírito” indica que já no Jesus terreno os discípulos recebem uma certa experiência de o espírito. Mas a promessa não diz respeito aos dias de hoje: ela está propriamente contida em verbos no futuro. Jesus está prometendo uma experiência mais forte do Espírito: “Ele estará em você” (v. 17). O Espírito que agora, presente em Jesus, habita entre os discípulos, estará dentro deles no futuro. Pouco antes, Jesus disse que o Espírito permanecerá com eles para sempre (cf. v. 16). A promessa é, nestas duas frases, dirigida ao futuro: no futuro o Espírito, que agora está com eles em Jesus, permanecerá com os discípulos para sempre (v. 16) e estará neles (v. 17). Jesus disse pouco antes de si: “Estou convosco ainda um pouco” (13.33); agora, do futuro, diz: «O Espírito estará convosco». Desta forma, a função de Jesus é transferida para o Espírito. No futuro, o Espírito assumirá o papel que era o de Jesus e os discípulos terão uma experiência muito mais profunda deste Espírito: esta é a promessa.

3.4.3. Terceira promessa: a vinda de Jesus após a ressurreição (vv. 18-20)

A primeira promessa foi a das maiores obras: a acção do Filho continuará, aliás, atingirá o seu ápice depois da Páscoa. A segunda promessa foi o Espírito: a função de Jesus como Paráclito será assumida pelo Espírito, o estar de Jesus com os discípulos será assumido pelo Espírito. Portanto, o futuro dos discípulos contém a promessa de uma experiência muito mais íntima, pessoal e profunda daquele Espírito que, numa forma inicial, começaram a experimentar ao vê-lo agir em Jesus. A terceira e a quarta promessas estão muito próximas. mas também se articulam dentro deles, tanto que preferimos distingui-los.

A terceira promessa diz respeito à vinda de Jesus: Jesus vem. Esta vinda deve ser interpretada, principalmente, em referência às aparições do Ressuscitado. A perícope de João 20,19-23 tem sua primeira e fundamental interpretação em 14,18-20; isto é, estes três versículos referem-se principalmente (embora não exclusivamente) à vinda de Jesus na noite de Páscoa: «18Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós. 19Mais um pouco e o mundo não me verá mais; mas vocês me verão, porque eu vivo e vocês viverão” (vv. 18-19). O único verbo usado em João 20 para indicar as aparições do Ressuscitado é simplesmente “Jesus veio” (três vezes: vv. 19.24.26). Em João 20 Jesus é o sujeito acima de tudo deste verbo. Portanto, a promessa de 14,18-20 encontra aí o seu cumprimento: «Não te deixarei, voltarei para ti». A sua vinda realiza-se antes de mais nada na noite de Páscoa. O texto diz: «Você me verá». É um tema importante de João 20: «E os discípulos exultaram quando viram o Senhor» (20,20). «Ver-me-eis, porque eu vivo e vivereis»: em João 20 não se encontra o verbo “viver”, mas a comunicação do Espírito, na aparição vespertina de Jesus, é precisamente a comunicação da vida divina. O futuro “Viverás” torna-se presente na noite de Páscoa. Lá a terceira promessa descreve esta terceira modalidade da sua vinda: «Virei porque me vereis Ressuscitado e pelo dom do Espírito vos comunicarei a vida divina». O evangelista não quer dizer que isto se aplica apenas aos discípulos presentes na noite de Páscoa: a promessa aplica-se também a nós, mas no sentido de que todos estamos representados naqueles discípulos históricos. Certamente a vida não é dada apenas a eles; no entanto, o episódio principal em que esta promessa deve ser cumprida é a noite de Páscoa.

3.4.4. Quarta promessa: Jesus e o Pai no crente (vv. 21-26)

Jesus vem com uma modalidade final. O que se descreve é ​​o que, com uma terminologia não joaneana, é o “tempo da Igreja”: o tempo que a Igreja viverá entre a Ascensão e a vinda final. Nos v. 21-26 descreve assim a quarta vinda de Jesus, antes de sua vinda final. O clima mudou e agora fala-se de uma vinda que pode ser definida como uma “manifestação”. Jesus diz: «Quem ama será amado por meu Pai e eu também o amarei e me revelarei a ele» (v. 21).

A pessoa sujeita dos verbos muda: passamos para a terceira pessoa do singular; depois voltaremos à segunda pessoa do plural. Até agora Jesus se dirigiu massivamente a “você”, enquanto agora generaliza. É uma indicação de que o horizonte aqui se tornou mais amplo: agora fala-se de uma vinda que já não visa diretamente a noite de Páscoa; é outra forma de vir. É uma vinda que Jesus descreve como uma “manifestação” e também como uma “fixação de residência”: “Viremos para ele e faremos nele morada” (v. 23b, CEI2008). Esta expressão não se refere à noite de Páscoa: é um “vir a viver”. É diferente, também porque aqui Jesus associa o Pai consigo mesmo. Além disso, esta última vinda é marcada por uma condição precisa: «21Quem acolhe os meus mandamentos e os observa é aquele que me ama. Quem me ama será amado por meu Pai e eu também eu o amarei e me manifestarei a ele. (…) 23Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará e viremos para ele e faremos nele morada” (v. 21.23).

Esta vinda realiza-se na vida do crente, ou melhor, do “amante”; é a vinda prometida a quem observar os mandamentos de Jesus demonstrando, através dessa observância, seu amor por ele. Jesus vai embora, vai embora, vai embora, mas volta. Existem diferentes formas de sua vinda: a última é esta. É efetivamente um olhar aberto sobre a condição de todos os futuros crentes e “amantes”; o olhar expandiu-se para o futuro, para além da noite de Páscoa. Aqui encontramos uma segunda menção ao Espírito, que no entanto não tem autonomia: “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele te ensinará tudo e te lembrará tudo o que eu te disse” ( v. 26).

É comum dizer que nos “discursos de despedida” há cinco “ditos” sobre o Espírito, mas este segundo dito do Paráclito não é autônomo, está estritamente ligado ao tema da “palavra”. Diz-se que devemos ouvir a palavra e cumpri-la, que é preciso ouvir o mandamento e observá-lo; neste contexto é mencionado o Espírito, pois tem uma função essencial na nossa capacidade de escuta da palavra. Nessa perspectiva, em que lembramos que há uma condição a ser cumprida para experimentar a forma da vinda de Jesus (ou seja, observar a palavra), o Espírito reaparece. Mas aqui o Espírito não tem uma característica nova ou diferente do que já foi afirmado na segunda promessa. Explica-se simplesmente o que significa que ele é o “Espírito da verdade”: ele desempenha uma função em relação à palavra de Jesus, para que a palavra possa ser ouvida, portanto observada, e, portanto, a vinda de Jesus ao coração daqueles que o amam se torna possível.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

IMMANUEL KANT: Crítica da razão pratica 1788

    Kant foi influenciado por Rousseau sobre a necessidade de encontrar uma moral para o sujeito e o Estado. A filosofia crítica de Kant ten...