sábado, 29 de junho de 2024

Martin Heidegger, Ser e Tempo

 

 


Síntese de Paolo Cugini

 

Parte 1

 

Introdução

Exposição da questão sobre o sentido do ser

 

Primeiro Capítulo

 

Necessidade, estrutura e primado da questão do ser.

 

1. Necessidade de uma repetição explicita da questão do ser

 

1. “Ser” é o conceito “mais universal”. A “universidade” do “ser”, porém, não é a do gênero. ”Ser” não delimita a região suprema do ente, pois esse se articula conceitualmente segundo gênero e espécie. A “universalidade” do ser “transcende” toda universidade genérica. Segundo a terminologia da ontologia medieval, o “ser” é um “transcendens”.A unidade desse universal transcendente frente à variedade multiforme dos conceitos reais mais elevados de gênero dói entendida já por Aristóteles como unidade da analogia.

 

2. O conceito de “ser” é indefinível. Essa é a conclusão tirada de sua máxima universidade[1].O “ser” não pode ser concebido como ente.

 

3. O “ser” é o conceito evidente por si mesmo. Em todo conhecimento, proposição ou comportamento com o ente e em todo relacionamento consigo mesmo, faz-se uso do “ser” e, nesse uso, compreende-se a palavra “sem mais”. Todo mundo compreende: “o céu é azul”, “eu sou feliz” etc. Mas essa compreensão comum demonstra apenas a incompreensão. Revela que um enigma já está sempre inserido a priori em todo ater-se e ser para o ente, como ente. Esse fato de vivermos sempre numa compreensão do ser e o sentido do ser estar, ao mesmo tempo, envolto em obscuridades demonstram a necessidade de principio de se repetir à questão sobre o sentido do “ser”.

 

3. O primado ontológico da questão do ser

O ser é sempre o ser de um ente. O todo dos entes pode tornar-se, em suas diversas regiões, campo para se liberar e definir determinados setores de obejeto. Estes, por sua vê, como por exemplo, historia natureza, espaço, vida, presença, linguagem, porem transforma-se em temas e objetos de investigação cientifica. A pesquisa cientifica realiza, de maneira ingênua e a grosso modo, um primeiro levantamento e uma primeira fixação dos setores dos objetos. A elaboração do setor em suas estruturas fundamentais já foi, de certo modo, efetuada pela experiência e interpretação pré-científicas da região do ser que delimita o próprio setor dos objetos. Os “conceitos fundamentais” assim produzidos constituem de inicio, o fio do condutor da primeira abertura concreta do setor. Se o peso de uma pesquisa sempre se coloca nessa positividade, o seu progresso propriamente dito não consiste tato em acumular resultados e conserva-los em “manuais”, mas em questionar a constituição fundamental de cada setor que, na maioria das vezes surge reativamente do conhecimento crescente das coisas. A questão do ser visa às condições de possibilidade das próprias ontologias que antecedem e fundam as ciências ônticas. Por mais rico e estruturado que possa ser o seu sistema de categorias, toda antologia permanece, no fundo, cega e uma distorsão de seu propósito mais autentico se, previamente, não houver esclarecido, de maneira suficiente, o sentido do ser nem tiver compreendido esse esclarecimento como sua tarefa fundamental.

 

4. O primado ôntico da questão do ser

 

A presença não é apenas um ente que ocorre entre outros entes. Ao contrario, do ponto de vista ôntico, ela se distingue pelo privilegio de, em seu ser, isto é, sendo, estar em jogo seu próprio ser. Mas também pertence a essa constituição de ser da pre-sença a características de, em seu ser, isto é, sendo, estabelecer uma relação de ser com seu próprio ser. Isso significa, explicitamente e de alguma maneira, que a pre-sença se compreende em seu ser, isto é, sendo. É próprio deste ente que seu ser se lhe abra e manifeste com e por meio de ser próprio ser, isto é, sendo. A compreensão d ser é em si mesma uma determinação do ser da pre-sença. O privilegio ôntico que distingue a pre-sença esta em ser ela ontológica.

Chamamos existência (N) ao próprio ser com o qual a pre-sença pode se comportar dessa ou daquela maneira. Como a determinação essencial desse ente teúdo quididativo, já que sua essência reside, ao contrario, no fato de dever sempre assumir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo pre-sença para designá-lo enquanto pura expressão de ser.

A presença sempre se compreende a si mesma a partir de sua existência, de uma possibilidade própria de ser ou não ser ela mesma. Essas possibilidades são ou escolhidas pela própria pre-sença ou um meio em que ela caiu ou já sempre nasceu e cresceu. No modo de assumir-se ou perder-se, a existência só se decide a partir de cada pre-sença e si mesma. A questão da existência sempre só poderá ser esclarecida pelo próprio existir. A compreensão de si mesma que assim se perfaz, nós a chamamos de compreensão existenciária. (N3) A questão da existência é um “assunto” ôntico da pre-sença; para isso não é necessária à transparência teórica da estrutura ontológica da existência. O questionamento dessa estrutura pretende desdobrar e discutir o que constitui a existência. Chamamos de existencialidade (N4) o conjunto dessas estruturas. A analise da existencialidade não possui o caráter de uma compreensão existenciária e sim de uma compreensão existencial. (N5) A tarefa de uma analítica existencial da pre-sença já se acha prelineada em sua possibilidade e necessidade na constituição ôntica da pre-sença.

 

Segundo Capitulo

 

As duas tarefas de uma elaboração da questão do ser

 

O método e o sumario da investigação

 

5. A analítica ontológica da pre-sença como liberação do horizonte para uma interpretação do sentido do ser em geral.

 

O primado ôntico-ontológico, que ficou de-monstrado para a pre-sença, poderia induzir a se pensar que esse ente é também o primeiro do ponto de vista ôntico-ontologico. E isso não apenas no sentido de uma apreensão “imediata” do próprio ente, mas também no tocante a um dado preliminar, igualmente “imediato”, de seu modo de ser. Na verdade, a pre-sença não somente está onticamente próxima u é o mais próximo. Nós mesmos a somos cada vez. Apesar disso, ou justamente por isso, é o que está mais distante do ponto de vista ontológico.

Uma analise da pre-sença constitui, portanto, o primeiro desafio no questionamento da questão do ser. Assim, torna-se premente o problema de como se deve alcançar e garantir a via de acesso a pre-sença. Negativamente: na construção da pre-sença, não se deve aplicar, de maneira dogmática, uma idéia qualquer se ser e realidade por mais “evidente” que seja. Nem se deve impor à pre-sença “categorias” delineadas por aquela idéia. Ao contrario, as modalidades de acesso e interpretação devem ser escolhidas de modo que esse ente possa mostrar-se e si mesma e por si mesmo. Elas têm de mostrar a pre-sença em sua cotidianidade das vezes. Da cotidianidade, não se devem extrair estruturas ocasionais e acidentais, mais sim estruturas essenciais. Essenciais são as estruturas que se mantêm ontologicamente determinantes em todo modo de ser de fato da pre-sença. Com referência a constituição fundamental da cotidianidade da pre-sença, poder-se-á, então alcançar um esclarecimento preparatório do ser desse ente.

A temporalidade (Zeitlichkeit) será de-monstrada como o sentido da pre-sença. Essa comprovação deve ser afirmada numa repetição de interpretação das estruturas da pre-sença provisoriamente de-monstrada como modos da temporalidade.

Em alguns acenos já se mostrou: pertence á presença, como constituição ôntica, um ser pré-ontologico. A pre-sença é de tal modo que, sendo, realiza uma compreensão do ser. Mantendo-se esse nexo deve se agora mostrar que o tempo é o ponto de partida do qual a pre-sença sempre compreende e interpreta implicitamente o ser. Por isso, deve-se mostrar e esclarecer, de modo e interpretação do ser. Para que isso se evidencie, torna-se necessária uma explicação originaria do tempo enquanto horizonte da compreensão do ser a partir da temporalidade, como ser da pre-sença, que se perfaz no movimento de compreensão do ser.

Porque o ser só pode ser compreendido, sempre e cada vez, na perspectiva e com referencia ao tempo, também a resposta à questão do ser não pode ser dada numa sentença isolada e cega, A resposta não será apreendida nem compreendida se não fizer mais do que repetir sua formulação sentencial e, sobretudo, se ficar circulando de mão em mão como um resultado solto no ar de que se torna conhecimento como um ponto de vista e uma posição, talvez divergente da maneira tradicional de tratar.

 

 6. A tarefa de uma destruição na historia da ontologia

 

A historia fatual (historie) ou, mais precisamente, a fatualidade historiográfica (Historizitat) só é possível como modo de ser da pre-sença que questiona porque, no fundamento de seu ser, a pre-sença se determina e constitui pela historicidade. Se a historicidade fica escondida para a pre-sença e enquanto ela assim permanecer, também se lhe nega a possibilidade de questionar e descobrir factualmente a historia. A falta de historia factual (Historie) não é uma prova contra a historicidade da pre-sença, mas uma prova a seu favor, enquanto modo deficiente dessa constituição ontológica. Uma época só pode ser destruída de fatos históricos por ser “histórica”.

A elaboração da questão do ser deve, portanto, retirar do sentido ontológico mais próprio do próprio questionamento, enquanto questionamento histórico, a orientação para se indagar acerca de sua própria historia, isto é, deve determinar-se por fatos históricos. Pois, somente apropriando-se positivamente do passado é que ela pode entrar na posse integral das possibilidades mais próprias de seu questionamento. Segundo seu modo próprio de realização, a saber, a explicação prévia da pre-sença em sua temporalidade e historicidade, a questão sobre o sentido do ser é levada, a partir de si mesma, a se compreender como questão referente a fatos históricos. (N7)

Caso a questão do ser deva adquirir a transparência de sua própria historia, é necessário então, que se abale a rigidez e o endurecimento de uma tradição petrificada e se removam os entulhos acumulados. Entendemos essa tarefa como destruição do acervo da antiga ontologia, legado pela tradição. Deve-se efetuar essa destruição seguindo-se o fio condutor da questão do ser até se chegar às experiências originárias e que foram obtidas as primeiras determinações do ser que, desde então, tornaram-se decisivas.

A problemática da ontologia grega, bem como de toda antologia, deve ser orientada pela própria pre-sença.

 

7. O método fenomenológico da investigação

 

A palavra “fenomenologia” exprime uma maquina que se pode formular na expressão: “ás coisas em si mesmas!” – por oposição ás construções soltas no ar, ás descobertas acidentais, á admissão de conceitos só aparentemente verificados, por oposição ás pseudoquestões que se apresentam, muitas vezes como “problemas”, ao longo de muitas gerações.

 

A. O conceito de fenômeno

A expressão grega φαιόụĒό, a que remota o termo “fenômeno”, deriva do verbo, ǔ££αụǔιφ. €£ǔŢĘŘİńő significa: mostrar-se e, por isso, φαιόụĒό diz o que se mostra o que se revela. Já em si mesmo, porém, φαιόụĒό é a forma média de φαι – trazer para a luz do dia, pôr no claro. Φαιό pertence à raiz ιόụ como, por exemplo, φαι, a luz, a claridade, isto é, o elemento, o meio, em que alguma coisa pode vir a se revelar e a se tornar visível em si mesma. Deve-se manter, portanto, como significado da expressão “fenômeno” o que se revela o que se mostra em si mesmo. Ţă φαιφόụ€α, “os fenômenos”, constituem, pois a totalidade do que está á luz do dia ou se pode pôr a luz, o que os gregos identificavam, algumas vezes, simplesmente como ţă φαια (os entes), a totalidade de tudo que é. Ora, o ente pode-se mostrar por si mesmo de várias maneiras, segundo sua via e modo de acesso. Há até a possibilidade de o ente se mostrar como aquilo que, em si mesmo, ele não é. Neste modo de mostrar-se, o ente “se faz ver assim como...” Chamamos de aparecer, parecer e aparência a esse modo de mostrar-se. Em grego, portanto, a expressão φαιόụĒό, “fenômeno”, possui também o significado do que “se faz ver assim como”, da “aparência”, do que “parece e aparece”; φαιόụĒό φαι designa um, bem, que se deixa e faz ver como se fosse um bem, mas que “na realidade” não é assim como se dá e apresenta.

É que este mostrar-se pertence essencialmente aquilo em que alguma coisa se anuncia. Desse modo, fenômenos nunca são manifestações, toda manifestação é que depende de u fenômeno. Quando se define, portanto, o fenômeno com a ajuda de um conceito ainda. Não esclarecido de “manifestações” tudo fica de pernas para o ar, e uma critica e fenomenologia nestas bases é, sem duvida alguma, um empreendimento bastante curioso.

Na medida em que um fenômeno é constitutivo da “manifestação”, no sentido de um anúncio através de algo que se mostra, e uma vez que o fenômeno pode sempre transformar-se privativamente em aparência, também a manifestação pode tornar-se simples aparência. Assim, nu determinado tipo de iluminação, alguém pode aparecer como se tivesse o rosto vermelho. O rosto vermelho pode ser tomado como anuncio de febre que, por sua vez, indica um distúrbio no organismo.

 

B. O conceito de logos

É somente porque a função do λόγος reside num puro deixar e fazer ver, deixar e fazer perceber o ente, é que λόγος pode significar razão. Porque se usa λόγος não apenas no sentido de λέγευ, mas também no sentido de λεγόựευου, o que se mostra como tal, e porque este nada mais é do que λεγόựευου, isto é, aquilo que, em toda interpelação e discussão, já estás sempre presente como fundo e fundamento, λόγος enquanto λεγőựευου significa ratio, fundamento. E, por fim, porque, enquanto λεγόựευου, o λόγος pode também significar o que pode ser interpelado como algo que se tornou visível em sua relação com outra coisa, em seu “relacionamento”, por isso o λόγος assume a significação de relação e proporção.

Esta interpretação do “discurso apofântico” é suficiente para se esclarecer à função primaria do λόγος.

 

C. O conceito preliminar de fenomenologia

O termo “fenomenologia” nem evoca o objeto de suas pesquisas nem caracteriza o seu conteúdo quididativo. A palavra se refere exclusivamente ao modo como se de-monstra e se trata o que nesta ciência deve ser tratado. Ciência “dos” fenômenos significa: apreender os objetos de tal maneira que se deve tratar de tudo que está em discussão, numa de-monstração e procedimento diretos.

“Atrás” dos fenômenos da fenomenologia não há absolutamente nada, o que acontece é que aquilo que deve tornar-se fenômeno pode-se velar.  Fenomenologia é necessária justamente porque, de inicio e na maioria das vezes, os fenômenos não se dão. O conceito oposto de “fenômeno” é o conceito de encobrimento.

Diferentes são os modos possíveis de encobrimento dos fenômenos. Um fenômeno pode-se manter encoberto por nunca ter sido descoberto. Dele, pois, não há nem conhecimento nem desconhecimento. Um fenômeno pode estar entulhado. Isto significa: antes tinha sido descoberto, mas, depois, voltou a encobrir-se. Este encobrimento pode ser total ou, como geralmente acontece, o que antes se descobriu ainda se mantém visível, embora como aparência. No entanto, há tanta aparência quanto “ser”. Este encobrimento na forma de “desfiguração” é o mais freqüente e o mais perigoso, pois as possibilidades de engano e desorientação são particularmente severas e persistentes. As estruturas do ser e seus respectivos conceitos disponíveis, embora entranhados em sua consistência, reivindicam os seus direitos talvez dentro de um “sistema”.

Só é possível conquistar o modo de encontro com o ser e suas estruturas nos fenômenos a partir dos próprios objetos da fenomenologia. È por isso também que o ponto de partida das analises, o acesso aos fenômenos e a passagem pelos encobrimentos vigentes exigem uma segurança metódica particular. A idéia de apreensão e explicação “originarias” e “intuitivas” dos fenômenos abriga o contrario da ingenuidade de uma “visão” casual, “imediata” e impensada.

Em sentido fenomenológico, fenômeno é somente o que constitui o ser, e ser é sempre ser de um ente. È por isso que, ao ver visar a uma liberação do ser, deve-se, preliminarmente, aduzir o prórpio ente do modo devido. Este ente também deve-se mostrar no modo de acesso que genuinamente lhe pertence. E, deste modo, o conceito vulgar de fenômeno se torna fenomenologicamente relevante. A tarefa preliminar de se assegurar “fenomenologicamente” o acesso ao ente exemplar como ponto de partida da própria analítica já se acha sempre delineada a partir do próprio ponto de chegada.

 

 

Primeira Parte

 

A interpretação da pre-sença pela temporalidade e a explicação do tempo como horizonte transcendental da questão do ser

 

O ente que temos a tarefa de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre e cada vez meu, em seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser. Como um ente deste ser, a pre-sença se entrega á responsabilidade de assumir seu próprio ser. O ser é o que neste ente está sempre em jogo. Desta caracterização da pre-sença resultam duas coisas:

1. A “essência” deste ente está em ter de ser. A quididade (assentia) deste ente, na medida em que se possa falar dela, há de ser concebida a partir de seu ser (existência). Neste propósito, é tarefa ontológica mostrar que, se escolhermos a palavra existência para designar o ser deste ente, esta não tem nem pode ter o significado ontológico mostrar que, se escolhermos a palavra existência ara designar o ser deste ente, esta não tem nem pode ter o significado ontológico do termo tradicional existência.

A “essência” da pre-sença está em sua existência. As características que se podem extrair deste ente não são, portanto, “propriedades” simplesmente dadas de um ente simplesmente dado que possui esta ou aquela “configuração”. As características constitutivas da pre-sença são sempre modos possíveis de ser e somente isso. Toda modalidade de ser deste ente é primordialmente ser. Por isso, o termo “pre-sença”, reservado para designá-lo, não exprime a sua qualidade como mesa, casa, arvore, mas sim o ser.

 

2. O ser, que está em jogo no ser deste ente, é sempre meu.

A pre-sença se constitui pelo caráter de ser minha segundo este ou aquele modo de ser. De alguma maneira. Sempre já se decidiu de que modo a pre-sença é sempre minha. O ente, em cujo ser, isto é, sendo, está em jogo o próprio ser, relaciona-se e comporta-se com o seu ser, como a sua possibilidade mais própria. A pre-sença é sempre sua possibilidade. Ela não “tem” a possibilidade apenas como uma propriedade simplesmente dada.

 

11. A analítica existencial e a interpretação da pre-sença primitiva. As dificuldades para se obter um “conceito natural do mundo”

A interpretação da pre-sença em sua cotidianidade não deve, porém, ser identificada com descrição de uma fase primitiva da pre-sença, cujo conhecimento pudesse ser transmitido empiricamente pela antropologia. Cotidianidade não coincide com primitividade. Cotidianidade é, antes, um modo de ser da pre-sença se move numa cultura altamente desenvolvida e diferenciada.

 

Segundo Capítulo

 

O ser-no-mundo em geral como constituição fundamental da pre-sença

 

12. Caracterização prévia do ser-no-mundo a partir do ser-em como tal

Estas determinações do ser e da pre-sença, todavia, devem agora ser vistas e compreendidas a priori, com base na constituição ontológica que designamos de ser-no-mundo. O ponto de partida devido da analítica da pre-sença consiste em se interpretar esta constituição.

A expressão composta “ser-no-mundo”, já na sua cunhagem, mostra que pretende referir-se a um fenômeno de unidade. Deve-se considerar este primeiro achado em seu todo. A impossibilidade de dissolvê-la em elementos, que podem ser posteriormente compostos, não exclui a multiplicidade de momentos estruturais que compõem esta constituição. O achado fenomenal indicado nesta expressão comporta, de fato, uma tríplice visualização. Ao se examinar esse achado, mantendo-se preciamente a totalidade do fenômeno, pode-se ressaltar o seguinte:

1. O “em-um-mundo”; no tocante a este momento, impõe-se a tarefa de indagar sobre a estrutura ontológica de “mundo” e determinar a idéia de mundanidade como tal (cf. cap. 3 dessa seção).

2. O ente que sempre é segundo o modo de ser-no-mundo. Investiga-se aqui o que indagamos com a interrogação “quem?” Numa de-monstração fenomenal devemos determinar quem é e está no modo da cotidianidade mediana da pre-sença (cf. cap. 4 dessa seção).

3. O ser-em como tal; deve-se expor a constituição ontológica do próprio em (cf. cap. 5 dessa seção). Todo destaque de um destes momentos constitutivos significa destacar também os demais, isto é, significa ver, cada ver, todo fenômeno. O ser-no-mundo é, sem duvida, uma constituição necessária e a priori da pre-sença, mas de forma alguma suficiente para determinar por completo o seu ser. Antes das análises temáticas particulares destes três fenômenos, devemos buscar uma caracterização orientadora do momento constitutivo por ultimo mencionado.

O ser-em ao contrario, significa uma constituição ontológica da pre-sença e é um existencial. Com ele, portanto, não se pode pensar em algo simplesmente dado de uma coisa corporal (o corpo humano) “dentro” de um ente simplesmente dado. O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, “dentro de outra” porque, em sua origem, o “em” não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie[2]; “em” deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; “na” significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado com, cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito e diligo. O ente, ao qual pertence o ser-em, neste sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão “sou” se conecta a “junho”; “eu sou” diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto... Ao mundo, como alguma coisa que, deste ou daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de “eu sou”, isso, como existencial, significa morar junto a, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser da pre-sença que possui a constituição essencial de ser-no-mundo.

 

Terceiro Capítulo

 

A mundanidade do mundo

 

14. A idéia de mundanidade do mundo em geral

 

Descrever o “mundo” fenomenologicamente significa: mostrar e fixar numa categoria conceitual o ser dos entes que simplesmente se dão dentro do mundo. Os entes dentro do mundo são as coisas, as coisas naturais e as coisas “dotadas de valor”. O seu caráter de coisa torna-se problema; e na medida em que o caráter de coisa das coisas dotadas de valor se edifica sobre o caráter das cosia natural, o tema primário é o ser das. Coisas naturais, a natureza com tal. A substancialidade é o caráter ontológico das coisas naturais, das substancias. Esse caráter é o fundamento de tudo. O que constitui o seu sentido antológico? Com isso damos à investigação uma direção unívoca de questionamento.

Nem um retrato ôntico dos entes intramundanos nem a interpretação ontológica do ser destes entes alcançariam como tais, o fenômeno do “mundo”. Em ambas as vias de acesso para o ser “objetivo” já se “pressupõe”, e de muitas maneiras, o “mundo”.

“Mundanidade” é um conceito ontológico e significa a estrutura de um momento constitutivo do ser-no-mundo. Este, nós o conhecemos como uma determinação existencial da pre-sença. Assim, a mundanidade já é em se mesma um existencial. Quando investigamos ontologicamente o “mundo”, não abandonamos, de forma alguma, o campo temático da analítica da pre-sença. Do ponto de vista ontológico, “mundo” não é determinação de um ente que a pre-sença em sua essência não é. “Mundo” é um caráter da própria pre-sença. Isto não exclui o fato de que o caminho de investigação do fenômeno “mundo” deva seguir os entes intramundanos e seu ser. A tarefa de “descrição” fenomenológica do mundo é tão pouco clara que já a sua determinação suficiente exige esclarecimentos ontológicos essenciais.

A polissemia da palavra “mundo” salta os olhos em seu uso freqüente, bem como ans condições tecidas até aqui. Seu esclarecimento pode vir a ser uma indicação dos fenômenos e de seus nexos referidos nas diferentes significações.

1. Mundo é usado como um conceito ôntico, significando, assim, a totalidade dos entes que se podem simplesmente dar dentro do mundo.

2. Mundo funciona como termo ontológico e significa o ser dos entes mencionados no item 1. E “mundo” pode denominar a região que sempre abarca uma multiplicidade de entes, como ocorre, por exemplo, na expressão “mundo” usado pelos matemáticos, que designa a região dos objetos possíveis da matemática.

3. Mundo pode ser novamente entendido em sentido ôntico. Nesse caso, é o contexto “em que” de fato uma pre-sença “vive” como pre-sença, e não o ente que a pre-sença em sua essência não é, mas que pode vir ao seu encontro dentro do mundo. Mundo possui aqui um significado pré - ontologicamente existenciária. Deste sentido, resultam diversas possibilidades: mundo ora indica o mundo “público” do nós, ora o mundo circundante mais próximo (domestico) e “próprio”.

4. Por fim, mundo designa o conceito existencial – ontológico da mundanidade. A própria mundanidade pode modificar-se e transforma-se, cada vez, no conjunto de estruturas de “mundos” particulares, embora inclua em si o a priori da mundanidade em geral. Terminologicamente tomamos a expressão mundo para designar o sentido fixado no item 3. Quando, por vezes, for usada no sentido mencionado no item 2, marcaremos este sentido, colocando a palavra entre aspas, “mundo”.

O mundo mais próximo da pre-sença cotidiana é o mundo circundante. (N14) Para se chegar à idéia de mundanidade, a investigação seguirá o caminho que parte deste caráter existencial do ser-no-mundo mediano. Passando por uma interpretação ontológica dos entes que vem ao encontro dentro do mundo circundante é que poderemos buscar a mundanidade do mundo circundante (circumundanidade). A expressão mundo circundante aponta no “circundante” para uma especialidade. O “circundar”, constitutivo do mundo circundante, não possui, de maneira alguma, um sentido primordialmente “espacial”.

 

23. A espacialidade do ser-no-mundo

Ao atribuirmos espacialidade à pre-sença, temos evidentemente de conceber este “ser-no-espaço” a partir de seu modo de ser. Em sua essência, a espacialidade da pre-sença não é um ser simplesmente dado e por isso não pode significar ocorrer em alguma posição do “espaço cósmico” e nem estar à mão em algum lugar. Ambos são modos de ser de entes que vêm ao encontro dentro do mundo. A pre-sença, no entanto, está e é “no” mundo, no sentido de lidar familiarmente na ocupação com os entes que vêm ao encontro dentro do mundo. Por isso, se, de algum modo, a espacialidade lhe convém, isso só é possível com base nesse ser-em. A espacialidade do ser-em apresenta, porém, os caracteres de dis-tanciamento e direcionamento. (N31)

Enquanto modo de ser da pre-sença no tocante a seu ser-no-mundo, o distanciamento não é por nós entendido como distancia (proximidade) ou mesmo como intervalo. Usamos a expressão distanciamento num significado atiço e transitivo. Indica uma constituição ontológica da pre-sença em unção da qual o distanciar de alguma coisa, no sentido de afastar, é apenas um modo determinado e fatual. Distanciar diz fazer desaparecer o distante isto é, a distancia de alguma coisa, diz proximidade. Em sua essência, a pre-sença, é essa possibilidade de dis-tanciar. Como o ente que é sempre faz com que os ventes venham à proximidade. O dis-tanciamento descobre a distancia. Assim como o intervalo, a distancia é uma determinação categorial dos entes destituídos do modo de ser da presença. Distanciamento, ao contrario, deve ser mantido como existencial. Somente na medida em que se descobre para a pre-sença a distancia dos entes é que no próprio ente intramundanos tornam-se accessíveis “distanciamentos” e intervalos como referencia a outros entes. Da mesma forma que quaisquer duas coisas, dois pontos não estão distantes um do outro porque nenhum deles é capaz de distanciar em seu modo próprio de ser. Apenas possuem um intervalo que pode ser constatado na dis-tanciar e por ela medido.

Dis-tanciar é de inicio e, sobretudo, uma aproximação dentro da circunvisão, isto é, trazer para a proximidade no sentido de providenciar, aprontar, ter à mão. No entanto, determinados modos de descobrir os entes numa atitude puramente cognoscitiva também apresentam o caráter de aproximação. Na pre-sença reside uma tendência essencial de proximidade. Todos os modos de aumentar a velocidade que nós, hoje, de forma mais ou menos forçada, exercemos impõem a superação da distancia. Assim, por exemplo, com a “radiodifusão”, a pre-sença cumpre hoje o dis-tanciamento do “mundo”, através de uma aplicação e destruição do mundo circundante cotidiano, cujo sentido para pre-sença ainda não pode ser totalmente aquilatado.

Embora não necessariamente, subsiste no dis-tanciamento uma avaliação explícita da distancia em que um manual se acha com relação à pre-sença. A distancia jamais é apreendida prevalentemente como intervalo, A avaliação da distancia sempre se faz relativamente a distanciamentos em que a pre-sença cotidiana se mantém. Por mais imprecisos e oscilantes que sejam os seus cálculos, tais avaliações possuem uma determinação própria e compreensível para todos no modo de ser cotidiano da pre-sença. Assim, dizemos – até lá é uma caminhada, é um pulo é “um salto de pulga”. Essas medidas exprimem que elas não apenas não querem “medir” como também indicam que as distancias avaliadas pertencem a um ente com que lidamos numa cirvunvisão e ocupação. Mesmo quando nos servimos de medidas precisas e dizemos: “até em casa é meia hora”, essa mediação deve ser tomada como uma avaliação, pois aqui “meia hora” não são trinta minutos, mas uma duração que não possui “tamanho”, no sentido de extensão quantitativa. Essa duração é interpretada, cada vez, segundo as “ocupações” cotidianas de nossos hábitos. As distancias são avaliadas, em primeiro lugar, de acordo com a circunvisão mesmo quando se conhecem medidas estabelecidas “oficialmente”. Porque, nessas avaliações, o dis-tante se acha à mão, ele conversa o seu caráter especificamente intramudano. A este caráter pertence o fato de que todo dia os caminhos corriqueiros que levam ao ente dis-tante são diferentemente longos. O manual do mundo circundante, na verdade, não se oferece como algo simplesmente dado para um observador eterno, destituído de pre-sença, mas vem ao encontro na cotidianidade da pre-sença, empenhada em ocupações dentro da cincunvisão. Em seus caminhos, a pre-sença não atravessa um trecho do espaço como uma coisa corpórea simplesmente dada. Ela “não devora quilômetros”, a aproximação e o dis-tanciamento são sempre modos de ocupação com que está próximo e dis-tante. Um caminho “objetivamente” longo pode ser mais curto que, talvez, seja uma “difícil caminhada” e, por isso, se apresente como um caminho sem fim. É nesse “apresentar-se” que cada mundo está propriamente à mão. Os intervalos objetivos de coisas simplesmente dadas não coincidem com a distancia e o estar próximo do manual intramundano. Por mais que se saibam com exatidão aqueles intervalos, este saber permanecerá cego por não possuir a função de aproximar o mundo circundante descoberto na circunvisão; este saber só se aplica num ser e para um ser que, em suas ocupações, não está medindo trechos de um mundo que “lhe diz respeito”.

Seguindo a orientação prévia pela “natureza” e pelos intervalos entre as coisas, medidos “objetivamente”, tem-se a tendência de considerar tais avaliações e inter-pretações do distanciamento como “subjetivas”. Trata-se, porém, de uma “subjetividade” que talvez descubra o mais real da “realidade” do mundo, a qual nada tem a ver com uma arbitrariedade “subjetiva” nem com “apreensões” subjetivistas de um ente “em si” diverso. O dis-tanciamento guiado por uma circunvisão na cotidianidade da pre-sença descobre o ser-em-si do “mundo verdadeiro”, isto é, de um ente junto ao qual a pre-sença, existindo, já sempre está.

Como ser-no-mundo, a pre-sença se mantém essencialmente num dis-tanciar. A pre-sença nunca pode cruzar esse dis-tanciamento, à distância em que o manual está de si mesmo. A distância de um manual pode, sem duvida, ser constatada pela pre-sença como intervalo quando, por exemplo, se determina a distancia com relação a uma coisa que se pensa dada simplesmente num lugar que antes a pre-sença havia ocupado. Este entre do intervalo só poderá ser atravessado posteriormente pela pre-sença na condição de o próprio intervalo tornar-se distante. A pre-sença não cruza de forma alguma o seu dis-tanciamento e isso a tal ponto que o leva consigo constantemente, pois a pre-sença é essencialmente dis-tanciamento, ou seja, é espacial. A pre-sença não pode percorrer o âmbito de seus dis-tanciamentos. Ela pode apenas transformá-los. Espacial, a pre-sença existe segundo o modo da descoberta do espaço inerente à circunvisão, no sentido de se relacionar num continuo distanciamento com os entes que lhe vêm ao encontro no espaço.

Em seu ser-em, que instala dis-tanciamento, a pre-sença também possui o caráter de direcionamento. Toda aproximação toma antecipadamente uma direção dentro de uma região, a partir da qual o dis-tanciamento se aproxima para poder ser encontrado em seu local. A ocupação exercida na circunsivão é um dis-tanciamento direcinal. Nessa ocupação, isto é, no ser-no-mundo da própria presença, já se dá previamente à necessidade de “sinais”; é esse instrumento que assume a indicação explicita e facilmente manuseável das direções. È ele que mantém expressamente abertas as regiões utilizadas na circunvisão, cada destino do pertencer, do encaminhar-se do ir buscar e levar. Sendo, a pre-sença, na qualidade de um ser que distancia e se direciona, possui uma região já desde sempre descoberta. Assim como dis-tanciamento, o direcionamento é conduzido, previamente, como modo de ser-no-mundo pela circunvisão da ocupação.

 

24. A espacialidade da pre-sença e o espaço

Enquanto ser-no-mundo, a pre-sença já descobriu a cada passo um “mundo”. Caracterizou-se esse descobrir, fundado na mundanidade do mundo, como liberação dos entes numa totalidade conjuntural. A ação libertadora de deixar e fazer em conjunto se perfaz no modo da referencia, guiada pela circunvisão e fundada numa compreensão prévia da significância. Ora, mostrar-se que, dentro de uma circunvisão, o ser-no-mundo é espacial. E somente porque a pre-sença é espacial tanto no modo de dis-tanciamento quanto no modo de direcionamento é que o que se acha à mão no mundo circundante pode vir ao encontro em sua espacialidade. A liberação de uma totalidade conjuntural é, de maneira igualmente originária, um deixar e fazer em conjunto que, numa região, dis-tancia e direciona, ou seja, libera a pertinência espacial do que está à mão. Na significância, familiar à pre-sença nas ocupações de seu ser-em, reside também à abertura essencial do espaço.

O espaço nem está no sujeito nem o mundo está no espaço. Ao contrario, o espaço está no mundo na medida em que ser-no-mundo constitutivo da pre-sença já descobriu sempre um espaço. O espaço não se encontra no sujeito nem o sujeito considera o mundo “como se” estivesse num espaço. É o “sujeito”, entendido ontologicamente, a pre-sença, que é espacial em sentido originário. Porque a pre-sença é nesse sentido espacial, o espaço se apresenta como a priori. Este termo não indica a pertinência prévia a um sujeito que de saída seria destituído de mundo e projetaria de si um espaço. A prioridade significa aqui precedência do encontro com o espaço (como região) em cada encontro do manual no mundo circundante.

 

Quanto Capitulo

 

O ser-no-mundo como ser - com e ser-proprio. O “impessoal”

 

25. O ponto de partida da questão existencial sobre o quem da pre-sença

A pre-sença é o ente que sempre eu mesmo sou, o ser é sempre meu. Essa determinação indica uma constituição ontológica, mas também só isso. Ao mesmo tempo, contem a indicação ôntica, se bem que a grosso modo, de que sempre este ente é um eu e não um outro. O quem responde a partir de um eu mesmo, do “sujeito”, do próprio. O pronome quem é aquilo que, mas mudanças de atitude e vivencia, se mantém idêntico e, assim, refere-se a esta multiplicidade. Do ponto de vista ontológico, nós o entedemos como algo simplesmente dado, já sempre constantemente vigente para e uma região fechada e que, num sentido privilegiado, oferece uma base enquanto o subjectum. Sendo sempre o mesmo, possui nas muitas alterações, o caráter do próprio. (N34) Por mais que se rejeite a substancia da alma ou o caráter de coisa da consciência e de objetividade da pessoa, ontologicamente, já no ponto de partida, fica-se atrelado a algo cujo ser guarda, explicita ou implicitamente, o sentido de ser simplesmente dado. A substancialidade é o guia ontológico da determinação dos entes a partir do qual se responde à pergunta quem. De maneira implícita, concebe previamente a pre-sença como algo simplesmente dado. Em todo caso, o caráter indeterminado de seu ser sempre implica este sentido. Ora, se o ser simplesmente dado é o modo de ser de um ente que não possui o caráter da pre-sença.

A evidência ôntica da afirmação de que sou eu que sempre sou a pre-sença não deve fazer pensar que, com isso, já se delineou inequivocamente o caminho de uma interpretação ontológica do que assim “é dado”. Permanece questionável até mesmo se o conteúdo ôntico dessa afirmação reproduz, de forma adequada, o teor fenomenal da pre-sença cotidiana. Poe ser que o quem da pre-sença cotidiana não seja sempre justamente eu mesmo.

O encontro com os outros não se dá numa apreensão prévia em que um sujeito, de inicio já simplesmente dado, se distingue dos demais sujeitos, nem numa visão primeira de si onde então se estabelece o referencial da diferença. Eles vêm ao encontro a partir do mundo em que a pre-sença se mantém de modo essencial, empenhada em ocupações guiadas por uma circunvisão. Em oposição aos “esclarecimentos” teóricos, que facilmente se impõem sobre o ser simplesmente dado dos outros, deve-se ater ao teor fenomenal de-monstrado de seu encontro no mundo circundante. Esse modo de encontro mundano mais próximo e elementar da pre-sença é tão amplo que a própria pre-sença nele, de saída, já “encontra” a si mesma, desviando o olhar ou nem mesmo vendo “vivências” e “atos”. A pre-sença encontra, de saída, “a si mesma” naquilo que ela compreende, usa, espera, resguarda – no que está imediatamente à mão no mundo circundante, em sua ocupação.

Na maior parte das vezes e antes de tudo, a pre-sença se entende a partir de seu mundo, e a co-pre-sença dos outros vem ao encontro nas mais diversas formas, a partir do que está à mão dos outros se torna, por assim dizer, temática, eles não chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas. Nós ao encontramos, por exemplo, “junto ao trabalho”, o que significa, primordialmente, em seu ser-no-mundo. Mesmo quando vemos o outro meramente “em volta de nós”, ele nunca é apreendido como coisa-homem simplesmente dada. O “estar em volta” é um modo existencial de ser: o ficar desocupado e desprovido de cirvunvisão junto a tudo e a nada. O outro vem ao encontro em sua co-pre-sença no mundo.

A expressão “pre-sença” mostra claramente que, “de inicio”, esse ente não se acha remetido a outros e que apenas posteriormente é que também pode ser “co”-pre-sente com outros. Não se deve, contudo, desconsiderar que usamos o termo co-pre-sença para designar o ser em função do que os outros são liberados dentro do mundo. Dentro do mundo, essa co-pre-sença dos outros só se abre para uma pre-sença e assim também para os co-pre-sentes, visto que a pre-sença é em s mesma, essencialmente, se - com. A proposição fenomenológica: pre-sença é, essencialmente, sem - com possui um sentido ontológico-existencial. Ela não quer constatar onticamente que eu, de fato, não estou sozinho como algo simplesmente dado ou que ocorrem outros de minha espécie. Se a frase: o ser-no-mundo da pre-sença se constitui essencialmente pelo ser - com quisesse dizer isto, então o ser - com não seria uma determinação existencial que conviria à pre-sença segundo o seu modo próprio de ser. Seria  uma propriedade que, devido à ocorrência dos  outros, introduzir-se-ia a cada vez.. O ser - com determina existencialmente a pre-sença mesmo quando um outro não é, de fato, dado ou percebido. Mesmo o estar - só da pre-sença é ser - com no mundo. Somente num ser - com e para um ser - com é que o outro pode faltar. O estar - só é um modo deficiente de ser - com e sua possibilidade é a prova disso.  Por outro lado, o fato de star só não é eliminado porque “junto” a mim ocorre um outro exemplar de homem ou dez outros. A pre-sença pode estar só mesmo quando esse e ainda outros tantos são simplesmente dados. O ser - com e a facticidade da co-pre-sença mão se fundam, pois, numa ocorrência simultânea de vários “sujeitos”. O estar só “entre” muitos também não diz, com referencia ao ser dos muitos, que eles sejam algo simplesmente dado. Nesse estar “entre eles”, eles são co-pre-sentes; sua co-pre-sença vem ao encontro no modo da indiferença e da estranheza. A falta e “ausência” são modos da co-pre-sença, apenas possíveis porque a pre-sença, enquanto ser - com, permite o encontro de muitos em seu mundo. Ser-com é sempre uma determinação da própria pre-sença; ser co-presente caracteriza a pre-sença de outros na medida em que, pelo mundo da pre-sença, libera-se a possibilidade para um ser - com. A própria pre-sença só é na medida em que possui a estrutura essencial do ser - com, enquanto co-pre-sença que vem ao encontro de outros.

De acordo com a analise aqui desenvolvia, porém, o ser com os outros pertence ao ser da pre-sença que, sendo, está em jogo seu próprio ser. Enquanto ser - com, a pre-sença “e”, essencialmente, em função dos outros. Isso deve ser entendido, em sua essência, como uma proposição existencial. Mesmo quando cada pre-sença de fato não se volta para os outros, quando acredita não precisar deles ou quando os dispensa, ela ainda é no modo de ser - com. No ser - com, enquanto o existencial de ser em função dos outros, os outros já estão abertos em sua pre-sença. Essa abertura dos outros, previamente constituída pelo ser - com, também perfaz a significância, isto é, a mundanidade que se consolida como tal no existencial de ser-em-função-de. Por isso, a mundanidade do mundo assim constituída, em que a pre-sença já sempre é e está de modo essencial, deixa que o manual do mundo circundante venha ao encontro junto com a co-pre-sença dos outros, na própria ocupação guiada pela circunvisão. Na estrutura da mundanidade do mundo reside o fato de os outros não serem, de saída, simplesmente dados como sujeitos soltos no ar, ao lado de outras coisas. Eles se mostram em ser-no-mundo, empenhado nas ocupações do mundo circundante, a partir do ser que, no mundo, está à mão.

A abertura da co-pre-sença dos outros, pertencente ao ser - com, significa: na compreensão do ser da pre-sença já subsiste uma compreensão dos outros porque seu ser é ser - com. Essa compreensão não é, assim como toda compreensão, um conhecimento nascido de um reconhecimento. É um modo de ser originariamente e conhecimento. Este conhecer-se está fundado no ser - com que compreende originariamente. Ele se move, de inicio, segundo o modo de ser mais imediato do ser-no-mundo que é com, no conhecimento compreensivo do que a pre-sença encontra e do que ela se ocupa na circunvisão do mundo circundante. A partir de ocupação e do que nela se compreende é que se ode entender a ocupação da preocupação. O outro se descobre, assim, antes de tudo, na preocupação das ocupações.

Porque, porém, de inicio e na maior parte das vezes, a preocupação se mantém nos modos deficientes ou ao menos indiferentes – na indiferença do passar ao largo um do outro – é que conhecer-se mais imediato e essencial necessita de aprender a conhecer-se. E mesmo quando o conhecer-se se vê perdido nos modos da retração, escondendo-se e equivocando-se, a convivência necessita de caminhos específicos para se aproximar do outro ou para “procura-lo”.

Do ponto de vista ontológico, o ser para os outros é diferente do ser das coisas simplesmente dadas. O “outro” ente possui, ele mesmo, o modo de ser da pre-sença. No ser - com e para os outros, subsiste, portanto, uma relação ontológica entre pre-sença. Essa relação pode-se dizer, já é constitutiva de cada pre-sença própria, que possui por si mesma uma compreensão do ser e, assim, relaciona-se com a pre-sença. A relação ontológica com os outros torna-se, pois, projeção do ser-proprio para si mesmo “nem outro”. O outro é um duplo de próprio.

È fácil ver que essa reflexão aparentemente evidente apóia-se em bases pouco sólidas. A pressuposição dessa argumentação de que o ser da pre-sença é para si mesmo o ser para um outro não é justa. Enquanto essa pressuposição não se comprovar evidente em sua justa determinação, permanece enigmático, de que maneira ele haverá de esclarecer a relação da pre-sença para consigo mesma como referencia ao outro como outro.

O ser para o outro não é apenas uma remissão ontológica irredutível e autônoma. Ele já está sendo, enquanto ser - com, o conhecer-se reciprocamente concreto depende muitas vezes do alcance em que a própria pre-sença sempre se compreende a si mesma; no entanto, isso diz apenas o alcance em que o ser - com os outros essencial se tornou transparente e não se deturpou o que só é possível porque a pre-sença, enquanto ser - com, já é sempre com os outros. Não é a “simpatia” que constitui o ser - com. Ao contrario, ela só é possível com base no ser - com, não podendo ser evitada em seus modos deficientes e predominante do ser - com, já que estes a motivam.

O fato da “simpatia” não constituir um fenômeno existencial originário e nem um conhecimento não significa, porém, que ela não coloque problemas a seu respeito. Sua hermenêutica especifica terá de mostrar como as diversas possibilidades ontológicas da própria presença desviam e obstaculam a convivência e seu respectivo conhecimento, de tal modo que sua “compreensão” autêntica se vê sufocada e a pre-sença passa a recorrer a seus sucedâneos; terá de mostrar também a possibilidade que suões a condição existencial positiva de uma compreensão adequada do alheio. A analise mostrou: O ser - com é um constitutivo existencial do ser-no-mundo. A co-pre-sença se comprova como modo de ser da convivência. Esta não pode ser concebida como o resultado da soma de vários “sujeitos”. O deparar-se com o contingente numérico de “sujeitos” só é possível quando os outros que vêm ao encontro na copre-sença são tratados meramente como “números”. Tal contingente só se descobre por meio de um determinado ser - com e para os outros. Esse ser - com “desconsiderado” “computa” os outros sem “levá-los em conta” seriamente, sem quere “ter algo a ver” com eles.

A própria pre-sença, bem como a co-pre-sença dos outros, vem ao encontro, antes de todo e na maior parte das vezes, a partir do mundo compartilhado nas ocupações do mundo circundante. Empenhando-se no mundo das ocupações, ou seja, também no ser - com os outros, a pre-sença também é o que ela própria não é. Quem é, pois, que assume o ser enquanto convivência cotidiana?

Já se mostrou anteriormente o quanto o mundo circundante público está à mão e providenciado no “mundo circundante” mais próximo.  Na utilização dos meios de transporte publico, no emprego dos meios de comunicação e noticias (jornal), cada um é como o outro. Este conviver dissolve inteiramente a própria pre-sença no modo de ser dos “outros” e isso de tal maneira que os outros desaparecem ainda mais em sua possibilidade de diferença e expressão. O impessoal desenvolve sua própria ditadura nesta falta de surpresa e de possibilidade de constatação. Assim nos divertimos e entretemos sobre a literatura e a arte como impessoalmente se vê e julga; também nos retiramos das “grandes multidões” como impessoalmente se retira; achamos “revoltante” o que impessoalmente se considera revoltante. O impessoal, que não é nada determinado mais que todos são, embora não como soma, prescreve o modo de ser da cotidianidade.

O impessoal possui ele mesmo modos próprios de ser. A tendência do ser - com que denominados de espaçamento funda-se no ato de que a convivência, o ser e estar um com o outro como tal promove a medianidade. Este é um caráter existencial do impessoal. Em seu ser, o impessoal coloca essencialmente em jogo a medianidade. Por isso, ele se atém de ato à medianidade do que é conveniente, do que se admite como valor ou dês-valor, do que concede ou nega sucesso. Essa medianidade, designando previamente o que se pode e deve ousar, vigia e controla toda e qualquer exceção que venha impor-se. Toda primazia é silenciosamente esmagada. Tudo que é originário se vê, da noite para o dia, nivelada como algo de há muito conhecido. O que se conquista com muita luta, torna-se banal. Todo segredo perde sua força. O cuidado da medianidade desentranha também uma tendência essencial da pre-sença, que chamaremos de nivelamento de todas as possibilidades de ser. Espaçamento, medianidade, nivelamento constituem como modo de ser do impessoal, o que conhecemos como a “public-idade”. (N42) Esta rege, já desde sempre, toda e qualquer interpretação da pre-sença e do mundo, tendo razão em tudo. E isso não por ter construído um relacionamento especial e originário com o ser das “coisas”, nem por dispor de uma transparência expressa e apropriada da pre-sença, mas por não penetrar “nas coisas”, visto ser insensível e contra todas as diferenças de nível e autenticidade. A public-idade obscurece tudo, tomando o que assim se encobre por conhecido e acessível a todos.

O impessoal encontra-se em toda parte, mas no modo de sempre ter escapulido quando a pre-sença exige uma decisão. Porque prescreve todo julgamento e decisão, o impessoal retira a responsabilidade de cada pre-sença. O impessoal pode, por assim dizer, permitir-se que se apóie impessoalmente nele. Pode assumir tudo com a maior facilidade e responder por tudo, já que não há ninguém que precise responsabilizar-se por alguma coisa. O impessoal sempre “foi” quem... e, no entanto, pode-se dizer que não foi “ninguém”. Na cotidianidade da pre-sença, a maioria das coisas é feita por alguém de quem se deve dizer que não é ninguém.

O impessoal tira o encargo de cada pre-sença em sua cotidianidade. E não apenas isso; com esse desencargo, o impessoal vem ao encontro da pre-sença na tendência de superficialidade e facilitação. Uma vez que sempre vê ao encontro de cada pre-sença dispensando-a de ser, o impessoal conserva e solidifica seu domínio caturro. Todo mundo é outro e ninguém é si próprio. O impessoal, que reponde a pergunta quem da pre-sença cotidiana, é ninguém, a quem a pre-sença já se entregou na convivência de um com o outro.

O impessoal é um existencial e, enquanto fenômeno originário pertence à constituição positiva da pre-sença. A pre-sença possui em si próprias diversas possibilidades de concretizar-se. As imposições e expressões de seu domínio podem variar historicamente. O próprio da pre-sença cotidiana é o próprio-impessoal (N44) que distinguimos do si mesmo em sua propriedade, ou seja, d si mesmo apreendido como próprio. Enquanto o próprio-impessoal, cada pre-sença se acha dispersa na impessoalidade, precisando ainda encontrar a si mesma. Essa dispersão caracteriza o “sujeito” do modo de ser que conhecemos como a ocupação que se empenha no mundo que vem imediatamente ao encontro. O fato de a pre-sença estar familiarizada consigo enquanto o próprio-impessoal significa igualmente, que o impessoal prelineia a primeira interpretação do mundo e do ser-no-mundo. O próprio impessoal, em função de que a pre-sença é e está cotidianamente, articula o contexto referencial da significância. O mundo da pre-sença libera o ente eu vem ao encontro numa totalidade conjuntural, familiar ao impessoal e nos limites estabelecidos pela medianidade. De inicio, a pre-sença de fato está no mundo comum, descoberto pela medianidade. De inicio, “eu” não “sou” no sentido do propriamente si mesmo e sim os outros dos moldes do impessoal e, na maior parte das vezes, assim permanece. Quando a pre-sença descobre o mundo e o aproxima de si, quando ela abre para si mesma seu próprio ser, este descobrimento de “mundo” e esta abertura da pre-sença se cumprem e realizam como uma eliminação das obstruções, encobrimentos, obscurecimentos, como u romper das deturpações em que a pre-sença se tranca contra si mesma. Com a interpretação do ser-com e do ser-proprio no impessoal, respondeu-se a pergunta quem da convivência cotidiana. Estas reflexões propiciam, ao mesmo tempo, uma compreensão concreta da constituição fundamental da pre-sença. O ser-no-mundo tornou-se visível em sua cotidianidade e em sua medianidade. A pre-sença cotidiana retira a interpretação pré-ontologico de seu ser do modo de ser mais imediato do impessoal. A interpretação ontológica segue inicialmente esta tendência e entende a pre-sença a partir do mundo, onde a encontra côo este intramundano. E não somente isto; a ontologia “mais imediata” da pre-sença recebe previamente do “mundo” o sentido do ser em função do qual estes “sujeitos” se compreendem. Entretanto, uma vez que neste concentra-se no mundo, em seu lugar aparece o que é simplesmente dado dentro do mundo, às coisas. O ser dos entes em sua co-pre-sença é então compreendido como ser simplesmente dado. Desta maneira, a demonstração do fenômeno positivo do ser-no-mundo mais cotidiano possibilita penetrar nas raízes da interpretação ontologicamente desviada desta constituição de ser. É ela própria que, em seu modo de ser cotidiano, de inicio, se encobre e não é encontrada.

Se já o ser da conivência cotidiana, que, do ponto de vista, ontológico, parece vizinho ao ser simplesmente dado, é diferente em princípio, então não se pode de forma alguma compreender o que é próprio como algo simplesmente dado. O ser do que é próprio não repousa num estado excepcional do sujeito que se separou do impessoal. Ele é uma modificação existenciária do impessoal como existencial constitutivo.

Um abismo separa ontologicamente o que é próprio, o que propriamente existe, da identidade do eu que se mantém constante na variedade das vivências.

 

Quinto Capítulo

 

O ser-em como tal

 

30. O temor como modo da disposição

O fenômeno do temor pode ser considerado segundo três perspectivas: analisaremos o que se teme, o temer e pelo que se teme. (N48) Essas perspectivas possíveis e copertinentes não são casuais. Com elas, vem à luz a estrutura da disposição. A analise se completará com a indicação das possíveis modificações do temor e de seus vários momentos estruturais. O que se teme, o “temível”, é sempre um ente que vem ao encontro dentro do mundo e que possui o modo de ser do manual, ou do ser simplesmente dado ou ainda da co-pre-sença. Não se trata de relatar onticamente o ente que, na maior das vezes e das mais diversas formas, pode se tornar “temível”. Trata-se de determinar fenomenalmente o que é temível em sua temeridade. O que pertence ao temível como tal a ponto de vir ao encontro do temer? O que se teme possui o caráter de ameaça. Isso implica várias coisas: 1. O que vem ao encontro possui o modo conjuntural de dano. Ele sempre se mostra dentro de um contexto conjuntural. 2. Esse dano visa a um âmbito determinado daquilo que se pode encontrar. Chega trazendo em si a determinação de uma região dada. 3. A própria região e o “estranho” que dela provem são conhecidos. 4. O danoso enquanto ameaça não se acha ainda numa proximidade dominável, ele se aproxima Nesse aproximar-se, o dano se irradia e seus raios apresentam o caráter de ameaça. 5. Esse aproximar-se aproxima dentro da proximidade. O que, na verdade, pode ser danoso no mais alto grau e até se aproxima continuamente, embora mantendo-se a distancia, entranha as temeridade. É, porém, aproximando-se na proximidade que o danoso ameaça, pois pode chegar ou não. Na aproximação cresce esse fato de “poder, mas nem sempre chegar”. Então dizemos, é terrível. 6. Isso significa: ao ser aproximar na proximidade, o dano traz consigo a possibilidade desvelada de ausentar-se e passar ao largo, o que não diminui nem resolve o temor, ao contrario, o constitui.

O próprio ente que teme a pre-sença é aquilo pelo que o temor teme. Apenas o ente em que, sendo, está em jogo seu próprio ser, pode temer. O temer abre esse ente no conjunto de seus perigos, no abandono a si mesmo. Embora em diversos graus de explicitação, o temor desentranha a presença no ser de seu pre. Se teremos pela casa ou pela propriedade, isso não contra contradiz em nada a determinação anterior daquilo pelo que se teme. Pois a pre-sença, enquanto ser-no-mundo, é um ser em ocupações junto a. De inicio e na maior parte das vezes, a pre-sença é a partir do que se ocupa. Estar em perigo é a ameaça do ser e estar junto a. Predominantemente, o temor revela a pre-sença de maneira privativa. Ele confunde e faz “perder a cabeça”. O temor vela, ao mesmo tempo, o estar e ser-em perigo na medida em que deixa ver o perigo a ponto da pre-sença precisar se recompor depois que ela passa. O temor por como temer alguma coisa sempre abre – seja privatiza ou positivamente – de modo igualmente originário, o ente intramundano em sua possibilidade de ameaçar e o ser-em no tocante ao fato de estar ameaçado. Temor é um modo da disposição. O temer por também pode-se estender a outros e, nesse caso, falamos de ter medo em lugar do outro. Esse temer em lugar de... Não retira do outro o temor. Isso está excluído porque o outro, em lugar de quem se teme, não precisa necessariamente temer. Na maior patê das vezes, nós teremos em lugar do outro justamente quanto ele não teme e audaciosamente enfrenta que o ameaça. Temer em lugar de... É um modo de disposição junto com os outros, mas não necessariamente um temer junto cm ou mesmo temer convivendo com. pode-se temer e lugar de, sem sentir temor. Visto mais precisamente, porém, temer em lugar de é um sentir-se atemorizado. “Temido” nesse caso, é o ser - com o outro, que poderia vir a ser suprimido. O temível não visa diretamente àquele que teme junto com. O temer em lugar de... De certa forma sabe que não é atingido, embora, na verdade, seja atingido pela co-pre-sença, pela qual se teme. O temer em lugar de não é, pois, um temor atenuado. Não se trata aqui de graus de “sentimento” e, sim de modos existenciais. Com isso, porem, o temer em lugar de não perde sua autenticidade especifica quando “propriamente” não teme.

 

31. A pre-sença como compreensão

A disposição é uma das estruturas existenciais em que o ser do “pre” da pre-sença se sustenta. De maneira igualmente originaria, a compreensão também constitui esse ser. Toda disposição sempre possui a sua compreensão, mesmo quando a reprime. Toda compreensão está sempre sintonizada com o humor. Interpretando a compreensão como um existencial fundamental, mostra-se que esse fenômeno é concebido como modo fundamental do ser da pre-sença. Em contrapartida, a “compreensão”, no sentido de um modo possível de conhecimento entre ouros, que se distingue, por exemplo, do “esclarecimento”, deve ser interpretada justamente com este como um derivado existencial da compreensão primaria, que também constitui o ser do pre da pre-sença. A presente investigação já se deparou com essa compreensão originaria sem, no entanto, permitir que ela aflorasse explicitamente como tema. Dizer que a presença existindo é o seu pré significa, por um lado, que o mundo está “presente”, a sua pre-sença é o ser-em. Este é e esta igualmente “presente” como aquilo em função de que a pre-sença é. Nesse em função de, o ser-no-mundo existente se abre como tal. Chamou-se essa abertura de compreensão enquanto abertura de função e significância diz respeito, de maneira igualmente originaria, a todo o ser-no-mundo. Significância é a perspectiva função e significância se abrem na pre-sença significa que a pre-sença é um ente em que, como ser-no-mundo, ele próprio está em jogo.

Compreender é o ser desse poder-se, que nunca esta ausente no sentido de algo que simplesmente ainda não foi dado, mas que, na qualidade essencial de nunca ser simplesmente dado, “e” junto com o ser da pre-sença, no sentido de existência. A pre-sença é de tal maneira que ela sempre compreendeu ou não compreendeu ser dessa ou daquela maneira. Como uma tal compreensão, ela “sabe” a quantas ela mesma anda, isto é, a quantas anda o seu poder-ser. Esse “saber” não nasce primeiro de uma percepção imanente de si mesma, mas pertence ao ser do pre da pre-sença que, em a essência, é compreensão. E somente porque a pre-sença é na compreensão de seu pre é que ela pode-se perder e desconhecer. E na medida em que a compreensão está na disposição e, nessa condição, está lançada existencialmente, a pre-sença já sempre se perdeu e desconheceu. Em seu poder-ser, portanto, a pre-sença já se entregou a possibilidade de se reencontrar em suas possibilidades. Compreender é o ser existencial do próprio poder-ser da pré-sena de tal maneira que, em si mesmo, esse ser abre e mostra a quantas anda seu próprio ser.  Trata-se de aprender ainda mais precisamente a estrutura desse existencial.

 

32. Compreensão e interpretação

Na compreensão, a pre-sença projeta seu ser para possibilidades. Esse ser para possibilidades, constitutivo na compreensão, é um poder-ser que repercute sobre a pre-sença as possibilidades enquanto aberturas. O projetar da compreensão possui a possibilidade própria de se elaborar em formas. Chamamos de interpretação essa elaboração. Nela, a compreensão se apropria do que compreende. Na interpretação, a compreensão se torna ela mesma e não outra coisa. A interpretação se funda existencialmente na compreensão e não vice-versa. Interpretar não é tomar conhecimento do que se compreendeu, mas elaborar as possibilidades projetadas na compreensão. De acordo com o fluxo dessa análise preparatória da pre-sença cotidiana, investigaremos o fenômeno da interpretação na compreensão de mundo, ou seja, na compreensão imprópria e isso no modo de sua autenticidade.

A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente, numa posição previa, visão previa e concepção previa. A interpretação nunca é apreensão de um dado preliminar, isenta de pressuposições. Se a concreção da interpretação, no sentido da interpretação textual exata, se compraz em se basear nisso que “está” no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando no texto nada mais é do que a opinião previa indiscutida e supostamente evidente, do interprete. Em todo principio de interpretação necessariamente já “põe”, ou seja, que é preliminarmente dado na posição previa, visão previa e concepção previa. Como se deve conceber o caráter desse “prévio”? Seria suficiente dizer que formalmente é um “apriori”? Por que essa estrutura se apropria da compreensão, por nós caracterizada como existencial básico da pre-sença? De que maneira a estrutura “como” do que se interpreta se comporta em relação a ela? Decerto esse fenômeno não pode ser dissolvido “em partes”. Será então que exclui uma analítica originaria? Devemos supor tais fenômenos como “realidade ultima”? Nesse caso, ainda seria preciso perguntar: por quê? Ou será que a estrutura previa da compreensão e a estrutura-como da interpretação estabelecem um nexo ontológico-existencial com o fenômeno do projeto? Esse remeteria, portanto, a uma constituição ontológica originaria da pre-sença? Antes de responder a tais questões, e também porque os recursos conceituais usados até aqui não seriam suficientes, deve-se investigar se aquilo que pode ser visto como estrutura previa de compreensão e estrutura-como da interpretação já não representa em si mesmo um fenômeno unitário, amplamente usado na problemática filosófica sem que, no entanto, lhe corresponda a originariedade de uma explicação ontológica. No projeto da compreensão, o ente se abre em sua possibilidade. O caráter de possibilidade sempre corresponde ao modo de ser de um ente compreendido. O ente intramundano em geral é projetado para o mundo, ou seja, para um todo se significância em cujas remissões referenciais a ocupação de consolida antecipadamente como ser-no-mundo. Se junto com o ser da pre-sença o ente intramundano também descobre, isto é, chega a uma compreensão, dizemos que ele tem sentido. Rigorosamente, porém, que é compreendido não é o sentido, mas o ente e o ser. Sentido é aquilo em que se sustenta à compreensibilidade de alguma coisa. Chamamos e sentido aquilo que articular-se na abertura da compreensão. O conceito de sentido abrange o aparelhamento formal daquilo que pertence necessariamente a que é articulado pela interpretação que compreende. Sentido e a perspectiva em função da qual se estrutura o projeto pela posição previa, visão previa e concepção previa. é a partir dela que algo se torna compreensível como algo. Na medida em que compreensão e interpretação constituem existencialmente o ser do pré, o sentido deve ser concebido como o aparelhamento existencial-formal da abertura pertencente à compreensão. Sentido é um existencial da pre-sença e não uma propriedade colada sobre o ente, que se acha por “detrás” dela ou que paira não se sabe onde, numa espécie de “reino intermediário”. A pre-sença só “tem” sentido na medida em que a abertura do ser-no-mundo pode ser “preenchida” por um ente que nela se pode descobrir. Somente a pre-sença pode ser com sentido ou sem sentido. Isso significa: o seu próprio ser e o ente que se lhe abre podem ser apropriados na compreensão ou reusados na incompreensão.

A compreensão enquanto abertura do pré sempre diz respeito a todo ser-no-mundo. Em toda compreensão de mundo, a existência também está compreendida e vice-versa. Toda interpretação, ademais, se move na estrutura prévia já caracterizada. Toda interpretação que se coloca n movimento de compreender já deve ter compreendido o que se quer interpretar. Esse fato foi sempre observado na interpretação filológica, embora apenas nos setores dos modos derivados de compreensão e interpretação. A interpretação filológica pertence ao domínio do conhecimento cientifico. Esse conhecimento exige o rigor de uma demonstração fundamentada. A prova cientifica não deve pressupor aquilo que ela há de fundamentar. Se, porem, a interpretação já sempre se movimenta no já compreendido e dele se deve alimentar, como poderá produzir resultados científicos sem se mover num circulo, sobretudo se a compreensão pressuposta se articula no conhecimento comum de homem e mundo? Segundo as regras mais elementares da lógica, no entanto, o currículo é um circulus vitiosus. Com isso, porém, o oficio da interpretação histórica se acha a priori banido do campo de todo conhecimento rigoroso. Enquanto não se abolir da compreensão esse circulo, a historiografia deve-se satisfazer com possibilidades de conhecimentos menos rigorosas. Permite-se-lhe que preencha de certo modo, essa falta mediante o “significado espiritual” de seus “objetos”. Segundo a opinião dos próprios historiadores, o ideal seria que se pudesse evitar o circulo e que houvesse a esperança de se criar, pela primeira vez, uma historiografia tão independente do ponto de vista do observador como se presume que seja o conhecimento da natureza. Mas, ver nesse circulo um vício, buscar caminhos para evitá-los e também “senti-lo” apenas como imperfeição inevitável, significa um mal-entendido de principio acerca do que é compreensão. Não se trata de equiparar compreensão e interpretação a um ideal de conhecimento, que determinado em si mesmo não passa de uma degeneração e que, na tarefa devida de apreender o ser simplesmente dado, perdeu-se na incompreensão de sal essência. Para se preencher as condições fundamentais de uma interpretação possível, não se deve desconhecer as suas condições essenciais de realização. O decisivo não é sair do circulo da compreensão não é um cerco em que se movimentasse qualquer tipo de conhecimento. Ele exprime a estrutura-prévia existencial, própria da pre-sença. O circulo não deve ser rebaixado a um vitiosum, mesmo que apenas tolerado. Nele se esconde a possibilidade positiva d conhecimento mais originário que, de certo, só pode ser apreendida de modo autentica se a interpretação tiver compreendido que sua primeira única e ultima tarefa é de não se deixar guiar, na posição previa, visão previa e concepção previa, por conceitos ingênuos e “chutes”. Ela deve, na elaboração da posição previa, da visão previa e concepção previa assegurar o tema cientifico a partir das coisas elas mesmas. Porque a compreensão, de acordo com seu sentido existencial, é o poder-ser da própria pre-sença, as pressuposições ontológicas do conhecimento histórico ultrapassaram, em principio, a idéia de rigor das ciências mais exatas. A matemática não é mais rigorosa do que a historia. É apenas mais restrita no tocante ao âmbito dos fundamentos existenciais que lhe são relevantes. O “circulo” da compreensão pertence à estrutura do sentido, cujo fenômeno tem suas raízes na constituição existencial da pre-sença, enquanto compreensão que interpreta. O ente em que está em jogo seu próprio ser como ser-no-mundo possui uma estrutura de circulo ontológico. Deve-se, no entanto, observar que, se do ponto de vista ontológico o circulo pertence a um modo de ser do que é simplesmente dado, deve-se evitar caracterizar ontologicamente a pre-sença mediante esse fenômeno.

 

33. A proposição como modo derivado da interpretação

Atribuiremos a seguir três significados à palavra proposição. São significados hauridos do fenômeno por ela designado, inter-relacionados entre se e que, em sua unidade, delimitam a estrutura completa da proposição.

1. Proposição significa, em primeiro lugar, de-monstração. (N52) Com isso, conservamos o sentido originário a de λόγός enquanto ăόφαυοις: deixar e fazer ver o ente a partir dele mesmo e por si mesmo. Na proposição, “o martelo é pesado de mais”, o que se descobre à visão não é um “sentido”, mas um ente no modo de sua manualidade. Mesmo quando este ente se acha numa proximidade da mão e da visão, a demonstração visa ao próprio ente e não a uma mera representação desse ente, seja entendida como algo simplesmente “representado”, seja como um estado psíquico do sujeito que emite a proposição, isto é, sua representação desse ente.

2. Proposição também diz predicação. Propõe-se ao “sujeito” um “predicado”, o predicado determina o sujeito. O que é proposto nesta acepção de proposição não é o predicado, mas o “próprio martelo”. O que se propõe, isto é, o que determina o martelo é o “pesado demais”. O que se propôs, na segunda acepção, o que foi determinado como tal, sofreu uma restrição em seu conteúdo, comparado com o que se constato na primeira. Toda predicação só é o que é como demonstração. A segunda acepção funda-se na primeira. Os integrantes da articulação predicativa, sujeito-predicado, surgem numa demonstração. A determinação não descobre, mas, como modo de demonstração, restringindo a visão inicial ao que se mostra como tal – o martelo. Restringindo a visão, mostra-se, explicitamente, a determinação do que se revela. Face ao já revelado – o martelo pesado demais – a determinação dá, inicialmente, um passo atrás; a “proposição do sujeito” concentra o ente no “martelo aí presente” a fim de deixar e fazer ver o que se revela, no processo de desconcentração, em sua determinação possível. Posição do sujeito, posição do objeto em sua composição são, no sentido rigoroso do termo, inteiramente “apofânticas”.

3. Proposição significa ainda comunicação, declaração. Enquanto comunicação, a proposição está diretamente relacionada com as duas acepções anteriores. Ela também opera um deixar e fazer ver aquilo que se demonstra nas determinações. O deixar e fazer ver comunica aos outros o ente demonstrado em sua determinação. Comunica-se o ser para o que se demonstra na visão de sua comunhão. Deve-se preservar esta comunhão do ser como ser-no-mundo, isto é, o mundo em que e a partir do qual o que aí se demonstra vem ao encontro. A necessidade de pronunciar-se pertence à proposição, entendida como comunicação existencial. Enquanto comunicado, o que se propõe ode ser partilhado ou não pelos outros sem que eles mesmos necessitem ter próximo à mão e à visão o ente que se demonstra e determina. O que numa proposição se propõe pode ser “transmitido”. Então o âmbito de que se partilha entre um e outro numa visão se amplia. Ao mesmo tempo, porém, o que se demonstra nas transmissões pode vir a entranhar-se, embora o próprio saber e conhecer, formados nesse ouvir                                           ir dizer, sempre vise ao próprio ente e não afirme um “sentido” que tem valor de circulação. Mesmo o ouvir dizer é um ser-no-mundo e um ser para o que se ouvir.

 

34. Pre-sença e discurso. A linguagem

 Disposição e compreensão são os existenciais fundamentos que constituem o ser do pré, ou seja, a abertura do ser-no-mundo. Toda compreensão guarda em si a possibilidade de interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende. Na medida em que disposição e compreensão são igualmente originarias, a disposição se mantém numa certa compreensão. Corresponde-lhe também uma certa possibilidade de interpretação. A proposição tornou visível um derivado extremo de interpretação. O esclarecimento da terceira acepção de proposição como comunicação (declaração) levou ao conceito de falar e dizer, até aqui propositadamente desconsiderado. O fato de somente agora se tematizar a linguagem deve indicar que este fenômeno se radica na constituição existencial da abertura da pre-sença. O fundamento ontológico-existencial da linguagem é o discurso. Embora tenhamos excluído esse fenômeno de uma analise temática, dele nos servimos continuamente nas interpretações feitas até aqui da disposição, na compreensão, interpretação e proposição.  Do ponto de vista existencial, o discurso é igualmente originário à disposição e à compreensão. A compreensibilidade já está sempre articulada, antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora. O discurso é a articulação dessa compreensibilidade. Por isso é o que o discurso se acha à base de toda interpretação e proposição. Chamamos de sentido o que ode ser articulado na interpretação e, por conseguinte, mais originariamente ainda, já n discurso. Chamamos de totalidade significativa aquilo e, por conseguinte, mais originalmente ainda, já no discurso. Esta pode desmembrar-se em significações. Enquanto aquilo que se articula nas possibilidades de articulação, todas as significações sempre têm sentido. Uma vez que, enquanto articulação da compreensibilidade do pré, o discurso é um existencial originário da abertura, constituído primordialmente pelo ser-no-mundo, ele também deve possuir em sua essência um modo de ser especificamente mundano. A compreensibilidade, do ser-no-mundo, trabalhada por uma disposição, se pronuncia como discurso. A totalidade significativa da compreensibilidade vem à palavra. Das significações brotam palavras. As palavras, porém, não são coisas dotadas de significados. A linguagem é o pronunciamento do discurso. Como um ente intramundano, essa totalidade de palavras em que e como tal o discurso possui seu próprio ser “mundano”, pode ser encontrada à maneira de um manual. Nesse caso, a linguagem pode ser estilhaçada em coisas-palavras simplesmente dadas. Existencialmente, o discurso é linguagem porque aquele ente, cuja abertura se articula em significações, possui o modo de ser-lançado-no-mundo, dependente de um “mundo”. O discurso é constitutivo da existência da pre-sença, uma vez que perfaz a constituição existencial de sua abertura. A escuta e o silencio pertencem à linguagem discursiva como possibilidades intrínsecas. Somente nestes fenômenos é que se torna inteiramente nítida a função constitutiva do discurso para a existencialidade da existência. De inicio, trata-se de elaborar a estrutura do discurso como tal.

No escutar “natural” daquilo sobre o que se discorre, podemos, sem duvida, escutar também o modo de dizer, a “dicção”. Mesmo isso só é possível dentro de uma compreensão previa daquilo sobre que se discorre, pois somente assim subsiste a possibilidade de avaliar o modo de dizer no tocante à sua adequação ao tema sobre o qual se discorre. Da mesma forma, a contestação como reposta é uma seqüência direta da compreensão daquilo sobre o que se discorre já “partilhado” no ser - com. Somente onde se dá a possibilidade existencial de discurso e escuta é que alguém pode ouvir. Quem “não pode ouvir” e “deve sentir” talvez possa muito bem e, justamente por isso, escutar. O ouvir por aí é uma privação da compreensão que escuta. Discurso e escuta se fundam na compreensão. A compreensão não se origina de muitos discursos nem de muito ouvir por aí. Somente quem já compreendeu é que poderá escutar. Uma outra possibilidade constitutiva do discurso, o silencio, possui o mesmo fundamento existencial. Quem silencia no discurso da conivência pode “dar a entender” com maior propriedade prolixa encobrem e emprestam ao que se compreendeu uma clareza aparente, ou seja, a incompreensão da trivialidade. Silenciar, no entanto, não significa, isto significa, pode elaborar a compreensão por oposição àquele que não perde a palavra. Falar muito sobre alguma coisa não assegura em nada uma compreensão maior. Ao contrario, os discursos prolixos encobrem e emprestam ao que se compreendeu uma clareza aparente, ou seja, a incompreensão da trivalidade. Silenciar, no entanto, não significa ficar mudo. Ao contrário, o mudo é a tendência “para falar”. O mundo não apenas não provou que pode silenciar como lhe falta até a possibilidade de prová-lo. E, como o mudo, a que por natureza, fala pouco, também ainda não mostra que silencia e pode silenciar. Quem nunca diz nada também não pode silenciar Quem nunca diz nada também não pode silenciar num dado momento. Silenciar em sentido próprio só é possível num discurso autentico. Para poder silenciar, a pre-sença deve ter algo a dizer, isto é, deve dispor de uma abertura própria e rica de si mesma. Pois só então é o que o estar em silencio se revela e, assim, abafa a “falação”. Como modo de discurso o estar sem silencio articula tão originalmente a compreensibilidade da pre-sença que dele provém o verdadeiro poder ouvir e a convivência transparente.

 

B. O SER COTIDIANO DO PRE E A DE-CADENCIA DA PRESENÇA

Remontando às estruturas existenciais que compõem a abertura do ser-no-mundo, a interpretação, de certo modo, perdeu de visa à cotidianidade da pre-sença. A análise deve reconquistar mais uma vez o horizonte fenomenal, estabelecido para seu tema. Levanta-se então a pergunta: Quais são os caracteres existenciais da abertura do ser-no-mundo quando o ser-no-mundo cotidiano só detém no modo de ser do impessoal? Será que esse modo de ser possui uma disposição própria e especifica uma compreensão, um discurso e uma interpretação especiais? A resposta a essas perguntas torna-se tanto mais urgente quanto mais se recorda que, de inicio e na maior parte das vezes dominar. Como ser-lançado-no-mundo, não será que a pre-sença foi jogada de saída na public-idade do que a abertura especifica do impessoal?

 

35. O falatório

 A expressão “falatório” (N54) não deve ser tomada aqui em sentido pejorativo. Terminologicamente significa um fenômeno positivo que constitui o modo de ser da compreensão e interpretação da pre-sença cotidiana. O discurso, na maior parte das vezes, se pronuncia e já sempre se pronunciou. È linguagem. Nos pronunciamentos, compreensão e interpretação já estão sempre presentes. Como pronunciamento, a linguagem guarda em si uma interpretação da compreensão da pre-sença. Assim com a linguagem, também essa interpretação não é algo simplesmente dado, mas o seu ser contém em si o modo de ser da pre-sença. Dentro de certos limites e imediatamente, a pre-sença está entregue a interpretação, na medida em que essa regula e distribui as possibilidades da compreensão mediana e de sua disposição. Na totalidade de suas estruturações de significado, o pronunciamento preserva uma compreensão do mundo que se abriu e, de maneira igualmente originária, uma compreensão da co-pre-sença dos outros e do próprio ser-em. A compreensão que, assim, já se acha inserida no pronunciamento refere-se tanto a descoberta dos entes já estabelecida e herdada como a cada compreensão d ser e às possibilidades e horizontes disponíveis para novas interpretações e novas articulações conceituais. Muito mais do que uma simples indicação do fato dessas interpretações da pre-sença, cabe agora questionar o modo de ser existencial do discurso que se pronuncia e já se pronunciou. Se o modo de ser do discurso não pode ser concebido como algo simplesmente dado, qual é então o seu ser e o que diz, em principio, sobre o modo de ser cotidiano da pre-sença? O discurso que se pronúncia é comunicação. A tendência ontológica da comunação é fazer o ouvinte participar do ser que se abriu para o referencial discurso no discurso. De acordo com a compreensibilidade mediana já dada na linguagem que se articula em pronunciamentos, o discurso comunicado pode ser compreendido amplamente em que o ouvinte se coloque num ser que compreenda originalmente do que trata o discurso. Não se compreende tanto o ente referencial, mas só se escuta aquilo que já se falou no falatório. Este é compreendido e aquele só mais u menos e por alto. Tem-se em mente a mesma coisa porque se compreende em comum o dito numa mesma medianidade.

A falta de solidez do falatório não lhe fecha o acesso a public-idade, mas o favorece. O falatório é a possibilidade de compreender tudo sem se ter apropriado previamente da coisa. O falatório se previne do perigo de fracassar na apropriação. O falatório que qualquer um pode sorver sofregamente não apenas dispensa a tarefa de uma compreensão autentica como também elabora uma compreensibilidade indiferente da qual nada é excluído.

Obstruindo da maneira descrita, o falatório constitui o modo de ser da compreensão desarraigada da pre-sença. Ele não se apresenta como estado simplesmente dado de algo simplesmente dado, mas, existencialmente se raízes, ele próprio é, no modo de um continuo desenraizamento. Do ponto de vista ontológico, isso significa: como ser-no-mundo, a pre-sença que se mantém no falatório rasgou suas remissões ontológicas primordiais, originarias e legitimas com o mundo, com a co-pre-sença e com o próprio ser-em. Ela se mantém oscilante e, desse modo, sempre é e está junto ao “mundo”, com os ouros e consigo mesma. Somente um ente cuja abertura é constituída pelo discurso que compreende e dispõe, ou seja, que tenha o seu pre, que é e está “no - mundo”, nessa constituição ontológica, é que também traz a possibilidade ontológica de um desenraizamento. Mais do que um não-ser, esse desenraizamento perfaz sua “realidade” mais cotidiana e mais persistente. A estranheza da oscilação em que a pre-sença tende para uma crescente falta de solidez permanece encoberta sob a proteção de auto-evidencia e autocerteza que caracterizam a interpretação mediana.

 

36. A curiosidade

Durante a analise da compreensão e da abertura do pré, fez-se referencia ao lúmen narturale. Denominou-se também a abertura do ser-em de claridade da pre-sença. É somente nessa claridade que se torna possível qualquer visão. A visão foi concebida na perspectiva do modo fundamental de abertura própria a pre-sença, ou seja, da compreensão no sentido de uma apropriação genuína dos entes com os quais a pre-sença pode se comportar e assumir uma atitude, segundo suas possibilidades ontológicas essenciais. A constituição fundamental da visão mostra-se numa tendência ontológica para “ver”. Própria da cotidianidade. Nós a designamos com o termo curiosidade. (N56) Em suas características, a curiosidade não se limita a ver, exprimindo a tendência para um tipo especial de encontro perceptivo com o mundo. Interpretaremos esse fenômeno com um propósito fundamentalmente ontológico-existencial. Não limitaremos a sua orientação pelo conhecimento que, já cedo e na filosofia grega, foi concebido, não por acaso, segundo a “volúpia de ver”. O tratado que figura em primeiro lugar na coletânea dos escritos ontológicos de Aristóteles começa com a seguinte frase: πάτες τοΰ ειΰευται[3]. No ser do homem reside de modo essencial, o cuidado em ver. Assim começa uma investigação que procura descobrir a origem da pesquisa cientifica acerca dos entes e seu ser a partir deste modo de ser da pre-sença. A interpretação grega da gênese existencial da ciência não é casual. Aquilo que se persignou na sentença de Parmênides – τό γάφ αοτιυ χαι – chega, nessa interpretação, a uma compreensão temática e explicita. O ser é tudo que se mostra numa percepção puramente intuitiva, e somente esse tipo de ver e descobre o ser. A verdade originaria e autentica reside na intuição pura. Desde então, essa tese tem sido o fundamento da filosofia ocidental. Dela a dialética de Hegel retirou o seu moto e somente à sua base é que se tornou possível.

A curiosidade liberada, porém, ocupa-se em ver não para compreender o que vê, ou seja, para chegar a ele num ser, mas apenas para ver. Ela busca apenas o novo fim de, por ele renovada pular para um a outra novidade. Esse ver não cuida em apreender nem em ser e estar na verdade, através do saber, mas sim das possibilidades de abandonar-se ao mundo. È pos isso que a curiosidade de caracteriza, especificamente, por uma impermanencia junto ao que está mais próximo. Por isso também não busca o ócio de uma permanência contemplativa e sim a excitação e inquietação mediante o sempre novo e as mudanças do que vem ao encontro. Em sua impermanencia a curiosidade se ocupa da possibilidade continua de dispersão, A curiosidade nada tem a ver com a meditação que admira os entes o οαυάςευ. Ela não se empenha em se deixar levar para o que não compreende através da admiração, d espanto. Ela se ocupa em providenciar um conhecimento apenas para tomar conhecimento. Os dois momentos constitutivos da curiosidade, a impermanencia no mundo circundante das ocupações e a dispersão em novas possibilidades, fundam a terceira característica essencial desse fenômeno, que nós chamamos de desamparo. A curiosidade está em toda parte e em parte alguma. Este modo de ser-no-mundo desentranha um novo modo de ser da pre-sença cotidiana em que ela se encontra continuamente desenraizada.

 

37. A ambigüidade

Se, na convivência cotidiana, tanto o que é acessível a todo mondo aquilo do que todo mundo pode dizer qualquer coisa vêm igualmente ao encontro, então já não mais se poderá distinguir, na compreensão autentica, o que se abre do que não se abre. Essa ambitiguidade não se estende apenas ao mundo, mas, também, a convivência como tal e até mesmo ao ser da pre-sença para consigo mesma. Tudo parece ter sido compreendido, captado e discutido autenticamente quando, no fundo, não foi. Ou então parece que não o foi quando, no fundo, já foi. A ambiguidade não diz respeito apenas ao dispor e ao tratar com o que se pode achar em uso e gozo, mas já se consolidou na compreensão como um poder-se, no modo do projeto e da doação preliminar de possibilidades da pre-sença.

 

38. A de-cadência e o estar - lançado

 O falatório, a curiosidade e a ambiguidade caracterizam o modo em que a pre-sença realiza, cotidianamente, o seu “pre”, A abertura do ser-no-mundo. Como determinações existenciais, essas características não são algo simplesmente dado na pre-sença, constituindo também o seu ser. Nelas e em sua conexão ontológica, desentranha-se um modo fundamental de ser da cotidianidade que denominamos com o termo de-cadência (N57) da pre-sença. Este termo ão exprime qualquer avaliação negativa. Pretende apenas indicar que, em primeira aproximação e na maior parte das vezes, a pre-sença está junto e no “mundo” das ocupações. Este empenhar-se e estar junto... Possui frequentemente, o caráter de perder-se na public-idade do impessoal. Por si mesma em seu próprio poder-ser ela própria mais autêntico, a pre-sença já sempre caiu de si mesma e de-caiu no “mundo”. De-cair no “mundo” indica o empenho na convivência, na medida em que esta é conduzida pelo falatório, curiosidade e ambiguidade. O que anteriormente denominamos de impropriedade da pre-sença recebe agora, com a interpretação da de-cadência, uma determinação mais precisa. Impróprio e não próprio não significam, de forma alguma, “propriamente não”, no sentido da pre-sença pereder todo o seu ser nesse modo de ser. Impropriedade também não diz não mais ser e estar no mundo. Ao contrario, constitui justamente um modo especial do ser-no-mundo em que é totalmente absolvido pelo “mundo” e pela co-pre-sença dos outros no impessoal. Não ser ele mesmo é uma possibilidade positiva dos entes que se empenham essencialmente nas ocupações de mundo. De ve-se conceber esse não-ser como o modo mais próximo de ser da pre-sença em que na maioria das vezes, ela se mantém. Assim, a de-cadência da pre-sença também não pode ser apreendida como “queda” de um “estado original”, mais puro e superior disso nós não dispomos onticamente de nenhuma experiência e, ontologicamente, de nenhuma possibilidade e guia ontológica para uma interpretação. Enquanto ser-no-mundo de fato, a pre-sença, na de-cadência, já de-caiu de si mesma; mas não de-caiu em algo ontico com o que ela se deparou ou não se deparou, no curso de seu ser, e sim no mundo que, em si mesmo, pertence ao ser da pre-sença. A de-cadência é uma determinação existencial da própria pre-sença e não se refere a ela como algo simplesmente dado, nem a relações simplesmente dadas com o ente do qual ela “provem”, ou com o qual ela posteriormente entra em commercium. Seria igualmente um equivoco compreender a estrutura ontologico-existencial da de-cadência, atribuindo-lhe o sentido de uma propriedade ontica negativa que talvez pudesse vir a ser superada em estagio mais desenvolvidos da cultura humana.

Tornando-se uma tentação desse modo, a interpretação publica mantém a pre-sença pesa à sua de-cadência. O falatório e a ambiguidade, o já ter isto tudo e já ter compreendido tiudo, perfazem a pretensão de que a abertura da pre-sença, assim disponível e dominante, seria capaz de lhe assegurar a certeza, a autenticidade e a plenitude de todas as possibilidades de seu ser. A certeza de si mesmo e a decisão do impessoal espalham uma suficiência crescente no tocante à compreensão própria e disposta. A pretensão do impessoal, de nutrir e dirigir toda “vida” autentica tranqüiliza a pre-sença, assegurando que tudo esta em “ordem” e que todas as portas estão abertas. O ser-no-mundo da de-cadência é, em si mesmo, tanto tentador como tranqüilizante. Essa tranqüilidade do ser impróprio, porem, não leva a inércia e a inatividade. Ao contrario, promove “agitações” desenfreadas. O de-cair no “mundo” já não tem mais repouso. A tranqüilidade tentadora aumenta a de-cadência. No tocante a interpretação da pre-sença, pode nascer à convicção de que a compreensão das culturas mais estranhas e a sua “síntese” com a própria cultura levaria a um esclarecimento verdadeiro e total da pre-sença e seu próprio respeito. A curiosidade multidirecionada e a inquietação de tudo saber dá alusão de uma compreensão universal da pre-sença. Mas o que propriamente se deve compreender permanece, no fundo, indeterminado e inquestionado; não se compreende que compreende é um poder-ser que só pode ser liberado na pre-sença mais própria. Nessa comparação de si mesma com tudo, tranqüila e que tudo “compreende”, a pre-sença conduz a uma alienação na qual se lhe encobre seu poder-ser mais propri. O ser-no-mundo da de-cadência, tentador e tranqüilizante é também alucinante. (N58) Essa lienação, por conseguinte, não pode significar que a pre-sença se encontre de fato arrancada de si mesma; ao contrario, ela impulsiona a pre-sença para o modo de ser em que ela busca a mais exagerada “fragmentação de si mesma”. Na fragmentação, todas as possibilidades de interpretação são tentações de si mesma e isso a tal ponto que as “caracterologias” e “tipologias” dela resultantes se tornam inumeráveis. Essa alienação fecha para a pre-sença a sua propriedade e possibilidade mesmo que se trate apenas de um autêntico fracasso; e também não a entrega ao ente que ela mesma não é. Força-lhe a impropriedade, num modo de ser possível dela mesma. A alienação da de-cadência, tentadora e tranqüilizante, em sua mobilidade própria, faz com que a pre-sença se atropele e aprisione em si mesma. Os fenômenos aqui demonstrados de tentação, tranqüilidade, alienação e aprisionamento (prisão) caracterizam o modo de ser especifico da de-cadência. Designamos essa “mobilidade” da pre-sença em seu próprio ser de precipitação. A pre-sença se precipita de si mesma para si mesma na falta de solidez e na nulidade de uma cotidianidade imprópria. Mediante a interpretação publica, essa precipitação fica velada para a pre-sença, sendo interpretada como “ascenção” e “vida concreta”. O mundo em que a precipitação se movimenta para e na falta de solidez d ser impróprio no impessoal arranca continuamente a compreensão do projeto de possibilidades de possuir ou alcançar tudo. Esse arrancar continuo da propriedade, sempre dissimulado, junto com o lançamento no impessoal caracterizam a mobilidade da de-cadência como turbilhão. A de-cadência não determina apenas existencialmente o ser-no-mundo. O turbilhão também revela o caráter de mobilidade e de lance do estar - lançado que se pode impor a si mesmo na disposição da pre-sença. O estar - lançado não só não é um “feito pronto” como também não é u fato acabado. Pertence a facticidade da pre-sença ter de permanecer em lance enquanto for o que é e, ao mesmo tempo, de estar envolta no turbilhão da impropriedade do impessoal. Pertence a pre-sença que, sendo, está em jogo o seu próprio ser, o estar lançado no qual a factilidade se deixa e faz ver fenomenalmente. A pre-sença existe de fato. Contudo, nessa demonstração da de-cadência, não se evidencia um fenômeno que fala ineretamente contra a determinação pela qual se indicou e caracterizou a idéia formal da existência? Será que a pre-sença pode ser compreendida como em ente em cujo ser está em jogo o poder-ser, se justamente em sua cotidianidade a pre-sença se perdeu a si mesma e, na de-cadência, “vive” fora de si mesma? A de ca-dência no mundo, porém, só construirá uma “prova” fenomenal contra a existencialidade da pre-sença caso se suponha que a pre-sença é um eu - sujeito isolado, um ponto, do qual ela parte e se move. Nesse caso o modo seria um onjeto. A de-cadência no mundo sofreria assim uma transformação em sua interpretação ontológica, tornando-se ago simplesmente dado, nos moldes de um ente intramundano. Se, no entanto, mantivermos o ser da pre-sença na constituição do ser-no-mundo, reverla-se-á que, enquanto modo de ser deste ser-em, a de-cadência apresenta a prova mais elementar a favor da existencialidade da pre-sença. Na de-cadência, trata-se apenas de poder-ser-no-mundo, embora no modo de impropriedade. A pre-sença só pode de-cair porque nela está em jogo o ser-no-mundo, trabalhado pela compreensão e disposição. Em contrapartida, a existência própria não é algo que paie por sobre a de-cadência do cotidiano. Em sua estrutura existencial, ela é apenas uma apreensão modificada da cotidianidade. O fenômeno da de-cadência também não propicia uma “visão noturna e soturna” da pre-sença, uma propriedade ôntica que pudesse servir de complemento ao aspecto inocente da pre-sença. A de-cadência descobre uma estrutura ontológica essencial da própria pre-sença. E a determina tão pouco o lado noturno e soturno da pre-sença que chega até mesmo a constituir todos os seus dias em sua cotidianidade. A interpretação ontologico-existencial não se refere, portanto, a um discurso ôntico sobre a “corrupção da natureza humana”, não apenas porque lhe faltam os recursos necessários, mas também porque a sua problemática antecede qualquer proposição a respeito da corrupção ou da incorruptibilidade. A de-cadência é um conceito de movimentação ontológica. Do ponto de vista ôntico, não fica decidido se o homem foi ou não “sorvido no pecado”, se está ou não no status corruptions, se transmigrou para o status intefgritatis ou se ele se encontra num estado intermediário, isto é, no status gratie. Fé e “visão de mundo” é que deverão recorrer às estruturas existenciais explicitadas, a fim de poderem emitir proposições assim ou assado e pronunciar-se sobre a pre-sença como ser-no-mundo, suposto evidentemente que seus discursos pretendam uma compreensão conceitual. A questão que orienta esse capítulo buscava o ser do pre. O tema era a constituição ontológica da abertura, inerente à essência da pre-sença. O modo de ser da abertura se forma na disposição, compreensão e discurso. O modo de ser cotidiano da abertura se caracteriza pelo falatório, curiosidade e abguidade. Todas essas características mostram a mobilidade da de-cadência em suas funções essenciais de tentação, tranqüilidade, alienação e aprisionamento. Com esta análise, liberou-se a totalidade da constituição existencial da pre-sença em seus traçios fundamentais e se adquiriu a base fenomenal para uma interpretação “de conjunto” ser da pre-sença como cura.

 

Sexto Capítulo

 

A cura como ser da pre-sença

 

39. A questão da totalidade originária do todo estrutural da pre-sença

Ser-no-mundo e uma estrutura continua e originalmente total. Nos capítulos precedentes (seção I, cap. 2-5), essa estrutura se evidenciou fenomenalmente como todo e, sempre com essa base, em seus momentos constitutivos. A visualização preliminar dada no inicio a respeito do fenômeno perdeu agora o vazio da primeira caracterização genérica. Na verdade, existe agora uma tamanha variedade fenomenal na constituição do todo estrutural e de seu modo de ser cotidiano que o olhar fenomenológico unificador pode facilmente se enganar acerca da unidade do toco como tal. Esse olhar, no entanto, deve manter-se o mais livre e o mais seguro para que agora possamos colocar a questão a que aspirava, qual seja: Como se haverá de determinar, do ponto de vista ontológico - existencial, a totalidade do todo estrutural indicado?A pre-sença existe de afto. O que se questiona é a unidade ontológica da existencialidade e a facticidade, a copertinência essencial destas com relação àquela. A pre-sença, em razão da disposição a que pertence de modo essencial, possui um modo de ser em que ela já se põe diante de si mesma e se abre para si em seu estar - lançado. O estar - lançado, porém, é o modo de ser de um ente que sempre é suas próprias possibilidades e isso de tal maneira que ele se compreende nessas possibilidades e a parti delas (projeta-se para elas). O ser-no-mundo, ao qual pertencem, de maneira igualmente originária, tanto o ser junto ao que está à mão quanto o ser - com os outros, é sempre em função de si próprio. Mas, de inicio e na maior parte das vezes, o proprio é impróprio, ou seja, o proprio-impessoal. O ser-no-mundo já é sempre numa de-cadência. Pode-se, portanto, determinar a cotidianidade mediana da pre-sença como ser-no-mundo aberto na de-cadência que, lançado, se projeta e que, em seu ser junto ao “mundo” e em seu poder-ser mais próprio.

 

40. A disposição fundamental da angústia como abertura privilegiada da pre-sença

Do ponto de vista existenciário, sem dúvida, a propriedade do ser-proprio se acha, na de-cadência, obstruído e fechado. Esse fechamento, no entanto, é apenas privatização de uma abertura que se revela fenomenalmente no fato da fuga da pre-sença ser fuga de si mesma. È justamente daquilo de que foge que a pre-sença que a pre-sença corre “atrás”. Somente na medida em que, através de sua abertura constitutiva, a pre-sença se coloca essencialmente diante de si mesma é que ela pode fugir de si mesma. É justamente daquilo de que fogo que a pre-sença corre “atrás”. Somente na medida em que, através de sua abertura constitutiva, a pre-sença se coloca essencialmente diante de si mesma é que ela pode fugir de si mesma. Decreto, tanto no desviar-se como no aviar-se, próprios da de-cadência, não se apreende aquilo de que se fogo e nem se faz a sua experiência. No entanto. No desvio de si mesma, descortina-se o “pre” da pre-sença. Em razão de seu caráter de abertura, o desvio ôntico-existenciário propicia fenomenalmente a possibilidade de se apreender aquilo de que se foge como tal, de forma ontologico-existencial. Em meio a esse movimento ôntico de “para fora de”, inerente ao desvio, pode-se compreender e conceituar aquilo de que se foge, “aviando-se” para uma interpretação fenomenológica. Nessas condições, orientar a análise pelo fenômeno da de-cadência não exclui, em princípio, a possibilidade de se fazer uma experiência ontológica da pre-sença que se abre nesse fenômeno. Ao contrário, nesse acaso, a interpretação não se expõe a uma auto-apreensão artificial da pre-sença. Ela realiza apenas a explicação daquilo que a própria pre-sença abre onticamente. A possibilidade de se chegar ao ser da pre-sença, interpretando-se numa repetição e num acompanhamento a compreensão dada na disposição, cresce ainda mais quanto mais originário for o fenômeno que funciona metodologicamente como disposição de abertura. De inicio, dizer que a angústia fornece uma condição desse tipo não passa de mera afirmação. Não estamos totalmente despreparados para analisar a angústia. Não há dúvida de que o nexo ontológico entre angústia e temor é ainda obscuro. Mas é claro que, entre ambos, existe um parentesco fenomenal. O indício de parentesco é o fato de ambos os fenômenos permanecerem, na maior parte das vezes, inseparáveis um do outro e isso a tal ponto que se chama de angustia o que é temor e se fala de temor quando o fenômeno possui o caráter de angústia. Vamos então nos aproximar, passo a passo, do fenômeno da angústia. Chamamos de “fuga” de si mesmo o afto da pre-sença de-cair no impessoal e no “mundo” das ocupações. Entretanto, nem todo retirar-se de..., nem todo desviar-se de. é necessariamente uma fuga. Caráter de fuga tem apenas o retirar-se, baseado no temor daquilo que desencadeia o temor, isto é, do ameaçador. A interpretação do temor como disposição mostrou: aquilo que se teme é sempre um ente intramundano que, advindo de determinada região, torna-se, de maneira ameaçadora, cada vez mais próximo. Na de-cadência, a pre-sença se desvia de si mesma. Aquilo de que se retira deve possuir o caráter de ameaça; o que, porém, ameaça é um ente que tem o modo de ser de um ente que se retira, ou seja, é a própria pre-sença. Em conseqüência, aquilo de que se retira não pode ser apreendido como “temível”, porque sempre vem ao encontro como ente intramundano. A única ameaça que pode tornar-se “temível” e que se descobre no temor provém sempre de algo intramundano. O desvio da de-cadência não é, por conseguinte, um fugir que se fundasse numa fuga de algo intramundano. Nesse sentido, o desviar-se não possuiria o caráter de fuga, sobretudo quando se aviasse para o ente intramundano no sentido de nele empenhar-se. Ao contrário, o desvio da de-cadência se funda na angústia que, por sua vez, torna possível o temor. Para se compreender o que se quer dizer com fuga decadente de si mesma inerente à pre-sença, e preciso lembrar que a constituição fundamental da pre-sença é ser-no-mundo. Aquilo que a angústia é o ser-no-mundo como tal. Como se distingue fenomenalmente o com quê a angústia daquilo que o temor teme? O com quê da angústia não é, de modo algum, um ente intramundano. Por isso, com ele não se pode estabelecer nenhuma conjuntura essencial. A ameaça não possui o caráter de um determinado dano que diria respeito ao ameaçado na perspectiva determinada de um específico poder-ser de fato. O com quê da angústia é inteiramente indeterminado. Essa indeterminação não apenas deixa indefinido de fato que ente intramundano “ameaça” como também diz que o ente intramundano é “irrelevante”. Nada do que é simplesmente dado ou que se acha à mão no interior do mundo serve para a angústia com ele angustiar-se. A totalidade conjuntural do manual e do ser simplesmente dado que se descobre no mundo não tem nenhuma importância, ela se perde em si. O mundo possui o caráter de total insignificância. Na angústia, não se dá o encontro disso ou daquilo com o qual se pudesse estabelecer uma conjuntura ameaçadora. Aquilo com que a angústia é o “nada” que não se revela “em parte alguma” fenomenalmente, a impertinência do nada e do em parte alguma intramundanos significa que a angustia com o mundo como tal. A total significância que se anuncia no nada e no em parte alguma não significa ausência de mundo. Significa que o ente intramundano em si mesmo tem tão pouca importância que, em razão dessa insignificância do intramundano, somente o mundo se impõe em sua mundanidade.

Na pre-sença, a angustia revela o ser para o poder ser mais próprio, ou seja, o ser - livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo. A angústia arrasta a pre-sença apara o ser - livre para... (propensio in...), para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que já sempre é. A pre-sença como se-no-mundo intriga, ao mesmo tempo à responsabilidade desse ser. O porquê a angustia se angustia desentranha-se como o com quê ela se angustia: o ser-no-mundo. Essa coincidência do com quê e de pelo quê a angústia se angustia se estende até ao próprio angustiar-se. Pois, enquanto disposição, esse constitui um modo fundamental de ser-no-mundo. A coincidência (N49) existencial do abrir e do aberto em que se abre o mundo como mundo, o ser-em como podeer-ser singularizado, puro e lançado, evidencia que, com o fenômeno da angústia, se fez tema de interpretação uma disposição privilegiada. A angústia singulariza e abre a pre-sença como “solus ipse”. Esse “solipsismo” existencial, porém, não dá lugar a uma coisa-sujeito isolada no vazio inofensivo de uma ocorrência desprovida de mundo. Ao contrário confere à pre-sença justamente um sentido extremo em que ela é traduzida como mundo para o seu mundo e, assim, como ser-no-mundo para si mesma. Ao interpretarmos, de modo ontologico-existencial, a estranheza da pre-sença como ameaça que apropria pre-sença experimenta em relação a si mesma, não se afirma, contudo, que na angústia de afto a estranheza já se compreenda nesse sentido. O modo cotidiano em que a pre-sença compreende a estranheza é o desvio para a de-cadência que esconde o não sertir-se em casa. Do ponto de vista fenomenal, porém, a cotidianidade dessa fuga mostra que a angústia, enquanto disposição fundamental pertence à constituição essencial da pre-sença como ser-no-mundo. E que, como existencial, jamais é algo simplesmente dado e sim um modo próprio da pre-sença de fato, ou seja, é uma disposição. O ser-no-mundo tranqüilizado e familiarizado é um modo da estranheza da pre-sença e não o contrário. O não sentir-se em casa deve ser compreendido, existencial e ontologicamente, como o fenômeno mais originário.

 

 41. O ser da pre-sença como cura

Do ponto de vista ontológico, a cura é “anterior” aos fenômenos mencionados que, sem duvida, só podem ser adequadamente “descritos” dentro de certos limites, sem que seja necessário evidenciar ou tornar conhecido o horizonte ontológico em seu todo. Para a presente investigação de uma ontologia fundamental, que não aspira a uma ontologia tematicamente completa da pre-sença e muito menos a uma antropologia concreta, basta que se indique como estes fenômenos se fundam existencialmente na cura. A expressão “cura” significa um fenômeno ontologico-existencial básico que também em sua estrutura não é simples. A totalidade ontologicamente elementar da estrutura da cura não pode ser reconduzida a um “elemento primário” ôntico, assim como o ser não pode ser “esclarecido” pelo ente. Por fim, há de se mostrar que a idéia de ser é tão pouco “simples” como o ser da pre-sença. A determinação da cura como preceder a si mesma por já ser em..., enquanto ser junto a, tornar claro que esse fenômeno está em si mesmo, aciculado estruturalmente. Não será isso um indício fenomenal de que a questão ontológica deve ser levada ainda mais adiante, de modo a expor um fenômeno ainda mais originário, que sustente ontologicamente a unidade e totalidade da mutipliciade estrutural da cura? Antes de se prosseguir a investigação dessa questão, é preciso apropriar-se mais aguda e retrospectivamente do que foi interpretado até aqui com vistas à questão ontológica fundamental do sentido do ser em geral. Antes ainda, porém, deve-se mostrar que, do ponto de vista ontológico, a “novidade” dessa interpretação é, do ponto de vista ôntico, bastante antiga. A explicação do ser da pre-sença como cura não força o ser da pre-sença a se enquadrar numa idéia imaginada, amas por permite conceituar existencialmente o que já se abriu de modo ôntico-existenciário.

 

a) Realidade como problema do ser e da possibilidade de comprovação do “mundo externo”

Fé na realidade do “mundo exterior”, legítima ou ilegítima, provar essa realidade, seja de modo suficiente ou insuficiente, pressupor essa realidade, implícita ou explicitamente, todas estas tentativas, não possuindo transparência a respeito de seu solo, pressupõe, de início, um sujeito desmundaniozado ou inseguro acerca de seu mundo que, antes de tudo, precisa assegurar-se de um mundo. Nesses casos, o ser-no-mundo é, desde o inicio, colocado diante de um apreender, de um presumir, de um assegurar-se e crer, de uma atitude que, em si mesma, já é um modo derivado de ser-no-mundo. O “problema da realidade”, no sentido da questão se um mundo exterior é simplesmente dado e se é passível de comprovação, apresenta-se como um problema impossível. Não porque tenha por conseqüência aporias intransponíveis, mas porque o próprio ente que, nesse problema, é tematizado, recusa por assim dizer esse modo de colocar a questão. O que se deve não é provar o fato e como um “mundo exterior” é simplesmente dado, e sim de-monstra por que a pre-sença, enquanto ser-no-mundo, possui a tendência de primeiro sepultar epistemologicamente o “mundo exterior” em um nada negativo para então permitir que ele ressucite mediante provas. A razão disso reside na de-cadência da pre-sença e no deslocamento aí motivado da compreensão primordial do ser para um ser como algo simplesmente dado. Se, nessa orientação ontológica, o modo de colocar a questão for “critico”, encontra então um mero “interior” enquanto o único ser simplesmente dado certo e seguro. Após a desagregação do fenômeno originário do ser-no-mundo desdobra-se, com base no qual resta, ou seja, no sujeito isolado, a correlação com um “mundo”.

 

 44. Pre-sença, abertura e verdade.

A análise partirá do conceito tradicional de verdade e procurará expor os seus fundamentos ontológicos (a). A partir desses fundamentos, tornar-se-á visível o fenômeno originário da verdade. Dele pode-se, então, de-monstrar o caráter derivado do conceito tradicional de verdade (b). A investigação ividenciará que a questão sobre o modo de ser da verdade pertence necessariamente à questão sobre a “essência” da verdade, Daí se segue o esclarecimento do sentido ontológico da afirmação de que “verdade se dá” e do modo em que necessariamente “se deve pressupor” que “se dá” verdade (c).

 

a)      O conceito tradicional da verdade e seus fundamentos ontológicos

Três teses caracterizam a apreensão tradicional da essência da verdade e a opinião gerada em torno de sua primeira definição: 1. O “lugar” da verdade é a proposição (o juízo). 2. A essência da verdade reside na “concordância” entre o juízo e seu objeto. 3. Aristóteles, o pai da lógica, não só indicou o juízo como o lugar originário da verdade, como também colocou em voga a definição da verdade como “concordância”. Não é nossa intenção elaborar uma história do conceito de verdade, o que só poderia ser feito com base numa história da ontologia. Algumas indicações características sobre o que já se conhece devem apenas introduzir as discussões analíticas. Aristóteles diz: paqhuata thx pdagwatvn. As “vivências” da alma, as “nshmata” (“representações”) são adequações às coisas. Essas proposições, que de modo algum se propõem como definição expressa da essência da verdade, desempenharam importante papel ao se elaborar posteriormente a essência da verdade como adequatio intellectus et rei . Tomás de Aquino, que remete sua definição a Avicenna, que, por sua vez, remete ao livro das Definições (século X) de Issak Israelisa, também uso para adequatio (adequações) os termos correspondentia e convenientia. A epistemologia neokantina do século XIX aracterizou de muitas maneiras essa definição de verdade como a expressão de um realismo que, do ponto de vista do método, se manteve ingênuo, considerando-a incompatível com um questionamento que tenha passado pela “revolução copernicana” de Kant. O que assim não se percebe, e para o que Brentano chamou a atenção, é que também Kant se ateve de tal modo a esse conceito de verdade quem nem chegou a discuti-lo: “A antiga e famosa questão, com a qual se suponha colocar os lógicos em apuros, é a seguinte: O que é verdade”? “O esclarecimento nominal da verdade como concordância entre o conhecimento e o seu objeto é aqui presenteada e pressuposta...”

“Se verdade consiste na concordância de um conhecimento com o seu objeto, deve distinguir-se dos demais; pois um conhecimento é falso quando não concorda com o objeto a que está remetido mesmo que contenha algo que possa valer para outros objetos”. E na introdução à dialética transcendental, Kant diz: “Verdade ou aparência não se encontram no objeto na medida em que ele se dá na intuição e sim no juízo a seu respeito, na medida em que é pensado”. A caracterização da verdade como “concordância”, adequatio, pdagwatvn é, de certo, por demais vazia e universal. Encontrará, no entanto, alguma razão acaso se sustente, a despeito das interpretações mais variadas do conhecimento que traz se predicado privilegiado. Questionamos agora o fundamento dessa “relação”. O que implicitamente também se põe com o todo da relação - adequatio intellectus et rei? Que caráter ontológico possui o que também se põe? O que significa o termo “concordância”? A concordância de algo com algo. Toda concordância e, assim também, toda “verdade” é uma relação. Mas nem toda relação é um concordância. Um sinal assinala para o assinalado. Assinalar é uma relação entre o sinal e o assinalado, mas não uma concordância. Decerto, nem toda concordância significa uma espécie de convennientia, tal como 16-10. E os números concordam e são iguais, no tocante à quantidade. Igualdade é um modo de concordância. A ela pertence estruturalmente uma espécie de “perspectiva”. O que é isso em cuja perspectiva concorda àquilo que, na adequatio, se relaciona? Ao se esclarecer a relação de verdade, deve-se também considerar a especificidade dos membros da relação. Em que perspectiva intellectus e res concordam? Será que, em seu modo de ser e em seu conteúdo essencial, eles proporcionam algo em cuja perspectiva podem concordar? Caso seja impossível uma igualdade entre eles, por não pertencerem à mesma espécie, não será aquilo possível que ambos (intellectus e res) sejam semelhantes? Todavia, qualquer conhecimento deve “dar” a coisa assim como ela é. A “concordância” te o caráter da relação “assim como”. De que modo essa relação se torna possível enquanto relação de intellectus e res? A partir dessas questões evidencia-se que, para se esclarecer a estrutura da verdade, não basta simplesmente pressupor esse todo relacional, mas é preciso reconduzir o questionamento a seu contexto ontológico que sustenta esse tal como tal.Mas será necessário para isso arrolar toda a problematiza “epuistemológca” referente à relação sujeito-objeto? Ou será que a analise pode restrinir-se à interpretação da “consciência imanente da verdade”, permanecendo-se, portanto, “na esfera” do sujeito? Segundo a opinião geral, só o conhecimento é verdadeiro. Conhecer, porém, é julgar. Em todo julgamento, deve-sedistinguir a ação de julgar enquanto conteúdo ideal. Deste último, diz-se que é “verdadeiro”. Em contrapartida, o processo psíquico real é simplesmente dado ou não. O conteúdo ideal do juízo é, pois, o que se acha numa relação de concordância. E esta diz respeito a um nexo entre o conteúdo ideal do juízo e a coisa real e sobre a qual se julga. Em seu modo de ser, a concordância é real ou nenhuma delas? Como se deve aprender ontologicamente a relação entre o ente ideal e o real? Essa relação subsiste e coexiste em juízos de fatos não só mente encher o conteúdo do juízo e o objeto real, mas também entre o conteúdo ideal e a ação real de julgar; e aqui a relação não será manifestamente mais “intrínseca”? Ou será que não se deve levantar a questão sobre o sentido ontológico da relação entre real e o ideal (da mEoxiz)? A relação deve porem, subsistir. (N64) o que significa do ponto de vista ontológico, subsistência? O que pode constituir um obstáculo para legitimidade dessa questão? Será um acaso ou fato desse problema há mais de dois milênio não sair do lugar? Ou será que o descaminho da questão coexiste do seu ponto de partida, ou seja, na separação ontologicamente não esclarecida entre real e ideal? E a separação encher a realização real e o conteúdo ideal não será ilegítima justamente no tocante a ação “real” de julgar alguma coisa? Não será que a realidade do conhecimento e do juízo se rompem de dois modos de ser ou “camadas”, cuja sutura já mais chegara a alcançar o modo de ser do conhecimento? Não será que psicologia tem razão quando se opõem a essa separação, embora ele próprio não esclareça ontologicamente o modo de ser do pensamento que pensa alguma coisa e nem mesmo não reconheça esse problema? Na questão sobre o modo de ser da adequatio, apontar para a cisão entre conteúdo do juízo e a ação de julgar não promovera a discussão.  Com isso apensa se evidenciara que o esclarecimento do modo de ser próprio do conhecimento é inevitável. É preciso tender uma analise do modo de ser do conhecimento e, ao mesmo tempo visualizar o fenômeno da verdade que o caracteriza. Quando é que o fenômeno da verdade se exprime no próprio conhecimento? Sem duvida, quando o conhecimento se mostra verdadeiro é apropria verificação de se mesmo que lhe assegura a sua verdade. No contexto fenomenal dessa verificação por tanto, e que a relação da concordância deve tornar-se visível. Com as costas viradas para a parede, alguém emite a seguinte proposição verdadeira: “o quadro na parede está torto”. A proposição se verifica quando ele se vira e percebe o quadro torto na parede. O que nessa verificação é verificado? Qual o sentido da confirmação dessa proposição? Será que se constata uma concordância do conhecimento ou do conhecido com a coisa na parede? Sim e não, com forme se interprete fenomenalmente o que diz a expressão “o conhecido”. A que remete o emissor da proposição quando ele – sem perceber, mas “apenas representando” – julga? Sera que remete a “representações”? Certamente não, se representação for tomada como processo psíquico. Também não remete a representações no sentido do representado, ou seja, da “imagem” (N65) da coisa real na parede. Segundo seu sentido mais próprio a preposição que “apenas representa” remete ao quadro real na parede. É a ele que se visa e não a outra coisa. Toda interpretação introduzisse aqui alguma outra coisa, que deveria estar implicada na preposição que apenas representa, falsificaria o conteúdo fenomenal a respeito do qual se emita uma proposição. A proposição é um ser para a própria coisa que é. O que se verifica através da percepção? Somente o fato de que é próprio ente que se visava na proposição. Alcança-se a confirmação de que o ser que propõe para propósito é uma demonstração daquele ente, o fato de que ele descobre o ente para o qual ele é. Verifica-se o ser - descobridor da proposição. Cumprindo a verificação, o conhecimento remete unicamente ao próprio ente. É sobre ele próprio que reincide a confirmação. O próprio ente visado mostra-se assim como ele é em si mesmo, ou seja, que, em si mesmo, ele é assim como se mostra e descobre sendo na proposição. Não se comparam representações entre si nem com relação à coisa real. O que se deve verificar não é uma concordância entre conhecimento e objeto e muitos mesmo entre algo psíquico e algo físico. Também não se trata de uma concordância entre vários “conteúdos da consciência”. O que se deve verificar é unicamente o ser e estar descoberto do próprio ente, o ente na modalidade de sua descoberta. Isso se confirma pelo que de que o proposto, isto é, o ente em si mesmo, mostra-se como o mesmo. Confirmar significa: que o ente se mostra em si mesmo. A verificação se cumpre com base no mostrar-se dos entes. Isso só é possível pelo fato de que, enquanto proposição e confirmação, o conhecimento é, segundo seu sentido ontológico, um ser que, descobrindo, realiza seu ser para o próprio ente real. A proposição é verdadeira significa: ela descobre o ente em si mesmo ela propõe, indica, “deixa ver” (apojansiz) o ente em seu ser estar descoberto. O ser - verdadeiro (verdade) da proposição deve ser entendido no sentido de ser descobridor. (N66) A verdade não possui, portanto, a estrutura de uma concordância, entre conhecimento e objeto, no sentido de uma adequação entre um ente (sujeito) e um outro ente (objeto). Enquanto ser - descobridor, o ser - verdadeiro só é, pois, ontologicamente possível com base no ser-no-mundo. Esse fenômeno, em que conhecemos uma constituição fundamental da preensão, constitui o fundamento do fenômeno originário da verdade. È o que agora se vai perseguir mais profundamente.

 

b. O fenômeno originário da verdade é o caráter devido do conceito tradicional da verdade

Ser - verdadeiro (verdade) diz ser - descobridor. Mais não será esta uma definição exatamente arbitraria da verdade?Com determinações conceituais tão violentas talvez se consiga desvincular a idéia de concordância do conceito de verdade. O preço desse sucesso duvidoso não seria condenar à antiga e “boa” tradição a um nada negativo? A definição aparentemente arbitraria, contudo, apenas traz uma interpretação necessária daquilo que a tradição mais antiga da filosofia pressentiu de maneira originaria, e chegou a compreender pré - fenomenologicamente. O ser - verdadeiro do logoV enquanto apsjansiV é alhqeueinno modo de pjainesqai: deixar e fazer ver (descoberta) o ente em seu desvelamento, retirando-o do velamento. Aalhqeia, identifica por Aristóteles nas passagens supracitadas com psagma, jainomena, indica as “coisas elas mesmas”, o que se mostra o ente na modalidade de sua descoberta. Será por acaso que num dos fragmentos de Heráclito, que constituem os ensinamentos mais antigos da filosofia em que o lsgsz e tratado explicitamente, o fenômeno da verdade acima apresentado transpareça no sentido de descoberta (desvelamento)? Contrapõem-se ao lsgsz e a quem o diz que compreende aqueles que não compreendem. O lsgsz é jsaxvn dcwx ecei, ele diz como ente se comporta. Para aqueles que não compreendem, porém, lanqanei, o que eles fazem permanece velado; epilanontai, eles esquecem, isto é, o ente se lhes vela novamente. Pertence, pois, ao lsgsz o desvelamento,

a-lhqeia.A tradução pela palavra verdade e, sobretudo, as determinações teóricas de seu conceito encobrem o sentido daquilo que os gregos, numa compreensão pré-filosófica, estabelecem como fundamento “evidente” do uso terminológico de alhqeia. A adução desses testemunhos deve as guardar-se de uma mística desenfreada das palavras; entretanto, o ofício da filosofia é, em última instância, preservar a força das palavras mais elementares, em que a pre-sença se pronuncia a fim de que elas não sejam niveladas à incompreensão do entendimento comum, fonte de pseudoproblemas. O que antes foi colocado numa interpretação dogmática do lsgsz e alhqeia, recebe agora uma verificação fenomenal. A “definição” proposta da verdade não é um repúdio da tradição, mas uma apropriação originária: e tanto mais quando se conseguir provar o fato e o modo em que a teoria fundada no fenômeno originário da verdade precisou chegar à idéia de concordância . A “definição da verdade como descoberta a ser - descobridor também não é uma mera explicação de palavras”. Ela nasce da análise dos comportamentos da pre-sença, que costumamos chamar de “verdadeiros”. Ser - verdadeiro enquanto ser-decobridor é um modo de ser da pre-sença. O que possibilita esse descobrir em si mesmo deve ser necessariamente considerado “verdadeiro”, num sentido ainda mais originado. Os fundamentos ontológico-existenciais do próprio descobrir é que mostram o fenômeno mais originário da verdade. Descobrir é um modo de ser-no-mundo A ocupação que se dá na circunvisão u que se concentra na observação descobre entes intramundanos. São estes o que se descobre. São “verdadeiros” num duplo sentido.Primordialmente verdadeiro, isto é, exercendo a ação de descobrir, é a pre-sença. Num segundo a ação de descobrir, é a pre-sença. Num segundo sentido, a verdade não diz o ser - descobridor (o descobrimento) mas o ser - descoberto (descoberta).Entretanto, a análise anterior da mundanidade do mundo e dos entes intramundanos mostrou que a descoberta dos entes intramundanos se funda na abertura do mundo. Abertura, porém, é o modo fundamental da pre-sença segundo o qual ela é o seu pre. A abertura se constitui de disposição, compreensão e discurso, referindo se e ao ser-proprio. A estrutura da cura enquanto preceder a si mesma por já estar num mundo, enquanto ser - junto aos entes intramundanos, resguarda em si a abertura da pre-sença. Com ela e impor ela é que se dá descoberta. Por isso, somente com a abertura da pre-sença é que se alcança o fenômeno mais originário da verdade. O que antes se demonstrou quanto á constituição existencial do pre e com referencia ao seu se cotidiano referia-se ao fenômeno mais originário da verdade. Na medida em que a pre-sença è essencialmente a sua abertura, na medida em que ela abre e descobre o que se abre, a pre-sença é essencialmente “verdadeira”. A pre-sença é e está “na verdade”. Essa proposição tem sentido ontológico. Não significa que onticamente a pre-sença tenha sido introduzida sempre ou apenas algumas vezes “em toda a verdade”, mas indica que a abertura de seu ser mais próprio pertence à sua constituição existencial. Retomando o que se obteve anteriormente, pode-se exprimir todo o sentido existencial da sentença “a pre-sença é e está na verdade” através das seguintes determinações:

  1. A abertura em geral pertence essencialmente à constituição ontológica da pre-sença. Abrange a totalidade da estrutura ontológica que se explicitou no fenômeno da cura. À cura pertence não apenas o ser-no-mundo, mas também o ser e estar junto aos entes intramundanos. Juntamente com o ser da pre-sença e a sua abertura se dá, de maneira igualmente originária, a descoberta dos entes intramundanos.
  2. O estar - lançado pertence à constituição ontológica da pre-sença como constitutivo de sua abertura. Nele, desentranha-se que a pre-sença já é sempre minha e isso num mundo determinado e junto a um âmbito determinado de entes intramundanos determinados. A abertura é, em sua essência, fatual.
  3. O projeto pertence à constituição ontológica da pre-sença: do ser que se abre para o seu poder-ser como compreensão. A pre-sença pode-se compreender tanto a partir do “mundo” e dos outros entes, quanto a partir de seu poder-ser mais próprio. Esta última possibilidade diz: a pre-sença abre-se para si mesma em seu poder-ser mais próprio e como tal. Esta abertura própria mostra o fenômeno da verdade mais originaria no modo da propriedade. A verdade da existência é a abertura mais originaria e mais própria que o poder-ser da pre-sença pode alcançar. Ela só poderá receber sua determinação ontologico-existencial no contexto de uma análise da propriedade da pre-sença;
  4. A de-cadência pertence a constituição ontológica da pre-sença. De inicio na maior parte das vezes, a pre-sença se perdeu em seu “mundo”. Enquanto o projeto para as possibilidades de ser, a compreensão aí já se inseriu. Empenhar-se no impessoal significa o predomínio da interpretação publica. O que se descobre e se abre instala-se nos modos de deturpação e fechamento através do falatório, da curiosidade e da ambiguidade.O ser para os entes não desaparece, desarraiga-se. O ente não se vela por completo, ele se descobre no momento em que se deturpa; ele se mostra-mas segundo o modo da aparência. Ao mesmo tempo, o que já se tinha descoberto volta a afundar na deturpação e no velamento. Em sua constituição ontológica, a pre-sença é e está na “não verdade” por que é, em sua essência, de-cadente. Assim como a expressão “de-cadência”, o termo “não verdade” é usado aqui em seu sentido ontológico. Na analítico existencial, deve-se afastar de seu uso toda e qualquer “valoração” onticamente negativa. Fechamento e encobrimento pertence a facticidade da pre-sença. Do ponto de vista ontologico-existencial, o sentido completo da sentença: “a pre-sença é e está na verdade” também inclui, de modo igualmente originário, que a “pre-sença é e está na não verdade’. Todavia, só mente na medida em que a pre-sença se abre é que ela também se fecha; e só mente na medida em que, com a pre-sença, já sempre se descobriram os entes intramundanos é que eles, enquanto encontram o possível dentro do mundo, já se encobriram (velaram) e deturparam. É por isso que, em sua essência, a pre-sença tem de explicitamente tomar posse do que se descobriu contra a aparência e a distorção e sempre se reassegurarda descoberta. De fato, não ser com base num total velamento que as novas descobertas nom mundo da aparência. O ente se configura como..., opu seja, de certo modo o ente já foi descoberto só que ainda se deturpa.A verdade (descoberta) deve sempre ser arrancada primeiramente dos entes. O ente é retirado do velamento.A descoberta em seu fato é, ao mesmo tempo, um roubo. Será por acaso que os gregos se pronunciavam a respeito da essência da verdade, valendo-se de uma expressão privativa (alhqeia)? Será que nesse pronunciamento da pre-sença não se anuncia uma compreensão ontológica originaria de si mesma que, no entanto, constituí apenas uma constituição pre-ontologica do fato de que ser e estar na não verdade constitui uma determinação essencial do ser-no-mundo? O fato de deusa verdade de Parmênides colocá-lo diante de dois caminhos, um do descobrimento e outro do velamento, significa simplesmente que a pre-sença já está sempre na verdade e na não verdade. O caminho do descobrimento só é conquistada no ksinein lsgj, na cisão compreensiva ente ambos e no decidi ser por um deles. A condição ontologico-existencial para se determinar o ser-no-mundo através “verdade” e” não verdade” reside na constituição ontológica da pre-sença, põem nós caracterizado como o projeto que está lançado. Ela é o constitutivo da estrutura da cura. Da interpretação ontologico-existencial do fenômeno da verdade resultou, por tanto: 1. Verdade no sentido mais originário é a abertura da pre-sença a qual pertence a descoberta dos entes intramundamos. 2. A pre-sença é e está de modo igualmente originário, na verdade e na não verdade. No horizonte da interpretação tradicional de fenômeno da verdade, essas sentenças só podem ser inteiramente entendidas quando se mostra que: 1. verdade, compreendida como concordância, tem sua origem na abertura e isso através de uma modificação determinada. 2. O próprio modo de ser da abertura propicia que, primeiro, se faça visível sua modificação derivada e que vigore a explicação teórica da estrutura da verdade. A proposição e sua estrutura, o como opafântico, funam-se na interpretação e em sua estrutura, o como hermenêutico e, a seguir, na compreensão, a abertura da pre-sença. A verdade, porém, vale como determinação privilegiada da proposição assim derivada. Então, as raízes da verdade proposicional alcançam novamente a abertura da compreensão. Além dessa indicação acerca da proveniência da verdade proposicional deve-se, no entanto, mostrar explicitamente o fenômeno da concordância em seu caráter derivado.O ser junto ao ente intramundano, a ocupação, é descobridor. O discurso, porém, pertence essencialmente à abertura da pre-sença. A pre-sença se exprime; se- enquanto ser-decobridor para o ente. É na proposição que ela se exprime como tal sobre o ente descoberto.A proposição comunica o ente no modo de sua descoberta.Na percepção, a pre-sença que percebe essa comunicação traz a si mesma para o ser-decobridor com a referência ao ente discutido. Naquilo sobre o que a proposição se pronuncia esta contida a descoberta dos entes. A descoberta se preserva no que é pronunciado. O que se pronuncia torna-se,por assim dizer, um manual intramundano que pode ser retomado e propagado. Por preservar a descoberta, o que se pronuncia e assim se acha à mão traz, em si mesmo, uma remissão ao ente sobre o qual toda proposição se pronuncia. Descoberta é sempre descoberta de... mesmo na repetição, a pre-sença que repete chega em um ser para o próprio ente discutido. No entanto, ela é e se acredita dispensada de realizar originariamente o descobrimento. A pre-sença não precisa colocar-se diante dos próprios “entes” numa experiência “originária”, pois permanece, de modo correspondente, num ser para o ente. Em larga escala, a descoberta não se faz através de cada descobrimento próprio, mas sim apropriando-se do que é dito através de um ouvir dizer.O empenho no que se diz pertence ao modo de ser do impessoal. O que se diz como tal assume o ser com relação ao ente que se descobre na proposição. Se, porém, esse ente deve ser apropriado no tocante à sua descoberta, isso significa: a proposição deve ser verificada enquanto proposição descobridora. A proposição pronunciada, no entanto, é um manual de tal modo que traz em si mesma uma remissão ao ente descoberto, na medida em que preserva a descoberta. A verificação de seu ser descobridor diz agora: verificar a remissão iparai o ente da proposição que preserva a descoberta. A própria d proposição se oferece como manual. O ente para o qual ela traz uma remissão descobridora é um manual intramundano ou um ser simplesmente dado. A própria remissão se dá como algo simplesmente dado. . A remissão, no entanto, reside no fato de que a descoberta, preservada na proposição , é sempre descoberta de... O juízo “contém algo que vale para os objetos” (Kant). Transformando-se numa relação entre seres simplesmente dados, a remissão recebe agora o caráter de ser simplesmente dado. Descoberta de... transforma-se em conformidade simplesmente dada de algo simplesmente dado, isto é, da proposição pronunciada, transforma-se em um ser simplesmente dado, o ente discutido. E quanto mais a conformidade for vista como relação entre seres simplesmente dados, ou seja, quanto mais o modo de ser dos membros da relação forem compreendidos indiscriminadamente como algo simplesmente dado, mais a remissão se mostrará como concordância simplesmente dada entre dois seres simplesmente dados.

Com o pronunciamento da proposição, a descoberta dos entes se volta para o modo de ser do manual intramundano. Na medida, porém, em que nela, enquanto descoberta de..., se mantém numa remissão a um ser simplesmente dado, a descoberta (verdade), por sua vez, se torna uma relação simplesmente dada entre seres simplesmente dados (intellectus et res).

O fenômeno existencial da descoberta que se funda na abertura da pre-sença transforma-se em propriedade simplesmente dada, que ainda guarda em si um caráter de relação e, como tal, torna-se uma relação simplesmente dada. Verdade como abertura e ser-decobridor, no tocante ao ente descoberto, transforma-se em verdade como concordância entre seres simplesmente dados dentro do mundo. Com isso, fica demonstrado o caráter ontologicamente derivado do conceito tradicional de verdade. O que, porém, no ordenamento dos contextos de fundação ontológico-existenciais ocupa o último lugar é o que, onticamente, vem em primeiro lugar e aparece antes de tudo. Quanto à sua necessidade, esse fato se funda no modo de ser da própria pre-sença. Ao empenhar-se na ocupação, a pre-sença se compreende a partir do que vem ao encontro dentro do mundo. A descoberta inerente ao descobrimento se acha, inicialmente, no que é pronunciado dentro do mundo. Contudo, não apenas a verdade é encontrada como algo simplesmente dado. Também a compreensão ontológica compreende, de inicio, todo ente como algo simplesmente dado. A primeira reflexão ontológica sobre a “verdade” que, de imediato, cem ao encontro onticamente, compreende o lsgsz 9proposição) como lsgsz tinoz (proposição sobre..., descoberta de...) e interpreta o fenômeno como algo simplesmente dado. Porque, no entanto, essa possibilidade é identificada com o sentido do ser em geral, a questão se esse modo de ser da verdade e sua estrutura que, de imediato, vêm ao encontro são originários ou não, não pode permanecer viva. A própria compreensão ontológica da pre-sença que, de início, predomina e que, ainda hoje, não foi superada em seus fundamentos e explicitação, encobre o fenômeno originário da verdade. Da mesma forma, não se pode desconsiderar que, para os gregos, os primeiros a edificar essa compreensão ontológica e a torná-la predominante, a compreensão originária da verdade, embora pre-ontologica, mantinha-se viva e até se afirmava contra o seu encobrimento na ontologia – ao menos em Aristóteles.

Aristóteles jamais defendeu a tese de que o “lugar” originário da verdade fosse o juízo. Ele diz, na verdade, que o lsgsz é o modo de ser da pre-sença, que pode ser descobridor ou encobridor. Essa dupla possibilidade é o que há de surpreendente no ser - verdadeiro do , pois este é o comportamento que também pode encobrir. E na medida em que afirmou tal tese, Aristóteles não teria condições de “estender” o conceito de verdade do lsgsz para o puro noein. A “verdade” da aisqhsiz e da visão de “idéias” é o descobrimento originário. E apenas porque o nohoiz primariamente descobre é que também o lsgsz enquanto dianoein pode ter a função de descoberta. A tese de que o “lugar” genuíno da verdade é o juízo não apenas é erroneamente atribuída a Aristóteles como constitui, no que respeita a seu conteúdo, um desconhecimento das estrutura da verdade. A proposição não é o “lugar” primário da verdade. Ao contrario, a proposição, enquanto modo de ser-no-mundo, funda-se no descobrimento ou na abertura da pre-sença. A “verdade” mais originária é o “lugar” da proposição e a condição ontológica de possibilidade para que a proposição possa ser verdadeira ou falsa (possa ser descobridora ou encobridora). Compreendida no sentido mais originário, a verdade pertence à constituição fundamental da pre-sença. Essa expressão significa um existencial. Com isso, prelineia-ser a reposta à questão do modo de ser da verdade e do sentido da necessidade de se pressupor que “verdade se dá”.

 

 c) O modo de ser da verdade e a pressuposição de verdade

 Enquanto constituída pela abertura, a pre-sença é e está essencialmente na verdade. A abertura é um modo de ser essencial da pe-sença. Só “se dá” verdade na medida e enquanto a pre-sença é.Só então o ente é descoberto e ele só se abre enquanto a pre-sença é. As leis de Newton, o principio de contradição, toda verdade em geral só é verdade enquanto abertura, descoberta e descobrimento. Antes da pre-sença e depois da pre-sença não havia verdade e não haverá verdade porque, nesse caso, a verdade não pode ser enquanto abertura, descoberta e descobrimento. Antes das leis de Newton seres descobertas, elas não eram “verdadeiras”; daí não se segue, porém, que fossem falsas nem que sairam falsas se, do ponro de vista ôntico, nenhuma descoberta fosse mais possível. Do mesmo modo, essa “limitação” não contém uma diminuição do ser - verdadeiro das “verdades”.As leis de Newton, antes dele, não eram nem verdadeiras nem falsas. Isso não pode significar que o vente que elas,descobrindo, demonstram não existisse antes delas. As leis se tornam verdadeiras com Newton. Como elas, o ente em si mesmo se tornou acessível à pre-sença. Com a descoberta dos entes, estes se mostram justamente como s entes que antes delas já eram. Descobrir assim é o modo de ser da “verdade”. As leis de Newton antes dele, não eram em verdadeiras nem falsas. Isso não pode significar que o ente que elas, descobrindo, demonstram não existisse antes delas. As leis se tornam verdadeiras com Newton. Com elas, o ente em si mesmo se tornou acessível à pre-sença. Com a descoberta dos entes, estes se mostram justamente como os entes que antes delas já eram. Descobrir assim é o modo de ser da “verdade”.O fato de se darem “verdades absolutas” só pode ser comprovado de modo suficiente caso se logre de-monstrar que, em toda a eternidade, a pre-sença foi e será. Enquanto não houver essa prova, a sentença será apenas uma afirmação fantástica que não recebe nenhuma legitimidade apenas porque os filósofos geralmente nela “acreditam”.Toda verdade é relativa ao ser da presença na medida em que seu modo de ser possui essencialmente a caráter de pre-sença.Será que essa relatividade significa que toda verdade é “subjetiva”? caso se interprete “subjetivo” como o que “está no arbítrio do sujeito”, certamente não. Pois, em seu sentido mais próprio, o descobrimento, o descobrimento retiram a proposição do arbítrio “subjetivo” e leva a pre-sença descobridora para o próprio ente.  E apenas porque “verdade” como descobrimento é um modo de ser da pre-sença é que ela se acha subtraída ao arbítrio da pre-sença. Também a “validade universal” da verdade enraíza-se simplesmente no fato de que a pre-sença pode descobrir e libertar o ente em si mesmo.somente assim é que esse ente pode em si mesmo se ligar a cada reposição possível, ou seja, à sua própria demonstração. Será que a verdade, compreendida de modo adequado, se vê lesada pelo fato de, onticamente, só ser possível no “sujeito”, e de depender do ser do sujeito? O sentido da pressuposição de verdade também se torna compreensível a partir do modo de ser da verdade, concebido existencialmente. Por que devemos pressupor que a verdade se dá/O que significa ‘ pressupor”? E o que quer dizer “devemos” e “nós”? Qual o sentido de “verdade se dá”? “Nós” pressupomos verdade porque “nós”, sendo no modo de ser da pre-sença, somos e estamos “na verdade”. Nós não a pressupomos como algo “fora” ou “sobre nós, frente à qual nos comportamos junto com outros “valores”. Não somos nós que pressupomos a “verdade”, mas é ela que torna ontologicamente possível que nós sejamos de modo a “pressupor” alguma coisa. A verdade possibilita pressuposições. O que diz “pressupor”? Compreender alguma coisa como a base e o fundamento don ser de um outro ente. Essa compreensão dos entes em seus nexos ontológicos só é possível com base na abertura, u seja, no ser-decobridor da pre-sença. Pressupor “verdade” significa, pois, compreendê-la como alguma coisa em função da qual a pre-sença é. Pre-sença, no entanto – é isso desde na constituição ontológica de cura – já sempre precedeu a si mesma. Ela é um ente que, em seu ser, está em jogo o poder-ser mais próprio. A abertura e o descobrimento pertencem, de modo essencial, ao ser e ao poder-ser da pre-sença como ser-no-mundo. .Na pre-sença esta em jogo o seu poder-ser-no-mundo e, com isso, a ocupação que descobre na circunvisão o ente intramundano. Na constituição ontológica da pre-sença como cura, no preceder a si mesma, reside o “pressupor” mais originário. Porque esse pressupor a si mesmo pertence ao ser da pre-sença, “nós” devemos pressupor também a “nos” como algo que se determina pela abertura. Esse “pressupor” radicado no ser da pre-sença não se comporta com os entes não dotados do caráter de pre-sença, mas unicamente consigo mesmo. A verdade pressuposta, o “se dá”, pelo qual se deve determinar o seu ser, possui o modo e o sentido de ser da própria pre-sença. Devemos “fazer” a pressuposição de verdade porque ela já se “fez” com o ser dos “nós”. Devemos pressupor a verdade, ela deve ser enquanto da pre-sença assim como em si mesma esta deve ser esta e sempre minha. Isso pertence ao estar-lanaçdo no mundo, essencial à pre-sença. Será que a pre-sença já sempre se decidiu livremente enquanto si mesma e sempre poderá decidir se quer ou não vir à “pre-sença”? “Em si” não se pode perceber por que o ente deve ser descoberto, por que deve haver verdade e pre-sença. A objeção corriqueira do ceticismo, a negação do ser ou da possibilidade de se conhecer a “verdade” estão a meio da possibilidade de se conhecer a “verdade” estão a meio caminho. Na argumentação formal, ela mostra pura e simplesmente que, ao se julgar, pessupõe-se a verdade. É a indicação de que a “verdade” pertence à proposição, a indicação de que, em seu modo de ser, a proposição é um descobrimento. Com isso se deixa sem esclarecimento por que isso deve ser assim e é onde está o fundamento ontológico desse nexo ontológico necessário entre proposição e verdade. Do mesmo modo, permanecem inteiramente obscuros o modo de ser da verdade, o sentido de pressupor e de fundamento ontológico na pre-sença. Ademais, desconsidera-se o fato de que, mesmo quando ninguém emite um juízo, já se pressupõe a verdade na medida em que a pre-sença é. Da mesma forma que não se pode refutar um cético, não se pode “provar” o ser da verdade. O cético, quando o é de fato, no modo da negação da verdade, não precisa ser refutado. Na medida em que é e se compreendeu nesse ser, ele dissolve a pre-sença e, com isso, a verdade, no desprezo do suicídio. A verdade não se deixa provar em sua necessidade porque a pre-sença não pode ser colocada para si mesma à prova. Do mesmo modo que não se comprova que ‘verdades eternas” se dão, não se comprova que “se dê” um cético “real” – no que acreditam fundamentalmente todas as refutações do citicismo, apesar do seu propósito. Talvez isso seja mais freqüente do que poderia aceitar a ingenuidade das tentativas dialético-fromais de surpreendê-lo. Assim, na questão sobre o ser da verdade e sobre a necessidade de sua pressuposição, bem como na questão sobre a essência do conhecimento, supõe-se um “sujeito ideal”. O motivo implícito ou explícito dessa suposição reside na exigência justa, que, no entanto, também precisa ser fundamentada ontologicamente, de que a filosofia tem como tema o “a priori” e não os “fatos empíricos” como tais. Mas será que a suposição de um “sujeito ideal” satisfaz a essa exigência?Ele não seria um sujeito fantasticamente idealizado? No conceito de um tal sujeito não estaria faltando justamente o a priori do sujeito “de fato”, isto é, da pre-sença. Não pertence ao a priori do sujeito de fato, ou seja, a facticidade da pre-sença, a determinação de que ela é está, de modo igualmente originário, na verdade e na não verdade? As idéias de um” eu puro” e de uma “consciência em geral” são tão pouco capazes de sustentar o a priori da subjetividade “real” que elas passam por cima, ou seja, não vêem de forma alguma os caracteres ontológicos da facticidade e da constituição ontológica da pre-sença. A recusa de uma “consciência em geral” não significa a negação do a priori assim como a suposição de um sujeito idealizado não garante a prioridade da pre-sença funda no real.Afirmar “verdades eternas” e confundir a “idealidade” da pre-sença, fundada nos fenômenos, com um sujeito absoluto e idealizado pertencem aos restos da teologia cristã no seio da problemática filosófica que de há muito não foram radicalmente expurgados.O ser da verdade encontra-se num nexo originário ciom a pre-sença. E somente porque a pre-sença é, enquanto o que se constitui pela abertura ou seja, pela compreensão, é que se pode compreender o ser e que uma compreensão ontológica é possível;O ser- e não o ente- só “se dá” porque a verdade é. Ela só é na medida e enquanto a pre-sença é. Ser e verdade “são”, de modo igualmente originário. S ó se pode questionar concretamente o que significa dizer o ser “é” e de onde ele deve de distinguir de todos os entes, caso se esclareça o sentido de ser e a envergadura da compreensão ontológica. Só então pode-se discutir originariamente o que pertence ao conceito de uma ciência do ser como tal, de suas possibilidades e derivações. E na delimitação dessa investigação e de sua verdade é que se pode determinar ontologicamente a investigação como descoberta dos entes e de sua verdade.A resposta à questão do sentido do ser ainda precisa ser conquistada. Mas o que a análise fundamental da pre-sença, desenvolvida até aqui, preparou para a elaboração dessa questão? Mediante a liberação de fenômeno da cura, esclarece-se a constituição ontológica dos entes a cujo ser pertence uma compreensão ontológica. Ser da pre-sença foi, com isso, delimitado frente aos modos de ser (manualidade, ser simplesmente dado, realidade) que caracterizam os entes não dotados do caráter de pre-sença. Elucidou-se a própria compreensão, garantido-se, pois, a transparência metodológica do procedimento de compreensão e interpretação do ser. Se, com a cura, obteve-se a constituição ontológica originária da pre-sença, então, sobre essa base, também se pode produzir o conceito da compreensão ontológica subsistente na cura, ou sejas, deve-se poder circunscrever o sentido do ser. Mas será que com o fenômeno da cura se abriu a constituição ontologico-existencial mais originária da pre-sença? Será que a multiplicidade estrutural, que se encontra no fenômeno da cura, oferece a totalidade mais originária do ser de fato da pre-sença? Será que a investigação feita até aqui já permitiu ver o todo da pre-sença?



[1] Pascal, Pensées et Opuscules ( ed. Runschivicg), paris 1912, p. 169:  on ne peut enteprendre de definer l’être sans tomber dans cette absurdite:  car on ne peut definer un mot sans commencer par celui-ci, c’est, soit qu’on  l’ expire ou qu’on le sous-entende. Donc pour definer l’être, il faudrait dire c’est, et ainsi employer le mot défini dans la definition”. (Não se pode tentar definir o ser sem cair no seguinte absurdo: pois não se pode definir uma palavra sem começar por – é -, quer se a exprima, quer se a subtenda. Portanto, para definir o ser seria preciso dizer é, e assim empregar a palavra definida na definição).

 

[2] Cf. Jakob grimm, kleinere Schriften, vol. VII, p. 247.

[3] Metafísica A 1,980 a 21.

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