domingo, 16 de junho de 2024

Charles Harold Dodd - A Interpretação Do Quarto Evangelho

 



 

Sintesi: Paolo Cugini

 

Parte I

O Substrato

 

Capítulo I

Posição Dentro Do Cristianismo Primitivo

 

 

O Quarto Evangelho pertence só parcialmente à mesma classe que os Sinóticos. Seu contexto verdadeiro é só em parte aquele que ele condivide com os outros evangelhos.

Os que ligam João muito intimamente à tradição paulina, são inclinados a subestimar, sua contribuição específica para a religião e a teologia do cristianismo primitivo. Sem dúvida, Paulo elucidou a questão judaica, e afirmou uma vez por todas a independência eclesial , espiritual e intelectual do cristianismo gentílico. Ele também abriu novas pistas usando maneiras correntes de pensar para esclarecer o evangelho cristão. Neste sentido ele pode ter preparado o caminho para a comunidade cristã joanina. Além disso, seu trabalho em Éfeso deve ter influenciado diretamente o círculo dentro do qual o Quarto Evangelho foi escrito, se não influenciou o próprio autor. Pode ser que a “Cristologia cósmica” de Paulo, como é chamada, fosse um fato sugestivo para estimular o pensamento do Quarto Evangelista. Mas não é prudente supor que Paulo seja a única origem desta cristologia; em todo caso, sua impostação global em Paulo e em João é tão diferente, que é precário supor qualquer conexão direta – certamente qualquer conexão literária – entre elas.

É claro que o evangelho tem atrás de si a cristandade comum do período primitivo, e que os leitores que participavam da vida e do pensamento da Igreja encontrariam aí muita coisa conhecida, a partir da qual podiam progredir em direção ao ensinamento novo e ainda não assimilado por eles.

Enquanto o leitor cristão instruído consegue perceber a importância das alusões ao Batismo e à Eucaristia, não existe nenhuma referência a eles como instituições da Igreja – por exemplo, não se prescreve o batismo “em Nome de”, como em Mateus, não se relata o batismo de Jesus (que era apresentado como sendo de certa forma o protótipo do batismo cristão), não é narrada a instituição da eucaristia nem se ordena que seja repetida sua celebração. O que João diz sobre o renascer ex ydatos kai pneumatos, e sobre o Pão da Vida, enquanto para o leitor cristão é entendido como referência à vida sacramental da Igreja, tem um significado próprio para os leitores alheios a este contexto cristão, contanto que estejam familiarizados com certas formas de simbolismo religioso existente além das fronteiras do cristianismo.

 Isto sugere que o evangelista tem em mira um público não-cristão, ao qual ele quer dirigir um apelo. Devemos considerar esta obra como dirigida a um vasto público, formado principalmente por pessoas religiosas e pensadoras (pois os descuidados e indiferentes jamais se dariam o trabalho de abrir um livro destes) que viviam na sociedade variada e cosmopolita de uma grande cidade helenista como era Éfeso no Império Romano.  (págs. 19,20, 21,23 e 25)

 

 

 

A Mais Elevada Religião Do Helenismo: A Leitura hermética

 

A doutrina do Logos, entretanto, à qual Agostinho especialmente se refere, não faz parte do sistema original de Platão, embora apareça no neoplatonismo de Plotino. Essa doutrina prende-se mais aos estóicos. Desde o tempo de Posidônio, que deu à filosofia estóica uma forte dose de platonismo, as duas escolas aproximaram-se uma da outra, e no nível da filosofia popular assumiu com freqüência a forma de um estoicismo platonizante ou de um platonismo estoicizante.

A fusão do platonismo com o estoicismo forneceu um organon aos pensadores da várias tendências que procuravam uma justificativa filosófica para a religião. Exemplo notável vamos encontrar na assim chamada literatura hermética. Os escritos herméticos que chegaram até nós são os restos de uma extensa literatura existente na antiguidade sob o nome de Hermes Trismegistus. Este personagem era representado como um sábio do antigo Egito, deificado após sua morte como o Hermes egípcio, isto é , o deus Tot. Grande parte desta literatura trata de astrologia, magia ou alquimia. Não é isto o que nos interessa aqui. Mas o nome de Hermes Trismegistus era também usado por escritores gregos ao abordarem assuntos filosóficos e religiosos.

Os escritores dos Hermética não formam uma escola no sentido estrito. A tese de que existiu uma “igreja” hermética, cujo sagrado cânon era o Corpus não se comprova com evidência. Suas doutrinas não podem ser reunidas num consistente e unificado sistema filosófico. Mas elas compartilham uma visão comum e um comum espírito religioso, e nos permitem formar uma idéia bastante coerente do modo de pensar do povo devoto e inteligente no mundo helenístico sob o Império Romano. A maior parte destes escritos são provavelmente mais tardios que o Quarto Evangelho, embora o mais antigo deles possa não ser muito posterior. Mas o tipo de pensamento religioso que eles representam pode ser seguido até um período mais antigo. Em particular, o essencial deles parece ser pressuposto em Fílon, pois enquanto  os traços não-hebraicos no pensamento de Fílon relembram os Hermética de modo bastante notável, não encontro razões para concluir que eles foram influenciados diretamente por Fílon.

Trata-se de uma religião de natureza singularmente pura e espiritual. Crêem em Deus, o Deus único, Criador e Pai do universo. Ele é sábio e bom e único (outos de kai kreitton kai eis kai monos ontos sophos ta panta, XIV.3). Os legomenoi theoi têm tão pouca pretensão à divindade no sentido absoluto como a têm os homens. Em especial ele é bom porque tudo dá e nada exige. Para os hermitistas em geral a exigência ética da religião refere-se à purificação pessoal e ao desapego das coisas materiais. É em Deus e no universo eterno que suas mentes estão fixas. O único caminho de salvação para o homem é o conhecimento de Deus. O mal supremo é ser ignorante do que é divino, mas ser capaz de conhecê-lo, desejar e esperar tal conhecimento, eis o caminho certo

 

 

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