A ÉTICA
1. O BEM SUPREMO DO HOMEM: A FELICIDADE
Reale Giovanni. História da filosofia antiga. São Paulo: Paulus, 2003, pp. 217-224.
Síntese: Paolo Cugini
Nas suas varias ações, o homem tende sempre a preciosos fins, que se configuram como bens. Devemos pensar que todos os fins e os bens aos quais tende o homem estão em função de um fim último e de um bem supremo.
Qual é esse bem supremo? Aristóteles não tem duvidas: todos os homens, sem distinção, consideram que tal bem é eudaimonia, ou seja, a felicidade.
Portanto, a felicidade é o fim ao qual conscientemente tendem todos os homens. Mas que é a felicidade?
A multidão dos homens considera que a felicidade consiste no prazer no e gozo. Mas uma vida dedicada aos prazeres torna “semelhantes aos escravos” e é uma “existência digna dos animais”.
As pessoas mais evoluídas e mais cultas põem o bem supremo e a felicidade na honra.
Mas o bem supremo do homem não pode ser nem mesmo o que Platão e os platônicos indicaram como tal, vale dizer, a Idéia do Bem, ou seja, o transcendente Bem-em-si:
Não se trata de um Bem transcendente, mas de um Bem imanente, não de um bem definitivamente realizado, mas de um bem realizável e atuável pelo homem e para o homem.
Mas é o bem supremo realizável pelo homem?
O bem do homem só poderá consistir na obra que é peculiar, isto é, na obra que ele e só ele pode realizar, assim como, em geral, o bem de cada coisa na obra que é peculiar a cada coisa. A obra peculiar do homem seja a razão e a atividade da alma segundo a razão. O verdadeiro bem do homem consiste nessa obra ou atividade de razão, e, assim precisamente, no perfeito desenvolvimento e atuação dessa atividade. Esta é, pois, a “virtude” do homem e aqui deve ser buscada a felicidade.
Os autênticos valores, não poderão ser nem os exteriores (como a riqueza), que tocam apenas tangencialmente o homem, nem os corporais (como os prazeres), que não dizem respeito ao eu verdadeiro do homem, mas só os da alma, já que na alma consiste o verdadeiro homem.
Em conclusão, pode-se dizer que os verdadeiros bens do homem são os bens espirituais, que consistem na virtude de sua alma, e é neles que está a felicidade. A socrática “cura da alma” permanece, pois, também para Aristóteles, a única via que conduz à felicidade. Todavia, à diferença de Sócrates e, sobretudo de Platão, Aristóteles considera indispensável ser suficientemente dotado também de bens exteriores e de meios de fortuna. De fato, se estes, com a sua presença, não podem dar a felicidade, todavia podem arruiná-la ou comprometê-la com a sua ausência.
2. DEDUÇAO DAS “VIRTUDES” A PARTIR DAS “PARTES DA ALMA”
A felicidade consiste numa atividade da alma segundo a virtude.
É claro que qualquer ulterior aprofundamento no conceito de “virtude” depende de um aprofundamento no conceito de alma. Ora vimos que a alma se divide, segundo Aristóteles, em três partes, duas irracionais, isto é, a alma vegetativa e a alma sensitiva, e uma racional, a alma intelectiva. E dado que cada uma dessas partes tem a sua atividade peculiar, cada uma peculiar virtude ou excelência. Todavia, a virtude humana só é aquela na qual entra a atividade da razão. De fato, a alma vegetativa é comum a todos os viventes:
Diferente é a questão no que concerne à alma sensitiva e concupiscível, a qual, embora sendo por si irracional, participa de certo modo da razão:
Fica claro que existe uma virtude dessa parte da alma especificamente humana, que consiste em dominar, por assim dizer, essas tendências e impulsos que são por si desmedidos, e a esta o estagirita chama de “virtude ética”.
Enfim, dado que existe em nós uma alma puramente racional, então deverá haver também uma virtude peculiar dessa parte da alma, e esta será a “virtude dianoética”, ou seja, a virtude racional.
3. AS VIRTUDES ÉTICAS
As virtudes éticas derivam em nós do hábito: pela natureza, somos potencialmente capazes de formá-los e, mediante o exercício, traduzimos essa potencialidade em atualidade. Realizando atos justos, tornamo-nos justos, adquirimos a virtude da justiça, que depois, permanece em nós de maneira estável como um hábitus, o qual, em seguida, nos fará realizar mais facilmente ulteriores atos de justiça. Realizando atos de coragem, tornamo-nos corajosos, isto é adquirimos o hábitus da coragem, em seguida nos levará a realizar facilmente atos corajosos. E assim por diante. Em suma, para Aristóteles, as virtudes éticas são aprendidas á semelhança do aprendizado das diferentes artes, que também são hábitus.
Qual é a natureza comum a todas as virtudes éticas?
Nunca há virtude quando há excesso ou falta, ou seja, quando há demais ou de menos; virtude implica, ao invés, a justa proporção, que é a via de meio entre dois excessos.
A virtude ética é, precisamente, mediania entre dois vícios, dos quais um por falta, o outro por excesso. É óbvio que a mediania não só não é mediocridade, mas a sua antítese: o “justo meio”, de fato, está nitidamente acima dos extremos, representando, por assim dizer, a sua superação e, portanto, como bem diz Aristóteles, um “cume”, isto é, o ponto mais elevado do ponto de vista do valor, enquanto assinala a afirmação da razão sobre o irracional.
Na Ética Eudêmica, Aristóteles fornece o seguinte elenco de virtudes e vícios:
I. A mansidão é a via média entre a iracúndia e a impassibilidade;
II. A coragem é a via média entre a temeridade e a covardia;
III. A verecúndia é a via média entre a impudência e a timidez;
IV. A temperança é a via média entre a intemperança e a insensibilidade;
V. A indignação é a via entre média entre a inveja e o excesso oposto que não tem nome;
VI. A justiça é a via média entre o ganho e a perda;
VII. A liberdade é a via média entre a prodigalidade e a avareza.
VIII. A veracidade é a via entre a pretensão e o auto desprezo;
IX. A amabilidade é a via média entre a hostilidade e a adulação;
X. A seriedade é a via média entre a complacência e a soberba;
XI. A magnanimidade é a via média entre a vaidade e a estreiteza da alma;
XII. A magnificência é a via média entre a suntuosidade e a mesquinharia.
Em todas essas manifestações a virtude ética é a justa medida que a razão impõe a sentimentos, ações ou atitudes que, sem controle da razão, tenderiam para um ou outro excesso.
4. AS VIRTUDES “DIANÓETICAS”
Acima das virtudes éticas, segundo Aristóteles, estão as virtudes da parte mais elevada da alma, isto é, da alma racional, chamadas virtudes diaoéticas ou virtude da razão. É dados que duas são partes ou funções da alma racional, uma que conhece as coisas contingentes e variáveis, a outra que conhece as coisas necessária e imutáveis, então existirão, logicamente, uma perfeição ou virtude da primeira função, e uma perfeição ou virtude da segunda função da alma racional. Essas duas partes da alma racional são, em substância, a razão pratica e a razão teorética, e as respectivas virtudes serão as formas perfeitas com as quais se colhem a verdade prática e a verdade teorética. A típica virtude da razão prática é a “sabedoria” phrónesis, enquanto a típica virtude da razão teorética é a “sapiência” (Sophia).
A sabedoria consiste em saber dirigir corretamente a vida do homem isto é, em saber deliberar sobre o que é bem ou mal para o homem. (esta, diz Aristóteles, é “uma disposição prática. Acompanhada da razão veraz, em torno do que é bem e mal para o homem”). Deve-se notar, para uma exata compreensão da doutrina aristotélica, que a phoronesis ou sabedoria ajuda a deliberar corretamente sobre os verdadeiros fins do homem, no sentido de indicar os meios idôneos para alcançar os verdadeiros fins. Ela ajuda, portanto, a individuar e alcançar as coisas que conduz àqueles fins; porém, ela não indica nem determina os fins. Os verdadeiros fins são captados pela virtude ética que retifica o querer de modo correto.
É claro, portanto, que as virtudes éticas e a virtude dianóetica da sabedoria são duplamente ligadas entre si.
A outra virtude dianoética, a mais elevada, como se disse, é a aspiência (Sophia). Esta é constituída, seja pela captação intuitiva dos princípios através do intelecto, seja pelo conhecimento discursivo das conseqüências que derivam daqueles princípios. A sapiência é uma virtude mais elevada que a sabedoria, porque, enquanto aquela diz respeito ao homem e, portanto, ao que há de mutável no homem, a sapiência diz respeito ao que está acima do homem: o homem é o melhor dos seres vivos, todavia, diz Aristóteles: a sapiência coincide com as ciências teoréticas e, antes, de modo especial, com a mais elevada delas, vale dizer, a metafísica.
5. A PERFEITA FELICIDADE
Dado que, como vimos no início, a felicidade é uma atividade conforme a virtude, é claro agora em que ela consistirá. Em primeiro lugar, na atividade do intelecto conforme à sua virtude. Na atividade da contemplação intelectiva, o homem alcança o vértice das suas possibilidades e atualiza o que há de mais elevado nele.
Em segundo lugar, vem a vida segundo as virtudes éticas. Elas dizem respeito à estrutura composta do homem e só podem dar uma felicidade humana.
Ao contrário. A felicidade da vida contemplativa leva, de algum modo, para além do humano, realiza por assim dizer, uma tangência com a divindade, cuja vida só pode ser contemplativa.
Esta é a mais perfeita formulação do ideal que os antigos filósofos da natureza buscaram realizar na sua vida, que Sócrates já começara a explicitar do ponto de vista conceitual, e que Platão teorizara. Mas em Aristóteles há, ademais, a tematização da tangência da vida contemplativa com a vida de Deus, que faltava em Platão, a quem faltava, como vimos, o conceito de Deus como Mente absoluta e Pensamento de pensamento. Assim, o preceito platônica de que o homem deve, quanto possível, “assimilar-se a Deus significa contemplar o verdadeiro tal como Deus o contempla, ou, como explicita a Ética Eudêmica, contemplar o próprio Deus, que é suprema racionalidade.
6. A AMIZADE E A FELICIDADE
A amizade é para Aristóteles, estruturalmente ligada à virtude e à felicidade, portanto, aos problemas centrais da ética.
Três são as coisas que o homem ama e pelas quais estabelecem amizades: o útil, o aprazível e o bom. À medida que o homem busque no outro o útil, o aprazível ou o bom, nascem diferentes tipos de amizade.
As duas primeiras formas de amizade são as menos válidas; são, sob certo aspecto, formas extrínsecas e ilusórias de amizade, porque para falar em termos modernos, com ela o homem ama o outro, não por aquilo que ele é, mas pelo que tem; o amigo, em larga medida, é instrumentalizado às vantagens (riqueza, prazer) que oferece. Sá a terceira forma de amizade é autêntica, porque só com ela o homem ama o outro por aquilo que ele é, ou seja, pela sua bondade intrínseca de homem.
Assim sendo, é clara a razão pela qual Aristóteles liga a amizade á virtude: a verdadeira forma de amizade é o laço que o homem virtuoso estabelece com o homem virtuoso por causa da própria virtude. E a virtude é, como vimos, aquilo em que e através do que o homem atua plenamente a sua natureza e o seu valor de homem, de modo que a verdadeira forma de amizade é, justamente, o laço que une os homens segundo o próprio valor do homem.
7. O PRAZER E A FELICIDADE
Para Aristóteles, o prazer não é uma mudança (um preenchimento, uma plenificação, uma integração ou reintegração) nem, em geral, um movimento, mas uma atividade em todo tempo perfeita.
Fica claro qual é a novidade do pensamento aristotélica. Quando agimos ou conhecemos, seja de modo sensível, seja intelectualmente, traduzimos em ato, ou seja, realizamos determinadas potencialidades, e essas atividades alcançam (atuam) o seu escopo relativamente ao objeto que lhes é próprio. Justamente porque as nossas atividades são essa realização objetiva de potencialidades, constituem algo objetivamente positivo, e o prazer as acompanha como ressonância subjetiva da positividade objetiva. A própria vida, que é, justamente, uma atividade e a realização de algo positivo, é acompanhada, como tal, de um prazer.
Para Aristóteles, a aspiração ao prazer é totalmente natural, porque naturalmente acompanha o viver e toda atividade própria do viver à guisa de “perfeição” daqueles atividades, no sentido que foi precisado acima.
Toda a atividade tem o seu prazer, assim todo prazer, no seu gênero, é verdadeiro prazer. Todavia, como existem atividades convenientes e boas, e atividades inconvenientes e más, assim também existem prazeres convenientes e bons, e prazeres inconvenientes e maus. Para qualificar o prazer, ou seja, para estabelecer um critério discriminante e, portanto, uma hierarquia dos mesmos, Aristóteles remete-se, mais uma vez, á virtude e ao homem virtuoso.
Mas ao homem bom os prazeres aparecem bons ou maus por razoes de fundo bem precisas. De fato, existe um critério ontológico para discriminar os prazeres superiores dos inferiores: os primeiros são os ligados às atividades teorético-contemplativas do homem, os segundos são, ao invés, os ligados a vidavegetativo-sensível do homem. E, em todo caso, dado que a felicidade está ligada, como vimos, á atividade teorético-ontemplativa, serão considerados verdadeiramente preciosos somente os prazeres ligados a essa atividade.
8. PSICOLOGIA DO ATO MORAL
Aristóteles tenta superar essa interpretação intelectualista do fato moral. Como bom realista que era, deu-se perfeitamente conta de que uma coisa é conhecer o bem, outra coisa é atuá-lo, realizá-lo, e fazer dele, por assim dizer, substancia das próprias ações, e tentou determinar mais profundamente quais eram os complexos processos psíquicos pressuposto pelo ato moral.
Em primeiro lugar, ele esclarece o que se entende por “ações voluntarias” e “ações involuntárias”. Involuntárias são as ações que se cumprem forçosamente, ou por ignorância das circunstâncias; voluntarias, são as ações “cujo principio reside no agente, se ele conhece as circunstâncias particulares nas quais se desenvolve a ação”.
A POLÍTICA
1. CONCEITO DE ESTADO
Segundo o estagirita, porquanto o bem do individuo e o bem do Estado sejam da mesma natureza pelo fato de consistirem, em ambos os casos, na virtude o bem do estado é mais importante, mais belo, mais perfeito e mais divino. A razão disso deve ser buscada na própria natureza do homem, a qual demonstra com clareza que ele é absolutamente incapaz de viver isolado e, para ser si mesmo, tem necessidade de estabelecer relações com os seus semelhantes em todo momento da sua existência.
Em primeiro lugar, a natureza distinguiu os homens em macho e fêmea, que se unem para formar a primeira comunidade, vale dizer, a família, em vista da procriação e da satisfação das necessidades elementares.
Dado que as famílias não bastam cada uma a si mesmas, surge a vila, que é uma comunidade mais ampla, com a finalidade de garantir de modo sistemático a satisfação das necessidades vitais.
Mas se a família e a vila são suficientes para satisfazer as necessidades da vida em geral, ainda não bastam para garantir as condições da vida perfeita, isto é, da vida moral. Esta forma de vida, que podemos apropriadamente chamar de espiritual, só pode ser garantida pelas leis, pelas magistraturas e, em geral, pela complexa organização de um Estado. É no estado que o indivíduo, por efeito das leis e das instituições políticas, é levado a sair do seu egoísmo, e a viver conforme o que é subjetivamente bom, assim como conforme o que é verdadeira e objetivamente bom.
2 A ADMINISTRAÇÃO DA FAMILIA
A família, núcleo originário do qual se compõe a cidade, é constituída por quatro elementos: a) as relações marido-mulher, b) as relações pais-filhos, c) a relação senhor - escravos, d) a arte de obter as coisas úteis, em particular as riquezas (assim chamada crematística). Aristóteles detém-se especialmente sobre o terceiro e o quarto elementos.
O artesão é “como um instrumento que precede e condiciona os outros instrumentos” e serve a produção de determinados objetos e de bens de uso. Ao invés, o escravo não serve à produção de coisas, mas, em geral, “é um artesão que serve ao que diz respeito à ação”, é “um instrumento que serve a ação”, isto é, à conduta da vida.
Aqui o filosofo deixa-se condicionar pelos preconceitos e condições do tempo, a ponto de submeter da maneira mais artificiosa os seus próprios princípios para fazê-los corresponder àquelas convicções. Ele parte do pressuposto de que como a lama e o intelecto, por natureza, governam o corpo e o apetite, assim os homens nos quais predominam a alma e o intelecto devem governar aqueles nos quais estes não predominam.
Dado que, então, era convicção geral de que a alma e a razão predominavam mais no homem que a mulher, assim ele conclui que o homem é por natureza melhor, a mulher pior; aquele apto para comandar, esta para obedecer.
Com mais razoes devem ser considerados piores por natureza e, portanto, capazes só de obedecer e, assim, escravos, todos os homens que a natureza dotou de corpos robustos e frágeis intelectos.
A nota que diferencia o homem do animal é a razão, e esta é a diferença essencial e determinante; ora, o fato de alguns homens terem mais ou menos razão não pode mudar a sua essência ou natureza: a natureza do homem permanece tal enquanto a razão, pouco ou muito que seja.
Os escravos provinham, muito amiúde, das conquistas de guerra (eram, portanto, prisioneiros). Mas uma guerra pode ser injusta, o prisioneiro pode ser de alto posto e, em caso de guerra de gregos contra gregos, pode ser um grego, em tudo igual “por natureza” a quem o fez prisioneiro. Em todos esses casos, a escravidão não é justificável “por natureza”. E então? A solução de Aristóteles é a seguinte: por natureza, inferior é o “bárbaro” e, por isso, sustenta com Eurípedes:
Que é natural que os gregos dominem sobre os bárbaros.
No que se refere à crematística, Aristóteles distingue três modos de obter bens e riquezas: a) um modo natural e imediato, que se realiza através da atividade da caça, do pastoreio e do cultivo dos campos; b) um modo intermediário, isto é, mediado, que consiste na troca dos bens com bens equivalentes (escambo) e c) um modo não-natural, que consiste no comércio através do dinheiro, que recorre a todos os artifícios para aumentar sem limites as riquezas. Ora, a terceira forma de crematística é condenada por Aristóteles, porque não existe limite para o acréscimo das riquezas.
A sã economia busca obter, nos primeiros dois modos, o quanto basta para satisfazer as necessidades naturais, que têm um limite fixado pela natureza.
3. O CIDADÃO
Visto que o Estado é feito de cidadãos, trata-se de estabelecer quem é o cidadão.
Para ser cidadão numa Cidade, não basta habitar no território da cidade, nem gozar do direito de empreender uma ação judiciária e, também, não basta ser descendente de cidadãos. Para ser cidadão, impõe-se “a participação nos tribunais ou nas magistraturas”, isto é, tomar parte da administração da justiça e fazer parte da assembléia que legisla e governa a Cidade.
Por conseqüência, nem o colono nem o membro de uma cidade conquistada podiam ser ou sentir-se “cidadãos” no sentido acima visto. Mas nem mesmo os artesãos podiam ser verdadeiros cidadãos, por não terem a sua disposição o tempo necessário para exercer as funções que, aos olhos de Aristóteles, são essenciais. E assim, os “cidadãos” são muitos limitados em número, enquanto todos os outros homens da Cidade acabam por ser, de algum modo, meios que servem para satisfazer ás necessidades dos primeiros.
4. O ESTADO E SUAS FORMAS POSSÍVEIS
Podendo esta autoridade soberana realizar-se de diferentes formas, as constituições serão, fundamentalmente, tantas quantas são estas formas. E o poder soberano pode ser exercido: 1) por um só homem 2) por poucos homens 3) ou pela maior parte dos homens. Mas não só. Cada uma dessas três formas de governo pode ser exercida de modo correto ou de modo incorreto.
Existem três formas de constituições retas: monarquia, aristocracia, e política, às quais correspondem outras tantas formas de constituições degeneradas: tirania, oligarquia e democracia.
Qual dessas três constituições é a melhor?
Se uma cidade existisse um homem que superasse a todos em excelência, a ele caberia o poder monárquico; e se existisse um grupo de indivíduos verdadeiramente excelentes por virtude, impor-se-ai um governo aristocrático,
Portanto, a monarquia seria, abstratamente, a melhor forma de governo, desde que existisse na Cidade um homem excepcional; e a aristrocacia seria, por sua vez, a melhor, desde que houvesse um grupo de homens excepcionais. Mas porque tais condições normalmente não se verificam, Aristóteles, com o seu sentido realista, indica substancialmente a política como a forma de governo mais conveniente para as Cidades gregas do seu tempo.
5. O ESTADO IDEAL
Na ética, que os bens são três gêneros diferentes: bens externos, bens corpóreos e bens espirituais da alma. Também o Estado deve buscar os dois primeiros tipos de bens de modo limitado e exclusivamente em função dos bens espirituais, porque só nestes consiste a felicidade.
Eis as condições ideais que deveriam dar lugar ao Estado feliz.
No que concerne a população, primeira condição da atividade política, esta não deverá ser nem demasiada exígua nem muito numerosa, mas justamente medida.
Também o território deverá apresentar características análogas. Ele deverá ser suficientemente grande para fornecer o que se precisa para a vida, sem produzir o supérfluo. Suas fronteiras deverão ser alcançáveis a olho nu. Devera ser dificilmente atacável e facilmente defensável, em posição favorável.
As qualidades ideais dos cidadãos são-segundo Aristóteles – exatamente aquelas que apresentam os gregos: estas são como uma via de meio e como uma síntese das qualidades dos povos nórdicos e dos povos orientais.
Aristóteles examina em seguida as funções essenciais da Cidade e a sua ideal distribuição. Para subsistir, uma cidade deve ter: 1) cultivadores da terra que forneçam o alimento, 2) artesãos que forneçam instrumentos e manufaturas, 3) guerreiros que a defendam dos rebeldes e dos inimigos, 4) comerciantes que produzam riquezas, 5) homens que estabeleçam o que é útil á comunidade e quais são os direitos recíprocos dos cidadãos, 6) sacerdotes que se ocupem do culto.
Ora, a boa cidade impedirá que todos os cidadãos exerçam todas essas funções. Os verdadeiros cidadãos ocupar-se-ao da guerra, do governo e do culto. Por si, enquanto essas funções exigem virtudes diferentes (o guerreiro deve ter força, o juiz e o legislador a prudência), seria preciso distribuí-las a diferentes pessoas, mas isso dificilmente seria tolerado pelos guerreiros, que, tendo a força militar, querem também o poder político. A solução que Aristóteles propõe é a seguinte, as mesmas pessoas exercerão essas tarefas em diferentes tempos.
Assim os cidadãos serão primeiros guerreiros, depois conselheiros, enfim sacerdotes.
A felicidade da cidade depende da virtude, mas a virtude vive em cada cidadão e, por isso, a Cidade pode torna-se e ser feliz na medida em que cada um dos cidadãos se torne e seja virtuoso. E como cada homem torna-se virtuoso e bom? Em primeiro lugar, deve haver certa disposição natural, depois, sobre esta agem de hábitos e os costumes, em seguida os raciocínios e os discursos. Ora, a educação age sobre o hábito e sobre o raciocínios e é, portanto, um fator de enorme importância no estado.
Mas em particular, dado que é idêntico a virtude do cidadão bom e do homem bom, a educação deverá, substancialmente, tem em mira a formação de homens bons, ou seja, deverá fazer com que se realize o ideal estabelecido na ética, isto é, que o corpo viva em função da alma e as partes inferiores da alma em função das superiores, e, em particular, que se realize o ideal da pura contemplação.
O estado, e não os indivíduos, deverá fornecer a educação que, naturalmente, começara pelo corpo, que se desenvolve antes da razão, e procederá com a educação dos impulsos, dos instintos e dos apetites, e, enfim, concluir-se-à com a educação da alma racional. A tradicional educação atlético-musical grega é assumida no Estado aristotélico, e a sua descrição conclui a política.
É desnecessário que todos os estratos inferiores são excluídos da educação.
Aristóteles situa entre as ações voluntarias também aquelas ditadas pela impetuosidade, pela ira e pelo desejo e, assim, chama voluntarias também as ações das crianças e até mesmo as dos animais. Portanto, é claro que “voluntarias”, neste sentido, são simplesmente ações espontâneas, que têm a sua origem nos sujeitos que as cumprem, e não coincidem com as que nós, modernos, chamamos com o mesmo nome.
Os atos humanos, além de “voluntários” no sentido esclarecido, são determinados por uma “escolha” (proáiresis), e explica que esta parece ser “coisa essencialmente própria da virtude e mais apta que as ações para julgar os costumes”. Com efeito, a escolha não pertence a criança ou ao animal, mas só ao homem que raciocina e reflete. A “escolha” sempre implica, de fato, raciocínio e reflexão e, precisamente, aquele tipo de raciocínio e reflexão relativos as coisas e ações que dependem de nós e estão na ordem do realizável. Esse tipo de raciocínio e reflexão é chamado por Aristóteles “deliberação”. A diferença entre “deliberação” e “escolha” consiste no seguinte: a deliberação estabelece quais e quantas são as ações e os meios necessários para alcançar certos fins: estabelece, assim, toda a serie das coisas a realizar para chegar ao fim, das mais remotas às mais próximas e imediatas; a escolha age sobre estas últimas e as descartas quando são irrealizáveis, põe-nas em ato quando as encontra realizáveis.
O Estagirita nega expressamente que a “escolha” possa identificar-se com a “vontade” (boúlesis), porque a vontade diz respeito só aos fins, enquanto a escolha (assim como a deliberação) diz respeito aos meios. O principio primeiro do qual depende a nossa moralidade está propriamente na volição na volição do fim.
Que é essa volição do fim? De duas, uma: a) ou é tendência infalível do bem, ao que é verdadeiramente bem, b) ou tendência ao que nos parece bem: a) no primeiro caso, é evidente que a escolha não-reta não será voluntaria, mas será, como dizia Sócrates, uma forma de ignorância, um erro, um equívoco: b) no segundo caso, seria preciso concluir que “o que é querido não é querido por natureza, mas segundo o que a cada um parece; e dado que a um parece uma coisa, a outro, outra, se assim fosse, o que é querido seria ao mesmo tempo coisas contrárias”. O que significa que ninguém mais poderia ser chamado bom ou mau ou, o que é mesmo, que todos seriam bons, justamente porque todos fariam o que lhes parece bem.
Aristóteles compreendeu muito bem que somos responsáveis pelas nossas ações, causa dos nossos próprios hábitos morais, causa do próprio modo pelo qual as coisas nos aparecem moralmente, mas não soube dizer porque é assim e o que está na raiz de tudo isso em nós. Não soube determinar corretamente a verdadeira natureza da vontade e do livre-arbítro.
Aristóteles, entreviu que há em nós algo do qual depende o ser bom ou mau, que não é mero desejo irracional, mas não é tão pouco razão pura; porem, em seguida, esse algo fugiu-lhe das mãos sem que ele conseguisse determiná-lo. De resto, devemos objetivamente reconhecer que nenhum grego conseguirá isso e que o homem ocidental só compreenderá o que são a vontade e o livre-arbítrio através do cristianismo
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