segunda-feira, 7 de abril de 2025

A revolução industrial

 



 Foi um processo de evolução econômica e industrialização de sociedades que se transformaram de sistemas agrícolas-artesanais-comerciais em sistemas industriais, caracterizados pela utilização generalizada de máquinas movidas a energia mecânica e pela utilização de novas fontes de energia inanimadas (como, por exemplo, os combustíveis fósseis), tudo apoiado por uma forte componente de inovação tecnológica e acompanhado por fenômenos de crescimento, desenvolvimento econômico e profundas mudanças socioculturais e políticas. É costume distinguir entre a primeira e a segunda revolução industrial.

a. A primeira dizia respeito principalmente ao setor têxtil-metalúrgico, com a introdução da lançadeira voadora e da máquina a vapor na segunda metade do século XVIII.

b. A segunda revolução industrial é convencionalmente datada para começar em 1870 com a introdução da eletricidade, produtos químicos (ciência química) e petróleo. Os efeitos do uso massivo de eletrônicos, telecomunicações e tecnologia da informação na indústria são às vezes chamados de Terceira Revolução Industrial, que começou em 1970.

A revolução industrial provocou uma transformação profunda e irreversível que partiu do sistema de produção e envolveu o sistema econômico como um todo e todo o sistema social. O advento da fábrica e da máquina mudou as relações entre os setores produtivos. Assim nasceu a classe trabalhadora, que recebia um salário em troca do seu trabalho e do tempo que disponibilizava para o trabalho nas fábricas. Surgiu também o capitalista industrial, um empresário que era dono da fábrica e dos meios de produção e que tinha como objetivo aumentar os lucros do seu negócio.



História e origens

Como acontece com muitos processos históricos, não há uma data certa para o início da Revolução Industrial, embora a principal invenção tenha sido a máquina a vapor. Entretanto, toda mudança profunda na economia é influenciada por transformações anteriores, e por isso a revolução industrial é considerada por alguns estudiosos como o último momento de uma série de mudanças que transformaram a Europa de uma terra pobre, subdesenvolvida e escassamente povoada no início da Idade Média na área mais rica e desenvolvida do mundo durante o século XIX. A acumulação de capital obtida por meio do comércio e a disponibilidade de grandes quantidades de aço e carvão nos países do sul, facilmente transportáveis por uma densa rede de canais navegáveis, possibilitaram os investimentos necessários para o nascimento das máquinas a vapor.

Do ponto de vista econômico, o elemento que caracteriza a revolução industrial é o salto qualitativo na capacidade de produzir bens, que pode ser observado na Grã-Bretanha a partir da segunda metade do século XVIII. Mais precisamente, o crescimento da economia britânica no período de 1760-1830 é o maior registrado até então. Em outros países, o processo de industrialização em períodos posteriores também dá origem a altas taxas de crescimento econômico.

Essencialmente, a Revolução Industrial foi o ápice do aumento do conhecimento científico sobre o mundo natural e suas características, resultante da Revolução Científica. Foi de fato o novo método científico iniciado por Galileu Galilei que levou a um crescimento significativo (e sem precedentes) no conhecimento que os europeus tinham sobre a natureza e especialmente sobre os materiais e suas propriedades. As condições particularmente favoráveis da Grã-Bretanha na época permitiram que esse conhecimento científico fosse transformado em conhecimento técnico e tecnológico, até que começou a ser aplicado nas primeiras fábricas têxteis e na indústria siderúrgica para uma produção de ferro e aço sem igual na história anterior da humanidade.

Do ponto de vista cultural, a revolução industrial foi caracterizada, como já mencionado, pela introdução da máquina a vapor. Na história da humanidade, a maior restrição ao crescimento da produção de bens tem sido, de fato, a energética. Durante muitos séculos, apenas a energia muscular mecânica de homens e animais estava disponível, e essa dependência do trabalho manual, além de todos os problemas que o acompanhavam, não oferecia a possibilidade de aumentar a produção. A introdução progressiva, a partir da Idade Média, do moinho de água e do moinho de vento representou a primeira inovação significativa.

A energia abundante oferecida pela máquina a vapor foi aplicada à fabricação têxtil. Uma organização mais eficiente da produção foi possível graças à divisão do trabalho e à realocação dos processos de fabricação dentro de fábricas construídas especificamente para esse fim, bem como à mineração e ao transporte. As atividades de mineração se beneficiaram da potência da máquina a vapor na extração de água das minas, permitindo maiores profundidades de escavação, bem como no transporte do mineral extraído. Os primeiros vagões ferroviários eram usados para retirar o minério das minas e depois transportá-lo até seu destino. Somente mais tarde o transporte ferroviário se converteu em transporte de passageiros. A revolução industrial produziu efeitos não apenas nos campos econômico e tecnológico, mas também nas relações de classe, na cultura, na política e nas condições gerais de vida, e provocou um aumento do consumo e da participação da renda, com consequências expansionistas no nível demográfico.


John Stuart Mill (Londres 1806 – Avignon 1873)

 



Foi um filósofo e economista britânico, um dos maiores expoentes do liberalismo e do utilitarismo e membro do Partido Liberal.

Considerado um dos pensadores mais influentes na história do liberalismo clássico, Mill contribuiu amplamente para o desenvolvimento da teoria social, teoria política e economia política. Chamado de "o filósofo de língua inglesa mais influente do século XIX", ele concebeu a liberdade como uma justificativa para a autonomia do indivíduo em oposição ao poder ilimitado e ao controle social do Estado.

Mill foi um defensor do utilitarismo, uma teoria ética desenvolvida por seu antecessor Jeremy Bentham. Ele contribuiu para o estudo da metodologia científica, embora seu conhecimento do assunto fosse baseado nos escritos de outros, particularmente os de William Whewell, John Herschel e Auguste Comte, e em pesquisas conduzidas para ele por Alexander Bain. Ele entrou em um debate escrito com Whewell.

Membro do Partido Liberal e autora da primeira obra feminista escrita por um homem, A Sujeição das Mulheres, Mill também foi o segundo membro do Parlamento do Reino Unido a pedir o sufrágio feminino, depois de Henry Hunt, em 1832.

Princípios de Economia Política (1848)

A obra mais importante da produção milliana é, sem dúvida, os Princípios de Economia Política. O texto contém em si grande parte do pensamento liberal do autor, apresentando-nos a doutrina político-social em toda a sua complexidade. Na tentativa de resumir seus pensamentos, é útil repetir a metáfora que ele frequentemente usa em seus escritos: o autor compara a sociedade a um moinho de água. Para entender como o moinho funciona, é necessário ter dois elementos em mente:

Primeiro, deve haver uma força natural, água corrente, capaz de produzir a energia necessária para o funcionamento da máquina. Essa energia, que não pode ser criada pelo homem, é incontrolável e responde a leis naturais completamente divorciadas de regras éticas.

Em segundo lugar, é necessário criar um mecanismo capaz de aproveitar o poder da natureza para transformá-lo em riqueza. O mecanismo deve ser criado levando em conta o conhecimento humano e as regras que regem a vida civil.

Da mesma forma, na sociedade existem leis naturais, como aquelas que regulam a produção de riqueza, que não podem estar sujeitas a limitações, mas devem seguir as liberdades dos indivíduos que naturalmente buscam seu próprio benefício e felicidade. Mas toda essa energia produzida seria inútil, e potencialmente nociva, se não fosse guiada e transformada por um mecanismo social, determinado segundo as leis da ética, capaz de distribuir essa riqueza de modo a transformá-la em riqueza social. Os Princípios da Economia Política expõem o problema da divisão entre a produção e a distribuição da riqueza, apresentando-nos uma das propostas sociais mais brilhantes de Mill: a fusão da ideia liberal com as ideias socialistas sobre distribuição: se as leis da produção dependem da necessidade natural, as leis da distribuição dependem da vontade humana, e essas leis podem ser colocadas em prática. Mill espera que o critério utilitário, herdado de seu mestre Bentham e de seu pai (ou seja, o maior bem-estar para o maior número) possa orientar as reformas necessárias para uma distribuição mais equitativa da riqueza. Mill também está convencido de que o egoísmo pode ser combinado com o altruísmo, já que a felicidade humana também deriva da felicidade dos semelhantes e de sua promoção.

Sobre a Liberdade (1859)

«Mesmo que toda a humanidade, com exceção de uma pessoa, fosse de uma certa opinião, e essa pessoa fosse de uma opinião oposta, a humanidade não poderia silenciá-la: não teria mais justificação do que uma pessoa teria para silenciar a humanidade, tendo o poder de fazê-lo.»

No famoso Ensaio sobre a Liberdade (título original: Sobre a Liberdade), um dos pilares da cultura filosófica da sociedade moderna, Mill argumenta que um indivíduo é livre para alcançar sua própria felicidade da maneira que achar melhor e ninguém pode forçá-lo a fazer algo com a motivação de que é melhor para ele, mas pode, no máximo, aconselhá-lo; O único momento em que a liberdade de ação pode ser interferida é quando a liberdade de alguém causa dano a outro: somente e exclusivamente neste caso a humanidade é justificada em agir para se proteger. Nesse sentido, o Estado só tem justificativa para dirigir a vida dos indivíduos quando o comportamento de um deles prejudica os outros. Somente neste caso seria justificável a limitação da liberdade dos cidadãos pelo Estado; O conceito de liberdade de Mill é muito próximo ao de Alexis de Tocqueville, de quem ele era um grande amigo.

«Suponha que o governo fosse realmente um com o povo, e que nunca lhe ocorresse exercer poder coercitivo, exceto em total acordo com o que ele acreditava ser a opinião do povo. Aqui: Eu contesto que o povo tenha o direito de exercer essa coerção, seja por conta própria ou por meio do governo. É esse poder em si que é ilegítimo. O melhor dos governos não tem mais direito a isso do que o pior.»

Os argumentos com os quais Mill apoia sua tese também são muito importantes. Impedir a expressão de uma opinião é sempre e em qualquer caso um abuso: de fato, se a opinião é correta, aqueles que discordam dela são impedidos de conhecer a verdade; Pelo contrário, se estivesse errado, aqueles que discordam seriam privados de um benefício ainda maior, o de ver a própria verdade fortalecida em comparação com o erro.

John Stuart Mill com sua enteada Helen Taylor, filha de sua esposa Harriet Taylor Mill e colaboradora de seu padrasto

Por trás disso está a crença de que, embora a unanimidade nunca seja útil, a diversidade é sempre altamente desejável; isto porque o homem, que é em si mesmo relativo [não seria melhor escrever que ele é um ser finito?], nem sempre pode ter verdades absolutas, e o que é falso hoje pode ser verdadeiro amanhã (e vice-versa). O inconformismo é louvável e a originalidade de cada homem deve ser sempre valorizada e nunca cancelada.

Seu pensamento político-econômico se baseia, portanto, em posições do liberalismo radical, segundo as quais a valorização do indivíduo e de seus espaços de liberdade garantem que o Estado seja ordenado pela “liberdade civil”, da qual é protetor. A única ingerência admissível do Estado, para evitar dano efetivo a terceiro, diz respeito exclusivamente à esfera da defesa e proteção das liberdades pessoais:

liberdade de consciência, pensamento e expressão;

a liberdade de buscar a felicidade;

liberdade de associação.

Ao mesmo tempo, porém, Mill também foi visto como o fundador do socialismo liberal; assim, por exemplo, nas análises de Norberto Bobbio e Nadia Urbinati, nos últimos anos, e anteriormente nas de Ludwig von Mises (veja seu ensaio Sozialismus, no qual Mill é definido como "o maior defensor do socialismo") e Leonard Trelawny Hobhouse (em seu Liberalismo).

Religião e moralidade

No tratado, Mill diz ser contra a poligamia dos mórmons, mas defende o princípio da tolerância religiosa e seu direito de se organizarem em comunidades pacíficas e autônomas, respeitosas das leis, semelhantes aos polígamos existentes entre muçulmanos, hindus e chineses. Ele afirma que os cristãos têm o direito de enviar missionários pregadores ou de partir se não gostarem do estilo de vida dessas comunidades, mas não de interferir na vida de comunidades tão distantes deles.

Condena o puritanismo de Carlos II e qualquer tentativa do Estado de limitar e regular a liberdade de opinião, gostos e conduta, mesmo em questões sexuais, de indivíduos que não tenham impacto limitante na esfera privada dos outros ou na esfera pública. De forma antisimétrica, legitima a repressão anticristã e a intolerância religiosa do imperador Marco Aurélio, considerado um autêntico buscador da verdade e o maior estoico virtuoso e sábio entre os filósofos de seu tempo.


Obras traduzidas em língua portuguesa

(1832) Sobre o Gênio - em meio digital por Maurício Francisco Schiehl 

(1843) Sistema de Lógica Dedutiva e Indutiva - Excertos foram traduzidos em meios físicos e digitais, mas não há ainda tradução completa da obra

(1848) Princípios de Economia Política - em meio físico e digital por Luiz João Baraúna

(1851) Declaração sobre o Casamento - em meio digital por Maurício Francisco Schiehl 

(1858) A lei da loucura - em meio digital por Maurício Francisco Schiehl 

(1859) Sobre a Liberdade - várias traduções em meios físicos e digitais

(1861) Utilitarismo - várias traduções em meios físicos e digitais

(1861) Considerações sobre o governo representativo - várias traduções em meios físicos

(1865) Um exame da filosofia do Sr. William Hamilton - excertos traduzidos em meio físico por Luiz João Baraúna

(1868) Discurso sobre a Pena de Morte - em meio digital por Maurício Francisco Schiehl 

(1869) A sujeição das mulheres - várias traduções em meios físicos e digitais

(1873) Autobiografia - várias traduções em meios físicos e digitais

(1879) Socialismo (livro póstumo não concluído) - várias traduções em meios físicos e digitais


Fonte: Wikipedia 


Jeremy Bentham (1748-1832)

 



Bentham nasceu em Houndsditch, Londres, em uma rica família conservadora. Ele era uma criança prodígio e, quando menino, foi encontrado sentado na mesa do pai, concentrado em ler uma história da Inglaterra em vários volumes. Ele começou a estudar latim com apenas três anos de idade.

Entre suas muitas propostas de reformas legais e sociais: um plano para construir uma prisão, que ele chamou de Panóptico. Embora nunca tenha sido concretizada durante a vida de Bentham, a ideia influenciou significativamente as gerações subsequentes de pensadores. O filósofo francês do século XX, Michel Foucault, atribuiu ao Panóptico o papel de paradigma para diversas instituições penitenciárias do século XIX.

Bentham se correspondeu com muitas pessoas influentes. Adam Smith, por exemplo, era favorável à imposição de um limite legal às taxas de juros, antes que os argumentos de Bentham o convencessem do contrário. Após correspondência com Mirabeau e outros líderes da Revolução Francesa, ele recebeu a cidadania francesa honorária, embora Bentham fosse um crítico feroz do princípio revolucionário dos direitos naturais e da violência que se espalhou depois que os jacobinos tomaram o poder (1792). Um dos colaboradores de Mirabeau, o genebrino Pierre Étienne Louis Dumont, trabalhou com Bentham por mais de vinte anos. Conselheiro em Genebra, ele implementou os princípios de Bentham adotados no novo código penal.

Em 1823, juntamente com John Stuart Mill, fundou a Westminster Review, o periódico do movimento "radical"; Por meio desta publicação, juntamente com um grupo de jovens discípulos, ele exerceu uma influência notável na vida pública inglesa.[4] No mesmo ano, ele fundou a Birkbeck, Universidade de Londres, junto com o Dr. George Birkbeck, o Barão John Cam Hobhouse e o deputado liberal Henry Brougham, 1º Barão Brougham e Vaux.

Bentham é frequentemente associado à fundação da Universidade de Londres, especificamente do University College London, embora já tivesse setenta e oito anos quando a faculdade foi inaugurada em 1826 e não tivesse participado ativamente de sua criação. No entanto, é provável que sem sua inspiração a faculdade não tivesse sido fundada naquela época. Bentham acreditava firmemente que a educação deveria ser disponibilizada o mais amplamente possível, e em particular para aqueles que não pertenciam às classes altas ou à Igreja, critérios que eram indispensáveis para os estudantes de Oxford e Cambridge. Como a UCL foi a primeira universidade inglesa a admitir todos, independentemente de raça, crença política ou religiosa, isso era enfaticamente consistente com a visão de Bentham, que também patrocinou a nomeação de um de seus alunos, John Austin, como o primeiro Professor de Jurisprudência em 1829.

Pensamento filosófico

Bentham foi um dos utilitaristas mais importantes, em parte por meio de suas obras, mas especialmente por meio de seus alunos ao redor do mundo. Entre eles estavam seu secretário e colaborador James Mill e seu filho John Stuart Mill, bem como vários políticos (e Robert Owen, que mais tarde se tornou um dos principais expoentes do socialismo).

Ele defendeu a liberdade pessoal e econômica, a separação entre Igreja e Estado, a liberdade de expressão, a igualdade de direitos para as mulheres, os direitos dos animais, o fim da escravidão, a abolição do castigo físico, o direito ao divórcio, o livre comércio, a defesa da usura, a descriminalização da sodomia, o estabelecimento de um departamento de saúde, um censo decenal da população, um registro geral de propriedade real, o uso de anticoncepcionais para reduzir o número de pobres e um sistema de administração pública. Ele era a favor de impostos sobre herança, restrições ao monopólio, pensões e seguro de saúde. Ele idealizou e promoveu um novo tipo de prisão, que chamou de Panóptico.


A consciência dos desequilíbrios socioeconômicos causados pelo desenvolvimento industrial da Inglaterra na segunda metade do século XVIII encontrou expressão, em Bentham como em outros, na doutrina do utilitarismo. Bentham é considerado o iniciador desta corrente de pensamento precisamente pelas suas reformas à legislação britânica. Em 1789, ele publicou sua principal obra Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. Bentham reformula o princípio de “felicidade máxima para o maior número de pessoas” dos pensadores iluministas (Cesare Beccaria, Helvétius, Hutcheson).


Se a moral quer se tornar uma ciência, ela deve se basear em fatos (como no positivismo) e não em valores abstratos. De fato, a felicidade mencionada acima nada mais é do que prazer. Na ética utilitarista, a "felicidade pública" é o valor mais alto. Prazer e dor são fatos quantificáveis, de modo que podem ser assumidos como critérios para ação. Bentham formula uma álgebra moral, ou seja, um cálculo quantitativo que nos permite conhecer as consequências de uma ação, quantificando a felicidade produzida e nos direcionando para ações que maximizem o prazer e minimizem a dor.


Boas ações serão, portanto, aquelas que promovem a felicidade não apenas do indivíduo, mas também da comunidade; vice-versa, más ações impedem a felicidade. Portanto, se a busca do prazer pelo indivíduo for bem direcionada, ela promoverá a felicidade de todos, de modo que egoísmo e altruísmo tendem a se confundir.

Com base nesta teoria, Bentham não considera válida a hipótese contratual do direito natural: na base do Estado não existe um contrato social, mas uma necessidade utilitária de promover colectivamente a felicidade e o prazer de todos[8]. As leis terão, portanto, a tarefa de incentivar as boas ações (isto é, aquelas que promovem a utilidade) e de prevenir e sancionar aquelas que impedem o bem comum.

Após uma afirmação filosófica dos direitos humanos no século XVIII, estes foram alvo de alguns ataques teóricos, entre eles as teses de Jeremy Bentham que desenvolveu uma dupla crítica, a nível político e jurídico. No plano político, o jurista inglês argumenta que os direitos humanos nascem como uma ferramenta para proteger as liberdades individuais contra o poder político, mas ao mesmo tempo limitam a ação deste último, acabando por enfraquecê-lo e deixando o indivíduo sem segurança, uma segurança que só o poder político é capaz de garantir. No plano jurídico, Bentham sustenta que os direitos humanos não têm fundamento legal; Segundo sua visão, uma vez que os direitos naturais estão intrinsecamente ligados à natureza do homem, eles não possuem dignidade jurídica, mas expressam reivindicações exclusivamente morais.



O utilitarismo

 




é uma família de teorias metaéticas consequencionalistas, sistematizada inicialmente pelos filósofos ingleses Jeremy Bentham e John Stuart Mill, que afirma que uma ação é correta ou incorreta baseada em sua tendência a maximizar ou minimizar "utilidade"; que é geralmente identificada com a felicidade ou a satisfação de preferências. Ao lado da Ética de Virtudes e da Ética do dever, é uma das perspectivas mais influentes no campo da filosofia moral.

Sua formulação clássica pode ser resumida pela máxima da "maior felicidade ao maior número". Trata-se então de uma moral eudemonista, mas que, ao contrário do egoísmo, insiste no fato de que devemos considerar o bem-estar de todos e não o de uma única pessoa.

Na Economia, o utilitarismo pode ser entendido como um princípio ético no qual o que determina se uma decisão ou ação é correta, é o benefício intrínseco exercido à coletividade, ou seja, quanto maior o benefício, tanto melhor a decisão ou ação será.


Correntes e Formulações

John Stuart Mill foi um dos filósofos que se debruçaram sobre o princípio da utilidade A Ética Utilitarista afirma que ações são certas se tendem a maximizar a Utilidade. No entanto, existem muitas definições de Utilidade entre autores utilitaristas, havendo, portanto, várias doutrinas diferenciadas dentro do manto geral de "Utilitarismo".


Utilitarismo Clássico

A formulação clássica, associada a Jeremy Bentham; John Stuart Mill e Henry Sigdwick é hedonista, isto é, identifica utilidade com prazer (positivo) e dor (negativa). Mill introduziu também o conceito de "qualidade" ao cálculo de prazeres, priorizando alguns "tipos" de prazer mesmo contra quantias elevadas de prazeres "menores". 

Um dos traços importantes deste e de outros tipos de utilitarismo é seu "racionalismo". A moralidade de um ato é calculada, ela não é determinada a partir de princípios diante de um valor intrínseco. Ele supõe, então, a possibilidade de se calcular as consequências de um ato e avaliar seu impacto sobre o bem-estar dos indivíduos. Este cálculo deve agregar a e considerar totalidade de felicidade de todos os agentes, sem se importar com motivações ou meios. Em princípio, poderia ser correto torturar um indivíduo se este ato impedisse piores consequências no futuro; e um agente que faz bem desejando fama e poder recebe a mesma avaliação moral que um agente que faz a mesma quantia de bem por altruísmo ou empatia.

Utilitarismo de Preferências

Outros atores preferiram outras definições de Utilidade, como o Utilitarismo de Preferências, que não dá importância a quantidade mensurável de felicidade, e sim a satisfação ou não de preferências e desejos de criaturas conscientes, não importando a quantia de "felicidade" gerada. A consciência, o pensamento racional e os desejos seriam então as características relevantes para moralidade. É uma posição que tenta resolver objeções contra a perspectiva clássica. Foi defendida, por exemplo, pelos utilitaristas Richard Hare e Peter Singer. 


Utilitarismo Pluralista

Existem ainda formulações apoiadas no "Pluralismo de Valores", que reconhecem a existência de várias propriedades e fenômenos moralmente relevantes, que não seriam reduzíveis a uma só propriedade Existiriam muitos "bens" e valores fundamentalmente diferentes, como conhecimento, estética, virtudes, prazer, etc. Formulações estas defendidas, implicitamente, pelo filósofo analítico G.E. Moore.


Utilitarismo de Regras

Enquanto as formulações utilitaristas ortodoxas são identificadas com o Utilitarismo dos Atos, afirmando que a avaliação moral correta é uma análise particular de cada ato ou situação; existe uma outra corrente, tida como uma espécie de conciliação entre éticas utilitaristas, contratualistas e de dever conhecida como Utilitarismo de Regras. Esta defende que ações são certas e erradas baseado em sua conformidade ou não com um código moral óptimo, que traria mais utilidade se universalizado. Assim, mantem-se algumas regras morais que não devem ser quebradas mesmo que esta desobediência trouxesse maior utilidade em um caso individual.

Os dois argumentos mais influentes a favor desta perspectiva são:

a. o Argumento de Equiprobabilidade de John Harsanyi, que considera a escolha de um agente racional por diferentes organizações sociais, conduzindo a uma forma de Utilitarismo de Média;

b. e o Argumento Kantiano de Derek Parfit, que propõe uma versão modificada da Fórmula de Lei Universal de Kant. 

Um Utilitarista dos Atos ainda pode utilizar-se de regras gerais e convenções sociais como "guia", dada a dificuldade de estabelecer avaliações concretas em todas as situações, recorrendo ao cálculo apenas para resolver questões abstratas e dilemas. Entretanto, isto é apenas um método útil para a maximização de utilidade em casos individuais, não a fonte da moral em si. 

O utilitarismo recebeu incontáveis críticas de partidários de outras teorias éticas.


Lei da selva

Os ideólogos do utilitarismo são acusados de promover sem justificativa uma sociedade superior ou de apoiar a "lei da selva" na economia. Para seus críticos, a ciência econômica utilitarista reduz o indivíduo a um objeto racional autossuficiente (quando na verdade os indivíduos são interdependentes com os demais) e se esquece das ligações sentimentais dos indivíduos entre si. Em sua defesa, os utilitaristas, entretanto, podem indagar se tais críticas não seriam fruto de um profundo desconhecimento da filosofia utilitarista, indevidamente associada a uma apologia do capitalismo selvagem.

Incalculabilidade das consequências

Os que se opõem ao pensamento utilitarista veem diversos problemas no cálculo utilitarista que mede a moralidade por suas consequências, a saber:


Incerteza – Para os críticos, as consequências exatas de um ato não são determináveis até que ele aconteça de fato. Dentro desta visão, jamais teremos a certeza de que as supostas consequências de um ato serão suas consequências reais. Assim, um ato aparentemente inocente poderá então se mostrar imoral à vista de suas consequências reais, assim como um ato supostamente malvado poderá se revelar moral.

Infinitude – As consequências formam uma cadeia, como num efeito dominó – se o ato A causa B, e se B causa C, então o ato A causa C indiretamente. Desta forma, avaliar as consequências de um ato gera o problema da identificação das suas consequências: quando podemos dizer que um ato não é mais causa? Onde terminará a cadeia de consequências?

Desconsideração da violação de direitos

Críticos afirmam que o utilitarismo não reserva a devida consideração à violação de direitos dos indivíduos, reduzindo-lhes a um estado derivado. Diversos casos providenciados por críticos como contraexemplos à teoria utilitarista recaem nesta categoria. Por exemplo, punir um homem inocente para interromper uma rebelião, salvando a vida de muitos.


Experiências mentais de Nozick

Ao argumentar contra a moral hedonista em sua famosa obra "Anarquia, Estado e Utopia", o libertário americano Robert Nozick propôs duas experiências mentais extremamente influentes, que visam que o cálculo utilitário tradicional leva a consequências demasiado contra-intuitivas se aplicado constantemente.


Máquina de experiências

Imagina-se uma máquina científica capaz de gerar quaisquer sensação e experiência mental possível, e falsificá-la de maneira que um indivíduo que ligar-se a máquina não saberá que está nela. As sensações possíveis incluem as mais prazerosas, muito superiores a experiência de uma vida normal. Ao menos à primeira vista, o cálculo utilitarista parece concluir que um agente deve ligar-se a esta máquina sempre que possível, contrariando a aparente intuição. Além disso, este experimento também visa provar que as preferências humanas não são limitadas apenas aos fenômenos internos de experiência.

Este experimento mental também dialoga com muitas ideias da cultura pop e do discurso popular.


Monstro utilitário

Outra experiência proposta trata-se do conceito de um "monstro utilitário", que converte cada recurso que lhe é dado em uma quantia de utilidade muito mais elevada do que qualquer humano já sentiu. O cálculo utilitário parece levar-nos a acreditar que o certo a fazer frente a um destes seres seria alocar todos os recursos possíveis para ele, ignorando todas as outras pessoas. Além desta conclusão repugnante, visa-se demonstrar que o Utilitarismo não é uma moral verdadeiramente igualitária, como pode parecer à primeira vista.


Além destes dois contraexemplos, Nozick também aponta o cálculo utilitarista como inepto em decisões acerca do número de pessoas. Afirma que se o objetivo utilitarista for a maximização da utilidade total, exigir-se-ia a adição constante de novas com utilidade positiva à população; e se a utilidade média for considerada, uma pessoa poderia até mesmo todas as outras, se isso elevasse a média de utilidade.

Nozick e outros críticos preferem um paradigma de direitos invioláveis mesmo se sua violação trouxesse maior "bem" ao mundo, que estão completamente opostas ao utilitarismo. 

Judith Butler afirma que o utilitarismo criou uma razão instrumental que nega a vida daqueles que se interpõem nas necessidades desta filosofia.


quinta-feira, 3 de abril de 2025

MULHER E FILOSOFIA POLÍTICA

 





“Uma das maiores contribuições das mulheres para a filosofia política é demonstrar que questões de gênero são problemas filosóficos”. Entrevista especial com Maria Cristina Müller e Adriana Delbó


O cânone filosófico e os currículos universitários devem ser revisados para que as filósofas deixem de constar somente como cota a ser preenchida nos departamentos. Patriarcalismo, preconceito e misoginia ainda são empecilhos, argumentam pesquisadoras

Por: Márcia Junges | 03 abril 2025

“Com certeza, uma mulher filósofa, por si mesma, ao apresentar suas ideias, desafia e expande as bases da própria filosofia e, por extensão, da filosofia política. Permitindo-me a ironia: ela pensa e, mais, ela diz o que pensa! Que assombro, existem mulheres pensadoras!” A provocação da Profa. Dra. Maria Cristina Müller é reverberada por outra filósofa brasileira, a Profa. Dra. Adriana Delbó: “Que as mulheres não usufruam dos princípios democráticos tanto explicados pela filosofia política, que elas não tenham a mesma liberdade que os homens, que elas não sejam nem sequer devidamente respeitadas e valorizadas são problemas que requerem muito mais do que reivindicações por representatividade.” As declarações fazem parte da entrevista que Maria Cristina e Adriana concederam, por e-mail, ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, aprofundando aspectos debatidos pela dupla no IHU Ideias de 6 de março, intitulado Compreendendo o nosso tempo. A contribuição das mulheres para a filosofia política.

Segundo Maria Cristina, talvez se possa dizer que “a maior contribuição das mulheres filósofas para a filosofia e para a filosofia política é a resistência advinda do exercício filosófico empreendido pelas mulheres; sendo a filosofia uma forma de aparecer e atuar no mundo”. Entretanto, este é um campo de disputas nada pacíficas, como adverte Adriana: “Desde quando homens e mulheres vivem igualmente em liberdade e gozam do mesmo modo de uma sociedade democrática?” E complementa: “Uma das maiores contribuições das mulheres para a filosofia política é demonstrar que questões de gênero são problemas filosóficos. Graças ao estudo de gênero por parte das mulheres na filosofia, a área do saber que cria e desconstrói conceitos, tudo o que fora atribuído a elas, tendo em vista os conceitos forjados para elas, pode ser revisto e, inclusive, ressignificado ou até mesmo anulado. Gênero não é um problema de mulheres, mas, não fôssemos nós nos implicarmos nisso, ele não estaria sendo tão pesquisado pela filosofia”.

Infelizmente, observa Maria Cristina, “um dos preconceitos que ainda persistem em relação às mulheres filósofas é a desqualificação dos temas sobre o feminismo como tema filosófico legítimo”, fruto de uma filosofia hegemônica que é “machista, racista e bastante preconceituosa com a filosofia não clássica. Se as mulheres estão estudando e produzindo fora do cânone, isso é avaliado como algo menor ou modismo”, acrescenta Adriana. Revisar os currículos é urgente, a fim de incluir filósofas em seus programas de ensino e bibliografias: isso sim é romper a conivência com o patriarcalismo, preconceito e misoginia, e não apenas “compor números e evitar a acusação de falta de equidade”.

Maria Cristina Müller é pós-doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás – UFG (2019). Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (2010), cursou mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (1998) e é graduada em Filosofia Licenciatura Plena pela Universidade de Passo Fundo – UPF (1995). É professora associada da Universidade Estadual de Londrina – UEL, onde atua no Departamento de Filosofia desde de 2000; é docente permanente do PPG em Filosofia da UEL na Linha de Pesquisa Ética e Filosofia Política. Participa do Núcleo de Sustentação do GT Filosofia Política Contemporânea da ANPOF, onde foi coordenadora no biênio 2016 e 2018, além de fundadora e coordenadora do Grupo de Estudos Hannah Arendt UEL e coordenadora do Grupo de Pesquisa Hannah Arendt e a filosofia política contemporânea, cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico – CNPq. Concentra suas pesquisas na área de Filosofia Política e Ética com ênfase nos estudos sobre Hannah Arendt. Desde 2018, incluiu nas suas investigações a temática acerca da presença da mulher na filosofia.

Adriana Delbó Lopes possui graduação (1997) em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas (1997), onde também cursou mestrado (2000). É doutora em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2006). É professora associada III da Universidade Federal de Goiás – UFG. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: Nietzsche, Agamben, Foucault, Butler, filosofias afro-brasileiras, cultura, política, feminismo, ensino de Filosofia. Coordena o projeto de pesquisa Nietzsche e as mulheres: uma leitura feminista da crítica nietzschiana aos ideais. De seus inúmeros artigos, destacamos Corpos femininos, demandas masculinas: ainda a crítica de Nietzsche à cultura dos ideais (In: PONCIANO, João; PETRY Isadora (org.). Meu caro Oswaldo Giacóia: quando o verdadeiro filósofo é o professor. Rio de Janeiro: Multifoco, 2024).

Confira a entrevista.

IHU – Em que aspectos a contribuição das mulheres para a filosofia política não é apenas uma questão de representar uma perspectiva de gênero, mas também de expandir e desafiar as bases da própria teoria política?

Maria Cristina Müller – A filosofia em geral, independentemente da temática, desde a Antiguidade, recebeu a contribuição das mulheres; do mesmo modo, inúmeras filósofas, desde muito tempo apresentam importantes aportes à subárea da filosofia política. Rosa Luxemburgo (1870-1919) (1) é um exemplo da contribuição das mulheres à teoria política. Ela escreveu sobre liberdade e democracia, nacionalismo e autodeterminação dos países, greve e espontaneidade das massas. No entanto, seus saberes nem sequer foram considerados e transmitidos pela história da filosofia.

As mulheres filósofas tratam de questões que desafiam o mundo em que se fazem presentes; abordam temas clássicos como as discussões da teoria do conhecimento e da metafísica, mas também temas da filosofia prática, como a ética, a política e a estética; ou podem ainda querer discutir a condição imposta à mulher. Christine de Pizan (1364-1430) (2), por exemplo, escreveu para as mulheres e as defendeu de ideias misóginas no fim da Idade Média, sem nos esquecer de que ela sustentou a família com seus escritos.

Com certeza, uma mulher filósofa, por si mesma, ao apresentar suas ideias, desafia e expande as bases da própria filosofia e, por extensão, da filosofia política. Permitindo-me a ironia: ela pensa e, mais, ela diz o que pensa! Que assombro, existem mulheres pensadoras!

Adriana Delbó – Quando a filosofia política trata da liberdade, isso diz da liberdade de qual gênero e em quais contextos? Quando essa área da filosofia trata da democracia, mesmo a democracia moderna, isso diz da democracia usufruída por quem? Quando ela trata do princípio de igualdade, ele é pensado a partir da igualdade entre quais pessoas, de quais gêneros, quais lugares e classes? Desde quando homens e mulheres vivem igualmente em liberdade e gozam do mesmo modo de uma sociedade democrática? Supondo que algumas mulheres consigam, quais são essas mulheres? A quais grupos e quais classes elas pertencem? A explicação da guerra ou a defesa do restabelecimento de paz são pensadas a partir de quais realidades, quais épocas e quais interesses? Que as mulheres não usufruam dos princípios democráticos tanto explicados pela filosofia política, que elas não tenham a mesma liberdade que os homens, que elas não sejam nem sequer devidamente respeitadas e valorizadas são problemas que requerem muito mais do que reivindicações por representatividade.

Se as mulheres na filosofia não enfrentarem a partir de suas pesquisas essas questões, será que a filosofia política deixará de ser assinada apenas por homens? O abismo entre a importância dos homens e do pensamento deles e o descaso para com o pensamento das mulheres naquilo que é discutido pela filosofia política diz de uma questão ontológica semelhante à que Sueli Carneiro (3) denuncia existir na invenção do “ser”, como uma categoria forjada por pessoas brancas e, consequentemente, a necessidade também de forjar o “não ser” (as pessoas não brancas). A seguir retomarei essa construção de Sueli Carneiro. Considero, no entanto, que a mesma análise vale para as distinções hierárquicas e excludentes entre homens e mulheres e para o quanto essas estão inscritas na filosofia política.

As mulheres (digo: a compreensão das mulheres; a leitura dos corpos e do seu funcionamento; as expectativas sobre elas; as atribuições para elas; as avaliações delas) foram inventadas pelos homens tendo como parâmetro único a autorreferência e as próprias demandas. O homem é o ser; a mulher, por sua vez, é aquilo que o homem não é; ela é, portanto, o não ser. É a falta. A mulher é uma delimitação masculina. E a própria necessidade de definição, delimitação, determinação não decorre da tentativa de controlar? A oposição entre força e fragilidade, racionalidade e sensibilidade, direito e obrigação, possibilidades e limitações, entre outras, tem como fonte a compreensão e a definição do feminino como o não masculino – a mulher –, algo realizado pela lente autorreferencial dos homens.

IHU – Nesse sentido, quais vocês consideram as maiores contribuições das mulheres para a filosofia política?

Maria Cristina Müller – Talvez possamos dizer que a maior contribuição das mulheres filósofas para a filosofia e para a filosofia política é a resistência advinda do exercício filosófico empreendido pelas mulheres; sendo a filosofia uma forma de aparecer e atuar no mundo. A sociedade patriarcal em que ainda vivemos discrimina e inferioriza a mulher consolidando uma identidade equivocada. A mulher foi impedida de acessar o espaço público e de exercer determinadas atividades, como a política; a mulher foi aprisionada no espaço privado e em atividades ligadas ao cuidado como a saúde e a educação; tais fatos povoam o imaginário simbólico e a linguagem comum até hoje, século XXI.

A filosofia é uma das atividades que foi apresentada como predominantemente de e para homens. Os currículos dos cursos de formação, a literatura da área, os manuais etc. transmitem a falsa ideia de que a filosofia foi feita apenas de filósofos; são ensinados e publicados filósofos como Platão, Aristóteles, Agostinho de Hipona, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, Habermas, para citar alguns.

As filósofas são invisibilizadas, excluídas, silenciadas como se não tivessem contribuído com a história da filosofia. Olimpia de Gouges (1748-1793) (4) é um exemplo claro do silenciamento imposto às mulheres filósofas; ela escreveu sobre temas controversos para a sua época, tais como sobre os direitos das mulheres, crítica à escravidão e defesa dos desvalidos. Por isso foi condenada à pena da guilhotina.

É neste contexto de invisibilização que o filosofar das mulheres se transforma em resistência. E, deste modo, podemos dizer que a maior contribuição delas para a filosofia política é fazer filosofia e política.

Adriana Delbó – Uma das maiores contribuições das mulheres para a filosofia política é demonstrar que questões de gênero são problemas filosóficos. Graças ao estudo de gênero por parte das mulheres na filosofia, a área do saber que cria e desconstrói conceitos, tudo o que fora atribuído a elas, tendo em vista os conceitos forjados para elas, pode ser revisto e, inclusive, ressignificado ou até mesmo anulado. Gênero não é um problema de mulheres, mas, não fôssemos nós nos implicarmos nisso, ele não estaria sendo tão pesquisado pela filosofia.

A filósofa bell hooks (5) destaca a ideia de que “o pessoal é político” – ideia trazida pela segunda onda do feminismo, e em 1960 publicada num ensaio escrito pela feminista Carol Hanisch (6). Atribuir às mulheres a função do cuidado; ter a maternidade como algo compulsório; cobrar das mulheres determinados comportamentos e avaliá-las por determinados valores morais – diga-se de passagem, inventados por homens; alegar que o trabalho doméstico e educativo é algo muito mais feminino; dificultar o reconhecimento da capacidade das mulheres para assumirem poder em espaços públicos; autorizá-las a certos poderes (leia-se: capacidades) somente no espaço doméstico e dificultar poderes em outras instâncias; alegar que a sensibilidade é um aspecto feminino; associar força aos homens e fraqueza às mulheres; avaliar as mulheres pela beleza física; dar às mulheres remuneração mais baixa ou dificultar a progressão no trabalho são alguns dos problemas pelos quais passam as mulheres e que decorrem de problemas de gênero, que são culturais, políticos, ontológicos e filosóficos. Eles ainda precisam ser combatidos na esfera social e política, não obstante, estão fincados em compreensões, denominações e conceitos para o “feminino” e para tudo aquilo que é considerado “mulher”.

Destituição do funcionamento machista no modo de fazer filosofia

A oposição entre masculino e feminino em detrimento da mulher é resultado da filosofia feita apenas por homens. O questionamento a tudo isso só pode ser incluído na filosofia política se essa deixar de ser majoritariamente construída por mentalidades masculinas e deixar de responder a demandas exclusivamente masculinas. Caso contrário, o papel secundário e complementar escrito para as mulheres nunca será rasgado. A contribuição das mulheres para a filosofia política é destituir a soberania dos homens. E o nosso desafio é muito maior do que elaborar novos conceitos. Porque não é sempre que os conceitos têm efeitos. Há filosofias que permanecem sem serem lidas e sentidas. Precisamos destituir dentro e fora de nós o funcionamento machista que nem sempre percebemos no nosso modo de fazer filosofia e de nos relacionarmos dentro dos espaços onde a filosofia é feita. Precisamos nos transformar em algo que deixe de ser a mulher dos homens.

IHU – Quais pensadoras e suas ideias destacariam como basilares em uma filosofia política que brota de um outro registro analítico sobre as estruturas e dinâmicas do poder, do Estado, da justiça e da liberdade?

Maria Cristina Müller – Acima, apresentei três exemplos de filósofas que contribuíram para a filosofia política, mas temos muitas outras; cada uma delas é um destaque em si mesma, o que torna difícil responder à pergunta. Contudo, sem preterir nenhuma das filósofas, destaco Hannah Arendt (1906-1975) (7) como uma filósofa (mesmo que ela mesma recusava tal denominação) imprescindível para a filosofia política e como uma pensadora que desafia o modo comum de filosofar e a tradição da filosofia política; e, por isto mesmo, uma filósofa genuína. Para Arendt, a reflexão é posterior à experiência; em entrevista concedida à Günter Gaus em 1964, disse: “Não acredito que possa existir nenhum processo de pensamento sem experiência pessoal. Todo pensamento é um pensamento posterior, isto é, uma reflexão sobre algum fato ou assunto”. A partir de sua experiência no mundo, sentia-se impelida a compreendê-lo e, como pensadora, produzia reflexões materializadas em textos, artigos, livros, palestras etc.

Arendt foi pioneira em muitos espaços ocupados tradicionalmente por homens. Foi a primeira mulher a proferir a aula inaugural da Universidade Notre Dame/EUA em novembro de 1950. Em 1953, foi a primeira mulher convidada a ministrar os Seminários de Crítica Christian Gauss na Universidade de Princeton/EUA. Quando Arendt profere as palestras, há na audiência muitos homens da universidade e do Instituto para Estudos Avançados e eles expressam a satisfação e o entusiasmo em ouvir uma mulher palestrando nos seminários. Mas na cerimônia de encerramento e em carta a Kurt Blumenfeld, Arendt expressa seu aborrecimento por ter sido atribuída a ela a condição de “mulher símbolo” ou “mulher de exceção”, o que ela rejeitou com veemência. Na cerimônia Arendt explicou o que significa ser um judeu de exceção (sentir-se um ser humano excepcional e como uma exceção ao povo judeu), respondendo criticamente, por essa via, ao equívoco do papel que lhe foi atribuído. Em 1959, a Universidade de Princeton a convida para ser professora plena na instituição. A universidade apresenta, para a aprovação de Arendt, o release sobre sua contratação, que seria publicado no New York Times, em que expressava que ela seria a primeira mulher com aquele status junto à universidade. Arendt reitera a mesma crítica feita em 1953 e ameaça rejeitar o cargo se o papel de mulher símbolo não fosse retirado do release. Ela não queria ser uma exceção, recusava a distinção em relação às mulheres “comuns”. Segundo a biógrafa de Arendt, Elizabeth Young-Bruehl, ela era feminini generis a seu modo, uma pessoa, como todas as outras, capaz de reflexão e pensamento próprio, independente, livre e isso parece que os homens à sua época não queriam admitir; talvez a pergunta que deveria ter sido feita é porque a universidade nunca havia indicado uma mulher como professora plena.

Diálogo e diversidade

Hannah Arendt foi excluída da sociedade em que vivia por ser judia, tornou-se apátrida e pária, mas uma pária consciente; ofereceu, como resistência a atuação e a reflexão política que engrandece o ser humano como ser que é do mundo. Arendt buscou compreender o mundo e, talvez, por compreendê-lo, tenha aprendido a amá-lo; sendo o amor mundi o tema unificador das obras de Arendt.

No texto A crise na educação (1958), Arendt expõe que é o amor que protege os recém-chegados no mundo, ao mesmo tempo que os impele para a suplantação do mundo que está velho. Amor como a ideia grega de philanthropia, como partilhar o mundo com os outros seres humanos. É neste sentido que o próprio mundo só se forma nos espaços de diálogo entre os seres humanos em toda sua diversidade, da mesma forma que a própria humanidade do ser humano aparece no espaço do entre-os-seres humanos preservado pelo diálogo.

Adriana Delbó – Muitas filósofas poderiam ser lembradas. Por questão de tempo, farei aqui o destaque de apenas duas de fora do cânone.

1 Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (1957-) (8), filósofa nigeriana. Ela contribui para a compreensão da invenção das mulheres como categoria hierarquizadora, com efeitos opressores para elas mesmas. Ela explica como na cultura iorubá a introdução do gênero é responsabilidade do processo colonizador do Ocidente. Antes disso, as hierarquias tinham como critério a longevidade. O poder era conquistado conforme as pessoas iam ficando mais velhas. Portanto, a distinção física entre homem e mulher não tinha peso para tais relações. Junto com tantos outros problemas da colonização, a leitura ocidental do corpo transportou a hierarquia entre homem e mulher. Portanto, dar destaque para a distinção de gênero é uma forma de criar o gênero e, a partir dele, hierarquizar. A filósofa Aline Matos da Rocha (9) é a mulher precursora dos estudos e das traduções de Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí no Brasil.

2 Sueli Carneiro (1950-), filósofa brasileira, paulista. Ao problematizar o quanto pessoas negras são compreendidas, vistas e tratadas como inferiores, Sueli Carneiro explica o racismo como decorrência de uma ontologia. A ideia de “ser” é obra da filosofia europeia branca. O “não ser” é uma exigência subsequente, porque, afinal, a compreensão do que é “ser” teve como condição a compreensão do que é o “não ser”. Mas, afinal, quem é o “ser” e quem é o “não ser”? Tais diferenciações foram elaboradas a partir de quais pessoas, em quais épocas, quais povos e a partir de quais demandas? Sueli Carneiro explica que “ser” é uma autointitulação, obra da filosofia feita por quem definiu o “ser” a partir de si. Na lógica excludente desta filosofia, todas as pessoas não brancas pertencem à categoria do “não ser”. Como os problemas políticos e sociais enfrentados até hoje por todas as pessoas não brancas estariam desassociados da ontologia produzida pela filosofia hegemônica?

IHU – Qual é a importância de pensadoras como Arendt, Butler (10) e outras para a filosofia política? Que ideias centrais destacariam e como elas tensionam o cânone filosófico?

Maria Cristina Müller – Hannah Arendt busca compreender o mundo que intentou modificar a dignidade da pessoa humana; ela constrói uma crítica à moderna alienação do mundo e à prevalência do privado e do social em detrimento do domínio público-político, na qual a ação é substituída pelo comportamento e pelo consumo. Arendt mostra como a política foi derrotada pela urgência das necessidades da vida e como o advento do social sobre o político levou ao enfraquecimento e declínio do domínio público. No entanto, busca pelo sentido da política mesmo quando tudo parecia um completo sem sentido. Ousa criticar a tradição do pensamento político e moral e seus cânones, pois não foram suficientes para impedir os horrores produzidos em pleno século XX, bem como para compreender os acontecimentos. Reflete sem guias (sem corrimão), de modo original, gosta do debate e responde às objeções aos seus escritos desde que lhe fossem dirigidas com o objetivo de refletir e não de atacar ou destruir. Demonstra que os seres humanos, como seres natais e iniciadores, podem trazer a novidade ao mundo, podem agir no espaço público e modificar o que está dado.

Os escritos de Arendt e sua atuação no mundo estão imbricados e essa compreensão permite entender sua insistência de que, mesmo em tempos sombrios, pode-se esperar que alguma luz seja lançada; mesmo esses tempos sombrios podem ser iluminados pela luz que advém da ação e do discurso daqueles que resistem e ousam aparecer no mundo público para trazer a novidade, não se submetendo ao que está estabelecido como certo e aos processos que estão em andamento. Há esperança quando se entende que os seres humanos são iniciadores, seres natais que podem criar e recriar o mundo, pois são capazes de ação e liberdade. É impressionante como os escritos de Arendt continuam a responder questões do contemporâneo comprovando sua importância e atualidade.

Judith Butler e Lélia Gonzales

Judith Butler (1956-) apresenta uma importante reflexão sobre performatividade contribuindo para a crítica às identidades binárias de gênero impostas pela concepção tradicional. Butler entende que a identidade de gênero é performativa, uma representação que acontece no espaço público das relações; é moldado por normas que podem ser subvertidas e reconfiguradas, por este motivo uma questão também política; se há singularidade nas identidades humanas que performam no espaço público em relação a outras singularidades, também há singularidade no gênero, não podendo este estar restrito ao binarismo.

Destaco ainda Lélia Gonzales (1935-1994) (11), intelectual negra brasileira, defensora do feminismo afro-latino-americano. Lélia Gonzales busca a recuperação da resistência e insurgência contra os poderes estabelecidos, assumindo como sua marca a urgência de se combater o racismo. Ela entende que o racismo na América Latina “reproduz e perpetua a crença de que as classificações e os valores da cultura ocidental branca são os únicos verdadeiros e universais”.

Adriana Delbó – Deixarei a resposta sobre a importância de Arendt para a profa. Maria Cristina Müller responder, tendo em vista ela ser uma exímia estudiosa desta filósofa. Quanto a importância de Judith Butler para a filosofia política, destaco o resultado da genealogia que ela realiza nas categorias de gênero, a partir dos mais distintos campos discursivos. Butler explica que a ontologia está na base da política, porque ela e o discurso político são intrínsecos. A ideia de que o sexo de uma pessoa é natural e o gênero é culturalmente construído cai por terra, porque Butler nos mostra que até mesmo a determinação do sexo é uma interpretação e é socialmente demarcada. A partir de como o corpo é lido, o sexo determinado dirá o que a pessoa deve ser, que nome terá, que roupa deverá vestir, quais comportamentos serão adequados, quais desejos serão aceitos, como será avaliada, o que para ela será permitido ou proibido, quais profissões serão adequadas, quais relacionamentos serão aceitos, como será avaliada etc. O sexo é o início da imposição social e desde então ocorrem os limites na produção de identidades.

Práticas significantes e criadoras

Para Butler, a política se faz nas práticas significantes que são criadoras, regulamentadoras e desregulamentadoras da identidade. Sendo assim, até mesmo a produção da sexualidade é uma resposta, é inconsciente e é atravessada por práticas político-sociais. O gênero, por sua vez, é uma performance operacionalizada desde o nascimento, tendo em vista o poder da sociedade na nomeação, na produção de expectativas, nas mais variadas instâncias da educação, nas cobranças, na moralidade que avalia, premia ou pune etc. Assim, Butler nos mostra o quanto ao feminismo ainda se faz necessária a ruptura com o binário oposicional, porque ele é a primeira força limitadoras de vidas. A divisão sexo-gênero, que sempre amparou as bases fundantes da teoria e da política feministas, não se sustenta depois da obra de Butler. Assim, o gênero é uma produção política e uma questão para a filosofia política.

IHU – Por que o reconhecimento da importância e da colaboração das mulheres continua sendo tão difícil de ser assumido e considerado na filosofia?

Maria Cristina Müller – A filosofia como área do conhecimento tem mais de 2.500 anos; seus alicerces foram construídos em uma sociedade patriarcal em que as mulheres, em geral, nem sequer tinham direito à educação formal. Por séculos, o espaço destinado a elas era o privado; contudo, algumas receberam conhecimento e educação: além disto, algumas puderam transmitir seus conhecimentos publicamente, como foi caso de Hipátia de Alexandria (12) (viveu aproximadamente até 415 d.C), estudiosa de Platão e Aristóteles, escreveu várias obras como Comentário a aritmética de Diofanto e Corpus astronômico. Paradoxalmente ao fato da existência de mulheres filósofas desde a Antiguidade clássica, são escassos os registros, as referências e os estudos sobre elas.

A ausência de registros reflete-se diretamente no desconhecimento da contribuição da mulher à filosofia ao longo da história e na falta de transmissão dos saberes das mulheres filósofas. O dizer da mulher não é conservado, não há permanência. A invisibilidade parece ser uma das grandes dificuldades, não a ausência de filósofas. Soma-se a isto a dificuldade em reconhecer a autoridade do dizer do sexo feminino.

O não reconhecimento do dizer das mulheres evidencia o grande simbolismo da negação do dizer da mulher, isto é, menosprezar, desqualificar ou invalidar o discurso da mulher é negar a autoridade do dizer do sexo feminino e, concomitantemente, inferiorizá-la. No meio acadêmico a superação desta dificuldade parece muito mais complexa e difícil uma vez que, teoricamente, o critério nesse meio é a autoridade intelectual. No entanto, o predomínio é do imaginário simbólico e da reprodução do status quo da sociedade que inferioriza e objetifica a mulher.

Adriana Delbó – A filosofia hegemônica é machista, racista e bastante preconceituosa com a filosofia não clássica. Se as mulheres estão estudando e produzindo fora do cânone, isso é avaliado como algo menor ou modismo. Mas há também uma questão emocional, que é também política. Qual a capacidade psíquica e o interesse para ler e ouvir aquilo que está sendo produzido pelas mulheres e que não diz respeito apenas ao que os filósofos mais consagrados produziram? Quem dá valor? É bastante recente que as mulheres possam escrever e publicar. Mas há ouvidos e leitores para tanto? Do mesmo modo que em reuniões nos espaços de trabalho, câmeras ainda sejam desligadas, pessoas ainda saiam das salas quando uma mulher pede a palavra e alterar o tom de voz para falar com as mulheres ainda seja corriqueiro, há a recusa em se considerar o que as mulheres produzem. A “machulência” ainda impera e aconselha: “Deixe que falem e que escrevam, mas nem vamos considerar nem levar adiante!”

 

IHU – Quais preconceitos e limites que ainda persistem em relação às mulheres filósofas?

Maria Cristina Müller – Um dos preconceitos que ainda persistem em relação às mulheres filósofas é a desqualificação dos temas sobre o feminismo como tema filosófico legítimo. A crítica ao sexismo e a misoginia, a reivindicação dos direitos das mulheres, a problematização do acesso da mulher a cultura etc., são rotuladas como agenda feminista e não filosófica; como se a preocupação com tais temáticas fossem algum tipo de insubordinação, reclamação desmesurada e exclusividade do sexo feminino e que, portanto, não cabem na filosofia.

Adriana Delbó – Compreensões arraigadas e não pensadas não se alteram. Nem sequer a mentalidade de uma filósofa ou de um filósofo é alterada se não estiver aberta ao exercício (constante e livre da autodefesa) do pensamento. Como tal exercício não é garantido nem sequer para quem está na filosofia desde há muito tempo, ainda é comum a defesa de que a filosofia trata de temas que são universais, de que tudo aquilo que pertence ao universo das mulheres, das pessoas trans e das pessoas negras não é universal, mas particular, e, portanto, questões não filosóficas.

Ocorre que, como se sabe, as mulheres nunca estiveram totalmente ausentes da filosofia, apesar de todo o desprezo para com elas e toda a diminuição e visão interessada lançada sobre elas. Atualmente muitas mulheres não aceitam mais estudar apenas temas e problemas que foram definidos como universais por mentalidades masculinas. Mas tais mentalidades (em corpos de mulheres ou de homens) ainda prevalecem e avaliam esses “novos” problemas como modismo, que em breve passará ou não terá resultado significativo para a produção filosófica.

“Dóceis e solidárias”

A produção intelectual acadêmica não necessariamente significa alteração dos espaços onde ela ocorre, porque se modos de sentir, de pensar e de funcionar não passaram por alterações, o modo de avaliar segue o mesmo. Portanto, das mulheres na filosofia ainda se espera que tratem de temas universais determinados por compreensões masculinas e, junto a isso, ainda deveriam estar dóceis e solidárias, com “a sensibilidade e a generosidade femininas”, exercendo atividades de serviços e de ajuda, quase nunca assumidos pelos homens – por exemplo, organizando o lanche das reuniões de colegiado e, na falta de um técnico administrativo (ou de uma técnica administrativa), a redação da ata.

Ainda é isso que se espera de nós. E sempre que não correspondemos a tais expectativas, somos e seremos mal avaliadas, porque os critérios de avaliação não mudaram. As avaliações, por sua vez, criam a imagem, a verdade a partir da qual somos tratadas. Para as pessoas mais conservadoras, nossa imagem não é agradável. Junto a isso, ainda ocupamos a filosofia com temas avaliados como não filosóficos?! Então, os descontentes e temerosos esperneiam, às vezes em silêncio, mas sempre atuando a partir dos preconceitos, que podem até serem velados, mas nem por isso sem efeito.

IHU – Por outro lado, sabemos que há avanços em relação ao passado acerca da inserção feminina na Filosofia e a conquista de espaços na academia. O que destacariam nesse sentido em termos de graduação e pós-graduação?

Maria Cristina Müller – Não havia até pouco tempo atrás o reconhecimento dos temas dos feminismos como área de pesquisa filosófica; alguns ainda torcem o nariz para a temática. Somente em 2016 e 2018, há um avanço das discussões no Brasil, quando foi criado o Grupo de Trabalho Filosofia e Gênero na Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia – ANPOF. A partir daí vivemos um momento de grandes discussões sobre a temática acerca dos saberes das filósofas; discussões tratadas por mulheres filósofas. Foram criados grupos, laboratórios e centros de pesquisas sobre mulheres filósofas, principalmente nas universidades por todo o país. Para citar alguns destes grupos, podemos apresentar: a Rede Brasileira de Mulheres Filósofas, que divulga trabalhos de filósofas, promove sua participação em fóruns, debates e, por meio da publicação de postagens em redes sociais, implementa a visibilidade das produções filosóficas das mulheres; e o blog Mulheres na Filosofia, que desenvolve um trabalho sistemático sobre as filósofas.

Na ANPOF, além do GT Filosofia e Gênero também foi criado o GT Mulheres na História da Filosofia. Alguns protocolos e cartilhas foram construídos para colaborar com a prevenção da violência de gênero e do assédio e muitos PPGs em Filosofia os adotaram. O trabalho está repercutindo, pois os estudantes do Ensino Médio estão chegando às graduações com conhecimento sobre as filósofas bem maior dos que chegavam uma década atrás.

Adriana Delbó – Tem ocorrido acréscimos de temas, de problemas, de bibliografias e de pesquisas na graduação e na pós-graduação. Na Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia – ANPOF há um concurso para o prêmio filósofa, o que garante que pós-graduandas tenham suas pesquisas avaliadas e selecionadas. Há grupos de trabalho da ANPOF que só pelo nome dizem da valorização das mulheres na filosofia – GT Edith Stein e o círculo de Gotinga; GT Filosofia e Gênero (desde há mais ou menos oito anos); GT Mulheres na História da Filosofia; GT Raça, Gênero e Classe. Há cinco anos há a Rede Brasileira de Mulheres Filósofas que faz a divulgação de eventos, artigos e de tantas outras produções de mulheres na filosofia, bem como organiza atividades entre elas.

IHU – A abertura do cânone com a inclusão de mais mulheres nos currículos de Filosofia é uma discussão que ganhou corpo nos últimos anos. Como veem essa revisão e reparação em nível brasileiro e internacional?

Maria Cristina Müller – Uma das vias de superação das dificuldades oriundas da restrição da presença da mulher na filosofia parece estar localizada no reconhecimento definitivo da autoridade do pensamento das mulheres filósofas e a necessidade de transmiti-lo. A invisibilidade do dizer das mulheres filósofas não pode prevalecer, pois sem a memória das mulheres filósofas e das suas produções estamos fadados, enquanto humanidade, a perder a profundidade; a filosofia recebeu a contribuição de muitas mulheres filósofas. Negar esta contribuição, invisibilizando-a, é perder a profundidade da própria filosofia.

Parece que a filosofia tem uma tarefa a realizar: reconhecer, preservar e transmitir o legado das mulheres filósofas. Vejam: a tarefa é política! Como cumprir esta tarefa? Pesquisando, escrevendo sobre elas, incluindo seus textos nas bibliografias dos currículos, ministrando aulas sobre suas filosofias. Deste modo, a revisão e reparação é o caminho. Este movimento é mundial; em alguns países já iniciou na década de 1980. A americana Mary Ellen Whaithe, no fim da década de 1980 início de 1990, listou na obra em quatro volumes intitulada A History of Women Philosophers, onde ela listou as 118 filósofas desde a Antiguidade clássica. Hoje sabemos que o número é ainda maior.

Adriana Delbó – Revisão e reparação urgente e ainda muito deficitária. As instituições de ensino que ainda não estão revendo seus currículos para incluir neles a produção das mulheres na filosofia estão sendo coniventes com o patriarcalismo, com o preconceito e a misoginia, a despeito de toda defesa que provavelmente devem fazer de princípios republicanos, e apesar de todo o vocabulário comumente acionado nos projetos pedagógicos dos cursos, tais como: “formação para a autonomia”, “formação para a cidadania”, “exercício da reflexão e do pensamento crítico”, “exercício da democracia”, “reflexão crítica da realidade”.

As mulheres sabem que, muitas vezes, são convidadas para eventos e publicações para compor números e evitar a acusação de falta de equidade. Porém, mais do que saber quantas são as mulheres que aparecem, é necessário garantir que a produção das mulheres seja lida, estudada e, portanto, valorizada do ponto de vista intelectual e filosófico.

IHU – Como analisam a crescente procura das mulheres nesse campo que foi, por longo período, majoritariamente masculino?

Maria Cristina Müller – Hoje as mulheres predominam nas mais diversas áreas; na educação, os índices se repetem; no estado do Paraná, por exemplo, nos cursos de graduação, 57,2% do corpo estudantil é formado por alunas, chegando a 57,8% no mestrado e 53,4% no doutorado. No entanto, a realidade na área da Filosofia não é a mesma. Conforme a professora Carolina Araújo (UFRJ) (13) revela, apenas 28% das pessoas que estudam filosofia nas graduações no Brasil são mulheres; na pós-graduação em Filosofia apenas 27% são mulheres; ao analisar o corpo docente dos PPGs este percentual cai para 20%.

Como exposto acima, há um forte movimento no Brasil, na última década, impulsionando a presença das mulheres na filosofia de modo mais direto e como pauta prioritária. Este movimento começa a colher frutos, como o que estão a observar no PPGFIL na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Esta colheita é real e permanecerá.

Na década de 1990, estudar uma filósofa era algo raro na área da filosofia; Hannah Arendt figurou, por muito tempo, como uma das poucas filósofas estudadas na pós-graduação na área, com dissertações e teses defendidas. No entanto, os pioneiros relatam, e eu me incluo, que antes de iniciarem suas comunicações e palestras sobre a filósofa, precisavam justificá-la como pertencente à área. Hoje isto soa ridículo.

Os preconceitos parecem que estão sendo superados, ao menos com a consideração de algumas filósofas e com a temática do feminismo; muitos outros preconceitos ainda precisam ser vencidos, como é o caso da violência contra a mulher e o assédio moral e sexual. Estamos no caminho certo e precisamos nos manter vigilantes. Deste modo, a preocupação do IHU com o tema das mulheres filósofas é louvável e merece todo nosso respeito.

Adriana Delbó – A crescente procura de mulheres pelas pesquisas de mulheres e sobre mulheres se deve à compreensão de que não é mais admissível a exclusão delas, nem a exclusão escancarada nem a dissimulada. A tradição filosófica até pouco tempo atrás quase não assumia nem sequer a produção de Simone de Beauvoir (14) e de Hannah Arendt e, quando muito, incluía apenas esses dois nomes. Em algumas instituições nem elas são estudadas. O reconhecimento de que as mulheres fazem parte da filosofia durante todo o seu percurso histórico já é fruto de pesquisas de mulheres. Não é razoável esperarmos que aqueles que estão acomodados e satisfeitos mexerão nas estruturas que os acomodam e os satisfazem. Não só alterar o cenário, mas sobretudo o funcionamento da filosofia excludente são “coisas de mulher”.

IHU – Deseja acrescentar algo?

Maria Cristina Müller – É preciso construir muitos espaços de reflexão e discussão sobre a mulher. Talvez se possa alterar o imaginário simbólico e a linguagem comum que justificam e naturalizam a inferiorização da mulher e que, ao mesmo tempo, que constroem uma identidade deturpada do sexo feminino.

Adriana Delbó – Quero acrescentar a atenção que precisamos ter quanto ao modo de sermos e de nos relacionarmos dentro e fora das instituições. Penso que o modo como aparecemos e nos sentimos no mundo é o que mais diz sobre a construção de si ou da nossa infeliz inalterabilidade. Como expus acima, as pesquisas estão saindo do padrão conservador que a filosofia há muito se manteve. No entanto, considero que o modo de se relacionar se dê ainda nos moldes masculinos.

Na filosofia, apontar a falta ainda é o principal resultado das avaliações. O falocentrismo é muito atuante em vários tipos de corpos, a despeito do gênero e da pesquisa realizada e da cadeira ocupada nas universidades. “Falta isso”, “falta aquilo”, “não fez isso”, “não fez aquilo”, “não é bom o suficiente”. Alguém que se autointitula bom está sempre avaliando para informar sobre aquilo que falta no outro. Isso não é algo tipicamente falocêntrico?

O exibicionismo e as disputas ainda prevalecem nas relações. Apontar o dedo e dizer o que a outra deve fazer são atitudes comuns. A crueldade é naturalizada. Por isso, avalio que os modos de conquistas de lugares e de reconhecimentos são absolutamente masculinos. Se a compreensão do poder é masculina, como poderiam ser diferentes as maneiras de ocupar lugares de poder (digo: de lugar, de fala, de escrita e de outras elaborações)? Há muito a ser desaprendido.

Notas

(1) Rosa Luxemburgo (1870-1919): filósofa e economista marxista polonesa-alemã. Tornou-se mundialmente conhecida pela militância revolucionária ligada à Social-Democracia da Polônia (SDKP), ao Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) e ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha (USPD). Participou da fundação do grupo de tendência marxista do SPD, que viria a se tornar mais tarde o Partido Comunista da Alemanha (KPD).

(2) Christine de Pizan (1364-1430): poetisa e filósofa italiana que viveu na França durante a primeira metade do século XV. Era conhecida por criticar a misoginia presente no meio literário da época, predominantemente masculino, e defender o papel vital das mulheres na sociedade. Foi a primeira mulher francesa de letras a viver do seu trabalho.

(3) Sueli Carneiro (1950-): filósofa, escritora e ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro. É fundadora e atual diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra e considerada uma das principais autoras do feminismo negro no Brasil. Possui doutorado em Educação (na área de Filosofia da Educação) pela Universidade de São Paulo USP. Foi a primeira mulher negra a receber o título de doutora honoris causa da Universidade de Brasília.

(4) Olimpia de Gouges (1748-1793): dramaturga, ativista política, feminista e abolicionista francesa de importante atuação na Revolução Francesa. Os escritos feministas de sua autoria alcançaram enorme audiência. Foi uma defensora da democracia e dos direitos das mulheres. Na sua obra Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã de setembro de 1791, opôs-se ao patriarcado da época e ao modo pelo qual a relação entre homem e mulher se expressava na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, durante a Revolução Francesa. Devido aos seus escritos e atitudes pioneiras, foi guilhotinada.

(5) bell hooks (1952-2021): autora, professora, teórica feminista, artista e ativista antirracista estadunidense. hooks publicou mais de trinta livros e numerosos artigos acadêmicos, apareceu em vários filmes e documentários, e participou de várias palestras públicas. Sua obra incide principalmente sobre a interseccionalidade de raça, capitalismo e gênero, e aquilo que hooks descreve como a capacidade destes para produzir e perpetuar sistemas de opressão e dominação de classe. hooks teve uma perspectiva pós-moderna e foi influenciada pela pedagogia crítica de Paulo Freire. Em 2014, fundou o The bell hooks Institute com sede no Berea College, em Berea, Kentucky.

(6) Carol Hanisch: jornalista e ativista do feminismo radical. Formada em Jornalismo pela Universidade Drake, se voluntariou, em 1965, no Movimento de Direito Civil do Mississippi onde percebeu a força da união em lutas de minorias contra a opressão. É fundadora do grupo New York Radical Women, também editou o livro Redstockings, Feminist Revolution, publicado em 1975 e criou a revista Meeting Ground, um impresso que circulou de 1978 até 1992. Uma de suas ações mais importantes foi o protesto contra o concurso Miss América em 1968. Carol foi uma das quatro mulheres que interrompeu o processo. A tensão criada atraiu muita atenção para o Movimento de Libertação da Mulher. Hanisch participou também de diversas outras lutas, tais como as contra o racismo, o apartheid na África do Sul e o imperialismo americano. Seu slogan mais conhecido é o “Pessoal é Político” (The Personal is Political) em um ensaio com o mesmo nome publicado em 1969.

(7) Hannah Arendt (1906-1975): filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século XX. A privação de direitos e perseguição de pessoas de origem judaica ocorrida na Alemanha a partir de 1933, assim como o seu breve encarceramento nesse mesmo ano, forçaram Arendt a emigrar. O regime nazista retirou-lhe a nacionalidade em 1937, o que a tornou apátrida até conseguir a nacionalidade norte-americana em 1951. Trabalhou como jornalista e professora universitária e publicou obras importantes sobre filosofia política. Contudo, recusava ser classificada como “filósofa” e também se distanciava do termo “filosofia política”; preferia que suas publicações fossem classificadas dentro da “teoria política”.

(8) Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (1957): pesquisadora oxunista nigeriana e professora associada de sociologia na Universidade Stony Brook. Frequentou a Universidade de Ibadan e a Universidade da Califórnia em Berkeley. A autora estabelece duras críticas ao feminismo, em especial em sua obra A invenção das mulheres. Sua importante contribuição no campo da sociologia de gênero está pautada na análise da sociedade yorubá, propondo o oxunismo no lugar do feminismo como um caminho de superação dos papéis de gênero coloniais. Sua tese de doutoramento de 1993 verteu-se em livro em 1997, com o título A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero, ganhou o prêmio da American Sociological Association de 1998 por distinção na categoria de gênero e sexualidade. No livro, ela oferece uma crítica pós-colonial e para além das imposições do predomínio ocidental, pautada nos Estudos Africanos.

(9) Aline Matos da Rocha: doutora em Metafísica pela Universidade de Brasília – UnB, na linha de pesquisa Ontologias Contemporâneas (2023), com tese de doutorado vencedora do Prêmio CAPES de Tese como a melhor tese na área de Filosofia de 2024. Mestra em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás – UFG, na linha de pesquisa Ética e Filosofia Política (2018). Especialista em Ensino de Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas – UFPel (2024). Graduada em Filosofia com habilitação em licenciatura e bacharel pela Universidade de Brasília – UnB (2014-2015). Licenciada em Sociologia pelo Centro Universitário Internacional – UNINTER (2023). É pós-doutoranda no PPG em Metafísica da UnB, com Bolsa Prêmio Capes de Tese (Edital n. 04/2024) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Desde a graduação, desenvolve pesquisas articulando conhecimentos das áreas de Filosofia, Filosofia Africana. Dentre os temas de investigação acadêmica, interessa-se por Ensino de Filosofia; Filosofia Africana; Metafísica; Ontologias Contemporâneas; Ética e Filosofia Política; Filosofia da Educação; Educação das Relações Étnico-raciais; Sociologia do Conhecimento; As interseções entre Raça, Gênero e Classe em interfaces com a Filosofia e Sociologia. Integra o Núcleo de Estudos de Filosofia Africana Exu do Absurdo (NEFA) da UnB na linha de pesquisa Filosofia Africana e Educação, e também integra o GT de Filosofia e Raça da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF).

(10) Judith Butler (1956-): filósofa pós-estruturalista de origem estadunidense, tendo composto umas das principais teorias contemporâneas do feminismo e teoria queer. Butler também escreve sobre filosofia política e ética. Atualmente, ocupa o cargo de professora do departamento de retórica e literatura comparada da Universidade da Califórnia em Berkeley. Desde 2006, ocupa o posto honorificamente intitulado “Hannah Arendt” na European Graduate School. Butler é uma pessoa não binária, que em inglês usa os pronomes “they/them”.

(11) Lélia Gonzales (1935-1994): intelectual, autora, ativista, professora, filósofa e antropóloga brasileira. É uma referência nos estudos e debates de gênero, raça e classe no Brasil, América Latina e pelo mundo, sendo considerada uma das principais autoras do feminismo negro no país. Ademais, foi pioneira em pesquisas sobre Cultura Negra no Brasil e cofundadora do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras do Rio de Janeiro (IPCN-RJ) e do Movimento Negro Unificado (MNU). Lélia teve uma importante presença tanto na academia quanto no mundo político, tendo circulado por diversos espaços. Seus trabalhos abordaram perspectivas interseccionais quando o conceito em si ainda não tinha sido criado, atuando contra o sexismo e o racismo na sociedade e cunhando conceitos como o de “amefricanidade” e “pretuguês”.

(12) Hipátia de Alexandria (351/370-415): filósofa neoplatônica do Egito romano. Foi a primeira mulher documentada como tendo sido matemática. Como chefe da escola platônica em Alexandria, também lecionou filosofia e astronomia. Como neoplatonista, pertencia à tradição matemática da Academia de Atenas, representada por Eudoxo de Cnido, e era da escola intelectual do pensador Plotino, que a incentivou a estudar Lógica e Matemática, no lugar de se dedicar à investigação empírica, e a estudar Direito, em vez de ciências da natureza. De acordo com a única fonte contemporânea, Hipátia foi assassinada por uma multidão de cristãos depois de ser acusada de exacerbar um conflito entre duas figuras proeminentes em Alexandria: o governador Orestes e o bispo de Alexandria, Cirilo de Alexandria.

(13) Carolina Araújo: professora titular do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, membro permanente do PPG de Lógica e Metafísica (PPGLM-UFRJ), pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Cientista do Nosso Estado (FAPERJ), diretora da Cátedra Quantas Filósofas? no Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE). Possui graduação em Filosofia pela UFRJ (1998), mestrado em Filosofia pela UFRJ (2000), doutorado em Filosofia pela UFRJ (2005) e pós-doutorado em Filosofia pela University of Ottawa (2012), onde também esteve como professor visitante (2020). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia Antiga, Metafilosofia e Mulheres na Filosofia. É membro do Comitê Editorial da International Plato Society e representante da América Latina na Diretoria da International Society for Socratic Studies. Foi vice-presidente (2014-2017) e presidente (2017-2021) da Associação Latino-Americana de Filosofia Antiga. É membro e coadministradora da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas e coeditora da Enciclopédia Mulheres na Filosofia.

(14) Simone de Beauvoir (1908-1986): escritora, intelectual, filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social francesa. Embora não se considerasse uma filósofa, Beauvoir teve uma influência significativa tanto no existencialismo feminista quanto na teoria feminista. Escreveu romances, contos, ensaios, biografias, autobiografia e monografias sobre filosofia, política e questões sociais. Ela é conhecida por seu tratado O Segundo Sexo, de 1949, uma análise detalhada da opressão das mulheres e um tratado fundamental do feminismo contemporâneo, além de seus romances A Convidada e Os Mandarins. Ela lecionou em várias instituições escolares no período entre 1931 e 1943. Nos anos 1940 integrava um círculo de filósofos literatos que conferiam ao existencialismo um aspecto literário, sendo que seus livros enfocavam os elementos mais importantes da filosofia existencialista.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/650249-uma-das-maiores-contribuicoes-das-mulheres-para-a-filosofia-politica-e-demonstrar-que-questoes-de-genero-sao-problemas-filosoficos-entrevista-especial-com-maria-cristina-mueller-e-adriana-delbo 


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