Raniero Cantalamessa, Do Kerigma ao Dogma. Estudos
sobre a Cristologia dos Padres. Milão: Vita e Pensiero, 2006.
Resumo: Paolo Cugini
O fenômeno subjacente que caracteriza toda a
cristologia antiga e sua ontologização. Aparece como um privilégio do discurso
sobre o ser de Cristo, comparado ao do agir e da história de Cristo. Mas no
Novo Testamento a salvação está ligada precisamente à ação e à história de
Cristo, ao seu mistério de morte e ressurreição. Surge imediatamente a questão:
qual foi o destino do conteúdo soteriológico primitivo do querigma durante e
após o processo de ontologização? O novo testamento fala-nos principalmente da
função de Cristo, mas de uma função que é simultaneamente todo o ser. Pode-se
dizer do Cristo do dogma que seu ser é ao mesmo tempo paralelo e inversamente
inteiramente uma função? A resposta deve ser procurada numa análise da relação
entre cristologia e soteriologia. Algumas conclusões:
A. a relação Cristologica e soteriologica é mediada
pela antropologia, por isso é preciso dizer que mesmo na era patrística uma
compreensão diferente do homem corresponde a uma compreensão diferente de
Cristo. Além disso, é através da antropologia que a maior influência da
filosofia do momento se exerce nas soluções cristológicas. A dialética da
antropologia, soteriologia e cristologia atua no pensamento antigo através de
uma tríplice problemática que pode ser resumida da seguinte forma:
1. O que é o homem e onde reside o seu mal? Em carne e
osso, segundo a concepção platônica adotada pelos gnósticos e depois por
Apolinário de Laodicéia, ou em liberdade, como pensam Irineu e Teodoro de
Mopsuéstia e os antioquianos em geral? É a questão em torno da qual se constrói
a antropologia cristã.
2. Que tipo de salvação é necessária para tal homem?
Salvação da carne como os gnósticos? Salvação da carne segundo os autores
ortodoxos? Ou a salvação da alma e a sua liberdade através da obediência como
na questão de Antióquia e sobre este problema que emerge uma soteriologia.
3. Como deve ser o Salvador para realizar tal
salvação? De espírito e alma como dizem os gnósticos? De espírito, alma e corpo
como dizem os pais antignósticos? O espírito e a carne divinos, como afirma
Apolinário? De espírito ou logos fisicamente e hipostaticamente unidos à carne,
como afirma Cirilo de Alexandria, ou de logos moralmente unidos à humanidade
assumida, como afirma Nestório? É a problemática da qual emerge a cristologia.
Estudar a relação entre soteriologia e cristologia na época patrística significa
colocar-se em condições de descobrir a dimensão mais viva e existencial do
antigo Cristo Lúcia, a cristologia como experiência de salvação. Os cristãos
experimentam a salvação na Igreja, através da palavra de Deus e da vida
sacramental, sentem-se vivendo no mistério da salvação realizada em Cristo,
salvação que assume a forma de libertação, iluminação, redenção, divinização.
Nos Padres da Igreja, a soteriologia é identificada com a cristologia.
B. A relação entre soteriologia e cristologia atua em
todos os níveis e em todas as fases do desenvolvimento. Atua na fase
antignóstica na forma, o homem não seria redimido com sua carne se o verbo não
tivesse assumido carne real. Orígenes diz: Ei, o homem não foi salvo
inteiramente se Cristo não assumiu o homem inteiro. O próprio termo ontológico
substância nasceu dessa soteriologia para ancorá-lo no fundamento usual do ser,
retirando-o assim da aparência. Este aspecto parece particularmente significativo
em Tertuliano. O mesmo princípio atua na polêmica antiariana traz a afirmação
da natureza divina verbo três a esse raciocínio: O homem não seria divinizado
se o Verbo não fosse Deus, Se o filho fosse uma criatura o homem permaneceria
mortal, não estando unido a Deus (Atanásio).
O princípio soteriológico também está presente nas
controvérsias cristológicas posteriores, especialmente nas antiapolinárias. A
alma racional do Salvador foi reafirmada pelos Padres Capadócios e Antióquia
com base no antigo axioma: o que não é assumido não é curado, o que está unido
a Deus é salvo. (Gregório Nazianzeno). É precisamente nesta linha que Máximo, o
Confessor, apoiará a polémica antimonotelista: Ele assumiu tudo de mim para me
dar a salvação, pois o que não é assumido não é curado.
Em Apolinário observamos a dependência da cristologia
da soteriologia e da soteriologia da antropologia. Na sua abordagem platónica
da antropologia, é apenas a carne que precisa de ser divinizada. Por isso dirá:
o que não precisa ser curado não foi assumido.
C. Problema: que tipo de salvação está subjacente ao
axioma: o que não se presume não é salvo? O fenômeno da mudança do centro de
gravidade da cristologia da ressurreição para a encarnação equivale à mudança
da soteriologia do mistério pascal para a encarnação.
D. Nas discussões cristológicas do século V começam a
aparecer alguns aspectos negativos no desenvolvimento da cristologia. Eles são
a contração dogmática e o formalismo. A contração ou redução dogmática do
querigma consiste no estreitamento progressivo da reflexão sobre alguns
conteúdos que o processo de ontologização foi privilegiando em detrimento de
outros: o discurso sobre as naturezas e sobre a pessoa idealmente colocada na
encarnação. Assim nasceu o verdadeiro dogma cristológico, entendido como parte
da fé em Cristo solenemente fixada nas fórmulas oficiais do Magistério
conciliar da Igreja. Tende a marginalizar e a deixar inativos os conteúdos
menos harmonizados com a síntese dogmática, e determina uma configuração
piramidal do edifício cristológico em que a base são os dados bíblicos e o
ápice, cada vez mais adelgaçado, é a definição dogmática. As matrizes
históricas que favoreceram tal processo são,
para. em primeiro lugar, a dialética entre os dados
revelados e a cultura ambiental. A necessidade de tornar Cristo significativo
para os homens de mentalidade ontológica como os gregos levou-os a
concentrar-se nos elementos mais adequados a este diálogo.
b. A segunda matriz é a dialética heresia-ortodoxia.
Em alguns aspectos, o dogma é fruto da heresia.
c. Formalismo. Aparece quando a fé em Cristo começa a
ser medida mais pela fórmula e pela afirmação do que pelo conteúdo. As fórmulas
começam a enrijecer-se para se tornarem uma estrutura fechada, que se afirma.
Nesta linha pode-se argumentar que a intolerância teológica é o defeito mais
flagrante da cristologia das escolas do século V. Mortificou o saudável
pluralismo das cristologias e levou à perda inestimável de quase todo o
património da escola Antióquia, esquecendo o que dizia Símaco: não se pode chegar
a um mistério tão grande por um só caminho.
Com Máximo, o Confessor, a cristologia patrística
recuperou-se desta vertente. O drama da divisão das igrejas Nestoriana e
Monofisita em torno de Calcedónia, com a consequente desintegração do Oriente
cristão face ao Islamismo, deve-se a esta esterilização da fé devido à sua
excessiva conceptualização e formalização. A ela também se atribui um
distanciamento inicial entre o Cristo da teologia e o Cristo do povo.
É preciso dizer que Calcedônia não constitui uma
síntese completa do pensamento patrístico. Devemos recuperar o resumo de 451.
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