quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Historia filosofia Antiga-Aula inicial

 





Paolo Cugini




A. Problemas de método: como se estuda a filosofia antiga?


Para se dedicar ao estudo de qualquer assunto precisa conhecer o motivo daquilo que se entende fazer, ou seja, precisa ter uma resposta para esta simples pergunta: porque estudar filosofa antiga e, sobretudo como se estuda um texto de filosofia antiga? Por isso acho necessário antes de começar a folhar os textos dos filósofos gregos, tentar um esboço sobre este questionamento. Antes de tudo é preciso esclarecer que pouquíssimos textos dos filósofos gregos antigos chegaram até nós. Em muitos casos temos alguns fragmentos que nem sempre conseguem esclarecer o pensamento do autor em questão. Se conhecermos o pensamento de um filosofo da antiguidade é por causa dos assim chamados testemunhos externo, ou seja, de autores que desde os primeiros séculos do nascimento da filosofia transmitiram o pensamento. O problema que se apresenta para nós hoje é de tipo hermenêutica, ou seja, tentar com a comparação destes testemunhas indiretas, a forma mais objetiva do pensador que queremos estudar. 

Além do mais, para abordar os fragmentos dos primeiros filósofos necessita uma pratica com um jeito de pensar novo, diverso, nunca encontrado antes. Como veremos melhor ao longo do curso, a filosofia foi uma maneira nova de abordar a realidade, uma maneira inventando literalmente pelo gênio grego. 


B. Motivações do curso


1. Porque estudar filosofia antiga?


O primeiro questionamento necessário é isso: porque estudar filosofia antiga no mundo pós-moderno? Não seria melhor aprofundar o pensamento contemporâneo? Pra que perder tempo com algo de velho, passado, extremamente passado sendo que ás teorias que iremos analisar remontam aos VI° século a.C.? 

Dizia o grande filosofo romeno Mircea Eliade, que dedicou toda a sua vida a estudar os mitos das religiões ancestrais que quem conhece o passado, quem sabe a historia das origens das coisas domina o presente, não num sentido político ou econômico, quanto num sentido existencial . Um curso de filosofia antiga é um pouco como o trabalho de um arqueólogo em busca dos vestígios do passado para entender como os antepassados viviam e se as nossas noções sobre os antigos são certas ou erradas. Toda vez que nas cidades européias, por exemplo, que têm uma historia milenária, se realiza uma escavação para consertar um edifício antigo como uma igreja ou um prédio do município, encontra-se sempre algo que revela como viviam os ancestrais. Um curso de filosofia antiga é como a escavação de um arqueólogo em busca dos repertos do passado que ajudam a entender melhor o presente e, assim, entender melhor a realidade. Conhecer a realidade é importante para evitar de forçá-la, de inventá-la, de recriá-la: a realidade já existe e se por acaso não a entendemos é porque não a conhecemos. Além do mais a cultura contemporânea leva no seu interno as estruturas culturais que se formaram ao longo dos séculos. Os autores da escola das “Annales”  não cessam de nos lembrar que as mentalidades, as culturas dos povos são encharcadas de estruturas que se formaram muitos séculos antes. Mais uma vez: que quiser viver tentando de saber aonde está pisando, necessita folhar as paginas dos primeiros filósofos gregos, que inventaram a filosofia, ou seja, uma nova maneira de abordar a realidade.   



2. Porque estudar filosofia antiga no Brasil?


O segundo questionamento sobre este curso é talvez ainda mais profundo. Se, de fato, e verdade que a historia da filosofia antiga é a historia daquele pensamento que nasceu na Grécia e que está na base do pensamento Ocidental, então porque estudar no Brasil algo que não tem nada a ver com a nossa historia, a nossa cultura? Na realidade, aquela realidade escondida e que determina as coisas, a filosofia grega tem muito a ver com o Brasil e a cultura brasileira. Quem “descobriu” o Brasil foi Cabral e Cabral era um europeu, um português. O discurso dominante na sociedade colonial, razão e fé eram dois conceitos que se apresentavam intimamente entrelaçados um com o outro.  Aliás, essa era uma característica que desde o século XIII se havia afirmado na sociedade medieval, mediante a conjunção da filosofia aristotélica com a teologia tomista. Dessa forma para o conquistadores e colonizadores a união entre razão e fé era tida como algo de natural. Um individuo sem fé seria considerado menos homem. A mesma coisa valeria por aqueles que quisessem prescindir das luzes da razão. 


O discurso colonialista assumiu uma forma monolítica, não abrindo espaço para que houvesse um dialogo fecundo, em que fossem respeitadas as respectivas autonomias, ainda que relativas, da dimensão religiosa e da dimensão racional. Por outro lado, evidentemente, esse discurso unificado transformou-se num instrumento de dominação extremamente eficaz” .


Nessa altura podemos salientar que os colonizadores utilizaram bastante a filosofia platônica e aristotélica para justificar a própria supremacia sobre os povos indígenas. O massacre acontecido na entrada dos lusitanos na terra do Brasil foi ao longo de décadas justificado por razões filosóficas e teológicas. Outro dado importante que é preciso fresar em sede de introdução é que o pensamento platônico e aristotélico chega ao Portugal principalmente por meio da mediação cristã estabelecida na idade media por Agostinho e Tomás de Aquino.

Além disso, é preciso salientar que a cosmovisão, ou seja, a visão que do mundo tinham os povos indígenas não era a mesma dos colonizadores. De fato, enquanto os indígenas viam o mundo a partir de sua inserção nele, os conquistadores e evangelizadores o contemplavam a partir de um distanciamento, típico da perspectiva européia. Enquanto a filosofia platônica a cosmologia é estabelecida dentro de uma lógica em que razão e mito se complementam sem antagonismo, na filosofia aristotélica não deixa de assinalar a superioridade do espírito sobre a matéria. Da alma sobre o corpo. A ordem e a harmonia constituem os elementos básicos da percepção aristotélica do mundo natural. Na perspectiva de Aristóteles o mundo só pode ser compreendido plenamente mediante o conceito de ordem hierarquizada, em que os elementos inferiores obedecem aos superiores e a eles estão subordinados. 


Enquanto na concepção indígena de raiz agrária o cosmo é sentido como dotado de vida, do qual o próprio homem participa, na concepção européia o universo passa a ser visto como pura materialidade. Como resultado da mentalidade urbana e comercial da época, opera-se uma verdadeira “cosificação” da natureza. Esta é vista primordialmente com objeto de conquista e de posse e, ao mesmo tempo, como “material” a ser utilizado para as realizações humanas” .



3. Porque estudar filosofia antiga dentro de um curso de teologia?


O que tem a ver a teologia com a filosofia? È esta uma pergunta que merece uma resposta aprofundada.


A. O pensamento teológico que se desenvolveu no mundo cristão Ocidental foi dominado por mais de oito séculos pelo pensamento de Agostinho. Na realidade o pensamento de Agostinho nunca morreu e ainda hoje tem muitos teólogos que fazem referência ao pensamento dele para basear as próprias teses. Varias teorias teológicas de Agostinho, sobretudo aquela de cunho mais antropológico, se basearam sobre a filosofia platônica que Agostinho tinha estudado na juventude, assim como ele relata no livro “As Confissões”. A mesma influencia filosófica pode ser salientada para a teologia de SantoTomás de Aquino que dominou o pensamento teológico desde a modernidade até os nossos dias. Enquanto a teologia de Agostinho era moldada no platonismo, a teologia de Santo Tomás tinha como referência a filosofia aristotélica. 


B. Um outro motivo que deveria incentivar o estudo da filosofia antiga numa faculdade de teologia é o fato que, a elaboração teológica acontecida nos primeiros séculos do cristianismo, época da grande elaboração teológica que levou a formulação do Creio, deve muito á pesquisa filosófica dos filósofos gregos. De fato, quando os padres da Igreja – a maioria deles tinha uma excelente preparação filosófica – puseram mão a elaboração dos dados básicos do cristianismo, que naquela época estavam sendo questionados por vários movimentos heréticos, fizeram referência a elaboração filosófica. O caso mais famoso foi sobre a definição da natureza de Jesus: como é que se podia justificar que Jesus é ao mesmo tempo Deus e homem? De um lado foi utilizado o termo grego homousios, para designar que o Pai e o Filho eram da mesma substância (ousia); do outro foi necessário trazer por dentro do pensamento teológico um outro conceito filosófico – pessoa, hypóstasis – para apontar a duplicidade de naturezas na mesma pessoa (uma pessoa, duas naturezas). Mesma elaboração teológica encharcada de pensamento filosófico foi a elaboração do dogma da Santíssima Trindade. 



C- O que prepara o nascimento da filosofia? 

(Giovanni Reale, História da filosofia antiga, Vol I.)

Síntese Paolo Cugini

1] poemas homéricos:

a) não caem na descrição do monstruoso e de disforme; a imaginação homérica se estrutura segundo o sentido da humana proporção, que é uma constante da filosofia grega.


b) Arte da motivação – o poeta não narra só uma cadeia de fatos, mas busca as suas razoes, embora em nível fantástico e poético.


c) a épica homérica prefigura a filosofia dos gregos no fato que a realidade é apresentada na sua totalidade: o pensamento filosófico a apresenta de forma racional, enquanto a épica a apresenta de forma mítica.


d) Os poemas homéricos foram decisivos para a fixação de determinada concepção dos deuses.



2. Os deuses da religião pública e sua ligação  com a filosofia 


Religião: a. pública: os deuses do Olimpo.

                b. Dos místicos: orfismo.


- Para o homem grego tudo é divino: tudo o que acontece é obra dos deuses.


- Os deuses são forças naturais diluídas em formas humanas: idealizadas são quantitativamente superiores a nós, mas não qualitativamente – religião naturalista –; aqui a santidade não pode encontrar lugar, pois os deuses não querem elevar o homem acima de si mesma.


O homem mais divino é aquele que desenvolve em modo mais vigoroso as suas forças humanas.


- Os gregos não possuíam livros sagrados – não tinham uma dogmática; não tinha uma casta sacerdotal.

Tudo isso deixou a mais ampla liberdade à especulação filosófica.



3. A religião dos mistérios

Para muitos não bastava a religião oficial.

O movimento orfico é posterior aos poemas homéricos

4 preposições – ler o texto p.24


- Com o orfismo nasce a primeira concepção dualista de alma e corpo. O corpo é visto como cárcere da alma. 


4. Condições políticas, sociais e comerciais

Polis: o estado se manteve como horizonte do homem grego: os fins do estado foram percebidos com os próprios fins dos homens.


 2 elementos importantes:  a) nascimento de ordenamentos republicanos: o nascimento da Polis.

                                            b) a dispersão dos gregos para o oriente e para o ocidente – colônias.

a) a cultura é fruto e condição da liberdade.

Segundo G. Reale nunca mais na história da humanidade haverá condições de vida tais como aconteceu na época da polis grega. Era na polis que todas as pessoas eram envolvida nas decisões políticas: o interesse era o desenvolvimento das capacidades dos cidadãos. 

Zeller: nos esforços e nas lutas das revoluções políticas todas as forças deviam ser despertadas e exercitadas.

b) a filosofia nasceu antes nas colônias que não na pátria.




D. Características fundamentais do conceito grego de filosofia 


1) O objeto da filosofia antiga como o “todo” do ser

- Característica da filosofia grega é a pretensão de encontrar um principio unificador da totalidade das coisas. 


Totalidade: o problema não é a quantidade, mas a qualidade. O filosofo visa conhecer o universal no qual entram todas as coisas em particular, o universal que dá sentido aos particulares, unificando-os. A pergunta clássica do filosofo grego é a seguinte: porque existem multíplices coisas: Como é que do Uno derivam os muitos? Esta pergunta pode parecer estranha, mas é a expressão típica do pensamento grego pelo qual explicar significa unificar. O esforço do filosofo grego é um continuo processo de unificação. 


2) A filosofia como necessidade primeira do espírito humano


Aristóteles: todos os homens desejam saber.

O desejo de conhecer inscreve-se no próprio ser do homem.


Visão - nos faz conhecer – experiências – nos faz conhecer apenas o quê das coisas.

Ciência – o porque das coisas.


3.  filosofia como  contemplação do Ser


Theorein: conhecimento como atitude contemplativa do verdadeiro: diferentes técnicas.


Contemplação desinteressada


4. As vivencias prático-teóricas da filosofia

Theorein – não é um pensar absoluto, mas um pensar que invade profundamente sobre a vida ético-política.


- A contemplação grega implica estruturalmente uma precisa atitude prática diante da vida.


Carmélia do Vogel: a reflexão filosófica grega implica uma precisa atitude moral e um estilo de vida que eram consideradas essenciais.


A filosofia não foi um fato puramente intelectual, mas incidiu bastante na vida moral e política dos povos. 


5 A filosofia e a “eudeimonia” (felicidade).

Ter um bom demônio protetor.


Sócrates – é o Theorein, como atividade cognoscitiva e moral, que dá o tempero da alma e a faz se tornar virtuosa, boa. É evidente que, se o demônio é a nossa alma (ou está na nossa alma) a bondade ou virtude da alma coincide estruturalmente com a eu-deimonia.

Conseqüência: na formação da alma e do espírito do homem, na filosofia, que forma a alma mais o que qualquer outro conhecimento, está situada a felicidade. 


6. A radical confiança do filosofo grego na possibilidade de alcançar a verdade e viver na verdade.

 A filosofia considera a verdade alcançável.

Platão: o que é plenamente Ser é plenamente cognoscível o que é visto de Ser e não Ser só é parcialmente cognoscível, ou seja, apalpavel; do não ser só há ignorância.


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