quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

ANTOLOGIA. SOCRATES: A ÉTICA SOCRÁTICA

 





      [Sócrates] não discutia sobre a natureza do universo, como a maior parte dos demais, indagando o modo de existência daquilo que os doutos chamam “cosmo”, e por qual necessidade ocorram os vários fenômenos celestes: os que empreenderam tais pesquisas eram por ele definidos como insipientes [...]. E admirava-se que á metade deles  não se mostrasse a impossibilidade de resolver tais questões, pois até os que se orgulham de tratá-las não estavam em acordo uns com os outros, mas era si muito semelhante a loucos (Xenofonte, Memoráveis, I, 1, 11 ss).


       [...] diante os que trabalham em torno da natureza do universo, uns afirmam que o ser é um só [i.é, os eleatas], outros, que é infinito em número [i.é, os atomistas]. Uns crêem que tudo está em contínuo movimento [i.é, Heráclito e os seus seguidores], outros, que nada nunca está em movimento [i.é, os eleatas]. Uns que tudo se destrói, outros que nada se gera e nada se destrói [entenda-se a afirmação referida ao cosmo e não ao Princípio e aos Princípios, e a antítese, esta vez, é entre todos os físicos, de um lado, e os eleatas de outro]. (Xenófane, Memoráveis, I, 1, 14).


Em geral, no que concerne os fenômenos celeste, ele [Socrátes] desaprovava a curiosidade de aprender como a divindade os consignou; e realmente sustentava que não podiam ser descobertos pelo homem e acreditava não ser descobertos pelo homem e acreditava não ser agradável aos deuses quem procurasse o que eles não tinham querido revelar. Quem se dedicasse a tais problemas expunha-se, segundo ele, ao risco de enlouquecer, assim como Anaxágoras, que ensoberbeceu por suas pesquisas sobre a obra dos deuses (Xenofonte, Memoráveis, IV, 7,6). 


  Prudência, o que fosse a loucura, o que a coragem, o que a vileza; o que fosse Estado, o que fosse estadista; o que fosse o governo, o que fosse o governador e as outras coisas cujo conhecimento, segundo ele, tornava os homens excelentes e cujo ignorância, ao contrário, fazia merecer, justamente, o nome de escravos (Xenofonte. Memoráveis, I, 1, 16).


    Na verdade, ó atenienses, por nenhuma outra razão busquei para mim este nome, senão por causa de certa sapiência. Que sapiência é esta? Precisamente a sapiência humana: e pode ser que desta sapiência eu seja, verdadeiramente, sábio [...] (Platão, Apologia 20 d-e).


      Ó meus concidadãos de Atenas, eu vos sou reconhecido e vos amo; mas obedecerei antes ao Deus que a vós; e enquanto eu respirar e for capaz, não deixarei de filosofar e de exorta-vos e advertir-vos, a quem dentre vós eu encontrar, e sempre, falando-lhe como costumo: “ó tu que és melhor dos homens, que és ateniense, cidadão da maior e mais retomada cidade por sua sapiência e poder, não te envergonhas de te preocupares com riquezas, para juntá-las o mais que puderes, e com a fama e com as honras; e, ao invés, de não te preocupares com a inteligência e com a verdade e com a tua alma, para que ela se torne quanto possível ótima? E se algum de vós disser que não é verdade e sustentar que se dá a tais cuidados, não o deixarei ir sem mais, nem irei embora; antes o interrogarei, estudarei, confutarei; e se me parecer que ele não possua virtude, mas apenas diga possui-la, eu o envergonharei, demonstrando-lhe que tem por vis as coisas de mais alto valor e por valorosas as coisas vis. E isto o farei a quem eu encontrar, jovens e velhos, estrangeiros ou cidadãos; e mais ainda aos cidadãos, a vós, digo, que me estais mais estreitamente ligados. Pois isso, bem o sabeis, é a ordem de Deus; e estou persuadido de que não há para vós maior bem na cidade do que essa minha obediência ao Deus. Outra coisa, na verdade, não faço com esse meu andar por aí, senão persuadir-vos, jovens e velhos, de que deveis cuidar do corpo e das riquezas, nem de nenhuma outra coisa, antes e mais que da alma, para que ela se torne ótima e virtuosíssima; e que não é das riquezas que nasce a virtude, mas da virtude nascem as riquezas e todas as outras coisas que são bens para os homens, tanto para os cidadãos individualmente, como para o Estado (Platão, Apologia, 29d –30 b).


Sócrates – Vamos, dizer-me, com que arte podemos cuidar de nós mesmos?

    Alcibíades – Não saberei dizer.


Sócrates – Nisso, contudo, estamos de acordo: não com uma arte com a qual poderemos tomar melhores qualquer uma das nossas coisas mas com arte que tomará melhores a nós mesmos?

    Alcibíades – É verdade


Sócrates – Ora, teríamos conhecido qual é a arte que toma  melhor os calçados, se não conhecêssemos o calçado?

    Alcibíades – Impossível.


Sócrates – Nem a arte que toma melhores os anéis, se ignorássemos o anel?

    Alcibíades – É verdade


Sócrates – E então? Jamais poderemos saber qual é arte de tornar melhores a nós mesmos, se ignoramos o que nós mesmos somos.

    Alcibíades – Impossível


Sócrates – E, portanto, conhecer a si mesmo é uma coisa fácil e era talvez um homem qualquer aquele que, no templo de Delfos, consagrou aquele mote? Ou, é, ao invés, uma coisa dit1cil e não para todos?

   Alcibíades – A mim, Sócrates, amiúde pareceu ser coisa de todos, normalmente dificílima.


Sócrates – Mas, ó Alcibíades, fácil ou não, para nós é assim: se nos conhecermos, saberemos talvez também qual é o cuidado que devemos Ter com nós mesmos; se não nos conhecemos, jamais o saberemos.

    Alcibíades – Assim é.


Sócrates – Dize-me, pois, de que modo poder-se-ia encontrar o que é esse “si mesmo”?


E depois de Ter distinguido entre o sujeito que utiliza determinado instrumento e o próprio instrumento, e mostrado que este é o meio que aquele utiliza, o diálogo prossegue:


Sócrates – E não se serve o homem de todo o corpo?

    Alcibíades – certo


Sócrates – Mas, não dissemos que uma coisa é que serve  de algo, outra coisa é aquilo de que ele se serve?

    Alcibíades – Sim


Sócrates –Uma coisa, portanto é o homem, outra o seu corpo. Alcibíades – Parece que sim


Sócrates – Que é, pois, o homem?

    Alcibíades – Não sei dizer.


Sócrates -  Isso, porém, podes dizer, que ele é o que serve do corpo. Alcibíades - Sim

 

Sócrates – E o que é que serve do corpo senão a alma? Alcibíades – Não é outra coisa [...].


Sócrates – A alma, portanto, nos ordena conhecer quem nos admoesta: “conhece a ti mesmo” (Xenofonte, Memoráveis, IV, 14).


*A pintura, Parrásio, não é representação do que se vê? De fato, imitais os corpos baixos e altos, a sombra e a luz, o duro e o mole, o rude e o polido, jovens e velhos, reproduzindo-os mediante as cores.


     *É verdade, disse.


*E quando representais modelos de beleza, como não é fácil encontrar um homem perfeito em qualquer lugar, juntando os mais belos pormenores tomados de cada indivíduo, fazeis com que pareça belo o corpo inteiro.


*Fazemos exatamente assim, disse.


*Pois bem, a atitude da alma, extremamente sedutora, mansa, amável, agradável, atraente, vós a conseguis reproduzir ou não se pode imitá-la?


*Como se pode imitar, Sócrates, o que não tem proporção de partes, nem cor, nem coisa alguma das que enumeraste e não é de modo algum visível?


*Ora, replica Sócrates, o homem não pode olhar para alguém com simpatia ou inimizade?


*Creio que sim, disse.


*E tudo isso não se pode perceber na expressão dos olhos?


*Sem dúvida.


*E te parece que têm a mesma expressão facial os que se interessam pelo bem ou pelo mal dos amigos e os que não se interessam?


*Não! Por Zeus! Quem se interessa tem uma expressão de contentamento quando os amigos estão bem, toma-se melancólica quando estão mal.


*E isto se pode retratar?


*E como?


*E ainda a magnificência, a mesquinhez, a ignobilidade, a temperança, a prudência, a insolência e  a vulgaridade transparecem no rosto e na atitude do homem, esteja ele parado ou em movimento.


*É verdade.


*Portanto, se pode imitar?

*E como!


*E achas que se contempla mais prazerosamente quem deixa transparecer um caráter belo, bom, amável, ou quem o deixa transparecer feio, mau, odioso?


*Oh! Há uma enorme diferença, Sócrates! (Xenofonte, Memoravéis, III, 10 1ss).


*Talvez, Sócrates, o bem mais indiscutível seja felicidade.


*A menos que seja composta de bens discutíveis, Eutidemo.


*E quais dos bens que constituem a felicidade seriam discutíveis?


*Nenhum, deste que nela não incluamos a beleza, a força, a riqueza, a fome e coisas similares.


*Mas é necessário inclui-las, disse. Como ser feliz sem elas?


*Por Zeus!, exclamou Sócrates. Desse modo estaríamos incluindo aquilo de que provém tantos males aos homens. Muitos, pela sua beleza, são corrompidos por quem perde a razão diante de uma pessoa graciosa: muitos,  fiando-se na sua força, empreendem obras demasiada grandes e incorrem em não poucos males: muitos, debilitados pela riqueza, parecem nas insíadas a que expõe; muitos, por causa da fama e do poder político, padecem grandes desgraças (Xenofonte, Memoráveis, IV, 2, 34s).


*Em geral, portanto, disse eu, todos aqueles que antes considerávamos bens, parece que por sua natureza não podem ser chamados bens por sai mesmos, mas, antes, resulta-nos o seguinte: se são dirigidos pela ignorância, revelam-se males maiores do que os seus contrários, porque mais capazes de servir a uma direção má; se, ao contrário, são governados pelo juízo e pela ciência, são bens maiores; por si mesmo nem uns nem outros tem valor.


E ele: - Parece que é assim como dizes.


*E que se deduz dessas premissas? Que todo o resto não é nem bem nem mal e, das duas coisas que permanecem, a ciência é um bem, a ignorância um mal (Platão, Eutidemo, 281 d-e)


[Sócrates] não punha limites entre sapiência (= ciência) e sabedoria, mas considerava dou to e sábio aquele que, conhecendo as coisas boas e belas, soubesse usá-las; conhecendo as feias, delas soubesse guardar-se. Perguntado se tinha na conta de sapientes e moralmente débeis os que, sabendo o que devem fazer, não obstante, fazem o contrário, respondeu: “Não, não mais que insipientes e moralmente débeis . Creio que todos os homens escolhem com todos os meios possíveis o que é mais vantajoso aos seus interesses e isso realizam. E penso que os que seguem um caminho errado não são nem sapientes (= em posse do conhecimento) nem sábios”. Dizia que a justiça e toda outra virtude eram sapiência. Toda coisa justa e toda outra forma de atividade fundada sobre a virtude eram, ao seu ver, belas e boas: quem conhece o belo e o bom nada pode preferir-lhes; ao invés, que não os conhece, não pode praticá-los, e se o tenta, erra. Portanto, quem sabe, realiza coisas belas e boas, quem não sabe, não pode praticá-los, e se o tenta, falha. E dado que as coisas justas e todas as outras, belas e boas, se realizam mediante a virtude, é claro que a justiça e todas as virtudes são ciência (Xenofonte, Memoráveis, III, 9, 4ss).


*Em conclusão, parece-me que, segundo tu, ó Sócrates, quem se deixa vencer pelos prazeres do corpo nada tem a ver com qualquer virtude.


*Certo, Eutidemo, disse Sócrates. Que diferença há entre o homem privado do domínio de si e o mais selvagem dos animais? Quem não discerne o melhor e procura fazer sempre tudo quanto sumamente lhe agrada em que difere dos animais mais irracionais? (Xenofonte, Memoráveis, IV, 5, 11s).


*Dize-me, Eutidemo, perguntei-lhe, não reputas a liberdade um bem nobre e magnífico tanto para o particular como para o Estado?


     -     É o mais precioso dos bens.


- Consideras livre o homem que se deixe dominar pelos prazeres do corpo e por isso se veja impossibilitado de praticar as melhores nações? De forma alguma.



- E não é, talvez, por te parecer digno de um homem livre realizar as melhores ações, que consideras indigno dele Ter o que pode impedi-lo de realizá-las?


- Justamente.


- E não te parece serem ignóbeis os que são privados do domínio de si? – Sim, por Zeus, e com razão.


- Pensas que os que são privados do domínio de si sejam apenas impedidos de realizar as ações mais belas ou também constrangidos a realizar as mais horríveis?


- Em verdade, não me parece que sejam menos constrangidos a estas que impedimos de fazer aquelas.


- E como qualificas os senhores que impedem as belas ações e constrangem às mais horríveis?


- Os piores, indubitavelmente, por Zeus.


- E qual é, a teu ver, a pior das servidões?


- Assim penso. (Xenofonte, Memoráveis, IV. 5, 2ss)


 Parece – me, Antifonte, que a felicidade consiste, para ti, na lassidão e no dispêndio: eu, ao contrário, pensava que de nada necessitar é divino, de pouquíssimo é quase divino. Ora o divino é a própria perfeição e quem está mais perto do divino está mais próximo da perfeição (Xenofonte, Memoráveis, I, 6, 10).


- Nunca pensaste numa coisa, Eutidemo?


- Quê?


- Que a falta de domínio de si não consegue levar os homens nem mesmo aos prazeres aos quais só ela parece guiar, enquanto o domínio de si comporta o mais elevado gozo de tudo.


- Como assim?


- A falta de domínio de si, não permitindo suportar a fome, a sede, nem o ardor dos desejos amorosos, nem a insônia – únicos motivos pelos quais com alegria se repousa e se dorme, depois de Ter esperado e suportado, de modo que a satisfação seja a mais agradável possível – de satisfazer os apetites mais naturais e mais constantes. Ao contrário, só o Domingo de se, fazendo-nos suporta todas as necessidades das quais falamos acima, é o único a proporcionar-nos na satisfação dessas necessidades um prazer digno de  ser recordado.


- Tudo o que dizes  é absolutamente verdade.



- Ademais, com relação ao aprendizado do que é belo e bom, ao cuidado pelo qual se  pode prover diligentemente ao próprio corpo, dirigir com  diligência a própria casa, ser útil aos amigos  e à cidade, dominar os inimigos,- conhecimentos dos quais se extraem não só vantagens, mas também  grandíssimos prazeres – enquanto os que  dominam a si próprios gozam  no cumprimento de tudo isso, os que são privados do domínio de si, ao contrário, não sentem nenhum gozo. Com efeito, a quem consideramos menos digno de tais gozos senão aquele a quem estes são vetados por encontrar-se ocupado em buscar o prazer do momento?


     Respondeu Eutidemo: - Em conclusão, Sócrates, parece-me que, na tua opinião, quem se deixa vencer pelos prazeres do corpo não tem qualquer relação com nenhuma virtude.


- Certo, Eutidemo, disse Sócrates [...] (Xenofonte, Memoráveis, IV, 5, 9ss).


      Digo-vos que exatamente isso é para o homem o bem maior, refletir todo dia sobre a virtude e sobre outros argumentos sobre os quais me haveis ouvido disputar e pesquisar sobre mim mesmo e sobre os outros, e que uma vida sem tais pesquisas não é digna de ser vivida (Platão, Apologia, 38).


      Morrer é uma destas duas coisas: ou é como um não-ser mais nada, e quem está morto não tem mais nenhum sentimento de nada; ou é, como dizem alguns, uma espécie de mudança e de migração da alma deste lugar inferior para outro lugar (Platão, Apologia, 49c).


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