sábado, 28 de dezembro de 2024

Mircea Eliade. Imagens e Símbolo

 




Ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso


Martins Fontes ed. 2019


Síntese: Paolo Cugini


Prefácio

Simbolismo e psicanálise


O pensamento simbólico não é uma área exclusiva da criança, do poeta ou do desequilibrado: ela é consubstancial ao ser humano; precede a linguagem e a razão discursiva. O símbolo revela certos aspectos da realidade – os mais profundos – que desafiam qualquer outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser. Por isso seu estudo nos permite melhor conhecer o homem, “o homem simplesmente”, aquele que ainda não se compôs com as condições da história. Cada ser histórico traz em si uma grande parte da humanidade anterior à História.  (pág. 8 e 9)

Os psicólogos sabem muito bem que descobrem as mais belas mitologias nos “devaneios” ou nos sonhos de seus pacientes. Pois o inconsciente não é unicamente assombrado por monstros: ele é também a morada dos deuses, das deusas, dos heróis, das fadas; aliás, os monstros do inconsciente também são mitológicos, uma vez que continuam a preencher as mesmas funções que tiveram em todas as mitologias: em última análise, ajudar o homem a libertar-se, aperfeiçoar sua iniciação. (pág. 10)

“Traduzir” as Imagens em termos concretos é uma operação vazia de sentido: certamente as Imagens englobam todas as alusões ao “concreto” descobertas por Freud, mas a realidade que elas tentam expressar não se esgota por tais referências ao “concreto”. A “origem” das Imagens é igualmente um problema sem objeto: como se contestássemos a “verdade” da geometria saiu dos trabalhos feitos pelos egípcios para a canalização do Delta. (pág. 11)

As Imagens são, por suas próprias estruturas, multivalentes. Se o espírito utiliza as Imagens para captar a realidade se manifesta de maneira contraditória, e conseqüentemente não poderia se expressar por conceitos. (pág. 11)

É então a Imagem em si, enquanto conjunto de significações, que é verdadeira, e não uma única das suas significações ou um único dos seus inúmeros planos de referências. Traduzir uma Imagem na sua terminologia concreta, reduzindo-a a um único dos seus planos referenciais, é pior que mutilá-la é aniquilá-la, é aniquilá-la, anulá-la como instrumento de conhecimento. (pág. 11 e 12)


Perenidade das imagens


Não é necessário utilizar as descobertas da psicologia profunda ou a técnica surrealista da escrita automática para provar a sobrevivência subconsciente, no homem moderno, de uma mitologia abundante e, na nossa opinião de um valor espiritual superior à sua vida “consciente”. (pág.12)

Os símbolos jamais desaparecem da atualidade psíquica: eles podem mudar de aspectos, sua função permanece a mesma. Temos apenas de levantar suas novas máscaras.

A mais abjeta “nostalgia” esconde a “nostalgia do paraíso”. (pág. 13)

Constataremos que essas imagens invocam a nostalgia de um passado mitificado, transformando em arquétipo, que esse “passado” contém, além da saudade de um tempo que acabou, mil outros sentidos: ele expressa tudo que poderia ter sido, mas não foi, a tristeza de toda existência que só existe quando cessa de ser outra coisa, o pesar de não viver na passagem e no tempo evocados pela música. (pág. 13)

Toda essa porção essencial e imprescritível do homem – que se chama imaginação – está imersa em pleno simbolismo e continua a viver dos mitos e das teologias arcaicas (pág. 15)


Capítulo I

Simbolismo Do “Centro”

Psicologia e história das religiões


Não existe fato religioso “puro”, fora da história, fora do tempo. A mais nobre mensagem religiosa, a mais universal experiência mística, o mais comum dos comportamentos humanos – como por exemplo o temor religioso, o rito, a prece – singularizam-se e delimitam-se à medida que se manifestam. (pág. 27 e 28)

O homem enquanto ser histórico, concreto, autêntico, é “situado”. Sua existência concretiza-se na história, no tempo, no seu tempo – que não é do seu pai. (pág.28)

Em outros termos, um fato espiritual pressupõe o ser humano integral, ou seja, a entidade fisiológica, o homem social, o homem econômico, e assim por diante. Todavia, todos esses condicionamentos não conseguem esgotar, por si sós, a vida espiritual.

O que distingue o historiador das religiões de um simples historiador é que ele lida com fatos que, embora históricos, revelam um comportamento que vai muito além dos comportamentos históricos do ser humano. (pág. 29)


História e arquétipos

À medida que o homem transcende o seu momento histórico e dá livre curso ao seu desejo de reviver os arquétipos, ele se realiza como ser integral, universal. À medida que se opõe à história, o homem moderno redescobre as posições arquetípicas. Mesmo seu sono, mesmo suas tendências orgiásticas, são carregados de um significado espiritual. Pelo simples fato de reencontrar no fundo do seu ser os ritmos cósmicos – a alternância do dia e da noite, por exemplo, ou do inverno e do verão – ele alcança um conhecimento mais absoluto do seu destino e da sua significação. (pág. 32)


A Imagem do mundo


As sociedades arcaicas e tradicionais concebem o mundo que as cerca como um microcosmo. Nos limites desse mundo fechado começa o domínio do desconhecido, do não-formado. De um lado, existe um espaço cosmicizado, uma vez que habitado e organizado. Do outro lado, fora desse espaço familiar, existe a região desconhecida e temível dos demônios, das larvas, dos mortos, dos estranhos – ou seja, o caos, a morte, a noite. Esta imagem de um microcosmo-mundo habitado, cercado de regiões desérticas identificadas aos caos e ao reino dos mortos, sobreviveu mesmo nas civilizações muito evoluídas, como as da China, da Mesopotâmia ou do Egito. (pág. 34)

A destruição de uma ordem estabelecida, a abolição de uma imagem arquetípica aquivalia a uma regressão ao caos, ao pré-formal, ao estado não diferenciado que precedia a cosmogonia. (pág. 34)

A concepção do adversário sob a forma de um ser demoníaco, verdadeira encarnação das forças do mal, também sobreviveu até nossos dias. (pág. 35)

Para o mundo arcaico em geral, os inimigos que ameaçavam o microcosmo eram perigosos não tanto enquanto seres humanos (em si), mas porque encarnavam as forças hostis e destruidoras. (pág. 35)

Todo microcosmo, toda região habitada, tem o que poderíamos chamar um “Centro”, ou seja, um lugar sagrado por excelência. É nesse “Centro” que o sagrado se manifesta totalmente seja sob a forma de hierofanias elementares – como no caso dos “primitivos” (os centros totêmicos, por exemplo, as cavernas onde se enterram os tchuringas etc.) – seja sob a forma mais evoluída de epifanias diretas dos deuses, como nas civilizações tradicionais. (pág. 35)

Cada um desses “Centros” é considerado o mesmo literalmente denominado “Centro do Mundo”. Como se trata de um espaço sagrado, que é dado por uma hierofania ou construindo ritualmente, e não de um espaço profano, homogêneo, geométrico, a pluralidade dos “Centros da Terra” dentro de uma única região habitada não cria nenhuma dificuldade . Estamos em presença de uma geografia sagrada profana, “objetiva”, de certa forma abstrata e não essencial, construção teórica de um espaço e de um mundo que não é habitado e que é por isso desconhecido.

Na geografia mítica, o espaço sagrado é um espaço real por excelência, pois, como se demonstrou recentemente , para o mundo arcaico o mito é real porque ele relata as manifestações da verdadeira realidade: o sagrado. (pág.36)


Simbolismo do “Centro”


Toda cidade oriental encontrava-se realmente no centro do mundo. Babilônia era um Bâb-ilânî, uma “porta dos deuses”, pois era lá que os deuses desciam à Terra. A capital do soberano chinês perfeito encontrava-se perto da Árvore milagrosa “Madeira ereta”, Kien-mou, lá onde se entrecruzavam as três regiões cósmicas: Céu, Terra e Inferno. E poderíamos acumular infinitamente os exemplos. Todas essas cidades, templos ou palácios considerados como Centros do Mundo não passam de réplicas, multiplicadas à vontade, de uma imagem arcaica: a Montanha Cósmica, a Árvore do Mundo ou Pilar Central que sustentam os níveis cósmicos. (pág.38)

A criação do homem, réplica da cosmologia, aconteceu  igualmente em um ponto central, no Centro do Mundo. (pág.39)

A variante mais propagada do simbolismo do Centro é a da árvore Cósmica que se encontra no meio do Universo e que sustenta como um eixo os três Mundos. (pág.40)


Construção de um “Centro”


Não só os templos supostamente se encontravam no “Centro do Mundo”, mas que todo lugar sagrado, todo lugar que manifestava uma inserção do sagrado no espaço profano, era também considerado como um “centro”. Esses espaços sagrados também podiam ser construídos. Mas sua construção era, de certa forma, uma cosmogonia, uma criação do mundo. (pág.48)

A história das religiões conhece um número considerável de construções rituais de um “Centro”. Notemos apenas uma coisa importante a nosso ver: à medida que os antigos lugares sagrados, templos, ou altares, perdem sua eficácia religiosa, descobrem-se e aplicam-se outras formas geométricas, arquiteturais ou iconográficas, que, afinal, representam, às vezes de maneira bastante surpreendente, o mesmo simbolismo do “Centro”. Daremos um único exemplo: a construção e a função da mandala . (pág.48)

O homem só pode viver em um espaço sagrado, no “Centro”. Observa-se que um conjunto de tradições confirma o desejo do homem de se encontrar sem esforço no “Centro do Mundo”, enquanto que um outro grupo insiste na dificuldade e em seguida no mérito que existe em poder ter ali penetrado. (pág.51)


Capítulo II


Simbolismos Indianos Do Tempo E Da Eternidade


Função dos mitos


Como se admite hoje, um mito narra os acontecimentos que se sucederam in principio, ou seja, “no começo”, em um instante primordial e atemporal, num lapso de tempo sagrado. Esse tempo mítico ou sagrado é qualitativamente diferente do tempo profano, da contínua e irreversível duração na qual está inserida nossa existência cotidiana e dessacralizada. Ao narrar um mito, reatualizamos de certa forma o tempo sagrado no qual se sucederam os acontecimentos de que falamos. (pág.51)

Supõe-se que o mito aconteça em um tempo – se nos permitem a expressão – intemporal, em um instante sem duração, como certos místicos e filósofos concebem a eternidade.

Esta constatação é importante, pois dela resulta que a narração de um mito não é sem conseqüência para aquele que o recita ou para aqueles que o ouvem. Pelo simples fato da narração de um mito, o tempo profano é – pelo menos simbolicamente – abolido: narrador e auditório são projetados num tempo sagrado e mítico. (pág.54)

O mito implica uma ruptura do Tempo e do mundo que o cerca; ele realiza uma abertura para o Grande Tempo, para o Tempo Sagrado.

Pelo simples fato de ouvir um mito, o homem esquece sua condição profana, sua “situação histórica”, como temos o hábito de dizer atualmente. (pág.54 e 55)

Os mitos são verdadeiros porque são sagrados, porque falam de Seres e de acontecimentos sagrados. Conseqüentemente, narrado ou ouvindo um mito, retomamos o contato com o sagrado e com a realidade, e dessa maneira ultrapassamos a condição profana, a “situação histórica”. Em outros termos, ultrapassamos a condição temporal e a obtusa suficiência, que são o fardo de todo ser humano, pelo simples fato de ele ser “ignorante”, ou seja, de identificar a si e ao Real com a sua própria situação particular. Pois a ignorância está em primeiro lugar nesta falsa identificação do Real com o que cada um de nós parece ser ou parece possuir. (pág.55)

O mito reatualiza continuamente o Grande Tempo e dessa forma projeta quem o ouve a um plano sobre-humano e sobre-histórico que, entre outras coisas, proporciona a abordagem de uma Realidade impossível de ser alcançada no plano de existência individual profana. (pág.56)


Tempo cósmico e História


A existência no Tempo é ontologicamente uma inexistência, uma irrealidade. É neste sentido que se deve compreender a afirmação do idealismo indiano, e em primeiro lugar do Vedanta, de que o mundo é ilusório, de que lhe falta realidade, pois sua duração é limitada, e, na perspectiva do eterno retorno, é uma não-duração. Essa medida é irreal, não porque não exista no sentido próprio do termo, ou porque seja uma ilusão dos nossos sentidos; ela não é uma ilusão: neste momento preciso ela existe – mas é ilusória na medida em que não existirá mais daqui a dez ou cem mil anos. O mundo histórico, as sociedades e civilizações duramente construídas pelo esforço de milhares de gerações, tudo isso é ilusório, pois, mo plano dos ritmos cósmicos, o mundo histórico dura o espaço de um instante. O vedanta, o budista, o rsi, o iogue, o sâdhu etc., tirando as conclusões lógicas da lição do Tempo Infinito e do Eterno Retorno, renunciam ao mundo e procuram a Realidade Absoluta, pois somente o conhecimento do Absoluto os ajuda a se libertar da ilusão, a rasgar o véu de Mâyâ. (pág.64)

O mito do Tempo cíclico e infinito, rasgando as ilusões tramadas pelos ritmos menores do Tempo, ou seja, pelo tempo histórico, revela-nos ao mesmo tempo a precariedade e, enfim, a irrealidade ontológica do Universo, e o caminho da nossa libertação. De fato, podemos nos salvar dos vínculos de Mâyâ, seja pelo caminho contemplativo, renunciando ao mundo e praticando a ascese e as técnicas místicas decorrentes, seja pela via ativa, permanecendo no mundo, porém sem mais gozar dos “frutos de suas ações” (phalatrsnavairâgya). Tanto em um caso como no outro, o importante é não acreditar unicamente na realidade das formas que nascem e crescem no Tempo: não se pode perder de vista que tais formas só são “verdadeiras” dentro do seu próprio plano de referência e que, ontologicamente, elas são desprovidas de substâncias. Como dizíamos anteriormente, o Tempo pode tornar-se um instrumento de conhecimento, no sentido de que basta projetarmos uma coisa ou um ser no plano do Tempo cósmico para constatarmos imediatamente sua irrealidade. A função gnoseológica e soteriológica de tal mudança de perspectiva, obtida pela abertura para os ritmos maiores do tempo, é admiravelmente exposta por certos mitos relacionados á Mâyâ de Visnu. (pág.66 e 67)

O “terror do Tempo”


Para o “primitivo”, conseqüentemente, o Tempo é cíclico, o mundo é periodicamente criado e destruído, e o simbolismo lunar de “nascimento-morte-renascimento” é manifestado em um grande número de mitos e ritos. É a parte de tal herança imemorial que se elaborou a doutrina pan-indiana das idades do mundo e dos ciclos cósmicos. (pág.69)

As doutrinas e técnicas místicas que são continuidade à libertação do homem da dor e do ciclo infernal “vida-morte-renascimento” apropriam-se das imagens míticas dos ciclos cósmicos, amplificando-as e utilizando-as para seus fins de proselitismo. O eterno retorno equivale, para os indianos da época pós-védica, ou seja, para os indianos que tinham descobertos os “sofrimentos da existência”, ao ciclo infinito da transmigração regido pelo Karma. Esse mundo, ilusório e passageiro, o mundo da sâmsara, o mundo da dor e da ignorância, é o mundo que se desenvolve sob o signo do Tempo. A libertação desse mundo e a obtenção da Salvação equivalem a uma libertação do Tempo cósmico. (pág.70)


Capítulo III


O “Deus Amarrador” E O Simbolismo Dos Nós


Queremos seguir, num plano comparativo ainda mais amplo, os motivos do “deus amarrador” e da magia do “amarrar”, tentando extrair seus significados e também determinar suas funções em outros grupos religiosos que não os da soberania mágica indo-européia. (pág.91)


“Deuses amarradores” na Índia antiga


Notamos que, mesmo resumidas desta maneira, as coisas não são simples. No entanto, certos traços essenciais se definem: no plano mítico das façanhas divinas, de um lado o “não-agir” mágico de Varuna e de Vrtra, do outro a ação de Indra; no plano humano, as doenças e a morte, a importância dos laços e dos nós entre as divindades funerárias ou entre os demônios, e a utilização mágica do “amarrar” tanto na medicina popular como nos sortilégios. Assim, desde os tempos védicos, o completo do “amarrar”, permanecendo característico e constitutivo da zona da soberania mágica, ultrapassa-a por cima (no nível cosmológico: Vrtra) e por baixo (no nível funerário: Yama, Nirrti; nível “feitiçaria”). Tentemos estabelecer quais elementos novos uma comparação comoutros setores indo-europeus pode acrescentar a este quadro. (pág.100)


Trácios, germanos, caucasianos


Em todos esses ritos destaca-se uma atitude servil, o crente apresentando-se como um escravo cativo diante de seu patrão. O “amarrar” concretiza-se dessa forma numa espécie de marca de vassalagem. (pág.102)


Paralelos etnográficos


O “amarrar” parece ser um prestígio mágico-religioso igualmente incorporado por todas as “formas” religiosas. Seria interessante que um especialista das religiões mesopotâmicas retomasse o problema para determinar se, por trás desta confusão, se pode reconstituir uma “história”. (pág.108)


A magia dos nós


Consideremos agora, no seu conjunto, a morfologia das amarras e dos nós na prática mágica. Podemos classificar os fatos mais importantes sob duas rubricas: 1º) as “amarras’ mágicas utilizadas contra os adversários humanos (na guerra,  na feitiçaria), com a operação inversa do “corte das amarras”; 2º) os nós e as amarras benéficas benéficas, meios de defesa contra os animais selvagens, contra as doenças e os feitiços, contra os demônios e a morte. (pág.108)

O essencial em todos estes ritos mágicos e mágico-medicinais é a orientação que se dá à forma existente em qualquer “amarração”, em toda ação de “amarrar”. Ora, a orientação pode ser positiva ou negativa, quer consideremos esta oposição no sentido “benéfico” ou “maléfico”, ou no sentido de “defesa” ou “ataque”. (pág.110)


Magia e Religião


Certamente, todas essas crenças e todos esses ritos nos conduzem ao campo da mentalidade mágica. Mas, pelo fato de essas práticas populares originarem-se da magia, ter-se-ia o direito de considerar o simbolismo geral do “amarrar” como uma criança exclusiva da mentalidade mágica? Não cremos nisso. Mesmo que os ritos e os símbolos do “amarrar” entre os indo-europeus encerrassem elementos ctônicos-lunares, e conseqüentemente traíssem as fortes influências mágicas – o que não é certo -, restaria a explicar outros documentos que exprimem não apenas uma experiência religiosa autêntica, mas também uma concepção geral do homem e do mundo que é verdadeiramente religiosa, e não mágica. As características mesopotâmicas que vimos anteriormente, por exemplo, não podem ser reduzidas na sua totalidade a uma interpretação mágica. (pág.110 e 111)

Tanto a religião como a magia encerram em sua própria essência o elemento “amarrar”, ainda que, evidentemente, com outra  intensidade e sobretudo com uma orientação oposta. (pág.113)


Simbolismo das “situações-limite”


Essa polivalência do complexo do “amarrar” – que acabamos de observar nos planos cosmológico, mágico, religioso, iniciático, metafísico, soteriológico – vem provavelmente do fato de que o homem reconhece nesse complexo uma espécie de arquétipo da sua própria situação no mundo. Com isso, ele contribui em primeiro para levantar um problema de antropologia filosófica a partir do qual o estudo propriamente filosófico ganharia muito se não negligenciasse esses documentos relativos a certas “situações-limite” do homem arcaico; pois, se o pensamento contemporâneo se orgulha de ter redescoberto o homem concreto, não deixa de ser verdade que essas análises tratam sobretudo da condição do ocidental moderno e que ela peca, assim, pela falta de universalismo, Poe um tipo de “provincialismo” humano definitivamente monótono e estéril.

O complexo do “amarrar” coloca, por outro lado, ou melhor, constitui um problema que interessa no mais alto grau à história das religiões, não somente pelas relações que estabelece entre a magia e a religião, mas sobretudo porque nos revela o que poderíamos chamar de proliferação das formas mágico-religiosas e a “fisiologia” dessas formas: temos a impressão de assistir a um “amarrar” arquetípico que tenta se concretizar tanto nos diversos planos da vida mágico-religiosa (cosmologia, mitologia, feitiçaria etc.) como nas diferentes etapas de cada um desses planos (por exemplo, a grande magia e a pequena magia; a feitiçaria ofensiva e a feitiçaria defensiva etc.). De certo modo, poderíamos até dizer que, se o “soberano terrível” histórico ou historicizado esforça-se por imitar o seu protótipo divino, o “deus amarrador”, qualquer feiticeiro imita, por sua vez, o soberano terrível e seu modelo transcendente. (pág.116)

A estrutura de todas estas operações é a mesma. No estado atual dos nossos conhecimentos, é difícil determinar se esta uniformidade emana da imitação, de empréstimos “históricos” (no sentido que dá a esta palavra a escola histórico-cultural), ou se ela se explica pelo fato de todas operações emanarem da própria situação do homem no mundo, ou seja, são as variantes de um mesmo arquétipo que se realiza sucessivamente em múltiplos planos e em áreas culturais diferentes. Parece certo que, pelo menos no caso de alguns complexos (o da soberania mágica indo-européia, por exemplo), trata-se de conjuntos míticos-rituais que são historicamente solidários. Mas a realidade histórica do complexo indo-europeu do “amarrar” não implica necessariamente que todos os outros costumes e crenças mágico-religiosas, espalhados pelo mundo e relativos a um complexo similar, sejam também “históricos” (ou seja, derivem de um mesmo elemento ancestral, ou resultam de influências diretas ou indiretas, de empréstimos etc.). Para deixar claro nosso pensamento acrescentamos que se o caso particular indo-europeu não implica necessariamente esta conclusão, ela também não a exclui, e, até por prudência, o problema deve permanecer aberto. (pág.117)


Simbolismo e história


Provisoriamente, aceitamos a hipótese de que pelo menos uma certa região do subconsciente é dominada pelos mesmos arquétipos que dominam e organizam igualmente as experiências conscientes e transconscientes. Por esta razão, teremos o direito de considerar as múltiplas variantes de um complexo simbólico (em nossos exemplos, o complexo da “ascensão” ou do “amarrar”) como uma continuidade infinita de “formas” que, nos diferentes planos do sonho, do mito, do rito, da teologia, da mística, da metafísica etc., tentam “realizar” o arquétipo.

Certamente, todas essas “formas” não são espontâneas, nem dependem diretamente do arquétipo ideal; grande número delas são “históricas”, no sentido de que são o resultado da evolução ou da imitação de uma forma já existente. Certas variantes da feitiçaria do “amarrar” apresentam um aspecto simiesco bastante desconcertante; tem-se a impressão de que foram copiadas, no seu plano limitado, das “formas históricas” já existentes da soberania mágica ou da mitologia funerária. Mas é preciso ter prudência, pois em geral as variantes patológicas dos complexos religiosos apresentam também um lado simiesco. O que parece mais certo é a tendência de qualquer “forma histórica” a aproximar-se o máximo possível de seu arquétipo, mesmo quando ela se realiza num plano secundário, insignificante: este fenômeno se verifica por toda a parte, ao longo da história religiosa da humanidade. Qualquer deusa local tende a se tornar a Grande Deusa; qualquer vilarejo é o “Centro do mundo”; qualquer feiticeiro se diz, no mais forte do seus ritos, o Soberano Universal. É a mesma tendência ao arquétipo e à restauração da forma perfeita – da qual qualquer rito, mito ou divindade são apenas pálidas variantes – que torna possível a história das religiões. Sem ela, a experiência mágico-religiosa criaria continuamente formas fulgurantes ou evanescentes de deuses, mitos, dogmas etc., e o observador se encontraria diante de uma fusão de tipos incessantemente novos, que não permitiriam nenhuma organização. Mas, uma vez “realiza”, “historicizada”, a forma religiosa tende a separar-se das condições de tempo e de lugar e a tornar-se universal, a reencontrar o arquétipo. Enfim, o “imperialismo” das formas religiosas vitoriosas explica-se também por esta tendência de qualquer hierofania ou teofania a tornar-se “Tudo”, ou seja, a esgotar, sozinha, a manifestação do sagrado, a incorporar-se à imensa morfologia do sagrado .

Sejam, quais forem essas visões gerais, é provável que o complexo mágico-religioso do “amarrar” corresponda a um arquétipo tipo ou a uma constelação de arquétipos (citamos alguns: o tecer do Cosmos, o fio do destino humano, o labirinto, a corrente da existência etc.). A ambivalência e a heterogeneidade dos elementos do “amarrar” e dos nós, assim como da “libertação das amarrar”, confirmam quanto são múltiplos e diversos os planos nos quais os arquétipos se “realizaram”. Isto não quer dizer, obviamente, que nessa enorme massa de fatos relativos aos complexos mágico-religiosos analisados não se possam distinguir certos conjuntos historicamente solidários, e que não se tenha o direito de considerá-los como dependentes uns dos outros ou como originários de uma forte comum. É o que Güntert, Dumézil e A. Closs fizeram, sob diferentes perspectivas, no campo indo-europeu. Hesitaríamos em seguir Closs quando esse estudioso, fiel aos princípios da escola histórico-cultural de Viena , tenta explicar tal rito ou mito americano ou melanésio do “amarrar”, como historicamente dependente da mesma fonte que deu origem às formas indo-européias. Mais plausível é a hipótese da origem caucasiana (p. 643) do complexo do “amarrar” como ritual indo-europeu: os finos-úgricos e os turco-tártaros ignoram tanto os ritos como os mitos do “amarrar”, o que parece indicar que a origem do complexo deve ser procurada nos países do Sul. (pág.118, 119 e 120)


Capítulo IV

Observações Sobre O Simbolismo Das Conchas

A lua e as águas


As ostras, os mariscos, o caracol, a pérola são solidários tanto das cosmologias aquáticas como do simbolismo sexual. Realmente, todos participam dos poderes sagrados concentrados nas Águas, na Lua, na Mulher; além disso, eles são emblemas dessas forças por diversas razões: a semelhança entre as conchas dos mariscos e os órgãos genitais da mulher, as relações unindo as ostras, as águas e a lua, enfim, o simbolismo ginecológico e embriológico da pérola, formada na ostra. A crença nas virtudes mágicas das ostras e das conchas é encontrada no mundo inteiro, da pré-história aos tempos modernos . O simbolismo que está na origem de tais concepções pertence muito provavelmente a uma camada profunda do pensamento “primitivo”. Porém, esse simbolismo conheceu diversas “atuações” e interpretações variadas: encontramos a presença das ostras e das conchas nos ritos agrários, nupciais ou fúnebres, na ornamentação das vestimentas ou em certos motivos decorativos, embora com freqüência seus significados mágico-religiosos pareçam estar parcialmente perdidos ou descaracterizados. Entre certos povos, as conchas continuam a fornecer um motivo decorativo, muito embora o seu valor mágico nem seja mais lembrado. A pérola, antigamente emblema da força geradora ou símbolo de uma realidade transcendental, conservou no Ocidente apenas o valor de “pedra preciosa”. (pág.123 e 124)


Simbolismo da fecundidade


Mais do que a origem aquática e o simbolismo lunar das ostras e dos mariscos, sua semelhança com a vulva contribuiu muito provavelmente para propagar a crença nas suas virtudes mágicas .(pág.126 e 127)

Os mariscos e as ostras participam da mesma maneira dos poderes mágicos da matriz. Nelas estão presentes e se exercem as forças criadoras que jorram, como uma fonte inesgotável, de todo emblema do princípio feminino. Da mesma forma, usar sobre a pele, como amuleto ou como ornamento, ostras, conchas marinhas e pérolas impregna a mulher de uma energia favorável à fecundidade, ao mesmo tempo em que a preserva das forças nocivas e do mau agouro. (pág.127)

A função cosmológica e o valor mágico da pérola eram conhecidos desde os tempos védicos. (pág.128)

Por sua vez, a medicina chinesa considera a pérola uma excelente droga, por suas virtudes fertilizantes e ginecológicas . (pág.128)

Para os gregos, a pérola era o emblema do amor e do casamento . Aliás, desde os tempos pré-helênicos, as conchas estiveram em estreita relação com as Grandes Deusas . (pág.129)

A assimilação da concha marinha ao órgão genital feminino era, sem dúvida, conhecida dos gregos. O nascimento de Afrodite em uma concha ilustrava esse laço místico entre a deusa e seu princípio. É este simbolismo do nascimento e da regeneração que inspira a função ritual das conchas . É graças à sua força criadora – enquanto emblema da matriz universal – que as conchas encontram seu lugar nos ritos fúnebres. Tal simbolismo da regeneração não se elimina facilmente: as conchas que simbolizam a ressurreição em inúmeros monumentos fúnebres romanos passaram à arte cristã (Déonna, p. 408). Aliás, muitas vezes a morte é identificada a Vênus: ela é representada sobre o sarcófago, o busto nu, tendo a seus pés a pomba (ibid., p. 409); através dessa identificação com o arquétipo da vida em perpétua renovação, a morte assegura sua ressurreição.

Em todos os lugares, os mariscos, as pérolas, o caranguejo encontram-se entre os emblemas do mar e do casamento. (pág.129 e 130)


Funções rituais das conchas


As cerimônias de iniciação compreendem uma morte e uma ressurreição simbólicas; a concha pode significar o ato de renascimento espiritual (ressurreição) com tanta eficácia que ela assegura e facilita o nascimento carnal. Daí o rito que consiste, em certas tribos algonquianas, em bater no neófito com uma concha durante a cerimônia de iniciação e mostrar-lhe uma enquanto os mitos cosmológicos e as tradições da tribo lhe são contados . Aliás, as conchas ocupam um lugar importante na vida religiosa e nas práticas mágicas de numerosas tribos da América. (pág.132)

Os mesmos laços místicos que relacionam as conchas às cerimônias de iniciação e, de um modo geral, aos diversos ritos religiosos, encontram-se na Indonésia, na Melanésia, na Oceania . (pág.132)

Por causa de sua semelhança com a vulva, acredita-se que os mexilhões e inúmeras outras espécies de moluscos providos de concha possam preservar de toda magia, da jettatura ou do mal’occhio. Os colares de conchas, os braceletes, os amuletos ornados com conchas marinhas ou mesmo a simples imagem destas defendem mulheres, crianças e animais da má sorte, das doenças, da esterilidade etc . O mesmo simbolismo – da assimilação à própria fonte de Vida universal – alimenta a diversificada eficiência da concha, que trata deperpetuar as normas da vida cósmica ou social, de proporcionar um estado de bem-estar e a fecundidade, de assegurar um parto fácil à mulher que dá à luz ou o “renascimento” espiritual do neófito durante uma cerimônia de iniciação. (pág.133)


O papel das conchas nas crenças fúnebres


O simbolismo sexual e ginecológico das conchas marinhas e das ostras implica, lembrando-nos, uma significação espiritual: o “segundo nascimento” realizado pela iniciação é possível graças à mesma fonte inesgotável que sustenta a vida cósmica. Daí também a missão das conchas e das pérolas nos costumes fúnebres; o defunto não se separa da força cósmica que alimentou e regeu sua vida. (pág.133)

O caso das pérolas artificiais é, de certa maneira, um exemplo da degradação do sentido metafísico original e de sua transferência para um sentido secundário, exclusivamente mágico. O poder sagrado das pérolas provém de sua origem marinha e de um simbolismo ginecológico. É pouco provável que todas as populações que tenham usado pérolas e conchas em suas cerimônias mágicas e fúnebres tenham tido consciência dessas relações, esta ter-se-ia limitado a alguns membros da sociedade: esse conhecimento não foi conservado sempre intacto. Seja porque elas tenham emprestado a noção mágica da pérola às populações de cultura superior com as quais estiveram em contato, seja porque sua própria noção tenha sofrido, com o tempo, deturpações pela intervenção de elementos estranhos – o fato é que certas populações introduziram em suas cerimônias objetos artificiais cujo objetivo era assemelhar-se aos “modelos sagrados”. (pág.139 e 140)

A virtude sagrada das conchas se transmite tanto à sua imagem como aos motivos decorativos que têm a espiral como elemento essencial. (pág.141)

A imagem da concha ou dos elementos geométricos derivados da representação esquematizada da concha colocam o defunto em comunicação com as forças cósmicas que comandam a fertilidade, o nascimento e a vida; pois o valor religioso está no simbolismo da concha: a imagem é em s eficiente no culto dos mortos, quer seja representada pela concha, quer atue simplesmente através do motivo ornamental da espiral ou do “cowrie-pattern”. O que explica a presença nos sítios pré-históricos chineses tanto de conchas como de urnas funerárias decoradas com o “cowrie-pattern”  . (pág.141 e 142)


A pérola na magia e na medicina


A história da pérola é mais um testemunho do fenômeno de degradação de um sentido metafísico inicial. O que num dado momento foi símbolo cosmológico, objeto rico em forças sagradas benéficas, torna-se, com o tempo, um elemento de ornamentação, do qual se apreciam as qualidades estéticas e o valor econômico. Mas da pérola-emblema da realidade absoluta à atual pérola- “objeto de valor” a mudança se fez em várias etapas. Na medicina, por exemplo, tanto oriental como ocidental, a pérola desempenhou um papel importante. (pág.143)

Nos limites da magia e da medicina, a pérola cumpre o papel ambíguo do talismã ; o que anteriormente proporcionava fertilidade e assegurava um destino ideal post-mortem torna-se pouco a pouco uma constante fonte de prosperidade . Na Índia, esta concepção conservou-se até bem tarde. “A pérola deve ser sempre usada como amuleto por aqueles que almejam a prosperidade”, disse Buddhabatta . A prova de que a pérola penetrou na medicina por ter tido primeiro um papel na magia e no simbolismo erótico-fúnebre é que, em certas regiões, as conchas têm propriedades medicinais. Na China, elas são tão familiares ao médico quanto preciosas ao mágico . O mesmo acontece em certas tribos da América . (pág.14 e 146)


O mito da pérola

As imagens arquetípicas conservam intactas suas valências metafísicas, apesar das eventuais valorizações “concretas”: o valor econômico da pérola não elimina de maneira alguma seu simbolismo religioso; este último é continuamente redescoberto, reintegrado, enriquecido. Com efeito, lembramos o papel considerável que tem a pérola na especulação iraniana, no cristianismo e na gnose. Uma tradição de origem oriental explica o nascimento da pérola como o fruto de um raio que penetrou num marisco : a pérola seria o resultado da união entre o Fogo e a Água. Santo Efrém utilizou este mito antigo para ilustrar tanto a Imaculada Conceição como o nascimento espiritual do Cristo no batismo de fogo . (pág.146 e 147)


Capítulo V


Simbolismo e História


Batismo, dilúvio e simbolismo aquáticos


As águas simbolizam a soma universal das virtualidades; elas são fons e origo, e reservatório de todas as possibilidades de existência; elas precedem toda forma e sustentam toda criação. A imagem exemplar de toda criação é a Ilha que subitamente se “manifesta” em meio às águas. Por outro lado, a imersão na água simboliza a regressão ao pré-formal, a reintegração no modo indiferenciado da preexistência. A emersão repete o gesto cosmogônico da manifestação formal; a imersão equivale a uma dissolução das formas. É por isso que o simbolismo das Águas implica tanto a Morte como o Renascimento. O contato com a água supõe sempre uma regeneração: de um lado, porque a dissolução é seguida de um “novo nascimento”; de outro, porque a imersão fertiliza e multiplica o potencial de vida. À cosmogonia aquática correspondem – no nível antropológico – as hilogenias, as crenças segundo as quais o gênero humano nasceu das Águas. Ao dilúvio ou à submersão periódica dos continentes (mitos do tipo “Atlântida”) corresponde, no nível humano, a “segunda morte” da alma (a “umidade” e leimon dos Infernos etc.) ou a morte iniciática pelo batismo. Mas, tanto no plano cosmológico como no plano antropológico, a imersão nas Águas equivale não a uma extinção definitiva, mas a uma reintegração passageira no indistinto, seguida de uma nova criação, de uma nova vida ou de um homem novo, segundo se trate de um momento ósmico, biológico ou soteriológico. Do ponto de vista da estrutura, o “dilúvio” é comparável ao “batismo”, e a libação fúnebre às lustrações dos recém-nascidos ou aos banhos rituais primaveris que buscam saúde e fertilidade.

Em qualquer grupo religioso que se encontrem, as Águas conservam invariavelmente sua função: elas desintegram, eliminam as formas, “lavam os pecados”, são ao mesmo tempo purificadoras e regeneradoras. Seu destino é o de preceder a Criação e de reabsorvê-la, incapazes que são de ultrapassar sua própria modalidade, ou seja, de manifestar-se em formas. As Águas não podem transcender a condição do virtual, dos germes e dos estados latentes. Tudo o que é forma se manifesta acima das Águas, desprendendo-se delas. No entanto, a partir do momento em que se desprendeu das Águas, que cessou de ser virtual, toda “forma” está sujeita à lei do Tempo e da Vida; ela adquire limites, participa do destino universal, insere-se na história, corrompe-se e acaba por esvaziar-se da sua substância, a menos que ela se regenere através de imersões periódicas nas Águas, e repita o “dilúvio” com seu corolário “cosmogônico”. As lustrações e as purificações rituais com água têm como objetivo a atualização fulgurante do momento intemporal (in illo tempore) em que aconteceu a criação; elas são a repetição simbólica do nascimento dos mundos ou do “homem novo”. 

Um fator é aqui essencial: a sacralidade das Águas e a estrutura das cosmologias e dos apocalipses aquáticos só poderiam se revelar integralmente através do simbolismo aquático, que é o único “sistema” capaz de integrar todas as revelações particulares das inúmeras hierofanias (ver nosso Traité, p. 383). Esta lei é, aliás, a de todo simbolismo: é o conjunto simbólico que valoriza (e corrige!) as diversas significações das hierofanias. As “Águas da Morte”, por exemplo, só revelam seu sentido profundo à medida que se reconhece a estrutura do simbolismo aquático. Esta particularidade do simbolismo não deixa de ser relevante para a “experiência” ou a “história” de um símbolo qualquer.

Lembrando as principais linhas do simbolismo aquático, tínhamos em vista justamente um ponto preciso: ou seja, a nova valorização religiosa das Águas instaurada pelo cristianismo. Os Padres de Igreja não deixaram de explorar certos valores pré-cristãos e universais do simbolismo aquático, enriquecendo-os até mesmo de significados inéditos, relacionando-os ao drama histórico do Cristo. Aliás, havíamos citado (Traité, p. 175) dois textos patrísticos batismal morte-renascimento. Para Tertuliano (De baptismo, III-V), a água foi a primeira a ser “a sede do Espírito divino, que a preferiu, então, a todos os outros elementos... foi à água, antes de todos, que ele ordenou que produzisse as criaturas vivas... foi a água, antes de todos, que produziu o que tem vida, a fim de que nossa surpresa acabe quando um dia ela der a vida, a fim de que nossa surpresa acabe quando um dia ela der a vida no batismo. Na formação do homem em si, Deus utilizará a água para acabar a sua obra... Toda água natural adquire logo, pela antiga prerrogativa com a qual ela foi honrada na sua origem, a virtude de santificação no sacramento, quando Deus é invocado para tanto. Assim que as palavras são pronunciadas, o Espírito Santo, que desceu dos céus, pára sobre as águas santificando-as por sua fecundidade; as águas, assim santificadas, impregnam-se por sua vez da virtude santificante... O que curava antes o corpo cura hoje a alma; o que procurava a saúde no tempo procura a salvação na eternidade...”

O “velho homem” morre pela imersão na água e dá origem a um novo ser, regenerado. Este simbolismo é admiravelmente expresso por João Crisóstomo (homil. In Joh., XXV, 7), que, falando da multivalência simbólica do batismo, escreve: “Ele representa a morte e a sepultura, a vida e a ressurreição... Quando mergulhamos nossa cabeça na água como em um sepulcro, o velho homem é imerso sepultado inteiramente; quando saímos da água, o novo homem surge simultaneamente”.

Como podemos ver, as interpretações dadas por Tertuliano e João Crisóstomo harmonizam-se perfeitamente com a estrutura do simbolismo aquático. No entanto, intervêm nessa valorização cristã das Águas certos elementos novos, ligados a uma “história”, no caso, a História santa. Trabalhos recentes de P. Lundberg, Jean Daniélou e Louis Beirnaert mostraram amplamente até que ponto o simbolismo batismal está saturado de alusões bíblicas . Antes de mais nada, existe a valorização do batismo como uma descida ao abismo das Águas para um duelo com o monstro marinho. Esta descida tem uma descida às Águas da Morte. Cirilo de Jerusalém mostra-nos, de fato, a descida na piscina batismal como a descida nas águas da morte, habitadas pelo dragão do mar, à imagem do Cristo descendo no Jordão no momento de seu batismo para quebrar o poder do dragão ali escondido: “O dragão Behemoth, de acordo com Jô”, escreve Cirilo, “estava nas águas e recebia o Jordão em sua boca. Ora, como tinha de quebrar as cabeças do dragão, Jesus, tendo descido nas águas, prendeu-o fortemente, para que pudéssemos adquirir o poder de andar sobre os escorpiões e as serpentes. Etc.”  É Cirilo ainda quem adverte o catacúmero: “O dragão encontra-se à beira da estrada observando os que passam, toma cuidado para que ele não te morda! Vai ao Pai dos espíritos, mas tens de passar por esse dragão” (cit. Beirnaert, p. 272). Como veremos logo mais, esta descida e esta luta com o monstro marinho constituem uma prova iniciática que acontece também em outras religiões.

Vem em seguida a valorização do batismo como antitypos do dilúvio. O Cristo, novo Noé, saiu vitorioso das Águas e tornou-se o chefe de uma outra raça (Justino, citado por Daniélou, Sacramentum futuri, p. 74). Assim, o dilúvio representa tão bem a descida às profundezas marinhas quanto o batismo. De acordo com Ireneu, ele é a imagem da salvação pelo Cristo e do julgamento dos pecadores (Daniélou, Sacramentum futuri, p. 72). “O dilúvio era então uma imagem que o batismo acaba por completar... Da mesma forma que Noé enfrenta o mar da morte, no qual a humanidade pecadora havia sido exterminada, e emergira, o recém-batizado desce na piscina batismal para enfrentar o dragão do mar em um combate supremo e sair vencedor...” (ibid., p. 65)

Ainda com referência ao rito batismal, o Cristo é também comparado a Adão. O paralelo Adão-Cristo já toma um lugar considerável na teologia de S. Paulo. “Pelo batismo”, afirma Tertuliano, “o homem recupera sua semelhança com Deus” (De bapt., V), Para S. Cirilo, “o batismo não é apenas a purificação dos pecados e graça da adoção, mas também o antítipo da Paixão do Cristo” (citado por Daniélou, Bible et liturgie, p. 61). A nudez batismal também comporta ao mesmo tempo uma significação ritual e metafísica: é o abandono da “velha roupa da corrupção e do pecado que o batismo despe por causa de Cristo. A mesma que Adão havia vestido após o pecado” (Daniélou, p. 55), e igualmente o retorno à inocência primitiva, à condição de adão antes da queda, “Oh, coisa admirável!”, escreve Cirilo. “Estáveis nus diante do olhar de todos sem sentir vergonha. É que na verdade possuís em vós a imagem do primeiro Adão, que estava nu no Paraíso, sem sentir vergonha” (citado por Daniélou, op. Cit., p. 56)

O simbolismo batismal não limita aqui a riqueza de suas referências bíblicas e sobretudo de suas reminiscências paradisíacas, mas esses poucos textos são suficientes para nosso objetivo. Visamos menos uma exposição do simbolismo batismal que um quadro das inovações traduzidas pelo cristianismo. Os padres da Igreja primitiva viam o simbolismo quase unicamente como uma tipologia: eles se preocupavam em descobrir as correspondências entre os dois Testamentos . Os autores modernos estão inclinados a seguir esse exemplo: em vez de recolocar o simbolismo cristã no contexto do simbolismo “geral”, universalmente confirmado pelas religiões do mundo não-cristão, eles insistiram em remetê-lo unicamente ao Antigo Testamento. De acordo com esses autores, não seria o sentido geral e imediato que apareceria no simbolismo cristão, mas a sua valorização bíblica.

Essa atitude se explica perfeitamente. O desenvolvimento dos estudos bíblicos e tipológicos, no decorrer do último quarto de século, mostra uma reação contra a tendência de se explicar o cristianismo através dos mistérios e das gnoses sincretistas, uma reação igualmente contra o “confusionismo” de certas escolas comparativas. A liturgia e o simbolismo cristãos referem-se diretamente ao judaísmo. O cristianismo é uma religião histórica, que tem raízes profundas em outra religião histórica, a dos judeus. Conseqüentemente, para explicar ou compreender melhor certos sacramentos e certos simbolismos, temos apenas de procurar suas “figuras” no Antigo Testamento. Na perspectiva historicista do cristianismo, nada mais natural: a revelação teve uma história; a revelação primitiva, ocorrida no começo dos tempos, sobrevive ainda entre as nações, mas está em parte esquecida, mutilada, corrompida; a única via de acesso passa pela história de Israel; a revelação só está plenamente conservada nos livros santos do Antigo Testamento. Como veremos melhor mais adiante, o judeu-cristianismo esforça-se por não perder o contato com a história santa que, diferentemente da “história” de todas as outras nações, é a única real e a única que tem uma significação: pois foi o próprio Deus que a fez.

Preocupados antes de tudo em se incorporar a uma história que ra ao mesmo tempo uma revelação, atentos para não serem confundidos com os “iniciados” das diversas religiões de mistérios e das múltiplas gnoses que pululavam no fim da Antiguidade, os Padres da Igreja foram obrigados a isolar-se nesta posição polêmica: a negação de todo “paganismo” era indispensável ao triunfo da mensagem do Cristo. Podemos nos perguntar se esta atitude polêmica continua a existir com tanto rigor atualmente. Não falemos enquanto teólogos: não temos nem a responsabilidade, nem a competência. Mas para alguém que não se sente responsável pela fé dos seus semelhantes é evidente que o simbolismo judeu-cristã do batismo não contradiz em nada o simbolismo aquático universalmente disseminado. Tudo está presente: Noé é o dilúvio têm como semelhança, em inúmeras tradições, o cataclismo que pôs fim a uma “humanidade” (“sociedade”), à exceção de um único homem que se tornará o Ancestral mítico de uma nova humanidade. As “Águas da Morte” são um leitmotiv de mitologias paleorientais, asiáticas e oceânicas. A Água “mata” por excelência: ela dissolve, ela elimina toda forma. É justamente por isso que ela é rica em “germes”, criadora. O simbolismo da nudez batismal não é somente o privilégio da tradição judeu-cristã. A nudez ritual equivale à integridade e à plenitude; o “Paraíso” implica a ausência de “roupas”, ou seja, a ausência da “usura” (imagem arquetípica do Tempo). Quanto à nostalgia do Paraíso, ela é universal, ainda que suas manifestações variem quase indefinidamente (cf. também Traité, pp. 327 ss.) Toda nudez ritual implica um modelo intemporal, uma imagem paradisíaca.

Reencontramos os monstros do abismo em inúmeras tradições: os Heróis, os Iniciados, descem ao fundo do abismo para enfrentar os monstros marinhos; eis uma prova tipicamente iniciática. Certamente, são abundantes as variações: às vezes os dragões guardam um “tesouro”, imagem sensível do sagrado, da realidade absoluta; a vitória ritual (=iniciática) contra o monstro-guardião equivale à conquista da imortalidade (cf. Traité, pp. 182 ss., 252 ss.). O batismo é, para o cristão, um sacramento porque foi instituído por Cristo. Mas ela retoma da mesma forma o ritual iniciático da prova (=luta contra o monstro) da morte e da ressurreição simbólica (= nascimento do homem novo). Não estamos dizendo que o judaísmo ou o cristianismo “tomaram emprestado” tais mitos e tais símbolos das religiões  dos povos vizinhos; não era necessário: o judaísmo era herdeiro de uma pré-história e de uma longa história religiosa em que todas essas coisas já existiam. Não eram nem mesmo necessário que tal ou tal símbolo fosse conservado “vivo”, em sua integridade, pelo judaísmo; era suficiente que um grupo de imagens sobrevivesse, mesmo que obscuramente, desde os tempos pré-mosaicos: tais imagens seriam capazes de readquirir, a qualquer momento, uma forte atualidade religiosa.

Certos Padres da Igreja primitiva determinaram o interesse da correspondência entre as imagens arquetípicas propostas pelo cristianismo e as Imagens que são o bem comum da humanidade. “Uma das suas preocupações mais constantes é precisamente manifestar aos incrédulos a correspondência entre os grandes símbolos imediatamente expressivos e persuasivos para a pisque, e os dogmas da nova religião. Para aqueles que negam a ressurreição dos mortos, Teófilo de Antioquia faz referências  aos índios (texunpia) que Deus põe à sua disposição nos grandes fenômenos da natureza: começo e fim das estações, dos dias e das noites. Ele chega a dizer: ‘Não haveria uma ressurreição para as sementes e os frutos?’ Para Clemente de Roma, ‘o dia e a noite nos mostram a ressurreição: a noite se põe, o dia nasce; o dia parte e a noite chega’ ” (Beinaert, op. Cit. p. 275). Para os apologistas cristãos as Imagens estavam carregadas de sinais e de mensagens; elas mostravam o sagrado através da interpretação dos ritmos cósmicos. A revelação trazida não destruía as significações “primárias” das Imagens: elas lhe acrescentavam simplesmente um novo valor. Certamente para o crente, essa nova significação encobria as outras: ela sozinha valorizava a Imagem, transfigurando-a em revelação. Era a ressurreição do Cristo que importava, e não os indícios que se podiam ler natureza. Na maioria dos casos, só se compreendia os “sinais” após haver encontrado, no fundo da alma, a fé. Mas o mistério da fé interessa a experiência cristã, à teologia e à psicologia religiosa, e ultrapassa nosso estudo. Na perspectiva que escolhemos, uma única coisa importa: que toda nova valorização foi sempre condicionada pela própria estrutura da Imagem, a ponto de poder-se dizer que uma Imagem espera o cumprimento de seu sentido. 

Procedendo a uma análise das Imagens batimais, o Ver. Pe. Beirnart reconhece “uma relação entre as representações dogmáticas, as simbolizações da religião cristã e os arquétipos ativados pelos símbolos naturais. Aliás, como os candidatos ao batismo poderiam compreender as imagens simbólicas que lhes são apresentadas  se elas não correspondessem às suas esperanças obscuras? (op. Cit. p. 276). O autor não estranha que “muitos católicos tenham reencontrado o caminho da fé através de tais experiências” (ibid.). Obviamente, continua o Pe. Beirnaert, a experiência dos arquétipos não elimina a experiência da fé: “Podemos nos reencontrar num reconhecimento comum da relação dos símbolos religiosos com a psique e nos classificarmos, no entanto, como crentes e descrentes. Logo, a fé é outra coisa além desse reconhecimento (...) O ato de fé opera, então, no mundo das representações arquetípicas, uma separação. A partir daí, a serpente, o dragão, as trevas, Satã, designam tudo aquilo a que renunciamos. Reconhecemos como únicas representações capazes de mediatizar a salvação aquelas propostas como tais pela comunidade histórica”(ibid., p. 277).  (pág.151 à 160)


Imagens arquetípicas e simbolismo cristão


Retomando as grandes figuras e simbolizações do homem religioso natural, o cristianismo retoma também suas virtualidades e seus poderes sobre a psique profunda. A dimensão mítica e arquetípica, por ser subordinada a partir de então a uma outra, não deixa, no entanto, de ser real. O cristão pode muito bem ser homem que renunciou a encontrar a sua salvação espiritual nos mitos e na única experiência dos arquétipos imanentes; ele não renunciou, no entanto, a tudo o que significam e efetuam os mitos e as simbolizações para o homem psíquico, para o microcosmo (...). A retomada pelo Cristo e pela Igreja das grandes imagens que são o sol, a lua, a madeira, a água, o mar etc. significa uma evangelização dos poderes afetivos designados por eles. Não se deve reduzir a Encarnação apenas ao seu aspecto carnal. Deus interveio até no inconsciente coletivo para salvá-lo e realizá-lo. O Cristo desceu aos infernos. Como poderia essa salvação alcançar nosso inconsciente se não falasse sua língua, se não retomasse suas categorias?” (L. Beirnaert, pp. 284-285). (pág.160 e 161)

A fé cristã é sustentada por uma revelação histórica: é a manifestação de Deus no Tempo que assegura, aos olhos do cristão, a validade das Imagens e dos símbolos. Nós demonstramos que o simbolismo aquático “imanente” e universal não foi abolido nem desarticulação após as interpretações locais e históricas judeu-cristãs do simbolismo batismal. (pág.161)

A história acrescenta continuamente novos significados, sem que estes últimos destruam a estrutura do símbolo. (pág.161)


Símbolos e culturas


A história de um simbolismo é um estudo apaixonante e aliás completamente justificado, pois é a melhor introdução ao que chamamos de filosofia da cultura. As Imagens, os arquétipos, os símbolos são diversamente vividos e valorizados: o produto dessas múltiplas atualizações constitui em grande parte os “estilos culturais”. (pág. 172)

É a presença das Imagens e dos símbolos que conserva as culturas “abertas”: a partir de  qualquer cultura, tanto a australiana como a ateniense, as situações-limite do homem são perfeitamente reveladas graças aos símbolos que sustentam essas culturas. Se negligenciarmos esse fundamento espiritual único dos diversos estilos culturais, a filosofia da cultura estará condenada a permanecer um estudo morfológico e histórico, sem nenhuma validade para a condição humana como tal. Se as Imagens não fossem ao mesmo tempo uma “abertura” para o transcendente, acabaríamos por sufocar qualquer cultura, por maior e admirável que a supuséssemos. A partir de toda a criação espiritual estilística e historicamente condicionada, podemos reencontrar o arquétipo. (pág. 174)

As Imagens constituem “aberturas” para um mundo trans-histórico. Não é, entretanto, seu menor mérito: graças a elas, as diversas “histórias’ podem se comunicar. Falou-se muito da unificação da Europa medieval pelo cristianismo. Isto é sobretudo verdadeiro se pensarmos na homologação das tradições religiosas populares. (pág. 174)

É sobretudo através da criação de uma nova linguagem mitológica comum às populações que permaneceram as suas terras vivas e conseqüentemente com maior risco de se isolar em suas próprias tradições ancestrais, que o papel do civilizador do cristianismo é considerado; pois, ao cristianizar a antiga herança religiosa européia, ele não apenas a purificou , mas fez passar para uma nova etapa espiritual da humanidade tudo o que merecia ser “salvo” das velhas práticas, crenças e esperanças do homem pré-cristão. Ainda sobrevivem hoje, nos cristianismo popular, os ritos e as crenças do neolítico: por exemplo, o mingau de grãos em honra dos mortos ( a coliva da Europa oriental e do Mar do Egeu). A cristianização das camadas populares da Europa fez-se sobretudo graças às Imagens: elas podiam ser reconhecida em todos os lugares; elas não bastava apenas revalorizava, reintregra-la e dar-lhes nome novos. (pág. 175)


Observação sobre o método


Tentamos explicar a origem dos “símbolos” através da impressão sensível, exercida diretamente sobre o córtex cerebral, pelos grandes ritmos cósmicos (o curso do sol, por exemplo). Não nos cabe discutir essa hipótese. Mas o problema da própria “origem” parece-nos ser um problema mal colocado (ver “Simbolismo e História”). O símbolo não pode ser o reflexo dos ritmos cósmicos enquanto fenômenos naturais, porque um símbolo sempre revela alguma coisa a mais, além do aspecto da vida cósmica que deve representar. (pág.177)

O simbolismo acrescenta um novo valor a um objeto ou uma ação, sem por isso prejudicar seus valores próprios e imediatos. Aplicando a um objeto ou a uma ação, o simbolismo os torna “abertos”. O pensamento simbólico faz “explodir” a realidade imediata, mas sem diminuí-la ou desvalorizá-a; na sua perspectiva, o universo não é fechado, nenhum objeto é isolado em sua própria existencialidade: tudo permanece junto, através de um sistema preciso de correspondências e assimilações . O homem das sociedades arcaicas tomou consciência de si mesmo em um “mundo aberto” e rico de significados. Resta saber se essas “aberturas” são meios de fuga ou se, ao contrário, constituem a única possibilidade de alcançar a verdadeira realidade do mundo. (pág.178)

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