sábado, 29 de junho de 2024

Hans-Georg Gadamer – Verdade e Método I -Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica

 



              Hans-Georg Gadamer

 

      Síntese Pe. Paolo Cugini


Introdução

 

               A presente investigação inicia, portanto, com uma crítica da consciência estética, a fim de defender a experiência da verdade que nos é comunicada pela obra de arte contra a teoria estética, que se deixa limitar pelo conceito da verdade da ciência. Mas não se limita à justificação da verdade da arte. Partindo dessa base, busca, antes, um conceito de conhecimento e de verdade que corresponda ao todo de nossa experiência hermenêutica. Tal como na experiência da arte, estamos às voltas com verdades que suplantam fundamentalmente o âmbito do conhecimento metodológico, algo semelhante se dá também no conjunto das ciências do espírito, onde nossa tradição histórica, mesmo sendo transformada em todas as suas formas em objeto de pesquisa, acaba, ela mesma, manifestando-se em sua verdade. A experiência da tradição histórica vai fundamentalmente além do que nela se pode investigar. Ela não pode simplesmente ser classificada como verdadeira ou falsa, no sentido determinado pela crítica histórica; transmite sempre a verdade, da qual devemos tirar proveito.      (p.31)

 

                                                       Primeira parte

 

              A liberação da questão da verdade a partir da experiência da arte

 

1.       A superação da dimensão estética

 

1.1.   A significação da tradição humanista para as ciências do espírito     

 

1.1.1.        O problema do método

 

A auto-reflexão lógica das ciências do espírito, que acompanha o seu efetivo desenvolvimento no século XIX, está completamente dominada pelo modelo das ciências da natureza. Mostra-o um simples olhar sobre a expressão “ciência do espírito”, na medida em essa expressão só recebe o significado que nos é familiar em sua forma plural. As ciências do espírito compreendem a si mesmas por analogia às ciências da natureza, e isso tão decisivamente que o eco idealismo que acompanha o conceito de espírito e de ciência do espírito retrocede a um segundo plano.             (p.37)

Mas o que representa o verdadeiro problema que as ciências filosóficas colocam ao pensamento é que não se consegue compreender corretamente a natureza das ciências do espírito, usando o padrão de conhecimento progressivo da legalidade. (Gesetzmassigkeit). A experiência do mundo sócio-histórico não se eleva ao nível de ciência pelo processo indutivo das ciências da natureza. O que quer que signifique ciência aqui, e mesmo que em todo conhecimento histórico esteja incluído o emprego da experiência genérica no respectivo objeto de pesquisa, o conhecimento histórico não aspira tomar o fenômeno concreto como caso de uma regra geral. O caso individual não se limita a confirmar uma legalidade, a partir da qual, em sentido prático, se poderia fazer previsões. Seu ideal é, antes, compreender o próprio fenômeno na sua concreção singular a histórica. Por mais que a experiência geral possa operar aqui, o objetivo não é confirmar nem ampliar essas experiências gerais, para se chegar ao conhecimento de uma lei – por exemplo, como se desenvolvem os homens, os povos, os estados –, mas compreender como este homem, este povo, este estado é o que veio a ser; dito genericamente, como pode acontecer que agora é assim.     

Na verdade, as ciências do espírito estão muito longe de se sentirem simplesmente inferiores às ciências da natureza. Na herança espiritual do classicismo alemão ela desenvolveram, antes, a consciência de orgulho de serem o verdadeiro suporte do humanismo. A época do classicismo alemão trouxe consigo apenas a renovação da literatura e da crítica estética, que superou o ideal de gosto barroco e racionalista do Aufklarung, mas deu também um conteúdo fundamentalmente novo ao conceito de humanidade, esse ideal da razão esclarecida. Foi sobretudo Herder quem superou o perfeccionismo do Aufklarung através do novo ideal de uma “formação para o humano”, preparando assim o terreno sobre o qual puderam se desenvolver, no século XIX, as ciências dos espíritos históricas. O conceito de formação, que naqueles tempos alcançou um valor predominante, foi, sem dúvida, o mais alto pensamento do século XVIII, e é esse conceito que caracteriza o elemento em que vivem as ciências do espírito do século XIX, mesmo que não saibam justificar isso epistemologicamente.             (p.43-44)

 

1.1.2.        Os conceitos básicos do humanismo

a) Formação (Bildung)

 

No conceito de formação percebe-se claramente quão profundamente é a mudança espiritual que nos permite parecer contemporâneos do século de Goethe, e, em contrapartida considerar a época barroca como um passado pré-histórico. Conceitos e palavras decisivas, com as quais costumamos trabalhar, foram cunhadas naquele tempo, e quem não quer se deixar levar pela linguagem, esforçando-se por alcançar uma autocompreensão histórica fundamentada, vê-se obrigado a encontrar um caminho entre questões da história da palavra e do conceito. No que segue, só poderemos esboçar alguns princípios de grande tarefa que se coloca aqui à pesquisa, princípios que servem ao questionamento filosófico que nos move. Conceitos tão familiares como “arte”, “história”, “criatividade”, “cosmo visão”, “vivência”, “gênio” , “mundo exterior”, “interioridade”, “expressão”, “estilo”, “símbolo”, guardam em si um grande potencial de desvelamento histórico.          (p.44)

O fato de a formação (assim como a tal palavras “Formation”) designar mais o resultado desse processo de devir do que o próprio processo corresponde a uma freqüente transferência do devir para o ser. Aqui a transferência é bastante evidente, pois o resultado da formação não se produz na forma de uma finalidade técnica, mas nasce do processo interior de formulação e formação, permanecendo assim em constante e evolução e aperfeiçoamento. Não é por acaso que, nesse particular, a palavra formação se pareça com a palavra grega physis. Assim como a natureza, a formação não conhece nada exterior às suas metas estabelecidas.          (p.46)

A formação como elevação à universalidade é, pois uma tarefa humana. Exige um sacrifício do que é particular em favor do universal. O sacrifício do particular, porém, significa, negativamente, inibição da cobiça e, com isso, liberdade de objeto da cobiça e liberdade para sua objetividade.          (p.48)

Com isso fica claro que o que perfaz a essência da formação não é o alheamento como tal, mas o retorno a si, que pressupõe naturalmente o alheamento. Nesse caso, a formação não deve ser estendida apenas como um processo que realiza a elevação histórica do espírito ao sentido universal, mas é também o elemento onde se move aquele que se formou. Que elemento será esse? Aqui começam as perguntas que tivemos que fazer a Helmholtz. A resposta de Hegel não poderá nos satisfazer, pois, para Hegel, a formação como movimento de alheamento e apropriação se realiza num total apoderamento da substância, na dissolução de toda essência objetiva, o que só se alcança no saber absoluto da filosofia.

Mas reconhecer que a formação seja algo como um elemento de espírito, isso não obriga a vincular-se à filosofia hegeliana do espírito absoluto, do mesmo modo que seu juízo acerca da historicidade da consciência não vincula à sua filosofia da história mundial. O que importa é ter claro que, também para as ciências históricas do espírito, que se distanciam de Hegel, a idéia da formação plena continua sendo um ideal necessário, uma vez que a formação é o elemento no qual se movimentam. Mesmo o que o antigo uso de linguagem denomina “uma formação completa”, âmbito do fenômeno corporal, não chega a ser a ultima fase de um desenvolvimento, mas o estado de amadurecimento que todo desenvolvimento deixou atrás de si, possibilitando o movimento harmonioso de todos os membros. Justamente nesse sentido as ciências do espírito pressupõe que a consciência científica já é algo formado, possuindo assim esse tato verdadeiramente inapreensível e inimitável, que sustenta a formação de juízo e o modo de conhecimento das ciências do espírito, como um elemento.            (p.50-51)

Não conseguiremos apreender corretamente a essência da própria memória caso vejamos nela apenas uma disposição ou capacidade genérica. Reter, esquecer e voltar a lembrar pertencem à constituição histórica do homem e fazem parte de sua história e formação. Quem exercita sua memória como uma mera capacidade – e toda técnica de memória e tal exercício – continua sem possuir o que é mais próprio da memória. A memória precisa ser formada, pois a memória não é memória em geral e para tudo. Para algumas coisas temos memória, para outras não; e algumas coisas queremos guardar na memória, outras banir. Estaria na hora do libertar e fenômeno da memória de seu nivelamento capacitativo que a psicologia lhe impôs e de reconhecê-lo como um traço essencial do ser histórico e limitado do homem. Desde há muito tempo que não levamos suficientemente em consideração que o esquecimento pertence à relação entre reter e lembrar.         (p.52)

Considerar com maior exatidão, estudar uma tradição com maior profundidade não bastam se não disporem de uma receptividade para o que há de diferente numa hora de arte ou no passado.       (p.53)     

                                                                    

 

b) Sensus communis

 

            Sendo assim, torna-se necessário voltar-nos para a tradição humanista e perguntar: que forma de conhecimento das ciências do espírito se poderá aprender dela? É aqui que o escrito de Vico, De nostri temporis studiorum ratione, apresenta um valioso ponto de referência. A defesa do humanismo empreendida por Vico, como já mostra o título, é medida pela pedagogia jesuíta e se dirige tanto contra Descartes como contra o jansenismo. Assim como seu esboço de uma “nova ciência”, esse manifesto pedagógico de Vico tem sua base plantada em velhas verdades. Por isso, se refere ao sensus communis, o senso comum, e ao ideal humanista da eloquentia, momentos que já existiam no antigo conceito do sábio. Desde antigamente, o “bem falar” (eu legein) é uma fórmula ambígua e não apenas um ideal retórico. Significa também dizer o que é correto, ou seja, o que é verdadeiro, e não somente a arte de falar, a arte de dizer bem alguma coisa.         (p.56)

 

c) Juízo

 

          Esse desenvolvimento do conceito no século XVIII, na Alemanha, pode ter dua bases na estreita ligação entre o conceito de sensus communis e conceito de juízo. A “sã compreensão humana”, chamada também de “compreensão comum”, é, de fato, caracterizada decisivamente pelo juízo. O que distingue um tolo de uma pessoa inteligente é que aquele não possui nenhum juízo, isto é, ele não consegue subsumir corretamente e, por isso, não é capaz de aplicar corretamente o que aprendeu e sabe. A introdução da palavra “juízo” no século XVIII quer, portanto, reproduzir adequadamente o conceito de iudicium, que de dever ser considerado como uma virtude espiritual fundamental. No mesmo sentido asseveram os filósofos moralistas ingleses que o julgamento moral e estético não obedece à reason, mas tem o caráter do sentiment (ou seja, do taste), e de análoga Tetens, um dos representantes do Aufklärung alemão, vê no sensus communis um “iudicium sem reflexão”. Na verdade, a atividade do juízo – de subsumir o particular no universal, de reconhecer algo como o caso de uma regra – não pode ser demonstrada logicamente. Por isso, o juízo se encontra em uma situação de perplexidade fundamental devido à falta de um princípio que poderia guiar sua aplicação. Para seguir esse princípio seria necessário lançar mão de outro juízo, como observa argutamente Kant. Não pode pois ser ensinado genericamente; só pode ser exercido de caso a caso e nesse sentido não passa de mais uma faculdade como são os sentidos. Trata-se de algo simplesmente impossível de ser aprendido, porque nenhuma demonstração conceitual pode guiar a aplicação de regras.            (p.70)

 

d) Gosto

 

           Mais uma vez temos de estender nossa busca, pois, na verdade, não se trata somente da redução do conceito do sentido comum ao conceito do gosto, mas também de uma redução do próprio conceito de gosto. A longa pré-história desse conceito, até transformado por Kant como o fundamento de sua crítica do juízo, permite reconhecer que originariamente o conceito do gosto possui um cunho muito mais moral do que estético. Descreve um ideal de genuína humanidade e deve sua cunhagem ao empenho de se distinguir criticamente do dogmatismo da “escola”. Foi só mais tarde que se restringiu o uso do conceito ao “espírito do belo”.             (p.74)

 

 

 

1.3.O resgate da questão pela verdade da arte

 

1.3.1. Os aspectos problemáticos da formação estética

 

           Onde predomina a arte passam a valer as leias da beleza e são ultrapassadas as fronteiras da realidade. É o “reino inicial”, a ser defendido contra toda limitação, até mesmo contra a tutela moral do Estado e da sociedade. Esse deslocamento interno na base ontológica da estética schilleriana está intimamente ligado como fato de que também seu enfoque extraordinário, presente nas Cartas sobre a educação estética, acaba se modificando ao longo da execução. Sabe-se que uma educação pela arte torna-se uma educação para a arte. No lugar da verdadeira liberdade ética e política, para o que a arte deve nos preparar, aparece a formação de um “estado estético”, uma sociedade cultural que se interessa pela arte. Com isso, também a superação do dualismo Kantiano entre mundo dos sentidos e mundo ético, representada pela harmonia da obra de arte e pela liberdade do jogo estético, transforma-se obrigatoriamente numa nova oposição. A reconciliação entre ideal e vida através da arte não passa de uma reconciliação particular. O belo e a arte emprestam à realidade somente um brilho efêmero e transfigurado. A liberdade do ânimo, à qual ambos elevam, só é liberdade num estado estético e não na realidade. Assim, na base da reconciliação estética do dualismo kantiano do ser e do dever abre-se um dualismo ainda mais profundo e insolúvel.  A poesia da reconciliação estética deve procurar sua própria autoconsciência, frente à prosa da realidade alheada.

           Não resta dúvida de que o conceito da realidade, ao qual Schiller opõe a poesia, já não é mais kantiano, uma vez que Kant, guiado por sua crítica á metafísica dogmática, restringe o conceito do conhecimento à possibilidade da “ciência natural pura”, outorgando uma validez indiscutível ao conceito nominalista de realidade, a perplexidade ontológica em se encontra a estética do século XIX acaba encontrando suas raízes, em ultima instância, no próprio Kant. Sob o domínio do preconceito nominalista só se pode compreender o ser estético de uma forma insuficiente e equívoca.

           No fundo, a liberação dos conceitos que impediam uma adequada compreensão do ser estético é devida antes de tudo à crítica fenomenológica aplicada á psicologia e à teoria do conhecimento do século XIX. Ela demonstrou que nos enganamos toda vez que buscamos pensar o modo de ser do estético a partir do ponto de vista da experiência da realidade ou quando buscamos compreendê-lo como uma modificação da mesma. Todos esses conceitos como imitação, aparência, desrealização, ilusão, magia, sonho pressupõem uma referência como um ser verdadeiro, do qual o ser estético se diferencia.               (p.132-133)

           O que chamamos de obra de arte e vivenciamos esteticamente repousa, portanto, sobre um produto da abstração. Na medida em que se abstrai de tudo em que uma obra se enraíza, como seu contexto de vida originário, isto é, de toda função religiosa ou profana em que se encontrava e em que possuía ser significado, então se tornará visível a “pura obra de arte”. Nesse sentido, a abstração da consciência estética produz algo que é, para si mesmo, positivo. Permite ver e existir por si mesmo aquilo que é a pura obra de arte. Chamo a esse seu produto de “distinção estética”          (p.135)

           O verdadeiro processo da formação, isto é, a elevação à universalidade, aparece aqui desagregado em si mesmo. A facilidade de a reflexão pensante em si movimentar em generalidade, em colocar qualquer conteúdo sob pontos de vista propostos e assim vesti-lo com pensamentos, é, segundo Hegel, a maneira de não se deixar envolver com o verdadeiro conteúdo dos pensamentos. A esse livre dissolver-se do espírito em si mesmo Immermann chama de algo dissipador. Com isso, descreve a situação introduzida pela literatura pela filosofia clássica da época de Goethe, em que os espíritos já encontravam prontas todas as formas de espírito e, por isso, o que se constituía no genuíno trabalho da formação, isto é, eliminar o que era estranho e tosco, acabava sendo trocado pelo desfrute do mesmo. Tinha se tornado fácil fazer uma boa poesia e por esse motivo tornara-se difícil ser um poeta.          (p.139)

 

1.3.2. Crítica da abstração da consciência estética

 

          O ver “estético” se caracteriza evidentemente pelo fato de não referir apressadamente o olhar a um universal, ao significado conhecido, a um fim planejado ou algo parecido, detendo-se antes nesse olhar como estético. Mas nem por isso deixamos de estabelecer esse tipo de referência nesse olhar; p. ex., esse fenômeno branco que admiramos esteticamente não deixamos de vê-lo como uma pessoa. Nossa percepção não é nunca um simples reflexo daquilo que foi proporcionado aos sentidos.             (p.141)

          O mero ver, o mero ouvir são abstrações dogmáticas que reduzem artificialmente os fenômenos. A percepção inclui sempre o significado. Por isso, procurar uma unidade da figura estética unicamente em sua forma e em oposição ao seu conteúdo não passa de um formalismo ao avesso, que, alem disso, não pode se reportar a Kant. Com o seu conceito da forma, Kant tinha em mente algo bem diferente. O conceito kantiano de forma designa a construção estética não frente ao conteúdo significativo de uma obra de arte mas frente ao mero estímulo sensível do que seja material. O chamado conteúdo objetivo não é, de forma alguma, uma matéria à espera de uma conformação posterior, mas na obra de arte o conteúdo encontra-se sempre vinculado à unidade de forma e significado.          (p.143)

 

         Se quisermos levar em conta a crítica à teoria da produtividade inconsciente do gênio, vemo-nos colocados de novo diante do problema que Kant tinha resolvido através da função transcendental que atribuiu ao conceito do gênio. O que é uma obra de arte e como se diferencia de um produto artesanal ou mesmo de uma “obra mal feita”, isto é, de algo de menor valor estético? Para Kant a para o idealismo, a obra de arte era definida como a obra do gênio. Sua característica de ser algo completamente bem-sucedido e exemplar confirmava-se ao oferecer um objeto inesgotável para ser desfrutado e observado, deter-se nele e interpretá-lo. O fato de que à genialidade do criar corresponda uma genialidade do desfrutar já estava na teoria kantiana do gosto e do gênio, e mesmo K.Ph. Moritz e Goethe ensinavam-no de modo ainda mais patente.          (p.145)

             O conceito da “cosmovisão”, que nos é familiar e que surge pela primeira vez em Hegel, na Fenomenologia do Espírito, para caracterizar a complementação postulatória da experiência ética fundamental em uma ordem moral do mundo, proposta por Kant e Fichte, só irá encontrar sua cunhagem genuína na estética. É a multiplicidade e a possibilidade de mudança das cosmovisões que acabou emprestando ao conceito “cosmovisão” esse tom que nos é familiar. Mas o exemplo-guia nesse sentido é a história da arte, porque essa multiplicidade histórica não pode ser abolida pela unidade de uma meta do progresso voltada para a verdadeira arte. É verdade que Hegel só consegui reconhecer a verdade da arte por tê-la sobrepujado com o saber conceitual da filosofia e construiu a história das cosmovisões bem com a história mundial e a história da filosofia a partir de uma completa autoconsciência do presente. Tampouco isso pode ser considerado um mero desvio do caminho, já que permitiu que ultrapassasse amplamente o campo do espírito subjetivo. Nessa ultrapassagem reside um momento da verdade permanente do pensamento de Hegel. Sabemos também que, na medida em que a verdade do conceito de torna assim todo-poderosa, subsumindo em si toda experiência, a filosofia de Hegel volta a negar o caminho da verdade que reconhecera na experiência da arte. Se procurarmos defender o que esse caminho comporta de razão, devemos prestar contas, por princípio, do que se compreende aqui por verdade. É nas ciências do espírito, em seu conjunto, onde devemos buscar uma resposta para essa pergunta. Pois estas não querem suprimir mas compreender a variabilidade de todas as experiências, quer seja a variabilidade da consciência estética ou histórica, quer a da consciência religiosa ou política, ou seja, reconhecer sua verdade. Ainda vamos discutir a relação recíproca entre Hegel e a autocompreensão das ciências do espírito representada pela “escola histórica” e como eles partilham o que possibilita uma compreensão adequada do que chamamos de verdade nas ciências do espírito. Não poderemos fazer justiça ao problema da arte partindo do ponto de vista da consciência estética, mas apenas partindo desse horizonte mais amplo.

            No início demos apenas um primeiro passo nessa direção ao procurar corrigir a auto-interpretação da consciência estética e ao recolocarmos a questão pela verdade da arte, a favor da qual testemunha a experiência estética. O que nos importa, portanto, é ver a experiência da arte de tal modo que venha a ser entendida como experiência. A experiência da arte não deve ser falsificada como um fragmento em posse da formação estética, não tenho neutralizada assim sua pretensão própria. Veremos que nisso reside uma conseqüência hermenêutica de longo alcance, na media em que todo encontro com a linguagem da arte é um encontro como um acontecimento inacabado, sendo ela mesma uma parte desse acontecimento. É isso o que se deve erigir contra a consciência estética e sua neutralização da questão da verdade.              (p.150-151)

 

2.2.4. A reconstrução e a integração como tarefas hermenêuticas

 

           A disciplina clássica que se ocupa da arte de compreender textos é a hermenêutica. Mas, se nossas reflexões são corretas, o verdadeiro problema da hermenêutica deve ser posto de uma maneira totalmente diferente da habitual. Deverá apontar para a mesma direção em que nossa crítica à consciência estética havia deslocado o problema da estética. A hermenêutica deveria então ser compreendida de um modo tão abrangente a ponto de incluir em si toda esfera da arte e sua problemática. Qualquer obra de arte, e não apenas as literárias, devem ser compreendidas ao mesmo sentido de qualquer outro texto, e isso requer capacidade. Como isso a consciência hermenêutica adquire uma extensão tão abrangente que ultrapassa a da consciência estética. A estética deve subordinar-se à hermenêutica. E esse enunciado não se refere apenas ao aspecto formal do problema, mas aplica-se antes de tudo ao conteúdo. A hermenêutica, ao contrário, dever determinar-se, em seu conjunto, de maneira a fazer justiça à experiência da arte. A compreensão deve ser entendida como parte do acontecimento semântico, no qual se forma e se realiza o sentido de todo enunciado, tanto os enunciados da arte quanto os de qualquer outra tradição.

           Como disciplina auxiliar da teologia e da filosofia, a hermenêutica experimentou no século XIX um desenvolvimento sistemático que a transformou em fundamento para o conjunto das atividades das ciências do espírito. Ela elevou-se fundamentalmente acima de seu objetivo pragmático original, ou seja, o de tornar possível ou facilitar a compreensão de textos literários. Não é somente a tradição literária que representa o espírito alienado, necessitado de uma apropriação nova e mais viva; antes, tudo que já não está imediatamente em seu mundo e não se expressa nele e para ele, junto com a tradição, a arte de todas as demais criações espirituais do passado, o direito, a religião, a filosofia etc., encontram-se despojado de seu sentido original e dependem de um espírito que as interprete e intermedeie, espírito que, a exemplo dos gregos chamados de Hermes, o mensageiro dos deuses. É à gênese da consciência histórica que a hermenêutica deve sua função central no âmbito das ciências do espírito. Mas a questão é saber se o alcance do problema que ela coloca pode ser visto de maneira correta a partir das premissas da consciência histórica.

           O trabalho que se realizou até o presente, nesse terreno, sobretudo pela tentativa diltheyana de uma fundamentação hermenêutica das ciências do espírito e suas investigações sobre a gênese da hermenêutica, ficou a seu modo as dimensões do problema hermenêutico. Nossa tarefa atual poderia ser a de ser de tentar subtrair-nos da influência dominante da problemática diltheyana e dos preconceitos da “história do espírito” fundada por ele.

           Com o objetivo de dar uma idéia antecipada da questão e de estabelecer uma relação das consciências sistemáticas do que desenvolvemos até aqui com a ampliação que experimenta agora o nosso questionamento, faremos bem se nos ativermos de imediato à tarefa hermenêutica colocada pelo fenômeno da arte. Se por um lado conseguimos mostrar que a “distancia estética” é uma abstração que não pode suspender a pertença da obra de arte ao seu mundo, por outro, também é incontestável que a arte ao seu mundo, por outro, também é incontestável que a arte jamais é passado, mas consegue superar a distancia dos tempos através da presença de seu próprio sentido. Assim, parece que a partir de um duplo ponto de vista o exemplo da arte nos mostra um caso privilegiado de compreensão. A arte não é mero objeto da consciência histórica, e, no entanto a sua compreensão implica sempre uma mediação histórica. Diante disso, como determinar a tarefa de hermenêutica?

           Schleiermacher e Hegel poderiam representar as duas possibilidades extremas de resposta a essa pergunta. Suas respostas poderiam ser caracterizadas pelos conceitos de reconstrução e integração. Tanto para Schleiermacher e Hegel, no começo se encontra a consciência que provoca a reflexão hermenêutica. Entretanto, eles determinam a tarefa da hermenêutica de maneira bem diferente.              (p.232)

           Scheiermacher, de cuja teoria hermenêutica nos ocuparemos mais adiante, está totalmente empenhado em reconstruir na compreensão a determinação original de uma obra. Pois a arte e a literatura que nos são transmitidas do passado chegam a nós desenraizadas de seu mundo original. Nossas análises já demonstraram que isso vale para todas as artes e portanto também para a literatura, mas que se faz particularmente evidente nas artes plásticas. Schleiermacher escreve que “a partir do momento em que as obras de arte entram em circulação” o natural e originário já foram perdidos. “Ou seja, cada uma tem uma parte de sua compreensibilidade a partir de sua determinação original”. “Por isso, a obra de arte perde algo de seu significado quanto é arrancada de seu contexto originário e este não foi conservado historicamente.” Ele chega, inclusive, a dizer: “Assim, uma obra de arte está enraizada também no seu solo e chão, no seu entorno. Ao ser retirada desse entorno e entrar em circulação, perde o significado, é como algo que foi salvo de fogo e agora traz as marcas de queimado”

           Será que isso não implica que a obra de arte somente tem seu verdadeiro significado ali onde originalmente pertence? Será que compreender seu significado não será de algum modo restabelecer o originário? Se sabemos e reconhecemos que a obra de arte não é um objeto atemporal da vivencia estética mas pertence a um mundo e somente este poderá determinar plenamente o seu significado, parece que devemos concluir que o verdadeiro significado da obra de arte só pode ser compreendido a partir desse “mundo”, portanto, principalmente a partir da sua origem e de seu surgimento. A reconstrução do “mundo” a que pertence, a reconstrução do estado original que havia na “intenção” do artista criador, e execução da obra no seu estilo original, todos esses meios de reconstrução histórica teriam então o direito de reivindicar que eles tornam compreensível o verdadeiro significado da obra de arte e que devem protegê-la contra mal-estendidos e falsas atualizações. Essa é, efetivamente, a idéia de Schleiermacher, o saber histórico abre a possibilidade de suprir o que foi perdido e reconstruir a tradição, na medida em que nos devolve o ocasional e o originário. Assim, o empenho hermenêutico se orienta para a recuperação do “ponto de conexão” (Anknüpfungspunkt) no espírito do artista, o único a tornar inteiramente compreensível o significado de uma obra de arte, como faz, por outro lado, no caso de textos onde a hermenêutica se esforça por reproduzir a produção original do autor.

           É claro que a reconstrução das condições sob as quais uma obra transmitida cumpria sua determinação original constituiu uma operação auxiliar verdadeiramente essencial para a compreensão. Apenas temos que perguntar se o que se alcança por esse caminho é realmente o que buscamos quanto tentamos encontrar o significado da obra de arte, e se determinamos corretamente a compreensão quando a consideramos como uma segunda criação, como a reprodução da produção original. Uma tal determinação da hermenêutica acaba não sendo menos absurda do que toda restituição e restauração da vida passada. Face à historicidade de nosso ser, a reconstrução das condições originais, como toda e qualquer restauração, não passa de uma empresa impotente. A vida reconstruída recuperada do alheamento, não é a original. Com a persistência do alheamento, ela obtém uma existência secundaria da cultura. A tendência recente de devolver as obras de arte dos museus ao seu lugar original ou de reconstruir o aspecto original dos monumentos arquitetônicos só confirma este ponto de vista. Mesmo o quadro retirado do museu e recolocado na igreja ou o edifício reconstruído segundo o seu estado antigo não são o que foram: convertem-se em objeto para turistas. Igualmente a atividade hermenêutica que entenda a compreensão como a reconstrução do original não passa de um exercício de transmissão de um sentido morto.            (p.231, 232, 233 e 234)

 

 

 

                                                   SEGUNDA PARTE  

 

                           A EXTENSÃO DA QUESTÃO DA VERDADE À

                          COMPREENSÃO NAS CIÊNCIAS DO ESPÍRITO    

 

1.Preliminares históricas    

 

1.1.A problematicidade da hermenêutica romântica e sua aplicação à historiografia

1.1.1.      A transformação essencial da hermenêutica entre a Aufklärung e o Romantismo

 

           Se reconhecemos, então, como tarefa, seguir mais a Hegel do que a Schleiermacher, devemos acentuar a história da hermenêutica de um modo totalmente novo. Sua realização já não se dá liberando a compreensão histórica de todos os pressupostos dogmáticos, nem poderá considerar a gênese da hermenêutica sob o aspecto em que a apresentou Dilthey, seguindo os passos de Schleiermacher. Antes, nossa tarefa será retomar o caminho aberto por Dilthey, atendendo a objetivos diferentes dos que ele tinha em mente com sua autoconsciência histórica. Nesse sentido, deixamos totalmente de lado a interesse dogmático pelo problema hermenêutico que despertava o Antigo Testamento na Igreja primitiva, e nos contentamos em seguir o desenvolvimento do método hermenêutico da Idade Moderna, que desemboca no surgimento da consciência histórica.             (p.241)

  

 

 

             a) A pré-história da hermenêutica romântica

           

             A arte da compreensão e interpretação havia se desenvolvido por dois caminhos distintos, o teológico e o filológico, a partir de um estímulo análogo: a hermenêutica teológica, como mostrou muito bem Dilthey, a partir de sua defesa da compreensão reformista da Bíblia contra o ataque dos teólogos tridentinos e seu apelo ao caráter indispensável da tradição; a hermenêutica filológica apareceu como instrumental para as tentativas humanísticas de redescobrir a literatura clássica.        (p.241)     

           O sentido literal da Escritura não pode ser compreendido univocamente em todas as suas passagens nem a todo o momento. Pois o que guia a compreensão do individual é o todo da Escritura Sagrada, assim como que, por outro lado, só se pode alcançar esse todo tendo percorrido a compreensão do individual. Em si, essa relação circular de todos e das partes não é nenhuma novidades. A retórica antiga já sabia disso; ela comparava o discurso perfeito com um corpo orgânico e com a relação entra a cabeça e os membros. Lutero de seus seguidores transferiram essa imagem oriunda da retórica clássica para o procedimento da compreensão, e desenvolveram um princípio geral de interpretação de texto segundo o qual todos os aspectos individuais de um texto devem ser compreendidos a partir de contextus, do conjunto, e a partir do sentido unitário para o qual o todo está orientado, o scopus.            (p.243)

           A necessidade da interpretação histórica “segundo o espírito do autor” é, nesse caso, conseqüência do caráter hieroglífico e incompreensível do conteúdo. Ninguém iria interpretar Euclides observando a vida, o estudo e os costumes (vita, studium et mores) do autor, e isso valeria também para o espírito da Bíblia em questões de ordem moral (circa documenta moralia). E só porque nas narrações da Bíblia aparecem coisas incompreensíveis (res imperauctoris percipiamus). E aqui pouco importa se o sentido visado corresponde à nossa perspectiva; pois queremos conhecer unicamente o sentido das frases (o sensus orationium), não sua verdade (veritas). Para isso precisamos eliminar toda e qualquer pressuposição, inclusive a da nossa razão (e tanto mais a de nossos preconceitos) (§ 17).   

           A “naturalidade” da compreensão da Bíblia repousa, portanto, sobre o fato de que o que é evidente será visto e o não evidente tornar-se-á compreensível “historicamente”. A perturbação da compreensão imediata das coisas em sua verdade é o que motiva o rodeio pelo histórico. Uma questão bem diferente é saber o que significa o princípio interpretativo, assim formulado, para a relação específica de Spinoza, a amplitude do que na Bíblia só se pode compreender historicamente é muito grande, embora o espírito do conjunto (quod ipsa veram virtutem doceat) seja evidente, e mesmo que o evidente possua um significado predominante.

           Assim, remontamos à pré-história da hermenêutica histórica, teremos de destacar de imediato que entre a filosofia e a ciência da natureza, em sua primeira auto-reflexão, se estabelece uma correlação muito estreita, que reveste de um duplo sentido. Por um lado, a “naturalidade” do procedimento da ciência natural pode ser aplicada também ao posicionamento frente à tradição bíblica – e para isso serve-se do método histórico. Mas por outro lado também a naturalidade da arte filológica praticada na exegese bíblica, a arte de compreender pelo contexto, impõe ao conhecimento da natureza a tarefa de decifrar o “livro da natureza”. Nesse sentido, o modelo da filologia pode orientar o método da ciência da natureza.

           Ali se mostra que o saber instituído pela Escritura Sagrada e pelas autoridades é o adversário contra o qual a nova ciência da natureza deve se impor. Diferentemente daquela, esta tem sua verdadeira essência em sua metodologia própria, que através da matemática e da razão c conduz a evidência do que é compreensível em si mesmo.            (p.251)

           Por certo que Schleiermacher não foi o primeiro a restringir a tarefa da hermenêutica em tornar compreensível a intenção de outras pessoas expressa em discursos e textos. A arte da hermenêutica jamais foi o organon da investigação das coisas. Desde o início, isso a distinguiu daquilo que Schleiermacher chama de dialética. Entretanto, sempre que alguém se esforça por compreender – por exemplo, a Escritura Sagrada ou os clássicos –, está operando, indiretamente, uma referência à verdade que está oculta no texto e que deve vir à luz. Na realidade, o que se deve compreender não é um pensamento enquanto um momento vital, mas enquanto uma verdade. Este é o motivo por que a hermenêutica possui uma função auxiliar, permanecendo subordinada à investigação da coisa em questão. Também Schleiermacher leva isso em conta, desde o momento em que relaciona a hermenêutica por princípio – no sistema das ciências – à dialética.

           Mesmo assim, a tarefa que ele se impõe é precisamente isolar o procedimento de compreender. Trata-se de torná-lo autônomo, como uma metodologia própria. Para  Schleiermacher, isso implica a necessidade de libertar-se das tarefas redutoras que determinavam a essência da hermenêutica em seus predecessores, Wolf e Ast. Não aceita a restrição às línguas estrangeiras nem a restrição aos escritores, “como se a mesma coisa não pudesse ocorrer igualmente na conversação e escutando diretamente um discurso. 

           Isso significa bem mais do que expandir o problema hermenêutico da compreensão do que foi fixado por escrito à compreensão do discurso em geral – percebe-se aqui um deslocamento de caráter fundamental. O que deve ser compreendido não é a literalidade das palavras e seu sentido objetivo, mas também a individualidade de quem fala ou do autor. Schleiermacher entende que os pensamentos só podem ser compreendidos adequadamente retrocedendo até sua gênese. O que para Spinoza representa um caso extremo da compreensibilidade adequadamente retrocedendo até sua gênese. O que para Spinoza representa um caso extremo da compreensibilidade, obrigando, com isso, a um rodeio histórico, converte-se para ele no caso normal e constitui a pressuposição a partir da qual desenvolve a teoria da compreensão. O que ele encontra “em geral relegado e em parte até mesmo completamente abandonado” é o “o compreender uma série de idéias como um momento vital que irrompe, como um ato que está em conexão com muitos outros, inclusive de natureza diferente.

           Assim ao lado da interpretação gramatical, ele coloca a interpretação psicológica (técnica) – e é aqui que se encontra sua contribuição mais genuína. No que se segue, deixaremos de lado as elaborações, em si mesmo perspicazes, elaborados por Schleiermacher sobre a interpretação gramatical. Elas são primorosos para o que a totalidade prévia da linguagem desempenhada para o autor – e com isso também para seu intérprete –, assim como para o significado do todo de uma literatura para cada obra individual. Como uma nova investigação do legado de Schleiermacher torna provável, pode ser que a interpretação psicológica só aos poucos tenha ganho sua posição de destaque no desenvolvimento do pensamento de Schleiermacher. Seja como for, essa interpretação psicológica tornou-se realmente determinante para a formação das teorias do século XIX – para Savigny, Boeckh, Steinthal e sobretudo para Dilthey.

           Para Schleiermacher, a cisão metodológica entre filologia e dogmática continua sendo essencial, até mesmo e relação à Bíblia, onde a interpretação psicológico-individual de cada um de seus autores é menos importante do que a significação do que é dogmaticamente unitário e comum. A hermenêutica abrange a arte da interpretação gramatical e psicológica. Mas o que há de mais próprio sem Schleiermacher é a interpretação psicológica. É, em ultima análise, um comportamento divinatório, um transferir-se para dentro da constituição completa do escritor, um conceber o “decurso interno” da feitura da obra, uma reformulação do ato criador. A compreensão é, pois, uma reprodução do ato criador, a compreensão é, pois, uma reprodução referida à produção original, um reconhecer do conhecido (Boeckh), uma reconstrução que parte do momento vivo da concepção, da “decisão germinal” como o ponto de organização da composição.            (p.255, 256, 257 e 258)

           Uma das características de Schleiermacher é procurar em tudo esse momento da produção livre. Schleiermacher irá fazer essa mesma distinção também no diálogo, de que se falava há pouco: ao lado do “diálogo livre”; ele atribuiu esse diálogo livre ao pensamento artístico. Nesse os pensamentos “quase não são levados em consideração” pelo seu conteúdo. O diálogo não passa de uma estimulação recíproca na geração de pensamentos (“e seu fim natural não é outro que o esgotamento paulatino do processo descrito”), uma espécie de construção artística da relação recíproca da comunicação.            (p.259)

           O pressuposto de Schleiermacher é de que cada individualidade é uma manifestação da vida universal e assim “cada qual traz em si um mínimo de cada um dos demais, o que estimula a adivinhação por comparação consigo mesmo”. Assim, ele pode dizer que se deve conceber imediatamente a individualidade do autor, “transformando-se de certo modo no outro”. Ao pontualizar assim a compreensão no problema da individualidade, a tarefa da hermenêutica apresenta-se para Schleiermacher como uma tarefa universal. Pois tanto o extremo da estranheza quanto o da familiaridade dão-se com a diferença relativa de toda individualidade. O “método” da compreensão visará tanto o comum – por comparação – como peculiar – por adivinhação –, ou seja, terá de ser tanto comparativo como adivinhatório. Mas em ambas as perspectivas continuará sendo “arte”, porque não pode ser mecanizado como se fosse mera aplicação de regras. O adivinhatório continua indispensável.         (p.261)

           Examinemos agora mais de perto o que Schleiermacher entende por essa equiparação, pois, obviamente, não pode tratar-se de pura e simples identificação. A reprodução permanece essencialmente distinta da produção. É assim que Schleiermacher chega ao postulado de que importa compreender um autor melhor do que ele próprio se compreendeu – uma fórmula que, desde então, tem sido repetida incessantemente e cujas diversas interpretações marcam toda a história da hermenêutica moderna. De fato, esse postulado encerra o verdadeiro problema da hermenêutica. Por isso, vale a pena deter-nos um pouco mais sobre o sentido dessa fórmula.            (p.263)

           A fórmula de Schleiermacher, tal como ele a entende, não inclui mais a própria coisa de que se está falando, mas considera a expressão que representa um texto, abstraindo de seu conteúdo de conhecimento, como uma produção livre. Corresponde a isso o fato de que ele orienta a hermenêutica que nele está voltada para a compreensão de tudo que pertence à linguagem, segundo o modelo estandártico da própria linguagem. O falar do indivíduo é efetivamente um fazer livre e configurador, por mais que suas possibilidades estejam restritas pela estruturação fixa da língua. A linguagem é um campo de expressão e sua primazia no campo da hermenêutica significa, para Schleiermacher, que ele, como intérprete, considera os textos como puros fenômenos de expressão, à margem de sua pretensão de verdade.          (p.269)

           Desse modo, a hermenêutica romântica e seu pano de fundo, a metafísica panteísta da individualidade, foram determinantes para a reflexão teórica de investigação da história do século XIX. Isso foi decisivo para o destino das ciências do espírito e para a concepção do mundo da escola histórica, a filosofia hegeliana da história universal compreendeu o significado da história para o ser do espírito e para o conhecimento da verdade com uma profundidade incomparavelmente maior que aqueles grandes historiadores que não quiseram reconhecer sua dependência com respeito a ele. O conceito da individualidade de Schleiermacher, que caminhava lado a lado com os interesses da teologia, da estética e da filologia, não somente era uma instância crítica contra a construção apriorística da filosofia da história como oferecia às ciências históricas, ao mesmo tempo, uma orientação metodológica que as remetia, num grau não inferior às ciências da natureza, à investigação, isto é, à única base que sustenta uma experiência progressiva. Assim, a resistência contra a filosofia da história universal acabou empurrando-a para os ductos da filologia. Ser orgulho estava em que tal metodologia não pensava o contexto (Zusammenhang) da história universal teleologicamente, a partir de um estado final, como era o estilo do Aufklärung pré-romântico ou pós-romântico, estado que seria igualmente o fim da história, o dia final da história universal. Ao contrário, para ela não há nenhum final e nenhum fora, além da história. Só se pode alcançar a compreensão de decurso total da história universal a partir da própria tradição histórica. E esta é justamente a pretensão da hermenêutica filológica, ou seja, a pretensão de que o sentido de um texto pode ser compreendido por si próprio. Por conseqüência, a base da historiografia é a hermenêutica.         (p.271-272)

 

1.3.A superação do questionamento epistemológico pela investigação fenomenológica  

 

1.3.1. O conceito de vida em Husserl e no Conde Yorck 

 

           Para cumprir a tarefa que se nos propõe, é natural que o idealismo especulativo nos ofereça melhores possibilidades das que perceberam Schleiermacher e a hermenêutica que a ele se vincula. É que o idealismo especulativo o conceito do dado, da positividade, havia sido submetido a uma profunda crítica. E foi justamente a ela que Dilthey tentou apelar para a sua filosofia da vida. Ele escreve: “Através de que designa Fichte o ínicio de algo novo? Pelo fato de partir da instituição intelectual do eu, porém concebendo-o não como uma substância, um ser, um dado, mas justamente por meio dessa intuição, isto é, desse difícil aprofundamento do eu em si próprio, o concebe como vida, atividade, energia, e, por conseqüência, mostra nele a realização de conceitos de energia como oposição e outros”. Da mesma forma, Dilthey acabou reconhecendo no conceito hegeliano do espírito a vitalidade de um genuíno conceito histórico. Nessa mesma direção atuaram alguns de seus contemporâneos, como já destacamos na análise do conceito da vivência: Nietzsche, Bergson, este já um tardio seguidor da crítica romântica contra a forma de pensar da mecânica, e Georg Simmel. Mas, de modo geral, foi somente Heidegger quem tornou consciente a radical exigência que se coloca ao pensamento em virtude da inadequação do conceito de substância para o ser e pra o conhecimento histórico. É só através dele que se libertou a intenção filosófica de Dilthey. O trabalho de Heidegger engata da investigação da intencionalidade da Fenomenologia de Husserl, que representa uma ruptura decisiva, na medida em que não se constituía no platonismo extremo que Dilthey via ali.

           Ao contrário, graças à evolução da grande edição das obras de Husserl que nos permite ter uma idéia melhor da lenta maturação do pensamento, fica cada vez mais claro que, com o tema da intencionalidade, institui-se uma crítica cada vez mais radical ao “objetivismo” da filosofia tradicional – incluindo Dilthey –, que deveria culminar na pretensão de “que a fenomenologia intencional, pela primeira vez, fez do espírito enquanto espírito um campo de experiência sistemática e uma ciência, dando assim uma reviravolta total à tarefa do conhecimento. A universalidade do espírito absoluto abarca todo o ente numa historicidade absoluta, na qual se incluiu na natureza como uma construção do espírito. Não é por acaso que, aqui, o espírito como o único absoluto, isto é, não relativo, se oponha à relatividade que se lhe manifesta; sim, o próprio Husserl reconhece a continuidade entre sua fenomenologia e o questionamento transcendental de Kant e de Fichte: “Mas para ser mais correto é preciso que se acrescente que o idealismo alemão que parte de Kant já estava apaixonadamente preocupado em superar a ingenuidade que já era bem visível (sc. do objetivismo).

           Essas declarações de Husserl tardio já podem ter sido motivadas pela confrontação com Ser e tempo, mas a elas precedem inumeráveis tentativas de Husserl, demonstrando que ele tinha sempre em vista a aplicação de suas idéias aos problemas das ciências históricas do espírito. Aqui, portanto, não se trata de um ponto de conexão periférico com trabalho de Dilthey ou, mais tarde, com o de Heidegger. Representa, antes, a conseqüência de sua própria crítica à psicologia objetivista e ao pseudoplatonismo da filosofia da consciência. É o que fica perfeitamente claro após a publicação das Ideen II.          (p.326, 327 e 328)

          Com isso conquista-se a idéia da “fenomenologia”, ou seja, a desvinculação de toda posição do ser e a investigação dos modos subjetivos de as coisas se darem, transformando-a num programa universal de trabalho que deveria permitir a compreensão de toda objetividade, de todo sentido do ser. Agora, também a subjetividade humana possui validez ontológica. Também ela deve ser vista como “fenômeno”, ou seja, deve ser examinada em toda a variedade de seus modos de doação. essa investigação do eu como fenômeno não é “percepção interior” de um eu real. Mas tampouco é mera reconstrução da “conscienciabilidade”, isto é, a relação dos conteúdos da consciência como um pólo transcendental do eu (Natorp); é antes um tema altamente diferenciado, próprio da reflexão transcendental. Frente a um mero dar-se dos fenômenos da consciência objetiva, um dar-se das vivências intencionais, essa reflexão representa o acréscimo de uma nova dimensão da pesquisa, pois existem também dados que, de sua parte, não são objetivo de atos intencionais. Toda vivência implica os horizontes do anterior e do posterior e se funde, em ultima análise, com o continuum das vivencias presentes no anterior e no posterior para formar a unidade do fluxo da vida.     (p.328-329)

           Sem dúvida, o conceito e o fenômeno de horizonte contêm um significado importante para a investigação fenomenológica de Husserl. Através desse conceito, que também nós teremos ocasião de empregar, Husserl procura evidentemente fazer a transição de toda intencionalidade restrita da intenção à continuidade sustentadora de todo. Um horizonte não é uma fronteira rígida, mas algo que se desloca com a pessoa e que convida a que se continue a caminhar. Desse modo, à intencionalidade- horizonte que constitui a unidade do nexo vivencial corresponde uma intencionalidade-horizonte igualmente abrangente por parte dos objetos.  Pois tudo o que está dado como ente está dado do mundo e leva consigo o horizonte do mundo. Em suas retratações com relação a Ideen I, Husserl ressaltou, numa expressa autocrítica, que naquela época (1923) ainda não tinha compreendido suficientemente o significado do fenômeno do mundo. A teoria da redução transcendental que ele havia publicado em Ideen acabaria se tornando cada vez mais complexa. Já não podia bastar a mera suspensão de validade das ciências objetivas, porque mesmo na realização da epoche, na suspensão da posição ontológica do conhecimento científico, o mundo mantém sua validez como algo dado previamente. Nesse sentido a auto-reflexão epistemológica que indaga pelo a priori, pelas verdades eidéticas das ciências, não é suficientemente radical.            (p.330)

           O conceito de mundo da vida se opõe a todo objetivismo. Trata-se de um conceito essencialmente histórico, que não tem em mente um universo do ser, um “mundo que é”. Nem mesmo a idéia infinita de um mundo verdadeiro, a partir da progressão infinita dos mundos humanos e históricos, pode ser formulada com sentido da experiência histórica. É verdade que se pode indagar pela estrutura do que abrange a todos os entornos já experimentados pelos homens, o que representa a possível experiência do mundo por excelência e, nesse sentido, pode-se perfeitamente falar de uma ontologia do mundo. Uma tal ontologia do mundo continuaria sendo algo bastante diferente do que poderiam produzir as ciências da natureza, pensadas em seu estado de perfeição. Ela representaria uma tarefa filosófica que tomaria como objeto a estrutura essencial do mundo. Mas o mundo da vida quer dizer outra coisa; significa o todo em que estamos vivendo enquanto seres históricos. E aqui já não se pode evitar a conclusão de que, diante da historicidade da experiência implicada nela, a idéia de um universo de possíveis mundos históricos da vida é fundamentalmente irrealizável. A infinitude do passado, mas sobre tudo o caráter aberto do futuro histórico, não são conciliáveis com essa idéia do universo histórico. Husserl extraiu explicitamente essa conclusão, sem retroceder ante o “fantasma” do relativismo.        (p.332)

          Em Husserl já podemos constatar um momento que de fato ameaça constantemente despedaçar esse quadro. Na verdade sua, sua posição é bem mais que uma radicalização do idealismo transcendental, e, para esse “mais”, a função que o conceito “vida” recebe nele é decisiva. “Vida” é também e não menos a subjetividade transcendentalmente reduzida, que é a fonte de todas as objetivações. Assim, sob o título “vida”, encontra-se o que Husserl destaca como sua contribuição própria à crítica da ingenuidade objetivista de toda a filosofia tradicional. A seus olhos, ela consiste em haver desvendado o caráter de aparência que marcar a controvérsia epistemológica habitual entre realismo e em haver tematizado em seu lugar a coordenação última entre subjetividade e objetividade. É assim que se esclarece a formulação: “ vida produtiva”. “A consideração radical do mundo é pura e sistemática consideração interior da subjetividade que se exterioriza a si mesma no ‘exterior’. É como a unidade de um organismo vivo, que pode ser observado e analisado de fora, mas que só pode ser compreensível nas vivências conscientes e em sua intencionalidade, mas nos “desempenhos” anônimos da vida. A comparação do organismo utilizada aqui por Husserl é mais do que uma comparação. Como ele expressamente, deve ser tomada ao pé da letra.          (p.333-334)

           A vida se determina pelo fato de o ser vivo distinguir-se do mundo em que vive e ao qual permanece unido, manter-se nessa sua autodistinção. A autoconservação do ser vivo se produz de tal modo que entrega em si o ente que está fora dele. Todo ser vivo se nutre do que lhe é estranho. A situação fundamental do ser vivo é a assimilação. A distinção portanto torna-se ao mesmo tempo um não-distinção. O estranho é apropriado.            (p.339)

           A fenomenologia hermenêutica de Heidegger e a análise da historicidade da presença buscavam uma renovação geral da questão do ser e não uma teoria das ciências do espírito ou uma superação das aporias do historicismo. Esses eram meros problemas atuais que permitiam demonstrar as conseqüências de sua renovação radical da questão do ser. Mas graças precisamente à radicalidade de seu questionamento pôde sair do labirinto em que se haviam deixado apanhar Dilthey e Husserl com suas investigações sobre os conceitos fundamentais das ciências do espírito.         (p.346)

           Compreender não é um ideal resignado da experiência de vida humana na idade avançada do espírito, como em Dilthey, mas tampouco é, como em Husserl, um ideal metodológico último da filosofia frente à ingenuidade do ir vivendo. É, ao contrário, a forma originária de realização da pre-sença, que é ser-no-mundo. Antes de toda diferenciação da compreensão nas diversas direções do interesse pragmático ou teórico, a compreensão é o modo de ser da pre-sença, medida em que é poder-ser e “possibilidade”.          (p.347)

 

2.      Os traços fundamentais de uma teoria da experiência hermenêutica

 

2.1.A elevação da historicidade da compreensão a um princípio hermenêutico      

 

2.1.1.      O círculo hermenêutico e o problema dos preconceitos

 

a)      A descoberta de Heidegger da estrutura prévia da compreensão

 

      Heidegger só se interessa pela problemática da hermenêutica histórica e da crítica histórica com a finalidade ontológica de desenvolver, a partir delas, a estrutura prévia da compreensão. Nós, ao contrário, uma vez tendo liberado a ciências das inibições ontológicas do conceito de objetividade, buscamos compreender como a hermenêutica pôde fazer jus à historicidade da compreensão. A auto compreensão tradicional da hermenêutica repousava sobre seu caráter de ser uma disciplina técnica. Isso vale inclusive para a ampliação diltheyana da hermenêutica à dimensão de organon das ciências do espírito. Pode até parecer duvidoso que exista uma tal disciplina técnica da compreensão; sobre isso voltaremos mais adiante. Em todo caso, precisamos compreender quais as conseqüências para a hermenêutica das ciências do espírito são provocadas pelo fato de Heidegger derivar fundamentalmente a estrutura circular da compreensão a partir da temporalidade da pre-sença. Essas conseqüências não precisam ser as de uma teoria que se aplica à práxis. Muito menos a práxis precisa ser exercida de maneira diferente, de acordo com sua parte. Poder ser que a conseqüência disso seja a necessidade de corrigir a autocompreensão que se exerce constantemente na compreensão, livrando-a de adaptações inadequadas. Esse processo iria beneficiar a arte do compreender apenas de modo indireto.

           É por isso que retomamos a descrição heideggeriana do círculo hermenêutico a fim de que o novo e fundamental significado que adquire aqui a estrutura circular possa se tornar fecundo para nosso propósito. Heidegger escreveu: “Embora possa ser tolerado, o círculo não deve ser degradado a círculo vicioso. Ele esconde uma possibilidade positiva do conhecimento mais originário, que, evidentemente, só será compreendida de modo adequado quando ficar claro que a tarefa primordial, constante e definitiva da interpretação continua sendo não permitir que a posição prévia, a visão prévia e a concepção prévia (Vorhabe, Vorsicht, Vorbegriff) lhe sejam impostas por intuições ou noções populares. Sua tarefa é, antes, assegurar o tema científico, elaborando esses conceitos a partir da coisa, ela mesma.”

           O que Heidegger aqui não é em primeiro lugar uma exigência à práxis da compreensão, mas descreve a forma de realização da própria interpretação compreensiva. A reflexão hermenêutica de Heidegger tem seu ponto alto não no fato de demonstrar que aqui prejaz um círculo, mas que este círculo tem um sentido ontológico positivo. A descrição como tal será evidente para qualquer intérprete que saiba o que faz. Toda interpretação correta tem que proteger-se a arbitrariedade de intuições repentinas e da estreiteza dos hábitos de pensar imperceptíveis, e voltar seu olhar para “as coisas elas mesmas” (que para os filósofos são textos com sentido, que tratam, por sua vez, de coisas). Esse deixar-se determinar assim pela própria coisa, evidentemente, não é para intérprete um decisão “heróica”, tomada de uma vez por todas, mas verdadeiramente “a tarefa primeira, constante e ultima”. Pois o que importa é manter a vista atenta à coisa através de todos os desvios a que vê constantemente submetido o intérprete em virtude das idéias que lhe ocorrem. Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se avança da penetração do sentido.

           Essa descrição é, naturalmente, uma abreviação rudimentar. O fato de toda revisão do projeto prévio estar na possibilidade de antecipar um novo projeto de sentido; que projetos rivais possam se colocar lado a lado na elaboração, até que se estabeleça univocamente a unidade do sentido; que a interpretação comece com conceitos prévios que serão substituídos por outros mais adequados; justamente todo esse constante reprojetar que perfaz o movimento de sentido do compreender e do interpretar é o processo descrito por Heidegger. Que buscar compreender está exposto a erros de opiniões prévias que não se confirmam nas próprias coisas. Elaborar os projetos corretos e adequados às coisas, que como projetos são antecipações que só podem ser confirmadas “nas coisas”, tal é a tarefa constante da compreensão. Aqui não existe outra “objetividade” a não ser a confirmação que uma opinião prévia obtém através de sua elaboração. Pois o que é que caracteriza a arbitrariedade das opiniões prévias inadequadas senão o fato de que no processo de sua execução acabam sendo aniquiladas? A compreensão só alcança sua verdadeira possibilidade quando as opiniões prévias com as quais inicia não forem arbitrárias. Por isso, faz sentido que o intérprete não se dirija diretamente aos textos a partir da opinião prévia que lhe é própria, mas examine expressamente essas opiniões quanto à sua legitimação, ou seja, quanto à sua origem e validez.

           Essa exigência fundamental deve ser pensada como a radicalização de um procedimento que na realidade exercemos sempre que compreendemos algo. Diante de qualquer texto, nossa tarefa é não introduzir, direta e acriticamente, nossos próprios hábitos extraídos da linguagem – ou, no caso de uma língua estrangeira, o hábito que nos é familiar por meios de autores ou de nosso trato cotidiano com a linguagem. Ao contrário, reconhecemos que a nossa tarefa é alcançar a compreensão do texto somente a partir do hábito da linguagem da época e de seu autor. Naturalmente, o problema é saber como se pode satisfazer essa exigência geral. Sobretudo no campo da teoria do significado, o caráter inconsciente dos próprios hábitos de linguagem opõe-se a isso. Como é possível conscientizar-nos das diferenças existentes entre o uso costumeiro da linguagem e o uso do texto?

           Em geral é preciso dizer que o que nos faz parar e perceber uma possível diferença do uso da linguagem é só a experiência do choque que um texto nos causa – seja porque ele não faz nenhum sentido, seja porque seu sentido não concorda com essas expectativas. Existe uma pressuposição geral de que alguém que fala a mesma língua que toma as palavras que emprega no sentido que me é familiar; essa pressuposição somente se torna questionável em casos excepcionais. O mesmo ocorre no caso de uma língua estrangeira que supomos conhecer mediatamente; e também na compreensão de um texto pressupomos esse uso mediato da língua.             (p.354, 355, 356 e 357)

           A tarefa hermenêutica se converte por si mesma num questionamento pautado na coisa em questão, e já se encontra sempre determinada por esta. Assim, o empreendimento hermenêutico ganha um solo firme sob seus pés. Aquele que quer compreender não pode se entregar de antemão ao arbítrio de sua próprias opiniões prévias, ignorando a opinião do texto de maneira mais obstinada e conseqüente possível – até que este acabe por não poder ser ignorado e derribe a suposta compreensão. Em princípio, quem quer compreender um texto deve estar disposto a deixar que este lhe diga alguma coisa. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente deve, desde o princípio, mostrar-se receptiva à alteridade do texto. Mas essa receptividade não pressupõe nem uma “neutralidade” com relação à coisa tampouco um anulamento de si mesma; implica antes de uma destacada apropriação das opiniões prévias preconceitos pessoais. O que importa é dar-se conta dos próprios pressupostos, afim de que o próprio texto possa apresentar-se em sua alteridade, podendo assim confrontar sua verdade com as opiniões prévias pessoais.         (p.358)

           O historicismo, apesar de toda sua crítica ao racionalismo e à teoria do direito natural, encontra-se ele mesmo sobre o solo da Aufklärung moderna, compartilhando, inadvertidamente, de seus preconceitos. Há com efeito também um preconceito da Aufklärung que suporta e determina sua essência: é o preconceito contra os preconceitos em geral e,  com isso, a despotenciação da tradição.        (p.360)

 

b)      O descrédito sofrido pelo preconceito através da Aufklärung

 

       Seguindo a teoria dos preconceitos desenvolvida na Aufklärung, podemos encontrar a seguinte divisão básica: é preciso distinguir entre os preconceitos da estima humana e os preconceitos por precipitação. Essa divisão tem seu fundamento na origem dos preconceitos, nas perspectivas das pessoas que os nutrem. O que nos induz a erros é a estima pelos outros, por sua autoridade, ou a precipitação que existe em nós mesmos. O fato de que a autoridade seja uma fonte de preconceitos coincide com o conhecimento princípio fundamental da Aufklärung formulado por Kant: tem coragem de ter servir de teu próprio entendimento. Embora se estenda para além do papel que os preconceitos desempenham na compreensão dos textos, a divisa citada acima encontra sua aplicação preferencial no âmbito da hermenêutica. Com efeito, a crítica da Aufklärung se dirige, em primeiro lugar, contra a tradição religiosa do cristianismo, portanto, a Sagrada Escritura. Compreendendo a Escritura como um documento histórico, a crítica bíblica põe em dúvida sua pretensão dogmática. Por isso, lhe é particularmente central o problema hermenêutico. Ela procura compreender a tradição corretamente, isto é, isenta de todo preconceito e racionalmente. Mas isso traz uma dificuldade muito especial, na medida em que o mero fato da fixação por escrito contem em si própria um momento autoritativo do particular importância. Não é fácil levar a efeito a possibilidade de o escrito não ser verdade. O escrito tem a palpabilidade do que é demonstrável, é como uma peça comprobatória. Torna-se necessário um esforço crítico especial para nos libertarmos do preconceito cultivado a favor do escrito e distinguir, também aqui, como em qualquer afirmação oral, entra opinião e verdade. Seja como for, a tendência geral da Aufklärung é não deixar valer autoridade alguma e decidir tudo diante do tribunal da razão. Assim, a tradição escrita, a Sagrada Escritura, como qualquer outra informação histórica, não podem valer por sim mesmas. Antes, a possibilidade de que a tradição seja verdade depende da credibilidade que a razão lhe concede. A fonte última de toda autoridade já não é a tradição mas a razão. O que está escrito não precisa ser verdade. Nós podemos sabê-lo melhor. Essa é a máxima geral com a qual Aufklärung moderna enfrenta a tradição, e em virtude da qual acaba ela mesma convertendo-se em investigação histórica. Torna-se a tradição objeto da crítica, tal qual o faz a ciência da natureza com os testemunhos da aparência dos sentidos. Isso não significa que o “preconceito contra os preconceitos” deva ser em toda parte levado às conseqüências extremas do espiritualismo livre do ateísmo, como a Inglaterra e na França. Ao contrário, a Aufklärung alemã reconheceu de modo absoluto “os preconceitos verdadeiros” da religião cristã. Dado que a razão humana seria demasiado débil para passar em preconceitos, teria sido uma sorte se tivesse sido educada nos preconceitos verdadeiros.        (p.361, 362 e 363)

 

2.1.2.      Os preconceitos como condição da compreensão

 

a)      A reabilitação de autoridade e tradição

 

          Este é o ponto de partida do problema hermenêutico. Foi por isso que examinamos o descrédito do conceito do preconceito na Aufklärung. O que se apresenta sob a idéia de uma auto construção absoluta da razão como um preconceito restritivo na verdade faz parte da própria realidade histórica. Se quisermos fazer justiça ao modo de ser finito e histórico do homem, é necessário levar a cabo uma reabilitação radical do conceito do preconceito e reconhecer que existem preconceitos legítimos. Com isso a questão central de uma hermenêutica verdadeiramente histórica, a questão epistemológica fundamental, pode ser formulada assim: qual é a base que fundamenta a legitimidade de preconceitos? Em que se diferenciam os preconceitos legítimos de todos os inumeráveis preconceitos cuja superação representa a inquestionável tarefa de toda razão crítica?        (p.368)

           A reivindicação feita pela Aufklärung da oposição entra fé na autoridade e uso da própria razão tem sua razão de ser. Enquanto a validez da autoridade ocupar o lugar do juízo próprio, a autoridade será uma fonte de preconceitos. Mas isso não exclui o fato de que ela pode ser também uma fonte de verdade, o que a Aufklärung ignorou em sua pura e simples difamação generalizada contra a autoridade. Para nos certificarmos disso podemos nos reportar a um dos maiores precursores da Aufklärung européia, Descartes. Apesar de toda a radicalidade de seu pensamento metodológico, sabe-se que Descartes excluiu as coisas da moral das pretensões de uma reconstrução completa de todas as verdades a partir da razão. Este era o sentido de sua moral provisória. Parece-me sintomático o fato de que ele não tenha realmente sua moral definitiva e que, pelo que se pode observar em suas cartas a Elisabete, seus princípios não trazem nenhuma novidade sobre isso.          (p.370)

           Todavia, a essência da autoridade não é isso. Na verdade, a autoridade é, em primeiro lugar, uma atribuição a pessoas. Mas a autoridade das pessoas não tem seu fundamento último num ato de submissão e de abdicação da razão, mas num ato de reconhecimento e de conhecimento: reconhece-se que outro está acima de nós em juízo e visão e que, por conseqüência, seu juízo precede, ou seja, tem primazia em relação ao nosso próprio juízo. Isso implica que, se alguém tem pretensões à autoridade, esta não dever ser-lhe outorgada; antes, autoridade é e deve ser alcançada. Ela repousa sobre o reconhecimento e, portanto, sobre uma ação da própria razão que, tornando-se consciente de seus próprios limites, atribui ao outro uma visão mais acertada. A compreensão correta desse sentido de autoridade não tem nada a ver com a obediência cega a um comando. Na realidade, autoridade não tem a ver com obediência. Mas isso provém unicamente da autoridade que alguém tem. A própria autoridade anônima e impessoal do superior que deriva das ordens não procede, em última instância, dessas ordens, mas torna-as possíveis. Seu verdadeiro fundamento é, também aqui, um ato da liberdade e da razão, que concede autoridade ao superior basicamente porque este possui uma visão mais ampla ou é mais experto, ou seja, porque sabe melhor.      (p.371)

 

2.1.3.      O significado hermenêutico da distância temporal

 

         Iniciemos imediatamente com uma pergunta: como se começa o trabalho hermenêutico? Que conseqüências tem para a compreensão a condição hermenêutica de pertencer a uma tradição? Recordamos aqui a regra hermenêutica segundo a qual é preciso compreender o todo a partir do individual e o individual a partir do todo.     (p.385)

         Schleiermacher distingue esse círculo hermenêutico do todo e da parte segundo um aspecto objetivo e um aspecto subjetivo. Tal como a palavra forma parte do nexo da frase, cada texto forma parte do anexo da obra de um autor, e esta, por sua vez, forma parte do conjunto do correspondente gênero literário e mesmo de toda a leitura. Mas, por outro lado, como manifestação de um momento criador, o mesmo texto pertence ao todo da vida da alma de seu autor. Em cada caso a compreensão só pode acontecer a partir desse todo, de natureza tanto objetiva como subjetiva. Apoiando-se nessa teoria, Dilthey falará de “estruturas” e da “concentração de um ponto central”, a partir do qual se produz compreensão do todo. Como dizíamos, com isso ele transporta para o mundo histórico o que foi desde sempre um fundamento de toda interpretação textual: que cada texto deve ser compreendido a partir de si mesmo.         (p.386)

         Quando procurarmos compreender, fazemos o possível inclusive para reforçar os seus próprios argumentos. É o que acontece já conversação; mas se torna ainda mais claro na compreensão do escrito.      (p.386)

         O círculo, portanto, não é de natureza formal. Não é objetivo nem subjetivo, descreve, porém, a compreensão como o jogo no que se dá o intercâmbio entre o movimento da tradição e o movimento o intérprete. A antecipação de sentido, que guia a nossa compreensão de um texto, não é um ato da subjetividade, já que se determina a partir da comunhão que nos une com a tradição. Mas em nossa relação com a tradição essa comunhão é concebida como um processo em contínua formação. Não é uma mera pressuposição sob a qual sempre já nos encontramos, mas nós mesmos vamos instaurando-a na medida em que compreendemos, na medida em que participamos do acontecer da tradição e continuamos determinando-a a partir de nós próprios. O círculo da compreensão não é, portanto, de mofo algum, um círculo “metodológico”; ele descreve antes um momento estrutural ontológico da compreensão.          (p.388-389)

          A concepção prévia da perfeição que guia toda nossa compreensão demonstra também ela ter em cada caso um conteúdo determinado. Não se pressupõe somente uma unidade imanente de sentido capaz de guiar o leitor; pressupõe-se que a compreensão deste seja guiada constantemente também por expectativas de sentido transcendente, que surgem de sua relação com a verdade do que é visado.        (p.389)

          Compreender significa em primeiro lugar ser versado na coisa em questão, e somente secundariamente destacar e compreender a opinião do outro como tal. Assim a primeira de todas as condições hermenêuticas é a pré-compreensão que surge do ter de se haver com essa mesma coisa. A partir daí determina-se o que pode ser realizado como sentido unitário e, com isso, a aplicação da concepção prévia da perfeição.       (p.390)                  

          O momento da tradição no comportamento histórico-hermenêutico, realize-se através da comunidade de preconceitos fundamentais e sustentadores. A hermenêutica precisa partir do fato de que aquele que quer compreender deve estar vinculado com a coisa que se expressa na transmissão e ter ou alcançar uma determinada conexão com a tradição a partir da qual a transmissão fala. Por outro lado, a consciência hermenêutica sabe que não pode estar vinculada à coisa em questão ao modo de uma unidade inquestionável e natural, como se dá na continuidade ininterrupta de uma tradição. Existe realmente uma polaridade entre familiares e estranheza, e nela se baseia a tarefa da hermenêutica.            (p.390-391)

           Cada época deve compreender a seu modo um texto transmitido, pois o texto forma parte do todo da tradição na qual cada época tem um interesse objetivo e onde também ela procura compreender a si mesma. Como se apresenta a seu intérprete, o verdadeiro sentido de um texto não depende do aspecto puramente ocasional representado pelo autor e seu público originário.        (p.392)

           Compreender não é compreender melhor, nem sequer no sentido de possuir um melhor conhecimento sobre a coisa em virtude de conceitos mais claros, nem no sentido da superioridade básica que o consciente possui com relação ao caráter inconsciente da produção. Basta dizer que, quando se logra compreender,compreende-se de um modo diferente.     (p.392)

           O tempo já não é, primeiramente, um abismo a ser transposto porque separa e distancia, mas é, na verdade, o fundamento que sustenta o acontecer, onde a atualidade finca suas raízes. Assim como a distinção dos períodos não é algo que deva ser superado.           (p.393)

           Na verdade trata-se de reconhecer a distância de tempo como uma possibilidade positiva e produtiva do compreender. Não é um abismo devorador, mas está preenchida pela continuidade da herança histórica e da tradição, em cuja luz nos é mostrada toda a tradição. Não será exagerado falarmos aqui de uma genuína produtividade do acontecer.             (p.393)

           Muitas vezes essa distância temporal nos dá condições de resolver a verdadeira condição crítica da hermenêutica, ou seja, distinguir os verdadeiros preconceitos, sob os quais compreendemos, dos falsos preconceitos que produzem os mal-entendidos. Nesse sentido, uma consciência formada hermeneuticamente terá de incluir também a consciência histórica. Ela tomará consciência dos próprios preconceitos que guiam a compreensão para que a tradição se destaque e ganhe validade como uma opinião distinta. É claro que destacar um preconceito implica suspender a validez. Pois, na medida em que um preconceito no determina, não o conhecemos nem o pensamos como juízo. Como poderia então ser colocado em evidência? Enquanto está em jogo, é impossível fazer com que um preconceito salte aos olhos; para isso é preciso de certo modo provocá-lo. Isso que pode provocá-lo é precisamente o encontro com a tradição, pois o que incita a compreender deve ter-se feito valer já, de algum modo, em sua própria alteridade. Esta é a condição hermenêutica suprema. Sabemos agora o que isso exige: suspender por completo os próprios preconceitos. Mas, do ponto de vista lógico, a suspensão de todo juízo, e a fortiori de todo preconceito, tem a estrutura da pergunta.      (p.396)

           A essência da pergunta é abrir e manter abertas possibilidades. Face ao que nos diz outra pessoa ou um texto, quando um preconceito se torna questionável, não quer dizer conseqüentemente que ele seja simplesmente deixado de lado e que o outro ou o diferente venha a substituí-lo imediatamente em sua validez.           (p.396)

           Um pensamento verdadeiramente histórico deve incluir sua própria historicidade em se pensar. Só então deixará de perseguir o fantasma de um objeto histórico – objeto de uma investigação que está avançando – para aprender a conhecer no objeto o diferente do próprio, conhecendo assim tanto um quanto o outro. O verdadeiro objetivo histórico não é um objeto, mas a unidade de um de outro, uma relação formada tanto pela realidade da história quanto pela realidade do compreender histórico. Uma hermenêutica adequada à coisa em questão deve mostrar a realidade da história na própria compreensão. A essa exigência eu chamo de “história efeitual”. Compreender é, essencialmente, um processo de história efeitual.            (p.396)

 

2.1.4.      O princípio da historia efeitual

 

Todo presente finito tem seus limites. Nós definimos o conceito de situação justamente por sua característica de representar uma posição que limita as possibilidades de ver. Ao conceito de situação pertence essencialmente, então, o conceito de horizonte. Horizonte é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo o que pode ser visto a partir de um determinado ponto. Aplicando esse conceito à consciência pensante, falamos então da estreiteza do horizonte, da possibilidade de ampliar o horizonte, da abertura de novos horizontes etc. A linguagem filosófica empregou essa palavra, sobretudo desde Nietzsche e Husserl, para caracterizar a vinculação do pensamento à sua determinidade finita e para caracterizar o ritmo de ampliação do campo vital. Aquele que não tem um horizonte é um homem que não se vê suficientemente longe e que, por conseguinte, supervaloriza o que lhe está mais próximo. Ao contrário, ter horizontes saber valorizar corretamente o significado de todas as coisas que pertencem ao horizonte, no que concerne a proximidade e distância, grandeza e pequenez. A elaboração da situação hermenêutica significa então a obtenção do horizonte de questionamento correto para as questões que se colocam frente à tradição.         (p.400)

          Na verdade, o horizonte do presente está num processo de constante formação, na medida em que estamos obrigados a pôr constantemente à prova todos os nossos preconceitos. Parte dessa prova é o encontro com o passado e a compreensão da tradição da qual nós mesmos procedemos. O horizonte do presente não se forma pois à margem do passado. Não existe um horizonte do presente por si mesmo, assim como não existem horizontes históricos a serem conquistados. Antes, compreender é sempre o processo de fusão desses horizontes presumivelmente dados por si mesmos. Conhecemos a força essa fusão sobre tudo de tempos mais antigos e da ingenuidade de sua relação com sua época e com suas origens. A vivência da tradição é o lugar onde essa fusão se dá constantemente, pois nela o velho e o novo sempre crescem juntos para uma validez vital sem que um e outro cheguem a se destacar explícita e mutuamente.             (p.404-405)

          O projeto de um horizonte histórico é, portanto, só uma fase ou um momento da realização da compreensão, e não se prende na auto-alienação de uma consciência passada, mas se recupera no próprio horizonte compreensivo do presente. Na realização da compreensão dá-se uma verdadeira fusão de horizonte que, com o projeto do horizonte histórico, leva a cabo simultaneamente sua suspensão. Nós caracterizamos a realização controlada dessa fusão como a vigília da consciência histórico-efeitual.      (p.405)                                                               


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