Giovanni Reale, História da filosofia antiga
Síntese: Paolo Cugini
Gênese e características do “Jardim”
A polêmica de Epicuro contra Platão e Aristóteles
A primeira, em ordem cronológica, das grandes escolas helenísticas surgiu em Atenas nos fim do século IV a.C (307-306 a.C) por obra de Epicuro.
Essa transferência da escola de Epicuro para Atenas construíra, com relação às grandes escolas de Platão e Aristóteles, um verdadeiro ato de desafio, uma provocação e, até mesmo, o inicio de uma revolução espiritual. Mas Epicuro compreendeu que tinha algo novo para dizer, algo que por si voltava-se para o futuro, enquanto as escolas de Platão e Aristóteles voltavam-se, então, quase exclusivamente para o passado.
Por causa dessas crises das escolas tradicionais, criava-se objetivamente um vazio espiritual no qual podiam com facilidade inserir-se novas propostas alternativas que respondessem às novas necessidades dos novos tempos.
O repúdio da “segunda navegação”
E. Bignone, L’ Aristoteles e la formazione filosófica di Epicuro.
Domenico Pesce, saggio su Epicuro.
Epicuro quer rejeitar o próprio fundamento sobre o qual se apóiam os imponentes edifícios especulativos de Platão e do primeiro Aristóteles, a segunda navegação com todos os êxitos a ela ligados.
Na célebre passagem do Fedon onde se esclarecem as razões que tornaram necessária a segunda navegação. Platão diz com clareza que o seu itinerário especulativo consiste na passagem das coisas às idéias mediante os logoi, os raciocínios. As coisas não são conhecíveis através dos sentidos. De fato, eles “cegam a alma” e, portanto, longe de revelar-lhe as coisas, ocultam-nas. As coisas só se tornam inteligíveis se postulamos, com os raciocínios, a existência de idéias metaempíricas: a razão do nascer do perecer e do sser das coisas não está nas próprias coisas, mas uma causa mataempírica (“a verdade causa”).
Na republica, em seguida, Platão explica, com todos os pormenores, as etapas gradualmente do sensível, primeiro, mediante as ciências matemáticas (matemática, geometria, astronomia, harmonia), as quais revelam através do sensível (as figuras geométricas, a visão dos astros e dos seus movimentos, sos sons) a existência de entes, leis e proposições inteligíveis e, sucessivamente, mediante a dialética a qual conduza visão das idéias em si das suas recíprocas relações e, por fim, a visão da suprema idéia, a idéia do bem.
Pois bem, Epicuro pretende arruinar essa importante construção, contestando pronto por ponto todos os princípios que a sustentam.
Antes de tudo ele não só nega que a sensação esconda as coisas e confunda a alma, mas confirma que ela constitui o, mas sólido critério de verdade, qeu só ela é sempre verdadeira, e, portanto, que “capta o ser”. Os raciocínios e as demonstrações terminam no vazio porque procedem ao infinito e, portanto afastam-nos sempre mais das coisas, ocultam-nas e nunca se desvelam. A platônica inferência é, portanto, decepcionantes: é preciso fixar-se nas coisas e nas suas “vozes” (as sensações).
Não só a dialética, segundo Epicuro, mais também as ciências prescritas por Platão como etapas obrigatórias da “longa ia” do ser, são decepcionantes. A geometria é “toda contrária a verdade”, por que são “infundados os seus princípios”. A astronomia é “vã”. A música é “inútil” e até mesmo “danosa”.
Rejeitando a segunda navegação e eliminando o supra-sensível, não restava a Epicuro senão a pré-socrática physis, a qual, porém, assumia novo significado.
A visão da physis, na realidade, proposta por Epicuro, torna-se um verdadeiro materialismo, graças à negação clara e explicita do supra- sensível, do incorpóreo e do imaterial.
A retomada do atomismo e das categorias eleáticas
Epicuro, na verdade, não cria uma nova ontologia: para exprimir a própria visão materialista da realidade de maneira positiva, ele remota a conceitos e figuras teoréticas já elaboradas, exatamente no âmbito da filosofia pré-socrática.
O atomismo é uma precisa resposta às aporias levantadas pelo eleatismo, uma tentativa de mediaras instâncias opostas deo logos eleático, de um lad, e da experiência do outro. Na lógica do atomismo entrou grande parte da lógica eleática.
As relações entre Epicuro, Sócrates e os socráticos menores
Dissimos acima que uma das características da filosofia da era helenística é o retorno a Sócrates e ao socratismo. Já em Epicuro isso é bem evidente, não só na decidida primazia dada aos problemas éticos em geral, mais também na específica concepção da filosofia como aquela que deve promover a saúde da alma, como se verifica claramente na Epístola de Meneceu.
Naturalmente a mensagem de Sócrates age através do filtro do materialismo. Com fefit, Epicuro não pode dar mais à psyché o valor e a primazia dada por Sócrates, pois o seu materialismo impõe a concepção da alma e do corpo como homogêneos por natureza.
Epicuro diferenciar-se naturalmente de Sócrates (e dos socráticos) na concepção da filosofia como “sistema”, como expressão de dogmas sistematicamente deduzidos e justificados e não de simples instâncias e de problemas.
É por isso que Epicuro elabora uma “canônica” e, sobretudo, uma “física”, para dar a ética uma fundação não só antropológica, mais também ontológica, porque uma visão do homem só pode justificar-se verdadeiramente em função de uma concepção do cosmo e do ser do qual o homem é parte.
O papel predominante da ética
Epicuro, enquanto a necessidade reafirma a necessidade da ontologia como fundamento da ética, inverte a hierarquia platônico-aristotélica e declara a ética à física (à antologia). À ciência e à Sophia superpõe-se a phrónesis, a sabedoria.
O problema superpõe-se a phrónesis, a sabedoria.
O problema de vida torna-se Epicuro, o problema por excelência: todo o resto orienta-se para a sua solução.
As finalidades do jardim e a sua novidade
O novo ethos, contrariamente ao tradicional enraizado na polis, funda-se sobre o homem individual, o homem privado: é o ehtos do individuo. Sócrates, Platão e Aristóteles ensinavam a virtude política, vale dizer, a virtude d aperfeiçoava o homem como cidadão (homem=cidadão). A nova virtude de Epicuro ensina é a virtude do homem privado, a que aperfeiçoa o homem como indíviduo, ou seja, o homem considerado em si, fora da convivência num estado. Epicuro contesta definitivamente a identificação do homem como cidadão; antes, condena a política como “inutil afã” e proclama a validez e a excelência do “viver escondido”, separado e longe do tumulto da política.
Até a escolha do lugar onde surgiu a escola é expressão dessa revolucionaria novidade. Sócrates ensinou nas praças e nos ginásios, onde os homens livres se encontravam: em ginásio Platão e Aristóteles fundaram as suas escolas. Epicuro escolhe um lugar totalmente inusual: um edifício com um jardim, melhor dizendo, com um horto, nos subúrbios de Atenas. O jardim estava longe do tumulto da vida política e próximo ao silêncio do campo. No jardim gozava-se da paz da natureza, admirava-se a paisagem dos campos e das árvores, que a Sócrates e a Platão não dizia nada, mas que para a nova sensibilidade helenística era de grande importância. Daí o homem de “jardim” passou a indicar a escola e a expressão “os jardim” foi usada para designar os epicuristas.
O discurso proveniente do jardim pode ser resumido em poucas proposições gerais: 1) A realidade é perfeitamente penetrável e conhecível pela inteligência do homem; 2) nas dimensões do real há espaço para a felicidade do homem; 3) a felicidade eé a ausência de dor e de perturbação, é paz de espírito; 4) para alcançar essa felicidade e essa paz o homem só precisa de si mesmo; 5) não lhe servem, portanto, a cidade, as instituições, a nobrezas riquezas, todas as coisas e nem mesmo os deuses: O homem é perfeitamente autárquico.
É claro que, diante dessa mensagem, todos os homens tornam-se iguais, porque todos aspiram a az do espírito, todos têm esse direito e todos podem alcançá-la, se querem.
O jardim quis abrir suas portas a todos. O novo discurso proveniente do jardim era, pois, original no seu espírito informador, na cifra espiritual que o caracterizava. Há em Epicuro vários traços que relembra a figura do profeta e do santo.
Epicuro ocupou-se de lógica somente com a finalidade de estabelecer os critérios e os cânones basilares que nos permitem alcançar a verdade e a certeza.
Os epicuristas reduziram a sua lógica a uma espécie de crítica do conhecimento. A canônica epicurista desenvolveu-se apenas como propedêutica à física e à ética, e pode ser corretamente considerada como movimento metodológico delas.
A sensação e suas validade absolutaEpicuro no seu cânon, afirmava que os critérios da verdade são três: as sensações, as prolepses, e os sentimentos.
Epicuro reivindicava com a mais perfeita energia a certeza e a validade objetiva da todas verdadeiras, sem exceção. Se uma só dos sentidos, mesmo uma única vez nos enganasse, então não poderia masi dar fé a nenhum dos sentidos e desabaria a validade da sensação como tal.
Os argumentos sobre o qual epicuro fundava essas assercões foram-nos transmitindo por Sexto Empírico e por Diógenes Laércio. Em primeiro lugar, a sensação, enquanto afecção é o efeito; e, se é produzida por alguma coisa e correspondem a ela, assim ocorre com qualquer outra sensação: é necessário não só que subsista o objeto que a produz, mas que corresponda também à sensação que a produz.
A sensação é objetiva e verdadeira porque, é produzida e garantida pela própria estrutura atômica da realidade. As que podem ser consideradas ilusões dos sentidos são, ao contrario, registros objetivos e reproduções dos simulacros como efetivamente eles são. Afastando-se das coisas, os simulacros alteram-se, e a sensação revela-os sempre e somente do modo como eles alcançam os sentidos.
Um terceiro argumento nos é relatado por Diógenes Laércio. A sensação, dizia Epicuro, é a-racional e desprovida de memória, não se auto produz, mas é produzida por outros; assim sendo, ela não tem condições de tirar de si nem de se dar o que quer que seja, mas, exatamente por ser assim, ela é objetiva (não é e modo algum manipulada pela atividade do sujeito). A sensação é, portanto, irrefutável, porque não se lhe pode opr nada: a) nem outra sensação homogênea, porque tem o mesmo valor; b) nem uma heterogênea, porque refere a um objeto diferente; c) nem razão, porque esta depende da sensação e vice-versa.
Nessas afirmações, Epicuro revoluciona exatamente a posição de Platão. Este, com efeito, desvaloriza a sensação exatamente por ser a-racional. Epicuro sustenta, que o caráter de a-racionalidade e passividade da sensação constitui a melhor garantia do fato de sre pura reprodução de dados não modificados e, justamente por isso, a declara absolutamente verdadeira.
As “prolepses” ou “antecipações” e a linguagem
Com segundo critério da verdade, Epicuro punha as assim chamadas prolepses, ou antecipações ou pré-noções. A antecipação (prolepses) é uma capacidade de aprender ou uma idéia geral inata em nós, que não é senão a memória daquilo que freqüentemente nos é mostrado de fora. As prolepses não são mais que as imagens das coisas nascidas das percepções, e formada através da repetição das mesmas percepções, e a sua conservação na memória. Elas são chamadas prolepses, isso é, antecipações ou pré-noções pelos seguintes motivos. Uma vez que, atrás das sensações, se tenha formado em nos as imagens das coisas do modo como foi descrita acima, essa podem ser chamadas à mente em qualquer momento, porque permanece na mente como “selo” das sensações passadas, e assim permitem-nos conhecer antecipadamente tantos as formas como os caracteres próprios das coisas, sem que sejam necessárias telas diante de nós e percebê-las atualmente.
A prolepse epicurista antecipa a experiência e a atividade racional somente enquanto e na medida em que é derivada e produzida pela experiência. Justamente essa estreita ligação com a sensação garante o valor da verdade da prolepses, as quais, da mesma maneira que as sensações, são produzidas pela ação das coisas sobre a nossa alma e, por isso, são verdadeiras, como já observamos. Para Epicuro, os nomes que constituem a nossa linguagem referem-se exclusivamente a essas prolepses, e isso de modo fundamentalmente natural. Os nomes e, de modo geral, a linguagem, segundo o nosso filósofo, são apenas expressões, por meios fonéticos, das nossas percepções e afecções e, portanto, constituem uma natural manifestação da original ação das coisas sobre a nossa alma.
Os sentimentos de prazer e dor
Como terceiro critério de verdade, Epicuro considerava as afecções ou os sentimentos de prazer e dor (os quais em certo sentido, também podem ser chamados “sentidos internos”). As afecções de prazer e dor são pelas mesmas razões pelas quais os são todas sensações.
Elas possuem uma importância particular porque, além de critério para discriminar o verdadeiro do falso, o ser do não ser, como todas as outras sensações, constituem, o critério axiológico para discriminar o valor do contra valor, o bem do mal, e, portanto, constituem o critério da escolha ou não-escolha, ou seja, a regra do nosso agir.
A opinião
Sensação, prolepse e sentimentos têm uma característica comum, garantia do seu valor de verdade, que consiste na evidência imediata. Portanto, enquanto nos fixamos e aconselhamos como verdadeiro o que é evidente, não pode errar, por que a evidencia é dada, em ultima analise, pela ação direta das coisas sobre a nossa alma. Dado que ao raciocinar não podemos nos fixar no imediato, sendo o raciocínio fundamentalmente operação da mediação, assim nasce a “opinião” e, com ela, a possibilidade do erro.
Portanto, enquanto as sensações, as prolepses e os sentimentos são sempre verdadeiros, as opiniões poderão ser às vezes verdadeiras às vezes falsas.
São verdadeiras as opiniões que: a) recebem atestação probatória, isto é, confirmação da experiência e da evidência e b) não recebem atestação contraria, ou seja, desmentindo da experiência e da evidência. Ao invés, são falsas as opiniões que a) recebem atestação contraria, ou seja, são desmentidas pela experiência e pela evidencia e b) não recebem atestação probatória, ou seja, não recebem confirmação da experiência e da evidência.
Aporias e limites da canônica epicurista
Em primeiro lugar, a absoluta validez que Epícuro atribui à sensação, em ultimo análise, tira qualquer possibilidade de conhecimento objetivo. Da pura afirmação de que todas as sensações são verdadeiras podemos reduzir o relativismo e o subjetivismo protagoriano, assim como o objetivismo epicurista. O ensinamento não é capaz de sair do subjetivismo e do relativismo. Segundo lugar, a lógica de Epicuro é fragilissima justamente ao explicar, em geral e em particular, os processos de inferência que são na base da própria possibilidade de construir uma física. Todas as proposições da física, vão além do imediato controle empírico, pois não são verdades que caem sob os sentidos, e supõem inferências de raciocínio contraria, ou seja, o desmentido da experiência,
Os átomos, o vazio, o movimento dos átomos não são coisas por si evidentes, por não serem de modo algum sensorialmente acertáveis; mas, diz Epicuro, são as coisas não evidentes, supostas e opinadas para dar razão dos fenômenos e de acordo com os fenômenos. Porém, evidentemente, Epicuro está bem longe de poder demonstrar que, justamente, os átomos, o vazio, o movimento etc. Sejam as únicas coisas que possamos supor para explicar os fenômenos, porque outros princípios, totalmente diferentes destes, poderia igualmente reclamar a “falta de atestação contrária” da experiência.
Mas como Epicuro chegou justamente ao atomismo?A nosso ver, Epicuro partiu de uma nova visão moral da vida, captar de maneira emocional e intuitiva e, em seguida, escolheu o atomismo porque justificava ser essa doutrina o melhor “fundamento” para a sua ética. O verdadeiro centro do epicurismo é a ética, e ontologia só se desenvolveu porque, à medida que e enquanto serva à ética.
Assim explica-se o que já acenamos e em seguida demonstraremos: que a física de Epicuro avança claramente sobre a lógica e, por sua vez, a ética de Epicuro avança, em medida ainda mais acentuada, sobre a física, justamente porque a função e o valor instrumental que o nosso filósofo atribuía à física e a canônica, submetidas a uma ética que nasce, na realidade, de outros ramos, acabam por alterar o papel do fundamento e de critério que elas deveriam ter, e acabavam por submeter os seus desenvolvimentos e êxitos às necessidades da ética, invertendo assim os seus papeis naturais.
A física Epicurista
Os fundamentos ontológicos: as características da realidade enquanto tal, os corpos, o vazio e o infinito
Os fundamentos podem ser enucleados e formulados da seguinte maneira:
“Nada nasce do não ser”, porque, do contrário qualquer coisa poderia absurdamente gerar-se de qualquer coisa sem necessidade de qualquer semente geradora; e nada “se dissolve no nada”, porque do contrario, nesse momento, tudo já teria parecido e nada mais seria. E dado que nada nasce e nada parece então o todo, isto é, a realidade na sua totalidade, foi sempre tal como é agora, e será assim sempre; com efeito, além do todo, não há nada no qual este possa transformar-se, nem há nada do qual este possa ser transformado.
Este “todo”, ou seja, a totalidade da realidade é determinado por dois constitutivos essenciais: os corpos e o vazio. A existência dos corpos é provada pelos sentidos, enquanto a existência do espaço e do vazio é inferida da existência do movimento; de fato, para que exista o movimento é necessário que exista um espaço vazio no qual os corpos possam deslocar-se. O vazio não é absoluto não-ser, mas um “espaço”. Além dos corpos e do vazio, tertium non datur, porque nada mais é pensável que seja por si existente e não seja afecção dos corpos.
A realidade, tal como concebida por Epicuro, é infinita. Em primeiro lugar é infinita como totalidade. E evidente, demais, que, para que o todo ser infinito devem ser infinito cada um dos seus princípios constitutivos: infinita deverá ser a multidão dos corpos e a extensão do vazio.
O conceito de infinito volta assim a impor-se, contra as concepções platônicas e aristotélicas que, na linha do pitagóricos, o negam.
Os átomos
Alguns corpos são compostos, outros, ao invés, simples e absolutamente indivisíveis.
O principio de que nada nasce e nada perece vale para os corpos simples, isto é para os átomos e não para os corpos compostos, que se geram e se corrompem. Toda via também a geração e a corrupção dos corpos são entendidas em espírito eleático, ou seja, da mesma maneia em que as entenderam os atomistas, preocupados em salvar os fenômenos sem contradizer o grande princípio de Parmênides, como união de coisas que são e como dissolução ou separação nas coisas que são.
As características estruturais dos átomos
As características estruturais dos átomos são a forma ou figura, o peso e a grandeza, e tudo o que é naturalmente ligado à figura,
Os antigos atomistas não punham a grandeza entre as qualidades originais. Eles incluíam a grandeza na forma; designavam a forma com o termo rysmós, o qual indicava forma geométrica e, portanto, dimensão massa e medida.
Os átomos para poder gerar todas as diferenças que encontramos na realidade, devem ter figuras muito diferentes e numerosas, mas não infinitas. Enquanto é finito o numero dos átomos para cada uma das formas existentes.
Este é outro ponto no qual Epicuro afasta-se dos antigos atomistas, os quais, ao contrário, sustentavam infinitas formas ou figuras dos átomos.
A doutrina dos “mínimos”
Vimos que a natureza dos átomos tem um limite. De fato, se eles pudessem ter toda a espécie de grandeza, deveriam tornar-se visíveis; mais isso é desmentido pela experiência. Ademais, também a pequenez dos átomos tem um limite. Se eles pudessem em grandeza ao infinito, dissolver-se-iam no nada, o que é absurdo e contrario aquela mesma lógica. Todos os átomos dos menores aos maiores são estruturalmente, isto é, portanto, de ontologicamente indivisíveis. O fato de serem corpos dotados de figura e, portanto, de extensão, e com grandezas diferentes, implica que os átomos possuam partes. Obviamente tartar-se-á de partes ontologicamente não separáveis, mas só lógica e idealmente distinguíveis, justamente porque o átomo é estruturalmente indivisível. E mesmo a grandeza dessas partes do átomo, pelo menos motivo eleático segundo o qual é impossível que os átomos diminuam em grandeza ao infinito, deverá ter um limite, que epicuro chama de mínimo, que constituem a unidade de medida analógica.
As características estruturais do vazio
O vazio possui características antiéticas a dos coros. Ele é corpo que acolhe os corpos e permitem-lhe moverem-se, reunirem-se e separarem-se. È dito vazio justamente em contraposição aos copos que são o pleno (o pleno de ser). O vazio é também chamado de natureza intangível, enquanto a característica mais típica dos corpos, para Epicuro é a sua tangibilidade. E explica-se também a negação de que o vazio possua capacidade de agir e de perceber, enquanto estas são prerrogativas da corporeidade. Enfim explica-se igualmente bem o caráter de incorporeidade atribuído ao vazio: se este fosse corpóreo, os corpos, como se disse, não podariam penetrá-lo e mover-se nele.
Por conseqüência, falar da existência dos seres incorpóreos, para Epicuro, é um puro e simples absurdo. O ser é todo homogêneo, isto é corpóreo; incorpóreo não pode ser nenhum ente, mas só o vazio. O consciente repúdio da segunda navegação é, mais uma vez, claríssimo.
O movimento
Além das qualidades examinadas, que são, por assim dizer, estáticas, os átomos possuem uma ulterior qualidade de caráter dinâmico. De fato os átomos estão em continuo movimento. Epicuro entende esse movimento dos átomos não como mover-se em todas as direções de que falavam os antigos atomistas, ams como um movimento de queda para baixo no infinito do espaço, devido justamente ao peso dos átomos, um movimento velocíssimo com o pensamento e igual para todos os átomos, pesados ou leves porque demonstra de maneira clara como o pensamento do infinito está irremediavelmente comprometido pelo sensismo. Como é que os átomos não caem em linhas paralelas, ao infinito, sem nunca se tocar
O “clínamen” ou “declinação” dos átomos.
Para resolver a dificuldade, Epicuro introduziu a teoria da “declinação” dos átomos, segundo a qual os átomos podem desviar a qualquer momento do tempo, em qualquer ponto do espaço, uma distancia mínima da linha reta e, assim encontrar outros átomos.
Em virtude do principio da declinação, os átomos chocam-se reciprocamente e retrocedem e, conseqüentemente, origina-se também um movimento para cima, justamente pelo choque notável das inovações que Epicuro introduziu na física atomista; mas trata-se de uma inovação que só ele pôde introduzir ao preço das gravíssimas aporias, as quais, além do mais, justamente enquanto tais resultam extremamente eloqüentes e reveladores da nova maneira de filosofar do jardim. No sistema do antigo atomismo, tudo acontece por necessidade: a sorte e o destino são soberanos absolutos; mas num mundo onde predomina o destino, não há lugar para a liberdade humana e, portanto, não há luga para uma vida moral tal como Epicuro a concebe, e, assim não a lugar para a vida do sábio.
Por isso não há dúvida de que o clínamem foi introduzido para abrir espaço, no universo atomisticamente concebido, à liberdade, à vida moral, e á possibilidade de realização moral do sábio; a tal ponto interessava a Epicuro abrir um espaço ontológico para esses valores morais, que ele não se preocupou com as gravíssimas conseqüência que a introdução aquele conceito produzia na física e, tal vez, nem mesmo se deu conta de que, como uma cunha maciça violentamente fincada, ele provocava tal fratura no sistema atomístico, a ponto de pulverizá-lo.
Assim Epicuro, para introduzir o clínamen, contradiz o principio eleático que, como vimos, está na base da sua física, e para proteger-se da necessidade, do Factum e do destino, lança o cosmo o poder do fortuito; com o efeito, clínamen, que não estar vinculado a qualquer lei ou regra, não é liberdade, porque são-lhe estranhas qualquer finalidade e inteligência e, portanto, é só uma casualidade: a liberdade não pode ser buscada e encontrada na esfera do físico e do material, mas só na superior esfera do espiritual. Ademais como dizíamos justamente essas aporias estão entre as coisas que melhor ajudam a compreender a complexidade do pensamento de Epicuro e a sua verdadeira estatura.
O universo e os mundos infinitos
No todo infinito, Epicuro sustenta a existência de infinitos mundos; alguns iguais ou análogos ao nosso, outros dessemelhantes. Deve-se também notar que todos esses infinitos mundos nascem e de dissolvem, alguns mais rapidamente, outros mais lentamente, na duração do tempo. Assim, não só os mundos são infinitos na finalidade do espaço, num lado momento do tempo, mas são também infinitos na infinita sucessão temporal. E apesar de existir a todo instante mundos que nascem e mundos que perecem, Epicuro pode afirmar que a todo não muda. De fato, não só os elementos constitutivos do universo permanecem perenemente tais como são, ma também todas as suas possíveis combinações permanecem sempre atuadas, exatamente por causa da infinitude do universo, que dá lugar sempre à atuação de todas as possibilidades.
O nascimento dos novos podem ter lugar, seja no espaço que separa um mundo do outro, chamado por Epicuro de inter-mundo, seja no interior de cada mundo, quando este esteja em vias de dissolução. O nascimento é determinado pelo afluxo de átomos tendo formas adequadas, provenientes de outros inter-mundanos ou de outros mundos. Esses combinavam anteriormente entre si, em virtudes dos movimentos que conhecemos; sucessivamente, esses continuam a fluir, até completar-se, enfim, depois de ter alcançado o ponto culminante do crescimento e do equilíbrio, começa a perder átomos e, portanto, a decrescer e, por último, dissolve-se, e os átomos dos quais era composto passa a gerar outros mundos.
No universo de Epicuro a negação não só de toda finalidade, mas também de toda racionalidade é levada ao extremo, além do limite a que chegaram os próprios atomistas. De fato as explicações teleológicas do cosmo surgiram posteriormente à escola de Abdera, sobretudo por obra e Platão e Aristóteles. E epicuro quer justamente desmentir essas explicações, particularmente a platônica, do Demiurgo construtor do mundo. É claro que dessa contraposição polemica às novas posições fortemente teleológicas, a retomada do mecanismo dos abderianos devia assumir um novo alcance. Mas, como já notamos e ver-se melhor agora, o mecanismo epicurista com a teoria da declinação, tendo destruído a racionalidade ligado a necessidade. Com efeito, é inegável que a necessidade tenha a sua regra, sua lógica e, nesse sentido, a sua razão (a lógica do não poder ser de outro modo).
Mas, excluídos o Demiurgo que é razão transcendente e a necessidade com a sua razão imanente, não restam senão o casual e o fortuito, que são irracionais. Epicuro, não Demócrito, é o filosofo que verdadeiramente “pôs o mundo por acaso”.
Assim o cosmo deixa de ser a realização de um modelo inteligível no sensível, devido à bondade de um Demiurgo, ou aquela admirável ordem constituída pelo movimento causado pela perfeição de um Deus. A antítese entre a cosmologia epicurista e a do Timeu platônico ou a do tratado sobre o cosmo aristotélico (ou a que se pode extrair dos esotéricos de Aristóteles) não poderia ser mais radical.
Os fenômenos celestes e sua múltiplas explicações
Na explicação da realidade, das causas dos cosmos e dos mundos em geral, Epicuro é guiado constantemente pela preocupação de mostrar que o todo não depende nem de um deus ou de deuses nem da necessidade, mas unicamente dos princípios acima examinados, os únicos a libertar o homem de todos os temores e abrir ao seu agir um espaço absoluto. A mesma preocupação guia Epicuro na explicação dos fenômenos celestes particulares. Mas, diante de tais fenômenos, o nosso filósofo muda repentinamente a sua metodologia, sustentando o curioso principio das múltiplas explicações possíveis. Ora esse principio afirma que os fenômenos físicos particulares podem ter, cada um deles, causas diferentes e múltiplas. Uma vez que excluídos que aqueles fenômenos possam ser causados por deuses ou pela fatal necessidade, numerosas explicações podem ser sustentadas e aceitas como plausíveis ou satisfatórias.
Em conseqüência, Epicuro apresenta todo um leque de possíveis explicações dos vários fenômenos relativos ao sol e à lua, aos cometas, às estrelas cadentes, às nuvens, aos relâmpagos, aos trovões, aos terremotos e a outros fenômenos desse tipo.
A verdade é que, para Epicuro, a explicação dos fenômenos particulares, ou seja, a física propriamente dita, não interessa absolutamente. Interessava-lhe somente a ganhar através dela a tese negativa de que os fenômenos não são produzidos por naturezas inteligíveis, isto é, por seres divinos, assim como não são produzidos pela necessidade, enquanto era-lhe totalmente indiferente a positiva, clara, objetiva e desinteressada explicação cientifica deles. O interesse cientifico em sentido moderno era totalmente estranho a Epicuro. Mas isso, mais do que um reparo crítico negativo, deve ser considerado como uma observação essencialmente estrutural: Epicuro compreendeu perfeitamente que o problema da vida- o único problema que verdadeiramente contava para ele- não pode ser resolvido pela explicação cientifica dos fenômenos particulares, sito é aquela explicação que hoje chamamos propriamente de ciência; a felicidade e a apz de espírito só pode vir de uma explicação ultima das coisas, isto é da descoberta da verdade a cerca dos primeiros e supremos princípios da realidade na sua totalidade, vale dizer, da ciência das causas primeiras e supremas, da ontologia.
Epicuro compreendeu muito bem que nas decisões relativas às opções morais do homem incide só o conhecimento da totalidade na qual o homem se põe ontologicamente, e compreendeu que determinante só pode ser, portanto, o conhecimento das causas dessa totalidade e nada mais.
A alma a sua materialidade e mortalidade
A alma, como todas as outras coisas, é uma agregado de átomos.
Agregado formado em parte de átomo ígneos, aeriformes e ventosos, os quais constituem a parte irracional e alógica da alma, e, em partem, de átomos diferentes dos outros, não tendo um nome especifico, os quais constituem a sua parte racional.
Portanto, a alma, como todos os outros agregados, não é eterna, mas mortal. E essa é uma conseqüência necessária das premissas materialistas do sistema.
Epicuro na linha de Platão e de Aristóteles corrige a psicologia dos antigos atomistas, distinguindo uma parte irracional da alma e uma racional. Mais é justamente através desta distinção que se reafirma a verdade negada, Epicuro, com efeito, sabe classificar muito bem os átomos que constitui a parte irracional da alma, afirmando que eles são ventosos e ígneos (ou seja, são só átomos mais sutis e moveis que existem); mas não sabe qualificar os átomos que constituem a parte racional da alma.
Epicuro insiste em dizer que a alma possui suas típicas funções psíquicas, particularmente a sensibilidade, somente se e enquanto estar em um corpo. Morto o corpo, os átomos que constituíram a alma dispersam-se e desaparece toda sensibilidade, sentimento, e consciência. Mas a unidade da alma que é unidade da consciência e, portanto, da pessoa, não é uma unidade que resulta da agregação e de soma de partes, já que é original e não composta.
Mas é justamente isso que Epicuro não sabe explicar.
Os simulacros e o conhecimento
De todas as coisas emanam imagens ou simulacros que lhe reproduzem os traços e, penetrando em nós, produzem não só as sensações, mas também o pensamento.
Esses fluxos, por causa da sua sutileza, expendem-se em todas as direções com um movimento veloz com o pensamento e, penetrando em nos, fazem-nos sentir e também pensar. Ass percepções sensíveis como já sabemos, são verdadeiras justamente na medida em que são apreensões diretas dos simulacros que procedem das coisas e oferecem a realidade delas.
De modo análogo, Epicuro explica as representações fantásticas, a representação dos sonhos e dos delírios. De fato ele diz que os simulacros podem manter-se pro muito tempo, conservando a disposição e a ordem que os átomos tinham na cosia da qual provêm, mas podem também se decompor, deformando-se ou recompondo-se, combinando também com simulacros de outras coisas.
Também o pensamento é explicado com base na ação dos simulacros, mas de um modo muito menos claro. Em particular não sabe dar razão do que o pensamento tem de propriamente ativo e do que ele tem de autônomo com relação à sensação.
E assim, por razões análogas, Epicuro não tem condições de explicar, em sede teórica, o que são à vontade e a liberdade, que constitui o pressuposto central da sua ética.
A concepção dos deuses e do divino.
Epicuro propõe-se justamente, como um dos objetivos essenciais, libertar os homens do temor dos deuses. Epicuro nega secamente não a existência do divino e dos deuses, mas existência do divino e dos deuses tal como era comunemente entendida, e contra tais representações ele se faz paladino de uma nova e revolucionaria concepção, subvertendo não só o modo de pensar dos filósofos.
a) Comecemos pela polemica contar os deuses da religião popular.
Por todo o período em que a polis esteve no auge, o grego acreditou em deuses que a protegiam e, laboriosamente, regia os seus destinos: eram deuses aos quais se deviam rezar, suplicar, aplacar, implorar, segundo as circunstâncias, porque eram considerados perenemente capazes de favorecer ou arruinar, e considerados como as causas primeiras os atores das grandes desventuras, assim como das grandes venturas públicas. Depois da crise da polis e da conseqüente crise dos deuses da polis, se o grego deixou de crer numa intervenção dos deuses na sorte da cidade, continuou, todavia, a crer na intervenção dos deuses na sorte do individuo.
Se por um lado a era helenística, de fato, apresenta manifestações de ceticismo e de descrença, por outro, apresenta retorno ao pietismo e acentua os traços supersticiosos dessas crenças.
Ora, é claro que quem está convencido da caprichosa intervenção dos deuses será levado a interpretar todas as desventuras como punições divinas das próprias culpas e dos próprios deméritos, afligindo-se e atormentando-se profundamente com isso, e assim, será infeliz. Além disso, se ainda acreditar na imortalidade, não cessara de temer a punição dos deuses também depois da morte.
Ora, segundo Epicuro, é exatamente esse o erro no qual incorre a representação vulgar dos deuses: acreditar que eles se ocupem e se preocupem com os homens e com os seus afazeres públicos ou privados. Para Epicuro, é verdade exatamente o contrario; ele afirma de fato: que todo o ser que pertence à espécie divina é tal que não provoca em nós qualquer perturbação, e é privado de tudo o que incute temor.
Relata também Cícero: A divindade, de fato, não age, não está implicado em ocupações desse tipo, não se pródiga em qualquer oba, goza da sua sabedoria e da sua virtude, e sabe com absoluta certeza que será sempre emersa nos prazeres ao mesmo tempo excelsos e eternos.
b) E em que estão erradas as representações filosóficas da divindade? Compreenderemos melhor o pensamento de Epicuro se tivermos bem presentes que as representações filosóficas visadas por eles são as do ultimo Platão e as divulgadas pela produção esotéricas de Aristóteles. Trata-se, portanto, da concepção do Deus Demiurgo plasmador do cosmo, a concepção que via nos seres celestes seres divinos de vida e de inteligência, a concepção que provocou o nascimento de uma religião filosófica, na qual se refugiavam os doutos: A religião do Deus cósmico. Pois bem, o erro dessa representação do divino é o mesmo da religião vulgar, um erro que, para Epicuro, é gravado ulteriormente. De fato, ambas atribui aos Deuses os cuidados e as preocupações derivadas da construção e do governo do mundo, e, ademais, não sendo Deuses caprichosos como os da fé popular, mas Deuses que governam o mundo com regras e leis constantes, resultam, conseqüentemente, fatores da tão execrada necessidade. Portanto, nem os Deuses são causa do cosmo e dos corpos celeste, nem são identificáveis com esses corpos celestes.
Mas, porque motivo, então, Epicuro admite os Deuses, e sobre que bases, se não se apóia nem na fé popular, nem os argumentos dos físicos, nem os argumentos dos legados pela “segunda navegação” platônica?.
Eis as suas argumentações:
1) Temos um conhecimento evidente dos Deuses, e a evidencia como sabemos pela lógica, é sempre irrefutável.
2) Esse conhecimento evidente é possuído não só por alguns, mais por todos os homens de todos os tempos e de todos os povos, mesmo pelos mais incultos.
3) Esse conhecimento é, exatamente, uma “prolepse” ou “premunição”, e, como tal, é produzido por preciosos eídola ou simulacros, que, por sua vez, só podem provir de respectivos objetos, mesmo que estes estejam fora do alcance dos nossos sentidos.
4) A realidade na sa infinidade, é governada por uma lei de equilíbrio ou de compensação, que pressupõe a existência de seres divinos.
5) Enfim, Epicuro devia apelar para uma espécie de argumento ex gradibus. Relata-nos, com efeito, Cícero, que Epicuro afirmava a existência dos Deuses porque considerava necessária a existência de uma natureza excelsa, a qual nada seria superior.
Mais se essas razões, num primeiro momento, resultam claras, logo se ofuscam quando perguntamos sobre a natureza desses Deuses de Epicuro. E, nesse ponto, o nosso filosofo não cessa de nos surpreender. Os Deuses têm figuras análogas àss dos homens, porque a figura humana é a mais bela existente na natureza.
Não é necessário dizer que, o “quase” arruína o raciocínio filosófico e põe irremediavelmente às claras a insuficiência do materialismo atomístico. Como todas as outras coisas, os deuses devem ser constituídos de átomos; mas todo composto atômico é suscetível de dissolução, enquanto os deuses são imortais. Ora, afirmar que o composto atômico que constituem os deuses, diferentemente do que constituem todas as outras coisas, não se dissolve porque as suas perdas (sofridas com continuo fluxo dos átomos que formam os simulacros) são continuamente respostas, não se desloca o problema.
De fato, não há como explicar a razão do estatuto privilegiado desses compostos. E, então, a Epicuro não resta se não aquele aporético (quase corpo), que, na realidade, revela inexoravelmente a estrutural incapacidade dos atomismos de explicar os Deuses. Porém, há mais. Num fragmento lemos:
Na obra sobre os deuses epicuro diz que não há duvida de que o ser que possui uma natureza perfeita deve ser perceptível com o intelecto e não dever ser de modo algum concebido com sensível.
Daqui se conclui claramente que, assim como a propósito dos átomos constituem a alma racional, também nesse caso Epicuro introduz o inteligível. Com efeito, a afirmação, só tem sentido se concebemos intelecto e sentido como tendo uma natureza diferente, isto é, de maneira não materialista e não sessista, dado que, para o sensismo, o intelecto não pode ser algo superior, mas apenas o sentido enfraquecido e extenuado, e o que ele colhe não pode ser nunca algo meta-sensorial e metaenpírico.
Mais do que nunca fica evidente o que tentamos demonstrar no curso desta obra: do ponto no qual aportou a segunda navegação platônica não se pode retroceder, se quer fazer um discurso racional sobre Deus; o que significa que, sem a categoria do espiritual, deus não pode ser representado, a não ser incorrendo na mais grosseiras contradições.
E tudo a mais que Epicuro diz dos Deuses confirma claramente o que afirmamos. Os Deuses são numerosíssimos; são pelo menos tantos quantos são os homens; também estão divididos em seres masculinos e femininos, habitam nos irter-mundos, conversam e falam uma língua semelhante à grega (que é a língua dos sábios), e transcorrem a eternidade na alegria de sua sabedoria e da sua companhia, sem perturbações e preocupações de qualquer espécie numa esfera em se totalmente fechada às questões dos mundos e dos homens e, em geral, de todas as coisas que nascem e morrem.
O seu Deus, em última analise, é o ideal de sua ética objetivado e hipostasiado. Aqueles deuses que vivem uma vida eterna sem preocupações e perturbações, e o gozam de sabias conversações em plena amizade são, de fato, a projeção do ideal do jardim, a imagem ampliada que reproduzem perfeitamente os modos e os traços segundo os quais a escola epicurista ensinava aos homens a vida feliz.
A Ética Epicurista
O prazer como fundamento da ética
Como a natureza em geral é constituída por átomos materiais e agregados de átomos, assim também a especifica do homem é constituída por agregados de átomos: o agregado de átomos da alma e do corpo; ambos materiais. Se material é a essência do homem material será, necessariamente também o seu bem especifico, aquele bem que, atuado e realizado, torna feliz.
Qual seja esse bem, a natureza considerada ma sua imediateza no-lo diz sem termos, mediantes os sentimentos fundamentais do prazer e da dor (assim como sem meios termos nos diz o que é verdade mediante a sensação). Os seres vivos dês do nascimento, instintivamente buscam os prazeres e gozem das dores.
Por tanto, principio e fim do agir humano deve ser o prazer, porque esse é o verdadeiro bem natural: é aquilo que, quando possuído, torna feliz.
Note-se com a perspectiva epicurista se esclarece perfeitamente através da relação com Sócrates, Platão e Aristóteles. Estes puseram a essência do homem na alma, por isso identificam o bem humano com os bens da alma e do espírito, e, por conseqüência, negou claramente, que o prazer do corpo pudesse ser um bem. O próprio Aristóteles, que reavaliou os prazeres de modo considerado, não fez deles valores, mais considerou-os como algo que acompanha a atualização dos valores, um coroamento e um aperfeiçoamento da atividade do homem, portanto, não os considerou como bens, mais como epifenomenos dos bens. Ao contrario, para Epicuro, o prazer enquanto prazer é o valor, o bem, o fim e, portanto, a sua posição é inequivocadamente hedonista. Assim, a posição de fundo dos cirenaicos é fortemente revalorizada, embora com reformas essenciais
Reforma do hedonismo cirenaico
Em primeiro lugar, os cirenaicos identificavam o prazer com movimento, um suave movimento, e identificavam a dor com um movimento violento, enquanto negavam nitidamente de quietude, isto é a ausência de dor, pudesse ser um prazer, assemelhando-o mais, no seu modo de ver, aos estados do sono, isto é, a um estado de sensibilidade. Epicuro, ao contrario, não só admite esse tipo de prazer, mas, como veremos, dá-lhe uma grandíssima importância.
A ausência da dor vale dizer, o prazer catastemático, é, pois limite supremo que alcança o prazer, além do qual não se pode estender ulteriormente, porque na ausência de dor o prazer alcançou a sua completeza e perfeição;
Mas, com relação aos cirenaicos, Epicuro, diferencia-se também por um segundo aspecto assaz importante. Eles, de fato, consideravam os prazeres físicos superiores aos prazeres da alma, e as dores corporais mais graves que as dores da alma; tanto é verdade- argumentavam eles – que os culpáveis são punidos com tormento corporais. Ao que Epicuro sagazmente abjeta:
O corpo sofre só pelo mal atual, enquanto a alma sofre pelo mau presente, passado e futuro. Com efeito, é um inegável dado de fato que a carne só goza do que é o presente, enquanto a alma, com a recordação goza do prazer passado e pode também antecipar com a expectativa o prazer futuro.
Por esse motivo, para Epicuro, os prazeres da alma são superiores ao do corpo. O prazer na quietude só pode ser prazer positivo se refere à dimensão psicológica do homem, caso contrario seria verdade, como diziam os cirenaicos, que ele é um estado análogo ao do sono, portanto,não-prazer.
Pode Epicuro coerentemente distingui um prazer do corpo de um prazer da alma?
Vimos, na exposição da física que o homem não é um agregado atõmicos simples, mas complexos no sentido que é constituído pelo agregado atômico da alma, incluído no agrega atomico do corpo. E porque as caracetristicas do ageragdo alma são diferentes das caracteristicas do agreagdo corpo, assim uma distinção entre os prazeres relativos ao primeiro e ao segundo parceria correta. Para a felicidade do homem contam as ressonâncias interiores e os movimentos do psiquismo que a elas se acompanmhavam.
A hierarquia dos prazeres e a sabedoria
O prazer não pode ser nunca necessariamente, um mal, dado que mal só é a dor.
O prazer, para Epicuro, não é o prazer dos dissolutos, o nã-sofriment do corpo (a pónia) é prazer catastematico, estável, em quietude, enquanto a não-pertubação da alma e o prazer da alma ligado aquele ponto. Essses parzeres, e só esses, garantem o viver feliz.
Mas, das passagens acima citadas, outra conclusão si impõe: A função de direção na vida moral não é exercida pelo prazer como tal, mas pela razão, pelo raciocínio, peolo cálculo aplicado aos prazeres, para estabelecer o que só produzem prazer, os que comportam dores e, portanto, os que são úteis e os que são danosos.
Ora, de que dependem os cálculos das utilidades, o juizo que dissipa os erros e a justa avaliação dos prazeres? Epicur não tem duvida: Dependem da phrónesis, da sabedoria.
Sim, a sabedoria é proclamada a virtude suprema, é preciso distingui três grandes classes de prazeres. Devemos escolher sempre e só prazeres catastematicos ou estáveis (que se reduzem à ausência de dor) e prazeres da alma (que se reduzem à falta de pertubação do espírito).
O ascetismo epicurista e a autarquia
Se é assim, devemos contentar-nos com satisfazer sempre o primeiro tipo de desejo e de prazeres, devemos limitar-nos diante do segundo; não podemos nunca ceder aos terceiros.
Absolutez do prazer
Quem quer que ponha no prazer o bem supremo e a felicidade é, fatalmente, atormentado por três coisas:
1) a pressão do tempo que devora e leva consigo o prazer
2) Ameaça da dor que pode sempre chegar
3) a emboscada da morte
Possuem igual prazer não só enquanto, mas também quanto à quantidade e este é um dos pontos mais audazes da doutrina de Epicuro, que devemos compreender. Epicuro nega, em substância, que uma existência infinita possa tornar maior o prazer, não só em qualidade, mas também em qualidade. Basta, diz à máxima que lemos compreender a fundo qual é o “limite” do prazer.
E o limite do prazer, como já sabemos, é a ausência de dor, apónia. O prazer aumenta até que a necessidade se apague e a dor desapareça, e aqui o prazer toca o seu limite extremo, além do qual não pode mais crescer. O prazer (catastemático) quando existe e enquanto existe é pleno e total, tem valor absoluto, sendo, portanto, infinito.
Relatividade da dor
E como pode esse valor absoluto do prazer, proclamado por Epicuro, não se irremediavelmente comprometido pelas dores, das quais ninguém, justamente enquanto mortal, jamais está protegido?
Se é leve, o mal físico é sempre suportável e não é nunca tal, aponto de ofuscar a alegria da alma; se é agudo, passa logo; e, se é agudíssimo, conduz logo à morte, a qual, em todo o caso, como veremos, é um estado de absoluta insensibilidade.
A morte nada é para o homem
E a morte? A morte é um mal só para quem nutre falsas opiniões sobre ela. Dado que o homem é um composto alma e um composto corpo, a alma não é mais que a dissolução desses compostos; A morte não é amedrontadora em si, porque quando ela chega nós não sentimos mais nada, nem pelo seu “depois”, porque justamente, de nós nada resta, dissolvendo-se totalmente a nossa alma assim como o nosso corpo; ela tira algo da vida que vivemos, porque, como vimos, absoluta perfeição do prazer não necessita do eterno.
A virtude epicurista e o intelectualismo socrático
Não é de admirar que Epicuro identifique a virtude com prazer, ou considere a virtude só em função do prazer e como instrumento para garanti-lo.
A phronesis está essencialmente no fundamento da vida feliz.
A virtude é técnica de viver prazerosamente e de maneira feliz. E, se é assim, a virtude ou areté humana permanece mesmo no contexto dessa nova visão do homem e da vida- a qualidade que distingui o homem de qualquer outro ser, ou melhor, a atuação plena e o aperfeiçoamento daquela qualidade, pois é exclusiva do homem a capacidade de viver uma vida feliz.
A desvalorização do estado e da vida política e a exaltação do “viver escondido”
Qual quer forma de hedonismo e de utilitarismo é sempre também uma forma de individualismo egoísta, e tal é a posição de Epicuro.
A vida política é substancialmente inatural. Ela compra, por conseqüência, continuamente dores e perturbações; compromete a apónia e a ataraxia e, assim, compromete o qeu demais precioso o homem pode ter, vale dizer, a felicidade. Da vida política os homens esperam pode, fama e riqueza que são como podemos, desejo e prazeres nem naturais nem necessário, e, portanto, vãs, enganadoras miragens.
A vida política não enriquece o homem, mas o desvia e dissipa. Por isso o epicurista se afastará e viverá separado das multidões.
“Vive escondido” é assim que soa o mandamento epicurista!Só nesse ato de retirar-se em se mesmo e permanecer em si pode-se encontrar a tranqüilidade, a paz da alma, a ataraxia.
E, para Epicuro, ataraxia é o bem supremo.
Com base nessas premissas, é claro que Epicuro devia dar uma interpretação do direito da lei e da justiça e, nítida antítese, seja com a opinião clássica dos gregos, seja com as teses filosóficas de Platão e Aristóteles. Direito, lei e justiça tem sentido e valor unicamente quando estão, e à medida que estão ligados ao útil: é a utilidade e somente ela o seu fundamento objetivo.
A justiça deixa de ser um valor absoluto, como queria Platão, reduzindo-se a relação de utilidade. Assim o estado, de realidade moral dotada de validez absoluta, torna-se instituição relativa, nascida do simples contato em vista do útil em vez de fonte e coroamento dos supremos valores morais, torna-se simples meio de tutela dos valores vitais, condição necessária, sim, para a vida moral, mas de modo algum suficiente. A justiça torna-se um valor relativo, a injustiça, um mal prevalentemente extinsico, derivado da possibilidade da punição. A subversão do mundo ideal platônico não poderia ser mais radical e a ruptura com o sentimento classicamente grego da vida não poderia ser mais nítida. O homem deixou de ser homem-cidadão e tornou-se tudo homem-individuo.
A amizade
A academia de Platão nasceu para criar homens políticos, homens públicos, que deviam redimensionar-se assim mesmo para redimensionar o estado, que era considerado principio fundamental indiscutível que o homem não pode ser verdadeiramente bom, se o estado não é bom, assim como o estado não pode ser bom se não é bom o homem. O jardim de Epicuro nasceu, ao contrario, para criar homens que tomasse plenamente consciência de ser indivíduos, e que aprendessem a compreender que toda salvação não pode vir se não deles meso. Entre tais indivíduos a única ligação admitia como verdadeiramente eletiva é a amizade, como uma ligação que, ao mesmo tempo, une os que sentem, pensam e vivem de modo idêntico. Na amizade nada é imposto de fora e de modo não natural e, portanto, nada viola a intimidade do individuo o epicurista vê no amigo quase um outro si mesmo.
Dizemos que a amizade não foge a lei da utilidade: Com efeito, nada, no contexto da ética epicurista, tem sido senão em função do prazer e do útil. Todavia assim a amizade provem do útil, mas, quando desenvolvida torna-se um bem em si, porque dá prazer.
Primeiro busca-se a amizade para conseguir determinadas vantagens alheias a ela, depois, uma vez nascida, torna-se ela mesma fonte de prazer e, por isso, fim.
E ao jardim ocorreram não só homens provenientes da natureza e das camadas sociais mais elevadas, como na academia, mas homens de diferentes extração social; ocorreram também mulheres, e foram admitidas até mesmo algumas cortesãs, em busca da alma, como já dizemos.
O discurso de Epicuro rompia assim os antigos obstáculos e barreiras tradicionais da sociedade grega. Entretanto, não destruía todas as barreiras entre os homens. Restavam ainda barreiras das diferenças naturais: de fato, o sábio epicurista não pode se tornar amigos de todos, mas só de quem lhe é semelhante.
Ademais, para Epicuro, existem homens que não só não são sábios, mas não podem, estruturalmente, nem se quer se tornar tais, seja por constituição, seja por raça:
O sábio não pode nascer de qualquer constituição física nem de qualquer povo.
Também a filosófia de Epicuro não constitui uma mensagem universal para todos os homens sem discriminação.
O quádruplo remédio e o ideal do sábio
Epicuro, como vimos, forneceu aos homens um quádruplo remédio: Mostrou
1) Que são vãos os temores dos deuses e do além
2) Que é absurdo o medo da morte, pois ela é nada
3) Que o prazer, quando é buscado corretamente, está à disposição e todos
4) Enfim, que o mal ou é de breve duração ou é facilmente suportável.
O homem que saiba praticar esse quádruplo remédio adquire a paz de espírito e a felicidade, que nada nem ninguém pode corromper. Tendo-se tornado, assim, totalmente senhor de si, e o sábio nada, mas pode temer, nem sequer o mais atrozes males e nem mesmo as torturas: é evidente que esse é um modo paradoxal que o sábio é absolutamente imperturbável: E disse o próprio Epicuro deu própria demonstração, quando, entre os espasmos do mal que o levava a morte, escrevendo a um amigo o ultimo adeus, proclamava a vida doce e feliz.
E assim Epicuro, fortalecido pela sua ataraxia, pode dizer que o sábio rivaliza em felicidade até com os deuses.
Epicuro indicava um novíssimo caminho para reencontrar a felicidade, e para e propunha uma palavra que era como um desafio a sorte e a fatalidade, porque mostrava que a felicidade pode vir de dentro de nós, independentemente do modo em que estejam as coisas fora de nós: verdadeiro bem é a vida, e para manter a vida, basta pouquíssimo, e esse pouquíssimo está à disposição de todo homem; tudo mais é vaidade.
No fundo pode-se dizer que a vida é, para Epicuro, o verdadeiro absoluto.
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