terça-feira, 18 de julho de 2023

DIÓGENES, “O CÃO”, E OS DESENVOLVIMENTOS DO CINISMO

 



Diógenes e a radicalização do cinismo

 

            (Diógenes, o cínico) andava gritando repetidamente que os deuses concederam aos homens fáceis meios de vida, mas que, entretanto, os esconderam da vista humana (...).

 (Diógenes Laércio, VI, 44)

 

            Segundo alguns, (Diógenes) foi o primeiro a forrar o manto pela necessidade de inclusive dormir com ele, e levava um bornal no qual carregava os alimentos; servia-se indiferentemente de qualquer lugar para qualquer uso, para comer, para dormir ou para conversar. Costumava dizer que os atenienses tinham-lhe fornecido um lugar onde pudesse morar: e indicava o pórtico de Zeus e a sala das procissões (...) Uma vez ordenou a alguém que lhe providenciasse uma pequena casa; e como aquele demorasse, escolheu por habitação um barril que havia no Metroo, como ele mesmo atesta nas Epístolas.                                          (Diógenes Laércio, VI, 22s (=Giannatoni, v B, 174).

 

A “parresía” e a “anaídeia”

 

Interrogando sobre qual seria a coisa mais bela entre os homens disse:’A liberdade de palavra’. (Diógenes Laércio, VI, 69 (=Giannantoni, v B, 473)

O estóico Dionísio conta que, depois de Queronéia, foi capturado e conduzido a Filipe. A Filipe, que lhe perguntou quem era, replicou: ‘Observador da tua insaciável avidez’. Por este dito conquistou a sua admiração e foi posto em liberdade.

(Diógenes Laércio, VI, 43 (= Giannantoni, vB, 27)

 

Durante uma refeição, alguns jogavam-lhe os ossos como a um cão. Diógenes, retirando-se, urinou sobre eles, como um cão. (Diógenes Laércio, VI, 46 (=Giannantoni, v B, 146)

Expunha ao rídiculo a nobreza de berço, a reputação e coisas semelhantes, julgando-as ornamentos exteriores do vício (...).                                 (Diógenes Laércio, VI, 72 (=Giannantoni, v B, 353).

 

Não achava de modo algum estranho roubar alguma coisa de um templo ou tocar a carne de qualquer animal; nem considerava uma impiedade comer carne humana, como era claro que faziam alguns povos estrangeiros.                                       (Diógenes Laércio, VI, 73 (=Giannantoni, v B, 132)

 

A prática do exercício (áskesis) e da fadiga (pónos)

 

Dizia (Diógenes)  que o exercício é duplo, espiritual e físico. Na prática constante do exercício físico, formam-se pensamentos que tornam mais ágil a atuação da virtude. O exercício físico integra-se e completa-se com o exercício espiritual. A boa condição física e a força são os elementos fundamentais para a saúde da alma e do corpo. Apresentava provas para demonstrar que o exercício físico contribui para a conquista da virtude. Ele observava que tanto os humildes artesãos como os grandes artistas tinham adquirido notável habilidade pelo constante exercício da sua arte, e que os flautistas e os atletas deviam a sua superioridade ao assíduo e trabalhoso empenho. E se estes tivessem transferido o seu empenho também à alma, teriam conseguido resultados úteis e concretos. Sustentava por isso que nada se pode obter na vida sem exercício, antes, que o exercício é o artífice de qualquer sucesso. Eliminados, portanto, os esforços inúteis, o homem que escolhe as fadigas exigidas pela natureza vive de maneira feliz; a não-compreensão dos esforços necessários é a causa da infelicidade humana. Até mesmo o desprezo dos habituados a viver nos prazeres a contragosto passam a outro teor de vida, assim os que estão exercitados no modo contrário com maior desenvoltura desprezam esses mesmos prazeres.

(Diógenes Laércio, VI 70s; cf. VI, 23 e 34 (Giannantoni, v B, 291, 174, 176)

 

            A autarquia e a apatia

 

            Freqüentemente (os cínicos) alimentam-se apenas de ervas e, em todo caso, bebem somente água fresca; qualquer alojamento é bom, mesmo um barril, como aquele onde vivia Diógenes., o qual costumava dizer que é próprio dos deuses não ter necessidade de nada, de quem é semelhante aos deuses, ter necessidade de pouco.             (Diógens Laércio, VI, 104 (=Giannantoni, v B 135)   

 

Louvava os que chagavam a ponto de se casar e não se casavam, os que se preparavam para empreender uma viagem marítima e a ela renunciavam, os que estavam par se dedicar à vida política e não se dedicavam, os que queriam constituir uma família e não o faziam, os que se dispunham a viver com os poderosos e em seguida abstinham-se disso.

(Diógenes Laércio, VI, 29 (=Giannantoni, v B, 297)

 

            Certa vez viu uma criança que bebia no côncavo das mãos e jogou fora do bornal a caneca dizendo: “Uma criança deu-me lição de simplicidade”. Abandonou também a bacia, ao ver um menino que, tendo-se rompido o prato, pôs as lentilhas na cavidade de um pedaço de pão.

 (Diógenes Laércio, VI, 37 (=Giannantoni, V B, 158)

 

            Enquanto certa vez (Diógenes) tomava sol no Crâneo, aproximando-se, Alexandre disse: “Pede-me o que quiseres”. E Diógenes respondeu prontamente: “Deixa-me o meu sol”.

(Diógenes Laércio, VI, 38 (Giannantoni, v B, 33) 

 

            Perguntaram a Diógenes em que idade alguém deveria casar-se. A sua resposta foi esta: “Quando se é jovem, ainda não, quando se é velho, não mais”.

(Diógenes Laércio, VI, 54 (Giannantoni, v B, 200)

 

            Admitia a comunhão das mulheres, não reconhecia o matrimônio, mas a convivência pactuada entre homem e mulher. Em conseqüência, também os filhos deviam ser comuns.

(Diógenes Laércio, VI, 72 (=Giannantoni, v B, 353)

 

            Quando precisava de dinheiro, recorria aos amigos dizendo que não o pedia como dom, mas como restituição.                  (Diógenes Laércio, VI, 46 (=Giannantoni, v B, 234)

 

            Tudo pertence aos deuses; os sábios são amigos  dos deuses; os bens dos  amigos são comuns. Por isso os sábios possuem todas as coisas.

(Diógenes Laércio, VI, 37; cf. VI, 72 (=Giannantoni, v B, 344)

 

            Interrogando sobre que raça de cão era, afirmou o seguinte:

            Quando tenho fome, um Maltês, quando saciado um Molosso, portanto, daquelas raças louvadas pela maioria, mas com as quais não se tem coragem de sair à caça por temor à fadiga. Assim, vós não podeis conviver comigo, porque tendes medo de sofrer.

(Diógenes Laércio, VI, 55 (=Giannantoni, v B, 143)

 

Diógenes e a era helenística

 

            Até o bronze cede ao tempo e envelhece, mas a tua glória, ó Diógenes, permanecerá intacta pela eternidade, pois só tu ensinaste aos mortais a doutrina de que a vida basta a si mesma e indicaste o caminho mais fácil para viver.  (Diógenes Laércio, VI, 78 (=Giannantoni, v B, 108)

 

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