A chamada de
historicização do querigma
Raniero Cantalamessa, Do
Kerigma ao Dogma. Estudos sobre a Cristologia dos Padres. Milão: Vita e
Pensiero, 2006.
Resumo: Paolo Cugini
A mudança de atenção dos
eventos e funções para a realidade e o ser de Cristo. O que significa esta
tendência do ponto de vista da fidelidade ou infidelidade aos dados bíblicos?
Vimos que a ontologização da cristologia patrística não consiste numa pura e
simples substituição da dimensão do ser pela da história ou ação de Cristo, mas
numa nova relação entre ação e ser, uma relação que vê o primeiro em função do
segundo e o segundo como fundamento do primeiro.
Examinando agora o querigma
cristológico do Novo Testamento, percebemos que o que nele descobrimos
certamente não é apenas uma discussão sobre o ser de Cristo, mas também não é
apenas uma discussão sobre a história e as funções de Cristo. E, no entanto, também
aqui existe uma certa relação entre o acontecimento e o ser, entre a história e
a pessoa de Jesus.
Acredito que Schlier Henry
estabeleceu este fato de forma conclusiva. Ele conclui sua análise da crença
cristológica primitiva observando que as fórmulas de fé do Novo Testamento
destacam, com surpreendente concordância, uma série de eventos na história de
Cristo. Ele então pergunta que tipo de eventos salvíficos são eles e responde:
A morte e a ressurreição, bem
como as expansões subsequentes, não constituem um resumo da vida de Jesus, mas
mencionam aquela em que a essência da pessoa se realiza e se manifesta. A
história de Jesus é expressa como uma história de ser. O que se conhece é a
essência do acontecimento salvífico realizado por esta pessoa. Porém, é a
própria essência desta pessoa de Jesus que se conhece, o seu ser transparece
apenas através da história do seu ser. A história do seu ser estava contida e
se revela na realidade da sua pessoa, por isso encontramos também homologias
pessoais em relação à história da salvação, como em Rm 10,9, At 17,2ss, 2Tm
2,5. Por esta razão, o corpo apostólico posterior explicou deliberadamente os
títulos através do elemento histórico da salvação. Mas qual é o ser de Jesus
que é assim conhecido nas homologias? E sendo para nós. O uper emon
explícito ocorre no ponto decisivo da história do ser de Jesus, na sua morte,
na sua ressurreição dentre os mortos, na sua exaltação. Indica também o
significado do seu futuro, não menos que o do seu passado, o envio do pai e a
aparição. Esta história de ser para nós demonstra a essência da pessoa de Jesus
que por sua vez constitui a primeira.
Todo o ser de Jesus é para nós
uma função, mas precisamente por isso a função é também um ser completo. O Novo
Testamento também está interessado no ser e na história de Jesus, razão pela
qual é simplista continuar a opor-se à cristologia bíblica e à cristologia
patrística como uma cristologia histórica salvífica é uma cristologia
ontológica. O que se compara à relação entre ser e agir de Cristo existente no
novo testamento é a relação entre ser e agir de Cristo existente nos pais.
A comparação mostra que o que
mudou e essa relação é, portanto, a perspectiva. O novo testamento recupera o
ser através da história do ser. A teologia patrística recupera a história
através do ser. O primeiro está interessado principalmente no que Cristo faz
por nós, o segundo está interessado principalmente no que Cristo é para nós. A
perspectiva do querigma é que Cristo nos salva, portanto ele é Deus. Esta
perspectiva nunca é negada. Mas o outro geralmente se sobrepõe a ele
perspectiva, Cristo é Deus, portanto ele nos salva. A ontologização é vista
como um meio de fundar a história no absoluto, de iluminar os fatos da salvação
a partir de dentro. Ei, até que ponto essa mudança de perspectiva nos autoriza
a definir a cristologia patrística como uma cristologia estática e a
cristologia bíblica como dinâmica? Não há dúvida de que a prevalência do
interesse pelas duas Naturezas de Cristo, comparada ao interesse bíblico pelo
acontecimento, leva a uma certa queda de dinamismo. Para a cristologia
patrística o discurso mais arcaico de Cristo que na ressurreição se torna
Senhor e Cristo (Atos 2.36) ou filho de Deus (Rm 1.4) logo se torna
incompreensível. O devir, porém, e isto é o mais grave, não só perde o seu
sentido em relação à dimensão divina de Cristo, mas também perde o seu sentido
em relação à sua dimensão ou natureza humana. Isto significa que na cristologia
patrística não se dá atenção suficiente ao devir humano de Cristo, ao seu
crescimento, às suas experiências concretas, ao seu devir homem, pois contra os
gnósticos tornou-se imediatamente indispensável demonstrar o seu ser homem
vírgula e homem perfeito desde a encarnação. Parte do caráter absoluto e,
portanto, da imutabilidade que caracteriza o conceito grego de ousia teve um
impacto na cristologia. Dito isto, devemos acrescentar imediatamente que existe
uma outra forma de compreender o dinamismo de uma cristologia. Consiste na
capacidade de uma cristologia de superar continuamente as próprias posições, de
colocar sempre novos problemas, cada vez que há um salto de nível e de
temperatura teológica, na capacidade de assimilar vitalmente as contribuições
eternas da cultura, na osmose que sabe consolidar-se com outros setores da
trilogia, enfim na força criativa e na riqueza das soluções. Este dinamismo não
parece ter sido mortificado pela ontologização, pois caracteriza a cristologia
patrística numa extensão que talvez nunca tenha sido superada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário