domingo, 6 de outubro de 2024

Aristóteles - De Anima

 

 


 

 

Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília Gomes dos Reis

 

“Síntese Paolo Cugini, digitação Winne Muryanne”

 

Livro 1

 

Capítulo1

 

Pois para coisas distintas há princípios distintos, como, por exemplo, para os números e as superfícies.

Em todo caso, é necessário decidir primeiro o qual dos gêneros a alma pertence e o que é – quero dizer, se ela é algo determinado e substância, ou se é uma qualidade, uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias já distinguidas -, e, ainda, se está entre os seres em potencia ou, antes, se é uma certa atualidade. Pois isso faz diferença e não pouca. É preciso examinar também se ela é divisível em parte sou não, e se e qualquer alma é de mesma forma; e, no caso de não ser de mesma forma, se a diferença é de espécie ou de gênero. (pag.45-46)

Há ainda a dificuldade de saber se afecções da alma são todas comuns àquilo que possui alma ou se há também alguma afecção própria a alma tão-somente. E embora não seja fácil, é necessário compreender isto. Revela-se que, na maioria dos casos, a alma nada sofre ou faz sem o corpo, como, por exemplo, irritar-se, persistir, ter vontade e perceber em geral; por outro Aldo, parece ser próprio e ela particularmente o pensar. Não obstante, se também o pensar é um tipo de imaginação ou se ele não pode ocorrer sem a imaginação, então nem mesmo o pensar poderia deixar de existir sem o corpo. Enfim, se alguma das funções ou afecções é próprio a alma, ela poderia existir separada; mas se nada lhe é próprio, a alma não seria separável. (pag.47)

            As afecções da alma são assim inseparáveis da matéria natural dos animais, na medida em que de fato subsistem neles coisa tais como animo e temor, e não são como a linha e a superfície.

No exame da alma, é necessário, ao mesmo tem em que se expõem as dificuldades cuja solução deverá ser encontrada à medida que se avança recolher[1] as opiniões e todos os predecessores que afirmaram algo a respeito dela, aproveitando-se o que está bem formulado e evitando aquilo que não está. (pag.49)

 O ponto de partida da investigação é apresentar aquilo que mais parece pertencer à alma por natureza. Ora, há a opinião de que o animado difere do inanimado especialmente em dois aspectos: o movimento e a percepção sensível. E, em relação à alma, são mais ou menos esses dois que recebemos de nossos predecessores. Alguns, com efeito, dizem que alma é, primordialmente, o que faz morrer. E julgado que não pode mover outra coisa o que não estiver ele mesmo em movimento, supuseram a alma entre as coisas que estão em movimento. (pag.49)

            Assim, por um lado, todos aqueles que deram atenção especial ao faro de que o animado se move supuseram que a alma é por excelência aquilo, que faz mover. Aqueles, por outro lado, que se detiveram no fato de que o animado conhece e percebe os seres, identificaram a alma aos princípios: seja a uma pluralidade deles, seja a um único. (pag.51)

             E como havia também a opinião de que a alam é o que pode tanto mover conhecer, alguns então a combinaram a partir de ambos aspectos, declarando que alma é um número que move a si mesmo.

Mas, em relação aos princípios – quais e quantas são eles -. Há diferenças especialmente entre aqueles que os concebem como corpóreos e aqueles que os concebem como incorpóreos, e ainda discordam desses aqueles que os combinaram e declararam que os princípios procedem de ambos os tipos. Há ainda diferenças em relação à multiplicidade, pois uns assumem um único principio, outros um numero Mario. De acordo com isso discorrem também sobre a alma, pois supunham que o que é por natureza fonte de movimento deve estar entre os primeiros princípios – e não sem razão, Donde alguns terem a opinião de que a alma é fogo, pois o fogo é composto de partículas sutis e é o mais incorpóreo dos elementos e, além disso, em sentido primordial, tanto é movido como move tudo o mais. (pag.52)

Todos, com efeito, definem a alma pro assim dizer pro três atributos: o movimento, a percepção sensível e a natureza incorpórea; e cada um deles remonta aos princípios. Por isso também aqueles que definem a alma pelo conhecer fazem dela ou um elemento ou algo proveniente dos elementos, afirmado coisas parecidas uns e outros, exceto um: pois dizem que o semelhante é conhecido pelo semelhante e, uma vez que a alma conhece tudo, constituem-na a partir de todos os princípios. Assim, todos aqueles que dizem haver uma única causa e um único elemento também afirmam que a alma é única, pro exemplo, fogo ou ar. Outros, por sua vez, ao afirmarem que são inúmeros os princípios, também fazem da alma algo múltiplo.

No entanto, senso assim, como conhecerá e por que causa, nem ele disse, nem fica claro a partir de suas palavras. Por outro lado, aqueles que colocam pares de contrários como princípios, também constituem a alma a partir de pares de contrários. E aqueles que colocam como principio um dos contrários - por exemplo, quente, frio ou outro semelhante – estabelecem de maneira similar que também a alma é um desses contrários. Por isso, eles se guiam pelas designações: aqueles que dizem que a alma é o quente, afirmam que também por isso foi assim nomeado; aqueles que dizem que a alma é o frio pretendem que seu nome vem de “resfriamento” e de “respiração”. Estas são, portanto, as opiniões transmitidas a respeito da alma e as causas pelas quais foram ditas. (pag.54)

É preciso examinar primeiro o que diz respeito ao movimento, pois talvez não somente seja falso que a substancia da alma é tal como afirmam os que dizem que ela é o que faz mover a se mesmo ou que pode movem, como talvez seja algo impossível subsistir movimento na alma. (pag.54-55)

Posto que há quatro movimentos – locomoção, alteração, decaimento e crescimento -, a alma se moveria ou por um único deles, ou por mais de um, ou ainda por todos. Se ela é movida, mas não por acidente, o movimento seria atribuído a ela por natureza e, assim, também por natureza o lugar: pois todos os movimentos mencionados ocorrem em um lugar. Se a substancia da alam é mover-se a si mesma, o movimento será atribuído a ela não por acidente, como ocorre com o branco ou com o comprimento de três côvados, que também se movem, mas por acidente – porque aquele a que são atribuídos é movido, isto é, o corpo. E por isso eles não têm lugar; mas para a alma haverá lugar, se é que por natureza participa do movimento.

406a22. Além disso, se é por natureza a alma se move, também por coerção poderá ser movida; e, se é movida por coerção, também o eu movimento será por natureza. E da mesma maneira no que concerne ao repouso; pois, para onde se move por natureza, também ali repousa por natureza, e, de maneira similar, para onde é movida por coerção, também ali repousa por coerção.  Mas quais seriam os movimentos e os repousos por coerção da alma, não é fácil explicar nem mesmo para os que gostam de fantasiar. (pag.55-56)

Alguns dizem que a alma é uma espécie de harmonia, que a harmonia é mistura e composição de contrários e que o corpo é constituído a partir de contrários.

Todavia, a harmonia é uma certa razão ou composição dos mistos, mas a alma não pode ser nem uma coisa, nem outra. Além disso, o mover não é fruto da harmonia, e é, por assim dizer, particularmente isso que todos atribuem a alma. Convém mais falar de harmonia em relação à saúde – e as virtudes corporais em geral – do que em relação à alma. Isso ainda seria mais evidente se alguém tentasse atribuir às afecções e fondue da alma a alguma harmonia; pois seria difícil conciliá-las. (pag.60)

Dizemos que um dos gêneros dos seres é a substancia. E substância, primeiro, no sentido de matéria – que por si mesmo mão é algo determinado-, e ainda fim, no sentido do composto de ambas. A matéria, por sua vez, é potência ao passo que a forma é atualidade, e isto de dois modos: seja como ciência, seja como o inquirir.

E há a opinião de que, sobretudo os corpos são substancia entre os quais se encontram os corpos naturais, que são princípios dos demais. Dos corpos naturais, alguns têm vida, outros não, e dizemos que a vida é a nutrição por si mesmo, o crescimento e do decaimento. Assim, todo corpo natural que participa da vida é substância, no sentido de substância composta.

E uma vez que essa substância também é um corpo de tal tipo – que tem vida-, a alma não é corpo, pois o corpo não é um dos predicados do substrato, antes ele é o substrato e a matéria. É necessário, então, que a alma seja substancia como forma do corpo natural que e potencia tem vida. E a substancia é atualidade. Portanto, é de um copo de tal tipo que a alma é atualidade.  Mas esta se diz de dois modos – primeiro como ciência; pois ao substituir a alma há tanto o sono como a vigília; e a vigília algo análogo ao inquirir, o sono, a possui a ciência, mas não estar a exercê-la; e, no quer concerne a um mesmo individuo, a ciência é anterior quanto ao devir. E por isso a alma é a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potencia vida. (pag.71-72)

Está, então, enunciado em geral o que é a alma. Pois ela é a substancia segundo a determinação, ou seja, o que é, para um corpo de tal tipo, ser o que é. Se um instrumento fosse um corpo natural – por exemplo, o machado -, a sua substancia seria o que é ser para o machado, e isto seria a sua ama. Separado disso, ele não seria mais um machado, exceto por harmonímia. Mas, na verdade, é um machado, pois a alma não é a determinação e o que é ser o que é para um corpo desse tipo, mas sim de um corpo natural tal que tenha em si mesmo um principio de movimento e repouso. (pag.72)

Portanto, está bastante claro que a alma – ou algumas partes dela, se ela for pro natureza partível – não é separada do corpo; pois em alguns casos a atualidade é das partes elas mesmas. Não obstante, por não serem atualidade de corpo algum, nada impede que pelo menos algumas partes sejam separadas. Mas ainda não está claro se a alma é atualidade do mesmo modo que o navegador é a atualidade do navio, E isto basta como um esquema do esboço e da definição de alma. (pag.73)

Retomando o princípio da investigação, digamos então que o animado se distingue do inanimado pelo viver. E de muitos modos diz-se o viver, pois dizemos que algo vive se nele subsiste pelo menos um destes- intelecto, percepção sensível, movimento local e repouso, e ainda o movimento segundo a nutrição, o decaimento e o crescimento. Por isso, parece inclusive que todas as plantas vivem; pois é manifesto que têm em si mesmas uma potência e um principio deste tipo, por meio do qual ganham crescimento e decaimento segundo direções contrárias; pois não crescem apenas para cima e não para baixo, mas similarmente em ambas e em todas as direções, e assim é para as que se nutrem constantemente e vivem até o fim, enquanto puderem obter alimento. E é possível separar este principio dos outros, mas impossível, nos mortais, separar os demais deste.  Isso é evidente no caso das plantas, pois nelas nenhuma outra potência da alma subsiste. (pag.74)

Pois, dizendo-se a substancia de três modos, como já mencionado, dos quais um é a forma, outro é matéria e, por fim, o composto de ambas – e, destes, a matéria é potencia e a forma, pro sua vez, atualidade -, e já que o composto de ambas é animado, não é o corpo a atualidade da alma ao contrario, ela que é a atualidade de um certo corpo. E por isso supõem corretamente aqueles que têm a opinião de não existir alma sem corpo, mas algo do corpo, e por isso subsiste no corpo e num corpo de tal tipo, e não da maneira como supunham os predecessores, que a adaptavam, ao corpo, sem ainda mais determinar sobre em que e qual tipo de corpo, mesmo sendo evidente que o fortuito não recebe o fortuito. E também isto ocorre segundo a determinação: pois a atualidade de cada cosia ocorre por natureza na matéria apropriada e em sua potencia subsistente. É evidente, então, a partir das coisas tratadas, que a alma é uma certa atualidade e determinação daquele que tem a potencia de ser tal (pag.76)

É necessário, a quem pretende fazer um exame dessa coisa, compreender o que é cada uma das capacidades e, em seguida, proceder de maneira a investigar o que disso se segue e todo o restante. Mas se é necessário dizer algo sobre cada uma delas – por exemplo, o que é a capacidade de pensar, ou de perceber, ou de nutrir-se-, é preciso primeiro dizer o que é o pensar e o que é o perceber; pois as atividades e as ações segundo a determinação são anteriores as potências. Sendo assim, antes ainda é preciso ter inquirido sobre seus objetos correlatos, e pela mesma razão ter definido primeiramente o que é o alimento, o perceptível e o inteligível. (pag.79)

A alma é causa e principio do corpo que vive. Mas estas coisas se dizem de muitos modos, e a alma é similarmente causa conforme três dos modos definidos, pois a alma é de onde e em vista de que parte este movimento, sendo ainda causa como substância dos corpos animados. Ora, que é causa como substancia, é claro. Pois, para todas as coisas, a causa de ser é a substancia, e o ser para os que vivem é o viver, e disto a alma é causa e principio. Além do mais, a atualidade é uma determinação do que é em potência.

 É evidente que a alma é causa também como o em visto de algo; pois, assim como o intelecto produz em vista de algo, da mesma maneira também a natureza pó faz, e este algo é seu fim. E nos seres vivos a alma é, por natureza, algo deste tipo; pois todos os corpos naturais são órgãos da alma – tanto os órgãos dos animais como os das plantas – como se existissem em vista da alma. E o em vista de tem dois aspectos: o de que e o em quê. (pag.79-80)

No geral e em relação a toda a percepção sensível, é preciso compreender que o sentido é o receptivo das formas sensíveis sem a matéria, assim como a cera recebe o sinal do sinete sem o ferro ou o ouro, e capta o sinal áureo ou férreo, mas não como ouro ou ferro. E da mesma maneira ainda o sentido é afetado pela ação de cada um: do que tem cor, sabor ou som; e não como se diz se cada um deles, mas na medida em que é tal qualidade e segundo a sua determinação. O órgão sensorial primeiro é aquele em que subsiste tal potencia. E são, por um lado, o mesmo que percebe seria uma certa magnitude. Mas, pro outro, tanto a percepção sensível como o ser para o capaz de perceber não são magnitudes, e sim uma certa determinação e potencia daquele.

 É evidente também a partir disso, pro que os excessos nos objetos perceptíveis destroem os órgãos sensoriais (pois, se o movimento for mais forte que o órgão sensorial, a determinação se rompe - e esta seria a percepção sensível -, assim como a afirmação e o tom das cordas quando fortemente tocadas). É evidente também por que as plantas não têm percepção sensível, mesmo tendo uma parte da alam e senso afetadas pela ação dos tangíveis, uma vez que esquentam e esfriam. A causa disso é não terem nem a média, nem o principio próprio para receber as formas sensíveis, mas serem afetadas pela matéria como tal.

Alguém poderia levantar a questão de se o incapaz de perceber odor é afetado de alguma maneira pelo odor, e o incapaz de ver, pela cor. E da mesma maneira nos outros casos, contudo, se o odorífero é o odor, caso ele produza algo, produzirá a olfação. De maneira que nada incapaz de perceber odor pode ser afetado pelo odor (e o mesmo enunciado serve para os outros casos). E nenhum dos capazes, exceto a parte perceptiva de cada um deles. Isso se torna claro também da seguinte maneira: nem a luz e treva, nem o som e o odor fazem algo aos corpos, mas antes as coisas em que estão é que o fazem, como, por exemplo, é o ar acompanhado do trovão que fende a madeira da arvore. Mas os tangíveis e os sabores afetam os corpos. Do contrario, pela ação de que seriam afetados e alterados os seres inanimados? Ora, então aqueles produzirão? Ou não é todo e qualquer corpo capaz de ser afetado pelo odor e som, e os afetados são os indeterminados e inconstantes, tal como o ar (pois o ar cheira como tendo sido de certa maneira afetado)? Que é, então, o cheirar além de ser afetado de uma certa maneira? Ou o cheirar é perceber, e o ar quando é afetado rapidamente de torna perceptível? (pag. 101-102)

            Uma vez que definem a alma, sobretudo a partir de duas diferenças, isto é, pelo movimento local e pelo pensar, entender e perceber, e como o pensar e entender parecem ser um certo perceber (pois em ambos os casos a alma discerne e toma conhecimento de seres), os antigos, ao menos, disseram que entender é o mesmo que perceber – assim como Empédocles, que disse: “diante do que se apresenta, a astúcia dos homens cresce”, e alhures: “donde o entender sempre lhes propicia coisas diferentes”; e o seguinte verso de Homero pretende o mesmo: “pois tal é o intelecto”; pois todos eles supõem que o pensar é tão corpóreo como o perceber e que se percebe e se entende o semelhante pelo semelhante, tal como foi explicado no inicio do nosso tratado (todavia, seria necessário que eles tratassem, ao mesmo tempo, do enganar-se; pois ele é mais próprio aos animais, e a alma passa a maior parte do tempo nele; deste ponto de vista, há a necessidade ou de que todas as aparências sejam verdadeiras, como dizem alguns, ou de que o engano seja uma espécie de contato com o dessemelhante, o que seria o contrário de tomar conhecimento do semelhante pelo semelhante; mas engano e ciência parecem ser o mesmo para os contrários) – é evidente, então, que o perceber não é o mesmo que o entender. Pois do primeiro compartilham todos os animais e do segundo, apenas poucos. Tampouco o pensar – do qual há o modo correto e o incorreto, pois o correto é o entendimento, a ciência e a opinião verdadeira, e o incorreto, o contrário deles – é o mesmo que o perceber, pois a percepção sensível próprios é sempre verdadeira e subsiste em todos os animais, ao passo que o raciocinar admite ainda o modo falso, é algo diverso tanto da percepção sensível como do raciocínio; mas a imaginação não ocorre sem percepção sensível e tampouco sem a imaginação ocorrem suposições.

            É evidente que a imaginação não é pensamento e suposição. Pois essa afecção de nós e de nossos querer (pois é possível que produzamos algo diante dos nossos olhos, tal como aqueles que, apoiando-se na memória. Produzem imagens), e ter opinião não depende somente de nós, pois há necessidade de que ela seja falsa ou verdadeira. Além disso, quando temos a opinião de que algo é terrível ou pavoroso, de imediato compartilhamos a emoção, ocorrendo o mesmo quando é encorajador. Porém, se é pela imaginação, permanecemos como que contemplando em uma pintura coisas terríveis e encorajadoras. (pag.109-110)

            A respeito da parte da alma pela qual a alma conhece e entende, seja ela separada ou não separada segundo a magnitude, mas apenas segundo o enunciado, deve-se examinar que diferença tem e de que maneira ocorre o pensar.

Ora, se o pensar é como o perceber, ele seria ou não certo modo de ser afetado pelo inteligível ou alguma outra coisa desse tipo. É preciso então que esta parte da alma seja impassível, e que seja capaz de receber a forma e seja em potencia tal qual, mas não o próprio objeto; e que, assim como o perceptivo para os inteligíveis. Há necessidade então, já que ele pensa tudo, de que seja sem mistura – como diz Anaxágoras-, a fim de que domine, isto é, a fim de que tome conhecimento: pois a interferência de algo alheio impede e atrapalha. De modo que dele tampouco há outra natureza, senão esta: que é capaz. Logo, o assim chamado intelecto da alma (e chamo de intelecto isto pelo qual a alma raciocina e supõe) não é em atividade nenhum dos seres antes de pensar. Por isso, é razoável que tampouco ele seja misturado ao corpo, do contrário se tronaria alguma qualidade – ou frio ou quente – e haveria um órgão, tal como há para a parte perceptiva, mas efetivamente não há nenhum órgão. E, na verdade, dizem bem aqueles que afirmam que a alma é o lugar das formas. Só que não é a alma inteira, mas a parte intelectiva, e nem as formas em atualidade, e sim em potencia. (pag113-1140)

 Agora, resumindo o que foi dito a respeito da alma, digamos novamente que a alma de certo modo é todos os seres, pois os seres são ou perceptíveis oi inteligíveis, e a ciência de certo modo é os objetos cognoscíveis, e a percepção sensível, os perceptíveis; mas é preciso investigar de que modo isto se dá.

A ciência e a percepção sensível dividem-se em relação às coisas: em potencia em relação às coisas em potencia, e em atualidade em relação às coisas em atualidade. A parte perceptiva e cognitiva da alma são em potencia estes objetos: uma, o cognoscível, e outra, o perceptível. Mas há a necessidade de que sejam ou as próprias coisa ou as formas. Não são as próprias cosias, é claro: pois não é pedra que está na alma, mas sua forma. De maneira que a alma é como a mão; pois a mão é instrumento de instrumentos, e o intelecto é forma das formas, bem como a percepção sensível é forma dos perceptíveis. (pag.121)

Mas de imediato se coloca um impasse: de que modo se deve falar de partes da alam e em quantas? Pois, de certa maneira, elas se apresentam como inumeráveis, senão somente aquelas que alguns dizem distinguir em calculativa, emotiva e apetitiva, mas outros em racional e irracional. Pois, de acordo com as diferenças pelas quais se separam outras partes mostram-se tendo disparidades ainda maiores do que essas de que agora se tratou: a nutritiva, que subsiste também nas plantas e em todos os animais; e a perceptiva, que não se poria facilmente nem como dotada de razão, nem como irracional; e ainda, a imaginativa, que pelo ser é diversa das demais, embora de qual delas é diversa ou idêntica apresente grande dificuldade, caso sejam supostas partes separadas da alma; e por fim, a desiderativa, que aparecer ser diversa de todas quanto ao enunciado e a potência e que, de fato, seria absurdo segmentar: pois é na parte calculativa que nasce a vontade, mas o apetite e o animo, na parte irracional; e caso a alma seja tripartite, em cada parte haverá desejo. (pag.122)

 Mostra-se, então, que há dois fatores que fazem mover: o desejo ou o intelecto, contanto que se considere a imaginação um certo pensamento. Pois muitos seguem as suas imaginações em vez da ciência, mas nos outros animais não há nem pensamento, nem raciocínio, e sim imaginação. Logo, são estes os dois capazes de fazer mover segundo o lugar: o intelecto e o desejo, mas o intelecto que raciocina em vista de algo e que é prático, o qual difere do intelecto contemplativo quanto ao fim. E todo desejo, por sua vez, é em vista d e algo; pois alquilo de que há desejo é o principio do intelecto prático, ao passo que o ultimo item pensado é o princípio da ação.

Assim, mostra-se razoável que sejam estes dois os que fazem mover: desejo e raciocínio prático. Pois o objeto desejável move e por isso o raciocínio também move: porque o desejável é os eu principio. E a imaginação, quando move, não move sem desejo. Há algo único, de fato, que faz mover: o desejável.[2] Pois, se dois movessem quanto ao lugar – o intelecto e o desejo -, moveriam de acordo com uma forma comum. Na verdade, mostra-se que o intelecto não faz mover sem o desejo (pois a vontade é desejo, e quando se é movido de acordo com o raciocínio, também se é movido de acordo com a vontade), mas o desejo move deixando de Aldo o raciocínio, pois o apetite é um tipo de desejo. Intelecto, então, é sempre correto; ao passo que o desejo e a imaginação, ora corretos, ora não corretos. Por isso, é sempre desejável que move, embora este seja tanto o bem como o bem aparente; mas não todo o bem, e sim o bem pratico apenas. E o praticável é o que admite ser de outro modo.

É evidente, portanto, que é uma potencia da alma deste tipo a que move o que é chamado de desejo. Para aqueles que distinguem as partes d alma, no caso de as distinguirem e separarem de acordo com as potencias, elas se tornam múltiplas: nutritiva, perceptiva, intelectiva, deliberativa e ainda desiderativa, pois estas diferem mais umas da s outras do que a apetitiva difere da emotiva. (pag.124-125)

Todo aquele que vive e tem a alma, então, é necessário que tenha a alma nutritiva – do nascimento até a morte. Pois é necessário que o que nasceu tenha crescimento maturidade e decaimento, e tais coisas são impossíveis sem nutrição. Logo, é necessário que a potência nutritiva esteja em todos aqueles que crescem e decaem.

A percepção sensível, por sua vez, não é necessária a todo e qualquer ser vivo, pois não é possível que tenha tato tudo aquilo cujo corpo é simples, tampouco os que não são capazes de receber formas sem matéria. Mas o animal, pro outro lado, é necessário que tenha percepção sensível [e sem isso pode ser um animal], se nada em vão faz a natureza[3]. Pois tudo na natureza subsiste em vista de algo, ou é concomitância acidental do que existe em vista de algo. E todo corpo capaz de caminhar, se não tiver percepção sensível, perecerá e então não alcançará seu fim, o que é a função da natureza. (Pois de que modo ele obterá nutrição? Nos seres sedentários, a nutrição provém do lugar mesmo de onde nascem; entretanto, uma vez gerado como não sedentário, não é possível que um corpo tenha alma e intelecto capaz de discernimento sem que tenha percepção sensível, nem mesmo no caso de. não gerado. Pois por que não teria? Só se isso fosse melhor ou para a alma ou para o corpo. Mas, de fato, não seria melhor nem em um caso, nem em outro, pios aquela não pensaria melhor e este em nada estaria melhor pela falta de percepção.) Portanto, nenhum corpo não sedentário tem alma sem percepção sensível.

Se o corpo tem, de fato, percepção sensível, há necessidade de que seja ou simples ou misto. Mas não é possível ser simples; pois desse modo não teria tato, e é necessário que o tenha. Isso se trona claro pelo seguinte: já que o animal é um corpo dotado da alma, e todo corpo é tangível e tangível é o perceptível pelo tato, é necessário também que o corpo do animal seja capaz de tocar, caso deva estar assegurada a sobrevivência do animal Pois os demais sentidos o olfato, a visão e a audição, por exemplo – têm percepção por meio de outras coisa. Mas, se aquele que percebe tocando não tiver percepção sensível, ele não poderá evitar certas coisas e apanhar outras. E se for assim, será impossível então que o animal sobreviva.

E por isso, também, a gustação é um tipo de tato: pois ela concerne ao alimento e o alimento é um corpo tangível. Som, cor e dor não são nutrientes, tampouco produzem crescimento ou decaimento. De maneira que é necessário também que a gustação seja um tipo de tato, porque é o sentido do tangível e nutritivo. Ambos os sentidos, então, são necessários ao animal e, evidentemente, para o animal é impossível existir sem tato. Os demais sentidos, contudo, existem em vista do bem-estar, e já não ocorrem a não importa que gênero de animal, embora subsistam necessariamente em alguns (por exemplo, naqueles capazes de caminhar). Pios, para sobrevivessem, é preciso que tenham percepção não apenas tocando, mas também a distancia. E isso será possível se forem capazes de perceber via um intermediário, este sendo afetado e movido pelo perceptível, e o animal movido pelo intermediário.

Pois, assim como o que produz movimento local causa a mudança até um certo ponto, e o que empurra faz com que um outro empurre de forma que o movimento atravesse o meio – o primeiro empurra sem ser empurrado; o extremo só é empurrado, sem empurrar; mas o do meio, ambas as coisas (e muitos são os do meio) -, do mesmo modo também no caso da alteração (exceto que agora se alteram ficando no mesmo lugar). Assim, se algo for mergulhado ocorre; mas no caso da pedra nenhum movimento ocorreria, ao passo que na água o movimento iria ainda mais longe; o ar é aonde até mais longe o movimento iria, ativo e passivo em mais alto grau, sempre que permanece e conserva-se uno.

Por isso, no que concerne a reflexão da luz, em vez de dizer que a visão sai do olho e é refletida, melhor é supor que o ar é afetado pelo formato e pela cor sempre que permanecer uno. Em uma superfície lisa, o ar permanece uno e, por esse motivo também, ele move a visão, como o sinal na cera sendo transmitido até o limite.

Não é possível evidentemente que o corpo do animal seja simples, quer dizem, só de fogo, por exemplo, ou só de ar. Pois sem o tato não é possível que ele tenha qualquer outro sentido, e todo corpo dotado de alma, como foi dito, e suscetível ao toque. Todos os outros elementos, com exceção da terra, poderiam se tornar órgãos sensoriais, e todos produzem percepção sensível por perceberem através de um outro, a saber, através dos intermediários; ao passo que o tato tem esse nome por tocar as coisas mesmas. Os demais órgãos sensoriais percebem por tato, sem duvida, só que por meio de um outro, e apenas o tato parece ter percepção por si mesmo. De maneira que nenhum daqueles elementos poderia compor o corpo do animal.

Tampouco ele poderia ser só de terra. Pois o tato é como que uma média entre todos os tangíveis, e seu órgão sensorial é capaz de receber não apenas as varias qualidades da terra, mas também o quente e o frio e todas as demais qualidade tangíveis. Por isso, não percebemos com os ossos, cabelos e tais aportes, que são de terra. Por isso também as plantas não têm qualquer percepção sensível: porque são de terra. Sem o tato é impossível que subsista qualquer outro sentido, mas o órgão sensorial do tato, contudo, não é só de terra, nem só de qualquer outro elemento.

É evidente, todavia, que este é o único sentido sem o qual o animal necessariamente morre.  E nem é possível tê-lo sem ser animal, nem é necessário ter outro, exceto este, s for animal. Por isso, e excesso dos outros objetos perceptíveis, por exemplo, o excesso de cor, sobre o som, corrompe apenas o órgão sensorial e não o animal (exceto acidentalmente, por exemplo, quando junto ao som ocorre um impacto e um golpe ou quando outras coisas que destroem no contato forem movidas por visões e por cheiros; e também o sabor, quando calha de simultaneamente ser capaz de entrar em contato, é destrutivo), enquanto que o excesso de tangíveis como o quente, o frio o duro arruína o animal. Todo excesso do objeto perceptível arruína o órgão sensorial; e, da mesma maneira, o tangível arruína o tato, que é aquele pelo qual se define o animal; pois foi mostrado que sem tato é impossível existir um animal. Por isso, o excesso dos tangíveis destrói não somente o órgão sensorial, mas também o animal, porque este é o único órgão que ele necessariamente precisa ter.

O animal possui os demais sentidos, como foi dito, não em vista do ser, mas em vista do bem-estar; por exemplo, a visão de modo que ele veja, estando no ar ou na água, em suma, por star no transparente; a gustação, pro causa do que lhe é agradável ou doloroso, e a fim de que os percebe no alimento, e que tenha apetite e seja movido; a audição, de modo a que algo lhe seja comunicado; [e a língua, pro fim, de modo que comunique algo aos outros]. (pag.127-131)



[1] Lendo συμπεριλαμβάνεІν na linha 22.

[2] Lendo ορεχτόν, na linha 21.

[3] Posicionado ούτε άνευ ταύτης σίόν έιναι ζώσν após έχειν, na linha 30.

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