Sintesi: Paolo Cugini
Parte I
O Substrato
Capítulo I
Posição Dentro Do Cristianismo Primitivo
O Quarto Evangelho pertence só parcialmente à mesma
classe que os Sinóticos. Seu contexto verdadeiro é só em parte aquele que ele
condivide com os outros evangelhos.
Os que ligam João muito intimamente à tradição paulina,
são inclinados a subestimar, sua contribuição específica para a religião e a
teologia do cristianismo primitivo. Sem dúvida, Paulo elucidou a questão
judaica, e afirmou uma vez por todas a independência eclesial , espiritual e
intelectual do cristianismo gentílico. Ele também abriu novas pistas usando
maneiras correntes de pensar para esclarecer o evangelho cristão. Neste sentido
ele pode ter preparado o caminho para a comunidade cristã joanina. Além disso,
seu trabalho em Éfeso deve ter influenciado diretamente o círculo dentro do
qual o Quarto Evangelho foi escrito, se não influenciou o próprio autor. Pode
ser que a “Cristologia cósmica” de Paulo, como é chamada, fosse um fato
sugestivo para estimular o pensamento do Quarto Evangelista. Mas não é prudente
supor que Paulo seja a única origem desta cristologia; em todo caso, sua
impostação global em Paulo e em João é tão diferente, que é precário supor
qualquer conexão direta – certamente qualquer conexão literária – entre elas.
É claro que o evangelho tem atrás de si a cristandade
comum do período primitivo, e que os leitores que participavam da vida e do
pensamento da Igreja encontrariam aí muita coisa conhecida, a partir da qual
podiam progredir em direção ao ensinamento novo e ainda não assimilado por
eles.
Enquanto o leitor cristão instruído consegue perceber a
importância das alusões ao Batismo e à Eucaristia, não existe nenhuma
referência a eles como instituições da Igreja – por exemplo, não se prescreve o
batismo “em Nome de”, como em Mateus, não se relata o batismo de Jesus (que era
apresentado como sendo de certa forma o protótipo do batismo cristão), não é
narrada a instituição da eucaristia nem se ordena que seja repetida sua
celebração. O que João diz sobre o renascer ex ydatos kai pneumatos, e sobre o
Pão da Vida, enquanto para o leitor cristão é entendido como referência à vida
sacramental da Igreja, tem um significado próprio para os leitores alheios a
este contexto cristão, contanto que estejam familiarizados com certas formas de
simbolismo religioso existente além das fronteiras do cristianismo.
Isto sugere que o
evangelista tem em mira um público não-cristão, ao qual ele quer dirigir um
apelo. Devemos considerar esta obra como dirigida a um vasto público, formado
principalmente por pessoas religiosas e pensadoras (pois os descuidados e
indiferentes jamais se dariam o trabalho de abrir um livro destes) que viviam
na sociedade variada e cosmopolita de uma grande cidade helenista como era
Éfeso no Império Romano. (págs. 19,20,
21,23 e 25)
A Mais Elevada
Religião Do Helenismo: A Leitura hermética
A doutrina do Logos, entretanto, à qual Agostinho
especialmente se refere, não faz parte do sistema original de Platão, embora
apareça no neoplatonismo de Plotino. Essa doutrina prende-se mais aos estóicos.
Desde o tempo de Posidônio, que deu à filosofia estóica uma forte dose de
platonismo, as duas escolas aproximaram-se uma da outra, e no nível da
filosofia popular assumiu com freqüência a forma de um estoicismo platonizante
ou de um platonismo estoicizante.
A fusão do platonismo com o estoicismo forneceu um
organon aos pensadores da várias tendências que procuravam uma justificativa
filosófica para a religião. Exemplo notável vamos encontrar na assim chamada
literatura hermética. Os escritos herméticos que chegaram até nós são os restos
de uma extensa literatura existente na antiguidade sob o nome de Hermes
Trismegistus. Este personagem era representado como um sábio do antigo Egito,
deificado após sua morte como o Hermes egípcio, isto é , o deus Tot. Grande parte
desta literatura trata de astrologia, magia ou alquimia. Não é isto o que nos
interessa aqui. Mas o nome de Hermes Trismegistus era também usado por
escritores gregos ao abordarem assuntos filosóficos e religiosos.
Os escritores dos Hermética não formam uma escola no
sentido estrito. A tese de que existiu uma “igreja” hermética, cujo sagrado
cânon era o Corpus não se comprova com evidência. Suas doutrinas não podem ser
reunidas num consistente e unificado sistema filosófico. Mas elas compartilham
uma visão comum e um comum espírito religioso, e nos permitem formar uma idéia
bastante coerente do modo de pensar do povo devoto e inteligente no mundo
helenístico sob o Império Romano. A maior parte destes escritos são provavelmente
mais tardios que o Quarto Evangelho, embora o mais antigo deles possa não ser
muito posterior. Mas o tipo de pensamento religioso que eles representam pode
ser seguido até um período mais antigo. Em particular, o essencial deles parece
ser pressuposto em Fílon, pois enquanto
os traços não-hebraicos no pensamento de Fílon relembram os Hermética de
modo bastante notável, não encontro razões para concluir que eles foram
influenciados diretamente por Fílon.
Trata-se de uma religião de natureza singularmente pura
e espiritual. Crêem em Deus, o Deus único, Criador e Pai do universo. Ele é
sábio e bom e único (outos de kai kreitton kai eis kai monos ontos sophos ta
panta, XIV.3). Os legomenoi theoi têm tão pouca pretensão à divindade no
sentido absoluto como a têm os homens. Em especial ele é bom porque tudo dá e
nada exige. Para os hermitistas em geral a exigência ética da religião
refere-se à purificação pessoal e ao desapego das coisas materiais. É em Deus e
no universo eterno que suas mentes estão fixas. O único caminho de salvação
para o homem é o conhecimento de Deus. O mal supremo é ser ignorante do que é
divino, mas ser capaz de conhecê-lo, desejar e esperar tal conhecimento, eis o
caminho certo
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