segunda-feira, 18 de novembro de 2024

III SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

 




A DIVINDADE DE JESUS CRISTO DO NOVO TESTAMENTO AO CONCÍLIO DE NICEIA

 





Texto de: Raniero Cantalamessa

Tradução e resumo: Paolo Cugini


No momento em que a fé cristã encontra o helenismo e entra em diálogo com a filosofia grega, a crença na divindade de Cristo é um facto pacífico no seio da comunidade cristã. Precisamos investigar não a origem da fé na divindade de Cristo, mas a reação a esta fé. Pela sua própria existência, tal reação é a melhor evidência histórica de que a Igreja nesta época professa universalmente a sua fé em Cristo como Deus.

Esta não é uma prova puramente genérica e dedutiva. Todo o discurso verdadeiro de Celso é um testemunho claro da fé pacífica dos cristãos na divindade de Cristo. Uma fé tão segura de si que o filósofo pagão fica até incomodado com ela. Esta fé sempre teve a sua força motriz na experiência da salvação e no culto da Comunidade. O mínimo que deve ser dito é que o dogma da divindade de Cristo não é o resultado do encontro e talvez da controvérsia com o helenismo, mas que já existe pré-existente.

A afirmação da divindade de Cristo não é o resultado de uma especulação abstrata na conclusão de um processo intelectual, mas é uma expressão do culto e da fé da Igreja. É precisamente esta fé vivida comunitariamente que constitui o pano de fundo e a plataforma de lançamento a partir da qual os pensadores cristãos avançam para a conquista intelectual do meio ambiente, para a fé em Cristo. O que, portanto, entra em jogo no encontro com o helenismo e que possivelmente pode ser dito que dele depende, não é o fato primordial da fé na divindade de Cristo, mas é o modo categórico como ele se expressa e com o qual em uma palavra, defende-se a sua teologização. O que quer que Justino diga ou deixe de dizer sobre a divindade de Cristo, nunca devemos esquecer o que ele repete pelo menos oito vezes, ou seja, que Cristo é um Deus adorado pelos cristãos.

Encontramos os testemunhos mais antigos sobre a reação pagã contra a divindade de Cristo nos próprios apologistas, mas sobretudo em Celso, a quem mais tarde seria acrescentada a voz de Porfírio e de alguns outros pensadores pagãos menores. Dois tipos de objeção emergem de todos os testemunhos. O primeiro é metafísico. Enquanto o segundo é ético. Esquematizando os dados, poderíamos dizer que a primeira, a objeção metafísica, gira preferencialmente em torno do fato do nascimento, da encarnação. Enquanto a objeção ética se concentra no fato da morte, isto é, na loucura da Cruz. Um reflete o escândalo intelectual do helenismo face à fé cristã, o outro o escândalo moral. O impacto da pregação da Cruz na visão ética dos gregos, inteiramente dominada pelo valor supremo da Sabedoria, fez com que considerassem imoral, além de tolo, falar de um Deus crucificado entre pessoas respeitáveis.

A transcendência da objeção de Deus.

A objeção metafísica contra a divindade de Cristo toma forma dentro do enigma a partir de dois conceitos intimamente ligados entre si, mas distintos: Transcendência de Deus e contingência histórica de Cristo. A crítica ao dogma da divindade de Cristo baseada na ideia de transcendência ocupa o cerne da polêmica de Celso contra o Cristianismo. O conceito subjacente é a impossibilidade de uma intervenção real e pessoal de Deus no mundo e na história. Celso se esforça para demonstrar que tal intervenção é um absurdo. Para fazer isso, ele apela a todas as certezas supremas da Grécia, esquecendo mesmo a rivalidade tradicional e as profundas diferenças escolares existentes entre estoicos e platônicos. De facto, enquanto a impossibilidade de Deus intervir real e diretamente nas coisas do mundo constitui o tema platónico por excelência, a impossibilidade do cosmos acolher tal intervenção divina do exterior desenvolve um tema tipicamente estoico.

Se, como afirmam os cristãos, o próprio Deus desce em direção aos homens, argumenta Celso, isso envolve uma mudança nas coisas aqui embaixo. Mas mudar até mesmo as menores coisas aqui significa subverter e destruir o universo. Partindo da concepção estoica de um universo em si, fechado e imutável na sua ordem, que não admite intervenções externas, porque nada existe fora dele, Celso captou com singular clareza um dos aspectos mais profundos da revolução mental trazida sobre pelo cristianismo. O mundo dos gregos, escreveu o teólogo Brehier, é um mundo, por assim dizer, sem história. Uma ordem eterna em que o tempo não tem eficácia, quer deixe a ordem sempre idêntica a si, quer gere uma sucessão de acontecimentos que regressam sempre ao ponto de partida, segundo mudanças cíclicas que se repetem indefinidamente. A ideia oposta, isto é, que na realidade há mudanças radicais em iniciativas absolutas, verdadeiras invenções, numa palavra, que há história e progresso no sentido geral do termo, tal ideia era impossível antes que o Cristianismo perturbasse o cosmos dos helenos. Entre estas iniciativas divinas que produzem mudanças radicais e que criam algo novo, dando ao universo uma face dramática, a encarnação, juntamente com a criação e a parusia constituem um dos momentos salientes. O platônico Celso dá maior ênfase ao outro aspecto do problema, o da impossibilidade de Deus intervir pessoalmente nas coisas do mundo. Por causa de sua transcendência, nesta base, a divindade de Cristo é contestada como ligada ao fato da encarnação. É a humanidade de Cristo que torna filosoficamente impossível a sua divindade. Partindo do famoso dogma platônico nullus deus miscetur hominibus, Celso até acha escandalosa a afirmação de que um Deus, ou o filho de Deus, desceu à terra. Na verdade, a encarnação destrói a prerrogativa divina de imutabilidade e envolve degradação. Destrói a transcendência porque, se o próprio Deus desce entre os homens, abandona o seu trono. Neste ponto, Celso é o porta-voz de toda a mais genuína tradição grega platónica que acompanha o cristianismo ao longo da sua fase helenística.

“Não, não somos loucos nem gregos. Taziano exclama. Preferimos o absurdo quando dizemos que Deus nasceu em forma humana.” A verdadeira razão de tal escândalo foi o dualismo platônico de matéria e espírito, que, aliado à essência da ideia de criação do nada, levou a considerar todo contato com a realidade corpórea do homem sempre e necessariamente poluído por Deus. Segundo Celso, mesmo que Cristo fosse Deus, após a ressurreição ele não teria mais condições de retomar seu lugar ao lado do Pai, pois seu espírito estava agora manchado pela natureza do corpo. O horror da Natividade, isto é, a repugnância pela fisiologia do nascimento humano, que é o reflexo do dualismo metafísico no nível existencial, vem à tona toda vez que um filósofo pagão se vê falando sobre a encarnação. Foi tão forte que contagiou muitos espíritos cultos entre os próprios cristãos, dando origem ao grande fenômeno do Gnosticismo. Contudo, enquanto no campo pagão o escândalo é resolvido pela negação de que Cristo era Deus, no campo cristão é resolvido pelos gnósticos ao negarem que ele era homem (docetismo).

A objeção da contingência histórica e da imanência de Cristo.

Quando há sentido, ele lança seu ataque contra o Cristianismo. Justino já completou aquela grandiosa operação intelectual que é a identificação do Jesus histórico com o princípio universal e metafísico do logos. Celso está ciente da operação. Mas isso não é suficiente para fazer cair suas críticas indignadas. 

“Celso acusa os cristãos de se parecerem com os sofistas quando dizem que o filho de Deus é o logos em pessoa e reforça a acusação acrescentando que depois de ter proclamado que o logos é o filho de Deus, apresentamos o lugar do lugar do puro e santo logos, um homem ignominiosamente açoitado e levado ao castigo” (Orígenes).

 Nestas palavras aparece todo o escândalo intelectual do grego que vê quebrada a mais intangível e sagrada das barreiras, aquela entre o mundo de cima e o mundo de baixo, entre o mundo do universal e do eterno, o do contingente e do devir: entre o mundo do absoluto e o mundo da história. O logos do princípio universal de inteligibilidade do cosmos é considerado um homem que nasceu, viveu e morreu em determinado momento da história e em determinado ponto da terra. Aqui se expressa a irrelevância religiosa e ontológica da história para o grego, a impossibilidade de conceber historicamente a revelação e, portanto, o próprio logo. Deus e a história não podem ser pensados juntos, eles formam uma união antinatural. Daí a dificuldade de reconhecer como logos e como Deus um homem inteiramente imerso na história, cuja existência era inteiramente definível em coordenadas geográficas e cronológicas. “Filho de Deus, um homem que viveu há alguns anos, alguém de ontem ou de anteontem” (Celso).

Para compreender a necessidade subjacente da qual surge esta reação do paganismo culto, devemos partir daquela espécie de fosso protetor que a filosofia religiosa da época havia cavado em torno da transcendência de Deus com a chamada teologia negativa. Deus é incompreensível, invisível, impassível, ele não tem começo, não tem nome, não tem lugar, não tem forma. Como, então, justificar a divindade de uma pessoa que, com a sua positividade histórica e humana, foi exactamente os antípodas destas imagens de Deus obtidas através da via negativa? Toda teologia negativa torna-se positiva em Jesus. Ele era visível, passível, tinha um nome, um princípio, um tempo, um lugar, uma forma. Em Cristo se cruzam aqueles dois níveis que no pensamento grego permaneciam sobrepostos e divididos: o da transcendência e o da imanência. O conceito grego de espaço como receptáculo surge radicalmente transformado, a tal ponto que, num novo sentido, o próprio Cristo aparece como o espaço ou lugar de encontro e troca entre Deus e o homem, o ponto de intersecção entre a transcendência e a imanência ou, como dizemos diria em linguagem mais avançada, o mediador. A consequência mais óbvia é que a ideia de transcendência de uma categoria exclusivamente teológica também se torna uma categoria cristológica. Com ela, de facto, não queremos afirmar apenas a transcendência infinita de Deus em relação ao homem, mas também a transcendência de Cristo em relação a toda a humanidade, ao cosmos e à história. Contudo, tudo isto não parecerá claro para a própria teologia cristã até seguir a definição de Nicéia principalmente por Atanásio.

A resposta cristã

Justino tinha compreendido que o ataque do mundo pagão poderia ocorrer a nível filosófico e porque o obstáculo à fé em Cristo para os gregos era a contingência histórica do seu nascimento de Maria, pouco mais de um século e meio antes. Ele estava preocupado em dar à figura de Cristo aquela base de universalidade e absolutismo que ela já tinha na fé da comunidade e que Paulo e João expressaram com categorias ou pelo menos numa estrutura de pensamento judaico. Foi exatamente isso que Justino fez através da identificação clara e programática de Jesus nascido de Maria com o princípio universal do logos e em posição subalterna com a realidade do pneuma. “O logos primogênito de Deus sem comércio carnal nasceu quando nosso mestre Jesus Cristo foi crucificado, morreu e ressuscitou e ascendeu ao céu.” A operação realizada pelos primeiros padres gregos foi uma operação difícil porque de repente cristificou tudo o que é real e para os gregos tudo o que é real tinha a sua inteligibilidade a partir do logos. Ao mesmo tempo criticou toda a história graças à ideia das sementes do verbo que transmitiram a Cristo todo o caminho ideal da humanidade antes da sua vinda, com o mesmo dinamismo com que a parte tende ao todo, o o logos parcial tende ao logos integral que é Cristo. Os cristãos tomaram emprestado dos gregos um princípio cósmico universal, logos, e agora lhes apresentavam um logos pessoal, pessoa histórica e filho primogênito de Deus. A identificação de Cristo com o logos, de fato, foi espontaneamente colocada sob a influência dos textos.

Para os Estudiosos do Novo Testamento à identificação do Logos com o filho de Deus Este é um fato de extrema importância porque lançou as bases para a explicação da divindade de Cristo através do conceito de geração racional (filho) (logos), que. mais tarde constituirá a pedra angular de toda a teologia trinitária.

Subordinacionismo cristológico

No edifício da cristologia assim delineado, foi inserido um elemento do helenismo que atrasaria a solução do problema cristológico até Nicéia. Este é o valor predominantemente cosmológico que o logos tinha na especulação grega. Isto trouxe consigo um declínio inevitável na tensão soteriologica da mensagem cristã em favor da sua dimensão cosmológica e reveladora. A atração mútua entre logos e criação tende, em virtude da identificação feita entre os conceitos de logos e filho de Deus, a vincular a geração do filho à criação do mundo, minando assim o seu caráter necessário e eterno. O verbo típico que expressa a função do logos neste contexto é kosmein: ordenar e produzir o cosmos. A passagem de Pr 8,22 “O Senhor me criou como o princípio dos seus caminhos para as suas obras” Com o enorme desenvolvimento que leva de Justino aos Arianos, serve para revestir esta doutrina com a autoridade indiscutível da Bíblia. Origine não tem dúvidas de que o que os gregos disseram sobre o logos como intermediário da criação, não só concorda com a lei, mas também com o Evangelho. Na especulação filosófica da época havia uma figura que estava destinada a exercer uma atração irresistível sobre o logos filho de Deus dos cristãos, o chamado segundo Deus. Foi uma espécie de retrocesso do helenismo do qual o pensamento cristão teve grande dificuldade em se libertar. A figura do segundo Deus ou Deus de segunda categoria surge praticamente nas páginas do Timeu, mesmo que o nome seja retirado de uma fonte pseudoplatônica. O platonismo médio apoderou-se dele, dando-lhe um enorme desenvolvimento e identificando-o, por sua vez, com o mundo inteligível, com o Logos, com o demiurgo platônico e com a alma do mundo. Mais tarde, passou a constituir a segunda imposição da tríade neoplatônica. É uma entidade metafísica que atua como intermediária entre Deus e o mundo material, com vista à sua criação, ou ao seu ordenamento. Geralmente, tem como objetivo poupar o Deus transcendente do contato degradante com o mundo. Philo destaca a inferioridade ontológica em relação ao pai do universo, usando para ele o título de Theos (sem artigo) e reservando a expressão ho Theos (com o artigo) apenas para o Deus supremo. Este é verdadeiramente Deus, o outro é apenas divino. Celso, referindo-se à mesma entidade metafísica do deutero Theos, o define como um semideus e diz abertamente que os cristãos se inspiraram nela ao definir Cristo como Filho de Deus. A razão última da inferioridade deste Deus intermediário em relação ao pai. - destinado a desempenhar mais tarde um papel decisivo nas discussões eclesiásticas - é claramente formulado por Ptolomeu na sua carta a Flora: "este Deus será inferior ao Deus perfeito... na medida em que é gerado e não ingênito".

Os autores cristãos cometeram a imprudência de utilizar esta figura intermediária para apresentar a pessoa do Filho de Deus aos seus interlocutores gregos, pensando que assim facilitariam a sua fé na divindade de Cristo. O primeiro a construir uma ponte entre as duas realidades foi Justino, que fala do Filho que ocupa “o segundo lugar depois do Pai”, seguido de Clemente de Alexandria, ambos independentes da fonte pseudoplatônica. Em Orígenes o título de deutero Theos ocupa um lugar de particular importância e condiciona sem dúvida o seu subordinacionismo cristológico, mesmo sendo ele mesmo quem prepara a superação deste subordinacionismo, através do conceito de geração eterna do filho, no qual nos inspiraremos, mais tarde, na luta contra o arianismo.

Raniero Cantalamessa


Arianismo e a catarse cristã do helenismo

A crise ariana situa-se no contexto teológico que acabamos de delinear. No seu aspecto positivo (a verdade da heresia) consiste em ter forçado a Igreja a abrir os olhos para uma situação de incerteza e incompreensão, que se arrastava há algum tempo no seio da sua teologia. Em sua aparência negativo, parece ser uma tentativa de canonizar o que foi simplesmente um atraso da teologia no que diz respeito à fé, erigindo a crença em Cristo como um Deus de segunda categoria como um dogma explícito. A objeção metafísica do helenismo à divindade de Cristo, revive no arianismo e atinge seu apogeu, precisamente porque nele a identificação do Filho de Deus com o deutero Theos médio -platônico é levada às suas consequências finais. A novidade que Ario traz para a discussão é o uso massivo do argumento extraído da oposição entre Pai e Filho, para estabelecer a diversidade da essência entre os dois. Um argumento que amadureceu no helenismo desde Platão, mas que só agora está sendo explicitamente usado como uma objeção à divindade de Cristo. Tudo isso foi estudado e não é novo. O arianismo não é compreensível exceto como resultado da abordagem platônica média do problema cristológico iniciada pelos apologistas. Ário não conseguiu superar a figura mítica do deutero Theos, mas o consagrou; não conseguiu traçar uma única linha de demarcação do ser, mas manteve as duas linhas e, com isso, a divisão tripartida do ser em: ser transcendente, ser criado e ser intermediário. A famosa expressão ariana: “houve um tempo em que não existia” tirada da discussão platônica média, onde se referia ao cosmos-filho do Deus de Timeu, ou seja, essencialmente, ao segundo Deus. O título técnico de Deus Segundo continua a ser usado para o Filho por Eusébio de Cesaréia, muito próximo de Ário, dependendo de Orígenes, mas também do Platonismo Médio.

Aprendemos com Atanásio que os arianos abraçaram totalmente a ideia platônica do filho como um ministro, ou intermediário, que cria o mundo olhando e inspirando-se nos modelos do pai. E isso não se baseia nas indicações da Bíblia, mas sim na motivação platônica de que Deus não pode criar o mundo diretamente, mas precisa de um intermediário que evite o contato degradante com a matéria. Atanásio não se engana quando conclui: “estas afirmações sobre o logos de Deus não são específicas da doutrina cristã, mas sim da dos gregos”.

Não é com o Arianismo que ocorre a ruptura com o esquema platônico médio, mas com Nicéia. É a teologia do homousios, do gentium non factus, que elimina para sempre o principal obstáculo do helenismo ao reconhecimento da plena divindade de Cristo e realiza a catarse cristã do universo metafísico dos gregos. Com tal teologia, apenas uma linha de demarcação é traçada na vertical do ser e esta linha não separa o Filho do Pai, mas o Filho das criaturas.

 “Consubstancial (homousios) com o Pai significa que o Filho de Deus não tem nenhuma semelhança com as criaturas criadas, mas que é semelhante em tudo ao Pai que o gerou e que não tem outra hipóstase ou substância senão a do Pai”(Eusébio de Cesaréia).

A separação das criaturas é tão forte que será necessário outro concílio, o de Calcedônia, para restabelecer um equilíbrio mais correto, numa visão mais ampla, em que Cristo aparecerá em tudo semelhante a nós, bem como em tudo semelhante ao Pai: consubstancial ao Pai e consubstancial a nós.

A influência do argumento soteriológico na definição da divindade de Cristo

Atanásio transfere o interesse da teologia do cosmos para o homem, da cosmologia para a soteriologia. Atanásio valoriza os resultados desenvolvidos na longa batalha contra o gnosticismo, uma batalha que levou a um foco na história da salvação e da redenção humana. Ele dá a toda teologia um colorido antropológico e soteriológico. Cristo já não se coloca, como na época dos apologistas, entre Deus e o cosmos, mas antes entre Deus e o homem. O facto de Cristo ser mediador não significa que esteja entre Deus e o homem, mas que une Deus e o homem. Nele Deus se torna homem e o homem se torna Deus, ou seja, é divinizado. O cosmos não desaparece do horizonte da cristologia, mas é função do homem e da sua salvação, e não vice-versa. O novo esquema da realidade não será mais o grego: Deus-universo-homem, mas será o bíblico. um: Deus-homem-universo. O universo é para o homem, não o homem para o universo.

Segundo Atanásio, a salvação exige que o homem não seja assumido por nenhum intermediário, ou por qualquer ser, mas que seja assumido por Deus e que esteja unido a Deus: “se o Filho fosse uma criatura, o homem permaneceria mortal, não sendo unido a Deus… o homem não seria divinizado se o Verbo que se fez carne não fosse da mesma natureza do Pai”.

O impacto da experiência da salvação na evolução do dogma da divindade de Cristo é indubitável. No entanto, seria errado conceber este impacto como unilateral. Se é verdade que a experiência de Cristo como Salvador e loja divinizada influencia o processo teológico de esclarecimento da sua divindade, também é verdade que o processo teológico contribui para moldar e tornar consciente a experiência da salvação.

Definir o filho como substancial em relação ao pai significava colocá-lo num nível onde absolutamente nada poderia permanecer fora do seu campo de ação. Significou estabelecer o significado ou a relevância universal da pessoa de Cristo, não apenas no nível ontológico, mas também no nível soteriológico.

“A onipotente Palavra Santa do Pai, penetrando todas as coisas e chegando a todos os lugares com a sua força, ilumina cada realidade e contém e abraça tudo em si. Não há ser que escape ao seu domínio. Todas as coisas recebem vida inteiramente dele e são mantidas nela por ele: ahem criaturas únicas em sua individualidade e o universo criado em sua totalidade” (Atanásio).

Em Cristo e no ser está o sentido de Deus que se faz presente ao homem e ao mundo, e não como intermediário: este é o sentido profundo do consubstancial de Nicéia.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Iconoclastia




[Fonte: Wikipedia]


Iconoclastia ou Iconoclasmo (do grego εικών, transl. eikon, "ícone", imagem, e κλαστειν, transl. klastein, "quebrar", portanto "quebrador de imagem") é uma rejeição de imagens religiosas (pinturas, ícones, estátuas). Foi também um movimento político-religioso contra a veneração de ícones e imagens religiosas no Império Bizantino que começou no início do século VIII e perdurou até ao século IX. Os iconoclastas acreditavam que as imagens sacras seriam ídolos, e a veneração e o culto de ícones por consequência, idolatria.

Em oposição à iconoclastia existe a iconodulia ou iconofilia (do grego que significa "venerador de imagem"), ao qual defende o uso de imagens religiosas, "não por crer que lhes seja inerente alguma divindade ou poder que justifique tal culto, ou porque se deva pedir alguma coisa a essas imagens ou depositar confiança nelas como antigamente faziam os pagãos, que punham sua esperança nos ídolos [cf. Sl 135, 15-17], mas porque a honra prestada a elas se refere aos protótipos que representam, de modo que, por meio das imagens que beijamos e diante das quais nos descobrimos e prostramos, adoramos a Cristo e veneramos os santos cuja semelhança apresentam.

Em 730, o imperador Leão III, o Isauro proibiu a veneração de ícones. O resultado foi a destruição de milhares de ícones pelos iconoclastas, bem como mosaicos, afrescos, estátuas de santos, pinturas, ornamentos nos altares de igrejas, livros com gravuras e inumeráveis obras de arte. O iconoclasmo foi oficialmente reconhecido pelo Concílio de Hieria de 754, apoiado pelo imperador Constantino V e os iconófilos severamente combatidos, especialmente os monges. O concílio não teve a participação da Igreja Ocidental e foi desaprovado pelos papas, provocando um novo cisma. Posteriormente a imperatriz Irene, viúva de Leão IV, o Cazar, em 787 convocou o Segundo Concílio de Niceia, que aprovou o dogma da veneração dos ícones, e recuperou a união com a Igreja Ocidental. Os imperadores que governaram após ela — Nicéforo I e Miguel I Rangabe — seguiram com a veneração. No entanto, a derrota de Miguel I na guerra contra os búlgaros em 813, levou ao trono Leão V, o Arménio, que renovou a iconoclastia.

Durante a regência da imperatriz Teodora, o patriarca de Constantinopla e iconoclasta João VII foi deposto, e em seu lugar erguido o defensor da veneração Metódio I. Sob a sua presidência em 843, ocorreu outro concílio, que aprovou e subscreveu todas as definições do Segundo Concílio de Niceia e novamente excomungou os iconoclastas. Ao mesmo tempo foi definido (em 11 de março, data da reunião do concílio em 843) a proclamação da memória eterna da ortodoxia e o anatematismo contra os hereges, ainda realizada na Igreja Ortodoxa atualmente como o "Domingo da Ortodoxia" (ou "Triunfo da Ortodoxia").

Antecedentes iconoclastas

Registros das comunidades cristãs primitivas, especialmente das catacumbas, indicam que estes representavam Jesus com imagens e iconografias, como um peixe, cenas bíblicas, e outros ícones representando santos e anjos. Nos dois primeiros séculos há poucas esculturas e estátuas, uma vez que elas eram mais difíceis de confeccionar, e custavam mais caro. Mas a partir do século III surgem diversos exemplos de seu uso pelos fiéis. Os cristãos também oravam pelos mortos e acreditavam na intercessão dos santos, essas práticas eram conhecidas por alguns antigos grupos judeus, e especula-se que o cristianismo pode ter tomado a sua prática similar. Diversos Padres da Igreja atestam esta doutrina. No século IV, as basílicas e os demais templos cristãos eram comumente decorados com ícones e mosaicos nas paredes. Nessa mesma época, Basílio, o Grande, bispo da Cesareia (atual Kayseri) referindo-se ao mártir Barlaam, incentiva os artistas a retratar a vida de um santo. São João Crisóstomo também escreveu sobre a distribuição de imagens de São Melécio de Antioquia e Teodoreto de Ciro, e relata que retratos de São Simeão eram vendidos em Roma.

Apesar deste apoio a representação de pessoas santas e acontecimentos da história bíblica e eclesiástica, no mesmo período, surgem as primeiras objeções contra o uso de ícones. Por exemplo, Eusébio de Cesareia fala negativamente sobre o desejo da irmã do imperador ter um ícone de Cristo.[carece de fontes] Epifânio ao ver na igreja um véu com a imagem de um homem, rasgou-o e o deu para cobrir o caixão de um mendigo.[carece de fontes] Na Espanha, o Sínodo de Elvira (início do século IV) aprovou uma resolução contra as pinturas murais em igrejaː

As pinturas nas igrejas e o que é retratado nas paredes não são, e não devem ser objeto de culto e adoração.

Até o início do século VI surgiram outras posições iconoclastas, devido à expansão do monofisismo. O líder monofisista Severo de Antioquia era contra os ícones de Cristo, da Virgem Maria, dos santos e até mesmo a imagem do Espírito Santo como uma pomba. Apesar da amplitude desse movimento, surgiram diversos santos e outras personalidades a favor da veneração de ícones, como Anastácio do Sinai, que escreveu em defesa dos ícones, e Simeão Estilita, o Moço queixou-se ao Imperador Justiniano II de ofender os "ícones do Filho de Deus e da Santíssima e Gloriosa Virgem". Em algumas regiões, no final do século VI e início do século VII houve fortalecimento da iconoclastia, como em Marselha, em que o bispo Soren em 598 destruiu todos os ícones da igreja, o Papa Gregório Magno escreveu a ele sobre isso, elogiando o zelo para a luta contra a superstição, mas exigiu que os ícones fossem restaurados, uma vez que os fiéis eram pessoas comuns, em vez de livros, à congregação compreendia o verdadeiro caminho através dos ícones.

O crescimento da iconoclastia surgiu especialmente em áreas do império que faziam fronteira com os territórios dos árabes do Islã (que eram hostis a imagens). Nesses locais o sincretismo também originou diversas outras heresias cristãs, tais como o montanismo e marcionismo. Uma vez que os seguidores do Islã consideravam ícones ilegais, os imperadores bizantinos, buscando uma convivência pacífica com os muçulmanos, fizeram concessões iconoclastas. Assim, o imperador Filípico antes de sua expulsão em 713, aprovou uma lei contra a veneração dos ícones.

Causas da iconoclastia

Pesquisadores apontam as principais causas da iconoclastia em dois grupos:

Associação com o judaísmo e o Islã: Através da iconoclastia os imperadores bizantinos desejam destruir um dos principais obstáculos para a aproximação cristã com os judeus e muçulmanos, que possuem uma atitude negativa para com os ícones, assim facilitando a subordinação dos povos do império que professavam essas religiões.

A luta contra a influência da igreja: Até o século VIII, a influência da Igreja no império cresceu substancialmente, havendo um aumento significativo na quantidade de propriedades da Igreja e dos mosteiros. Por esta razão, os imperadores iconoclastas desejavam desviar recursos humanos e dinheiro da igreja para o Estado. Uma vez que a influência econômica dos mosteiros provinha principalmente da confecção de imagens, foi proibida sua fabricação e veneração, bem como muitas propriedades e mosteiros foram confiscados.

Perseguição

Os iconoclastas em muitas regiões queimaram os ícones nas paredes dos templos, destruindo mosaicos e afrescos, bem como livros com temas cristãos. Um dos casos mais conhecidos de vandalismo foi a destruição da decoração da Igreja de Santa Maria de Blaquerna. Uma obra da época sobre o assunto dizia: "… os ícones foram jogados — uns no pântano, outros — no mar, e outros — no fogo (…).".

Perseguição e morte de iconófilos


Crônica de João Escilitzes, no manuscrito conhecido como "Escilitzes de Madrid".

Muitos chefes e soldados caluniaram o culto dos ícones, e comandaram várias execuções, e brutais torturas. Ele obrigou todos em seu reino a jurarem não cultuar ícones, e Constantino fez até o patriarca (…), subir ao púlpito, e (…) jurar que ele não acredita nos devotos dos santos ícones. Ele convenceu-o junto com outros monges, que [comemoravam] comendo carne e estando presente na mesa real com canções e danças.

  — Narração de incidente iconoclasta segundo a tradição popular Cronograma de Feofana (766 anos).

O assédio dos iconoclastas em primeiro lugar, afetou o monaquismo bizantino: Constantino V publicamente tomou partido da iconoclastia, assim seus partidários maltrataram e perseguiram monges: "… muitos monges morreram golpeados por chicotes e até por espadas, incontáveis ficaram cegos, em alguns foi jogado cera e óleo na barba, e foi colocado fogo nela e, assim, foi queimado o rosto e cabeça. Depois de muitas torturas outros foram mandados para o exílio".[8] Em uma das perseguições contra iconófilos, antes de sua execução, os monges foram forçados a comparar seus templos com o templo de Diocleciano.[13] Em 25 de agosto de 766, vários iconófilos foram publicamente ridicularizados e 19 dignitários foram punidos.[14] Várias das vítimas da perseguição mais tarde foram canonizadas (por exemplo, André de Creta e outros).


O CULTO DAS IMAGENS NA IGREJA PRIMITIVA

 




Texto de: Robert Louis Wilken

Síntese e tradução: Paolo Cugini


Uma das práticas mais difundidas no Cristianismo Antigo era o culto aos mortos e a veneração dos ossos de mártires e santos. No final do século IV, as cidades do mundo romano estavam repletas de santuários que abrigavam relíquias de santos e santas zelosamente guardadas e os cristãos mais devotos iam regularmente a esses lugares para rezar. Já no século II os cristãos começaram a homenagear os mortos reunindo-se nos seus túmulos em sinal de reverência e para efeitos de intercessão.

 Nos santuários havia geralmente um altar e bancos nos quais os fiéis podiam sentar-se para olhar o sarcófago contendo o corpo do Santo. Os ossos não só serviam para lembrar aos visitantes que o corpo de alguém jazia naquele local, mas tornavam a presença do falecido quase palpável.

Gregório de Nissa: “quando os fiéis contemplam as relíquias é como se com os olhos, a boca, os ouvidos e todos os sentidos abraçassem um corpo ainda palpitante de vida com lágrimas de reverência e emoção. Oferecem orações de intercessão como se o santo estivesse ali diante deles”. 

segundo Gregório de Nissa é prova de superficialidade e preguiça pensar que a fé cristã é apenas um conjunto de ensinamentos, consiste também em fazer o sinal da cruz. Se estes sinais sacramentais são subestimados e se pensa que o cristianismo pode ser reduzido a doutrina de precisão, o mistério cristão se reduz a contar histórias.

As artes visuais, assim como a poesia, logo desempenharam um papel na história da igreja por causa da encarnação. O Cristianismo aceita sem esforço a ideia de uma ligação estreita entre as realidades concretas e o Deus vivo. Na igreja primitiva acreditava-se que conhecemos a Deus contemplando um rosto humano, o rosto de Jesus Cristo.

No encontro com o cego de Gerico, narrado no capítulo 9 do Evangelho de João, Jesus se refere à realidade do seu corpo, um corpo que pode ser visto com os olhos significa mais do que ver com os olhos, mas a grande originalidade do Cristianismo consiste em sustentar que, o conhecimento espiritual, começa daquilo que podemos ver com os olhos e tocar com as mãos.

Nas paredes das catacumbas os cristãos reproduziam imagens de pessoas e acontecimentos lembrados nas escrituras. A arte cristã mais antiga preservada até hoje, vem dos túmulos das catacumbas ou consiste em objetos como lâmpadas, cerâmicas, anéis. A partir do século IV Graças a Constantino, as comunidades cristãs começaram a construir igrejas, estas foram decoradas com pinturas e mosaicos representando Cristo, a Virgem e santos e os episódios mais famosos da Bíblia.

Um dos motivos da colocação de pinturas e mosaicos nos locais de culto era a sua função didática, ofereciam aos fiéis uma imagem para guardar na memória e funcionavam quase como livros para quem não sabia ler. Era habitual não só observar essas representações, mas até tocá-las, beijá-las, acender velas diante das pessoas e até dirigir-lhes orações. Os ícones acabaram sendo tratados com o mesmo respeito que teria sido dispensado à pessoa real.

Enquanto o culto cristão aos ícones se tornava mais fervoroso, alguns temiam que a veneração das imagens conduzisse à idolatria. No início do século VIII, em Constantinopla, o imperador Leão III, com o apoio de um grupo eclesiástico, promoveu uma campanha contra a veneração dos ícones. O partido era chamado de iconoclastas, ou seja, destruidores de imagens. Segundo os iconoclastas a representação autêntica de Cristo deveria ser buscada na Eucaristia e, a verdadeira imagem de um santo ou de uma santa, não consistia em seus traços Mas em sua vida virtuosa. O desafio representado por um ponto de vista diferente torna-se a oportunidade de esclarecer o que se acredita.



João de Damasco (Damasceno) nasceu na segunda metade do século VII. Apesar de viver na Palestina islamizada, João de Damasco está envolvido na polêmica sobre a veneração de imagens que assola a distante Constantinopla. Segundo João, a proibição de imagens sagradas pode prejudicar um aspecto fundamental da fé cristã: a crença na encarnação, ou seja, a consciência de que o Deus que além do espaço e de tempo se deu a conhecer num ser humano Jesus de Nazaré, que nasceu de uma mulher e viveu num lugar e época específica. É porque Deus se deu um corpo humano foi possível pintar a imagem dele.

Se fosse proibido representar Cristo como um ser humano, pergunta João, quem poderia então afirmar que Deus está encarnado? Na controvérsia sobre a iconoclastia, os riscos são, portanto, muito maiores do que a legalidade das representações de Cristo, da Virgem e dos Santos. Em épocas anteriores não era possível ver Deus, portanto, as imagens sagradas só podiam levar à idolatria. Mas agora que Deus apareceu em forma humana, as imagens são indispensáveis para a plena devoção cristã. Deus foi visto na terra várias vezes. João fala sobre isso e define a visão como o primeiro dos nossos sentidos: só olhando podemos entrar numa relação íntima com Deus. Agora podemos ver Deus como visível na forma humana e a imagem de Deus está impressa com fogo em nossa alma. 

A veneração das imagens é a forma mais concreta de proclamar que Deus apareceu em forma humana na pessoa de Jesus Cristo. Além disso, a assunção da forma humana por Cristo não é um fato acidental. A carne de Cristo permanece sua carne mesmo depois da volta ao Pai e a identidade do logos está sempre ligada à carne, ou seja, à matéria e é por isso que no final é possível retratar o logos divino pintando a imagem de Cristo.

Aquilo que é representado pela imagem sagrada de Cristo não é simplesmente o Jesus humano nem o deus invisível, mas a imagem do deus encarnado em um determinado plano. Um ícone de Cristo é a representação de Cristo como ele foi visto por aqueles que o encontraram durante sua vida. quando João afirma que uma imagem de Cristo pode ser feita, ele quer dizer que é possível pintar um retrato de Cristo assim como alguém pintaria um retrato de qualquer outra pessoa, mas ele também quer dizer que, quando olhamos para o rosto de Cristo, nós vemos algo que não é dado para ver com os olhos da carne, pós Ele é aquele que existe na forma de Deus.

No Segundo Concílio de Nicéia, em 787, em que o ensinamento da Igreja sobre o tema das imagens sagradas recebeu a sua forma definitiva, os bispos sublinharam que um ícone de Cristo é mais do que a representação do Jesus histórico: só vê o homem Cristo, mas o logos torna-se carne e quando olhamos para uma representação da Natividade vemos Deus tornar-se homem para a nossa salvação. Portanto, o ícone nos convida a confessar que, aquele que não é carne se tornou carne; o incriado tornou-se criatura o impalpável foi tocado. Um ícone da Natividade não se limita a lembrar a quem o olha um episódio do passado: é um ícone da encarnação do mistério de Deus, que assume uma forma humana. Para Cirilo de Alexandria a carne de Cristo é a carne do deus invisível.

Segundo Gregório de Nissa, os Lugares Santos receberam a marca da própria vida e por isso devem ser amados e venerados. Muitas vezes se esquece que os acontecimentos da salvação tiveram um lugar e um tempo e que os acontecimentos sobre os quais o cristão se baseia sobre uma realidade concreta. Os fundamentos da fé foram verificados não apenas em um determinado momento da história, mas também em lugares específicos. Não há melhor maneira de gravar um evento ou uma pessoa em sua mente do que visitar o local onde o evento ocorreu ou a pessoa viveu de forma tangível. A maneira misteriosa é como as coisas tangíveis têm a capacidade de despertar o olhar interior. Entre as muitas coisas que impressionaram o peregrino na Terra Santa foi o fato de a liturgia ter acontecido nos mesmos lugares onde ocorreram os acontecimentos da salvação. O túmulo de Cristo, a montanha. das Oliveiras;

Viver no deserto da Judéia, a poucos quilômetros de Belém, Jerusalém e frequentar frequentemente os Lugares Santos, permitiu a João de Damasco uma melhor compreensão da sacralidade do espaço, mais do que qualquer outro autor de sua época. Ele entendeu que o caráter histórico do Cristianismo está ligado a. espaço não menos do que na época em que ele escreveu os lugares onde Deus realizou nossa salvação são uma imagem de Cristo não menos que os ícones através deles as coisas que aconteceram são lembradas.

Reproduzir a pessoa real de Cristo  num episódio de sua vida: a imagem sagrada coloca a pessoa de Cristo diante de quem a olha de uma forma conforme à história do Evangelho. Segundo uma fórmula inserida no decreto do Concílio de Nicéia em 787 só o ícone pode representar acontecimentos. Ao olhar para um ícone de Cristo estamos de alguma forma diante da pessoa viva e, ao venerar o ícone, veneramos o próprio Cristo. A estreita identificação entre imagem e pessoa está implícita nos escritos de João Damasceno.

Os iconoclastas argumentavam que uma verdadeira imagem sagrada deve ter a mesma substância que a original, assim como Cristo tem a mesma substância que seu pai, mas um ícone é pintado de madeira e não tem nenhuma relação intrínseca com Cristo, mesmo que, portanto, o represente. De acordo com o iconoclastas a Eucaristia é a única imagem verdadeira de Cristo. Diodoro admite que um ícone de Cristo é por natureza algo diferente do Cristo representado pelo ícone.

Citando alguns episódios do Antigo Testamento, Teodoro afirma que não é errado ver a pessoa retratada no ícone, mesmo que o ícone seja feito de madeira, pedra ou ouro, o ícone direciona a atenção não para si mesmo, mas para o original. Teodoro baseia-se em ideias desenvolvidas durante o debate sobre a pessoa de Cristo após o Concílio de Calcedônia em 451. Em Calcedônia a Igreja argumentou que Cristo era conhecido em duas naturezas, a tese do Concílio ensinava que Cristo é divino e humano e que as duas naturezas estão unidas numa unidade íntima e indissolúvel. Por isso não é possível falar da natureza Divina de Cristo sem referir-se à sua natureza humana ou referir-se ao homem Cristo sem ver nele também o encarnado Deus. Se as duas naturezas não podem ser separadas, um retrato de Cristo não retrata apenas sua natureza humana, mas Deus que se fez o homem. Teodoro estava convencido de que os iconoclastas raciocinavam sobre Cristo de uma forma muito abstrata.

Segundo João de Damasco, se não tivesse havido a encarnação não poderia haver imagem de Cristo, mas Teodoro vira a questão de cabeça para baixo, argumentando que não haveria protótipo se não houvesse imagem. O protótipo tem uma relação necessária com a imagem porque cada um dos dois tem seu ser no outro. Se Cristo não pode existir sem a sua imagem há impotência e a imagem subsiste no protótipo antes de ser reproduzida pelo artista. Então, quem não reconhece que na veneração dele e venera também a sua imagem abole a veneração de Cristo. Como a sombra é inseparável do corpo, assim a imagem produzida é inseparável do protótipo. Segundo Teodoro não podemos conhecer a natureza de Deus em si; se é sobre a natureza de Deus em si que queremos falar. Qualquer referência a semelhanças de imagens deve ser abandonada.

Segundo Teodoro, é porque Deus assumiu nossa natureza e viveu entre nós que é possível criar uma imagem que retrata Cristo como Deus encarnado. Segundo Teodoro, se apenas a contemplação mental fosse suficiente, Deus poderia ter chegado até nós de uma forma puramente mental.

O cristianismo também é feito de concretude. No seio da liturgia cristã há muito material e palpável o pão e o vinho consagrados da Eucaristia, a água do batismo com que se é acolhido na igreja: são testemunhos da vinda de Deus ao mundo em forma humana. Sem o ícone, sem a imagem da pessoa de Cristo a encarnação se tornaria uma ilusão. 


quarta-feira, 30 de outubro de 2024

terça-feira, 15 de outubro de 2024

PATROLOGIA: TERCEIRA PROVA - 21 outubro 2024

 




 

Comentar um texto daqueles indicados, ou elaborar uma reflexão sobre um dos temas indicados.

 

Textos

1.      Carta a Diogneto: https://paideiafca.blogspot.com/2023/08/carta-diogneto.html

 

2.      Justino: a eucaristia: https://paideiafca.blogspot.com/2024/08/justino-de-roma-apologia-i-150-dc.html

 

3.      Agostinho: a eucaristia: https://paideiafca.blogspot.com/2024/08/santo-agostinho-homilia-272.html

 

4.      Agostinho: tarde te amei: https://paideiafca.blogspot.com/2024/09/tarde-te-amei-santo-agostinho-354-430-dc.html

 

5.      Agostinho, a cidade de Deus (pag. 95-102): https://www.academia.edu/83211143/A_Cidade_de_Deus_vol_1_I_VIII_by_Santo_Agostinho

 

6.      Didachè: https://paideiafca.blogspot.com/2024/08/a-didaque.html

 

7.      Credo dos Apostolos e Niceno-costantinopolitano: https://paideiafca.blogspot.com/2024/07/credo-dos-apostolos-e-niceno.html  

 

8.      Filo de Alexandria: artigo que foi analisado na sala

 

 

Temas

1.      Do Cristo do Novo Testamento ao Cristo da Igreja: https://paideiafca.blogspot.com/2024/07/do-cristo-do-novo-testamento-ao-cristo.html

 

2.      A desescatologisação do Kerigma: https://paideiafca.blogspot.com/2024/07/cristologia-e-escatologia-chamada.html

 

 

3.      Kerigma e dogma: https://paideiafca.blogspot.com/2024/07/kerygma-e-dogma-continuidade-ou.html

 

4.      Cristologia e história da salvação: https://paideiafca.blogspot.com/2024/07/cristologia-e-historia-da-salvacao.html

 

 

5.      Cristologia e soteriologia: https://paideiafca.blogspot.com/2024/07/cristologia-e-soteriologia.html

 

6.      Helenização e deselenização da cristologia: https://paideiafca.blogspot.com/2024/07/helenizacao-e-deselenizacao-da.html

 

 

QUESTÕES DO ANTROPOCENO - EVENTO ONLINE

 





 Série de debates [online]: Questões do Antropoceno

 Atividade [online]: Povos da Amazônia: resistências, alianças e alternativas populares

 Data: 19/10/2024 (sábado)

 Horário: 10h [Horário de Brasília]

 Debatedora: Profa. Dra. Ivânia Vieira (UFAM)

 Inscrição: https://forms.office.com/r/huJ159ufNV

 

Transmissão:

 Canal do Youtube do CEPAT

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 Canal do Youtube do SARES

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 Canal do Youtube da UEM – Diversitas

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 Sítio do IHU

https://www.ihu.unisinos.br/   

 

 Mais informações: https://encurtador.com.br/XQxIA

III SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA