sábado, 29 de junho de 2024

M. Heidegger, LOGOS


 


 

 

 

Sintese  Paolo Cugini

 

Para se ter um ponto onde apoiar uma resposta, impõe-se uma reflexão sobre o que, propriamente, se encontra em YÉYEIV, no sentido de legen, de-por e pro-por. Legen significa estender e prostrar, mas, ao mesmo tempo, significa também por uma coisa junto com outra, por em conjunto, ajuntar. Legen, de-por e pro-por, é lesen. O lesen, que mais conhecemos o lesen, no sentido de ler, é apenas uma variedade de ajuntar – embora ela se tenha deslocado para o primeiro lugar. A colheita de espigas apanha os frutos do solo e os recolhe. Traubenlese, a vindima colhe as uvas dos sarmentos da cepa. Ora, apanhar e colher se dão e acontecem num juntar. Enquanto ficarmos presos à visão comum, temos a tendência de considerar este ajuntar, como a colheita, ou ate, como toda a colheita, Ora, colher é mais do que um simples ajuntar. A toda a colheita pertence sempre um recolher, que acolhe. E no recolhimento vige e opera uma ação de albergar, que conserva. Aquele “mais” do colher ultrapassa o mero ajuntamento, por não lhe vir acrescentar-se de fora e, muito menos ainda, por lhe ser o ultimo ato, servindo-lhe de conclusão. O conservar da colheita toma para si e assume o inicio de todos os passos do colher no encadeamento de sua seqüência. Olhando-se apenas a sucessão dos atos, vemos somente uma serie em que ao apanhar e colher se segue o ajuntar, a este, o recolher, a este, o albergar em silos e no celeiro. Assim, confirma-se a impressão de que conservar e preservar não pertenciam à colheita. Todavia, o que seria de uma colheita que não fosse, ao mesmo tempo, movida e carregada pelo traço fundamental de um abrigar? Abrigar é o primordial na essência estruturante da colheita.

            O de-por e pro-por a ser pensado agora, o YÉYEIV, já abandonou de antemão, até nem conheceu, a pretensão de postar o real, isto é, de pô-lo no posto e lugar que ocupa. O único empenho do de-por e pro-por, como YÉYEIV, é deixar que o que se dispõe por si mesmo num conjunto, seja entregue, como real, à proteção que o preserva disposto. Que proteção é esta? É a proteção da verdade. Pois o disposto num conjunto está posto e de-posto no des-encobriamento, está instalado no des-encobrimento, é substrato subjacente no des-encobrimento, isto é esta obrigado pelo e no des-encobrimento. Ao deixar o real dispor-se num conjunto, o YÉYEIV se empenha por abrigar o real no des-coberto. O KETQOAI, estar disposto para si, do UTTOKEILREVOV do substrato subjacente, não é nada menos do que a vigência do real no des-encobrimento. É neste YÉYEIV do UTTOKEILREVOV que se acolhe o YÉYEIV do recolhimento. O único compromisso do YÉYEIV, enquanto deixar o real dispor-se num conjunto, é com o obrigado do real no des-encobrimento e por isso e por isso é a preservação, que determina, de antemão, o recolhimento constitutivo de de-por e pro-por.

            YÉYEIV é legen, de-por e pro-por. E este diz que, recolhido em si, o real é o disponível vigente em conjunto.

            O fato de YÉYEIV se dar, como legen, como de-por e pro-por, onde dizer e falar têm sua essência, este fato aponta para a mais antiga e a mais rica das decisões. De onde ela provem? É uma pergunta de peso e, presumivelmente, é a mesma que esta outra: ate onde alcança os confins extremos, donde possivelmente lhe advém a essência da língua.

            O YOYOS leva o fenômeno, isto é, aquilo que se põe à disposição, a aparecer por si mesmo, a brilhar à luz de seu mostrar-se.

Dizer é deixar o real disponível num conjunto que, recolhido, acolhe. Pertencer ao apelo da fala não é senão deixar o real, que se de-põe e pro-põe em conjunto, dispor-se, como um todo, em sua disponibilidade. Este é deixar põe o disponível. E põe, como ele mesmo. Pois põe um e o mesmo na unidade de um só. Põe a unidade de algo como ele mesmo. 

                        O YOYOS, o legen, o de-por, é o puro deixar dispor-se em conjunto o que, por si mesmo, aspor, é o puro deixar dispor-se em conjunto o que, por si mesmo, assim se prostra. O VOYOS vige, pois, no e como o puro legen, o puro de-por e pro-por, que colhe, escolhe e recolhe no recolhimento originário de uma colheita original de uma colheita original a partir de uma postura inaugural. VOYOS é postura recolhedora e nada mais.

            Heráclito começa a sentença recusando toda escuta pelo simples prazer de ouvir. Funda porem, esta recusa numa indicação do sentido próprio de escutar.

                        Em certo sentido, a escuta própria dos mortais é o mesmo que o VOYOS. Por outro lado, justamente por ser e para ser um OLROYOYETV, ela não pode ser mesmo, pois, em si mesma, não é o VOYOS. O OLRO-YOYETV permanece antes um YÉYEIV, que só de-põe e pro-põe, e só deixa dispor-se o que, como OLROV, já esta recolhido, como o todo de um conjunto, e se acha disponível numa disposição que nunca provem do OLROYOYETV mas repousa no VOYOS, na postura recolhedora.

                        À medida que escuta dos mortais se tornou escuta verdadeira, acontece OLROYOYETV. À medida que acontece OLROYOYETV é que se dá a um envio sábio. Mas onde é que se dá e como é que se dá um envio sábio? Heráclito diz: OLROYOYETV QOOÒV EQTIV “EV IIAVIA” “acontece um envio sábio em sua propriedade, à medida que um é tudo”.

            A interpretação corrente entende a sentença de Heráclito da seguinte maneira: é sábio escutar a pronuncia do VOYOS e considerar o sentido do pronunciado, repetindo o que se escuta no enunciado um é tudo. Há, pois, o VOYOS. Este tem algo a anunciar. Há, portanto, o que ele enuncia, a saber, que tudo é um.

            Toda via o “EV IIAVIA” não é o que VOYOS anuncia na enunciação da sentença nem o que dar a entender, como o sentido do enunciado. “EV IIAVIA” é o que o VOYOS enuncia, mas “EV IIAVIA”  falo do vigor em que vige e se dá.

“Ev é unicamente uno, por unificar”. Unifica reunido. Reúne, deixando o disponível dispor-se como tal em seu todo, no recolhimento. O unicamente unifica como postura recolhedora. Essa união, que recolhedoramente de-põe e pro-põe, recolhe em si o uno unificador a fim de ele ser, como tal, o único. O “EV IIAVIA”  sentença de Heráclito aponta simplesmente para o que é o VOYOS.

Só há uma resposta competente à pergunta o que é o VOYOS. Em nossa formulação, à resposta é: Ó VOYOS YEYEI; o VOYOS deixa dispor-se num conjunto! O quê? IIAVTA.

            Como VOYOS, a postura recolhedora posta no des-encobrimento tudo que vige. O legen, o de-por e pro-por é um dar abrigo. Ele abriga todo vigente em sua vigência, donde o YEYEIV dos mortais pode extrair propriamente cada vigente. O VOYOS posta, isto é, repõe o vigente na vigência. Vigência significa porem: tendo chegando, durar e perdurar no des-coberto. Ao deixar dispor-se o disponível, como tal, o VOYOS des-encobre o vigente em sua vigência. Ora, todo desencobrimento é ÁYNOÉA. ÁYNOÉIA e VOYOS são o mesmo.

            Em si mesmo, o VOYOS é simultaneamente des-velar e velar. É a ÁYNOEIA. O des-encobrimento carece do encobrimento, da YNON, como seu repositório onde, por assim dizer, se abastece o des-encobrimento. O VOYOS, a postura recolhedora, tem em si o caráter de encobrir e desencobrir. Enquanto se pode perceber no VOYOS o modo em que o “EV VOYOS” vige na unificação, mostra-se, ao mesmo tempo, também que a união própria do VOYOS é infinitamente diversa de tudo que se costuma apresentar e representar como síntese, copula ou ligação. A união do YEYEIV não se reduz a um mero ajuntamento abrajente nem a uma composição simplesmente niveladora das oposições. O “EV IIAVTA” deixa dispor-se conjuntamente numa vigência tudo o que é di-ferente, por retirar-se um do outro e, assim, por opor-se um ao outro, como dia e noite, inverno e verão, paz e guerra, vigília e sono, Dioniso e Hades. Este di-ferente, SIAOEPÓLREVOV, que é a – portador e su-portador ao longo e através da distancia extrema entre vigente e ausente, a postura recolhedora deixa dispor-se em sua di-ferenciação. É o próprio legen, o de-por e pro-por desta postura recolhedora o que carrega e porta neste a-porte de toda diferenciação. É o “EV” que já é sempre em si mesmo a - portador.

Mas em que medida o VOYOS é o destino, destino em sentido próprio, isto é, o recolhimento das destinações que, cada vez, endereçam tudo ao que é seu? A postura recolhedora guarda em si toda destinação. à medida que, enviando, a deixa dispor-se, mantém em seu lugar e curso qualquer vigente e todo ausente e recolhe tudo, abrigando-o no todo. É assim que tudo e cada coisa pode acorda-se e inserir-se em sua propriedade. Heráclito diz (B64): TTÁVTA OÍAKÍSEI KEPAUVÓS: o raio, porem, dirige (para sua vigência) tudo (que vige).

            De repente, o raio põe, com um golpe, todo vigente na claridade de sua vigência. O raio mencionado dirige. Pois, de antemão, para tudo no lugar de sua essência. Este postar, d um golpe só, é a postura recolhedora, o VOYOS. O “raio” esta aqui, como palavra evocativa de Zeus. Sendo o altíssimo, Zeus é o destino do universo. Assim, o AÓYOS, O “Ev” IIAVTA não seria senão o Deus supremo. A essência do AÓYOS acenaria, pois, para a deidade de Deus.

            Em primeira linha, o “Ev, o AÓYOS, o destino de todo envio sábio, não estão dispostos, por sua essência mais própria, a aparecer sob o nome de “Zeus”, isto é, com Zeus: OÚK ÉOÉYEI. Só, então, é que se segue ÉOÉYEI, mas “também o estão”.

            Ó VÓYOS nomeia o ser de todo sendo, isto é, de tudo que é e está sendo, mas não aconteceu. Em parte algumas encontram um vestígio de os gregos terem pensado a essência da linguagem diretamente pela essência do ser. Ao invés, representaram a linguagem foneticamente – e foram os primeiros a fazê-lo – pela fornação, como OWVN, como voz e som vocal. A palavra grega, que corresponde à palavra “linguagem”, é YAWQQA, língua, em sentido anatômico. Linguagem é OWVN ONLRAVTIKN, a fornação que designa alguma coisa. Isto significa: a linguagem tem o caráter fundamental de “expressão”. Ora, esta representação correta da linguagem, linguagem enquanto expressão, vem de fora mas se tornou, desde então, decisiva. E o é ainda hoje. A linguagem vale, como expressão e vice-versa. Gostamos de representar todo tipo de expressão, como uma espécie de linguagem. A historia da arte fala de linguagem das formas. Outrora, porem, no inicio do pensamento ocidental, a essência da linguagem explodiu, como um relâmpago, na luz do ser, outrora, quando Heráclito pensou o VOYOS, como palavra-chave, a fim, de, nela pensar o ser do sendo. Mas o relâmpago se extinguiu de repente. E ninguém lhe apanhou um raio sequer e nem a proximidade do ser que nele se iluminou.  


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