terça-feira, 6 de maio de 2025

PLOTINO E O NEOPLATONISMOP PAGÃO

 



Giovanni Reale, História da filosofia antiga

Sintese: Paolo Cugini



A gênese do neoplatonismo: da filosofia de Amônio em Alexandria á escola de Plotino em Roma

Platão fundara a academia para formar na filosofia, os homens que deriva, renovar o estado; Aristóteles fundará o preto para organizar de modo sistemático a pesquisa e o saber: Pirro, Epicuro, Zenão fundaram os seus movimentos para tentar da aos homens a ataraxia, a paz e a tranqüilidade da alma. A escola de Plotino tendia a um novo e ulterior fim: aspirava ensinar aos homens a libertar-se da vida desse mundo para reunir-se ao divino e para poder contemplar-lo até o ápice de uma união extática transcendente. A finalidade da nova escola era, pois fortemente religiosa e mística.

Retomada e conclusão da segunda navegação

Relação entre Plotino e os filósofos precedentes

Plotino pressupõe cerca de oito século de especulação precedente e só pode ser compreendido levando-se em conta os progressos essenciais do pensamento antigo nesse lado de tempo.

A filosofia de Plotino seria simplesmente impensável fora do ambiente cultural de Alexandria tal como se formou entre o século I a.C. e o século II d.C., ou seja, sem Filo o hebreu, sem o médio-platônismo e o neopitagorismo, de cujas doutrinas a escola de Amônio representou a síntese mas eficaz.

A filosofia de Plotino não é nem um ecletismo nem uma forma de sincretismo, porque no sistema plotiniano há uma inspiração nova, que confere um sentido inédito a velhas doutrinas.

Plotino ratifica e leva ao seu desenvolvimento as teses do médio-platonismo e do neopitagorismo

É necessário ter presente que, no século imediatamente anterior, ao médio-platonismo e o neopitagorismo tinham alcançado a sua acmé. Eles tinham levado a uma crise definitiva o materialismo dos grandes sistemas helenísticos, haviam recuperado como acima demonstramos amplamente os resultados da segunda navegação platônica e haviam tentado até integrá-los, reelaborá-los e ressistematizá-los, levando-se em conta sobretudo conquistas aristotélicas, mas sem transcursar nenhum dos tópicos valorizados pelos próprios sistemas da era helenística .

Plotino encontravam, pois, uma serie de verdades filosóficas já conquistadas e justificadas pelos seus predecessores e, justamente por isso, não via a necessidade de demonstrá-la e aprofundá-las, considerando-as como já estabelecidas.

Plotino retomou os tópicos evidenciados pelo médio-platônicos e pelos neopitagoricos, mas avançadas, desenvolveu-os a seu pleno amadurecimento com profundidade, lucidez e audácia sem paralelos, de modo que acabou eclipsando e fazendo esquecer seus predecessores imediatos.No entanto, nunca como nesse caso, permanece verdadeiro principio de que o segredo para entender os maiores reside em grande parte nos menores que os precedem .

Relações entre Plotino, o pensamento oriental, Filo, a gnose e cristianismo

A pretensa influencia do Oriente sobre Plotino foi amplamente redimensionados pelos estudiosos modernos.

As fontes orientais de Plotino reduzem-às que foram helenizadas no ambiente alexandrino. Mais do que conteúdos específicos trata-se do espírito místico e religioso, fruto de uma meditação e de uma síntese entre categorias orientais e ocidentais;em suma trata-se do espírito do qual se alimentaram todas as correntes de pensamentos já examinados e que floresceram em Alexandria a partir do século I a.C.

Todavia, não ó é provável, mas quase certa influencia de Filo, o judeu sobre o Plotino. São, de fato, notáveis as analogias entre o pensamento filoniano e o plotiniano.

As relações de Plotino com a gnose foram de contraposição polemica. Naturalmente, Plotino obteve, com o confronto dialético, maior clareza quanto a próprias posições. No entanto, deve-se observar que os planos nos quais se movem os gnósticos e Plotino são muito diversos e que os influxos positivos dos positivos dos primeiros sobre o segundo foram devidamente exagerados por alguns estudiosos, tanto mais que não conhecemos com exatidão os gnósticos aos quais Plotino se refere.

Plotino deve ter dito também relações com os cristãos propriamente ditos. Porfírio nos fala da freqüência de numerosos cristãos as aulas do Plotino, os quais “induziam em erros a muitos” ao sustentar que “Platão não havia devassado a profundidade da essência inteligível”, de modo que muitas vezes Plotino intervinha para refutá-los.

Mas esses cristãos são misturados por Porfírio com os gnósticos ou menos identificado in toto com eles. Em todo caso, é certo que Plotio posicionou-se expressamente contra o dogma fundamental da ressurreição da carne. O principio fundamental do cristianismo do Deus que se faz carne permanecendo verdadeiro Deus e tornando-se, ao mesmo tempo, verdadeiro homem, não poderia ter sido acolhido por Plotino nem na sua significação revolucionária de evento histórico, nem na sua significação metafísica e teológica. Também não poderia ser acolhida a doutrina da Graça sobrenatural. Plotino pretendia, ao invés, levar o homem a ser deus. Além disso, estava firmemente convencido de que para tanto são suficientes às forças do homem: a união mística com Deus, a saber, a consecução de telos supremo do homem não acontece, como veremos através de uma graça sobrenatural, mas por uma energia espiritual natural, que entra na dialética circular da processão e do retorno ao absoluto.

 

Os eixos do pensamento plotiniano, sua relação com a especulação precedente e sua novidade

 

O pensamento plotiniano gira inteiramente em torno de seis eixos:

1)      A tese fundamental reside na nítida distinção entre o mundo sensível e o mundo inteligível, entre o ser corpóreo e o ser incorpóreo.

2)      O segundo eixo reside na determinação do incorpóreo em função do esquema trágico, ou seja, em função da teoria das três hipóstases, que são o Uno, o Nous e a psyché.

3)      O terceiro eixo consiste na determinação exata da relação que une as três hipóstases, a saber, do processo segundo o qual a segunda deriva da primeira e a terceira da segunda. O grau mais elevado produz o mais baixo sem se diminuir, ele dá sem se empobrecer. (Essa doutrina é comumente designada como emanação; ora, tal termo é inadequado na medida em que se torna fonte de toda espécie de equívocos, sendo, pois, necessário substituí-lo pelo termo processão)

4)      Estritamente úmida a doutrina da processão das hipótese é a doutrina segundo a qual a matéria sensível não constituir, por si mesma, um principio subsistente, mas procede das ultimas das hipóstases.; por conseguinte, o mundo sensível é inteiramente deduzido do supra-sensível.

5)      Como nenhum dos metafísicos gregos, Plotino preocupa-se em fundar a unidade de toda a realidade. Num certo sentido, como veremos, tudo estas no Uno e no Uno está tudo, assim como cada um dos seus degraus inferiores está no superior e é produzido e sustentado por ele. Assim, não somente as hipóstases supra-sensíveis são unificadas, mas também o mundo corpóreo é estreitamente envolvido pelo incorpóreo, a tal ponto que, invertendo a maneira tradicional de falar, Plotino afirma que não é a alam que está no corpo, mas, antes, o corpo é que está na alma, e, portanto, não o supra-sensível no sensível, mas vice-versa. Avançando por esse caminho Plotino chega aos limites do acosmismo, mas esse é, justamente, um traço muito peculiar da sua filosofia.

6)      Nesse contexto ontológico, no qual tudo procede do principio, nada é verdadeiramente estranho a principio (uma vez que não existe nada que lhe seja contraposto), sendo possível, portanto, ao principio, uma reunificação plena e total com o principio, que o homem pode realizar mesmo enquanto ainda está em vida, na união mística e no êxtase. O homem pode desprender-se do mundo exterior e reentrar em si mesmo, tomar posse do seu eu verdadeiro que é alma e, já que a alma deriva do espírito e o espírito do Uno, o homem pode retornar ao homem. Esse principio revoluciona a escala tradicional de valores tanto clássica como helenística, e transforma a ética em acesse espiritual, pondo a felicidade o telos do humano na união extática com o divino.

 

O método de Plotino

 

Qual o método próprio da especulação plotiniana? É o mesmo método da especulação platônica, a saber, a dialética, entendida no seu sentido originário metafísico e ontológico e não no sentido lógico-metodológico aristotélico nem, evidentemente, no sentido estóico.

Em Platão, a dialética era não apenas o método, mas o próprio tipo de vida que caracterizava a segunda navegação vale dizer, o método e o tipo de vida que unicamente sabe libertar o homem dos laços com o mundo sensível, sabe fazê-lo subir ao mundo inteligível e uma vez alcançado o mundo inteligível, sabem elevá-lo de degrau em degrau a realidade suprema, ao principio inprincipiado, a condição incondicionada.

Assim como em Platão, também em Plotino as fazes da dialética são duas: a primeira consiste em passar do sensível ao inteligível, a segunda consiste em subir, de degrau em degrau, no mundo inteligível até chegar a tocar o ápice do inteligível.

Vejamos, no entanto, que os homens são capazes de elevar-se e, portanto de tornar-se dialéticos, para depois terminar de maneira mais exata o método dialético. Segundo Plotino, tais homens são de três espécies: os que têm natureza de músicos, os que têm natureza de amantes e os que têm natureza de filósofos. Trata-se, em suma, de homens que aspiram ao imaterial e são capazes de separar-se do sensível ou que, traz como os homens de natureza filosófico, de alguma maneira já operaram a separação.

A dialética é a capacidade que se tem de exprimir com a razão, sobre cada coisa, o que ela é como é diferente de outras e o que com elas tem de comum; além disso, em que seres se encontra e qual o lugar de cada um e se é realmente um ser; quantos são os seres e o que, sendo diferente, é não ser.

Plotino afirma que os princípios são dados pelo próprio espírito e são evidentes, desde que sabia acolhe-los justamente com alma que, como veremos, depende do espírito. A dialética, por sua vez, tira desse principio todas as conseqüências, entrelaçando e separando-os até capataz toda a trama das relações que constitui o mundo do espírito de maneira adequada e ate mesmo, como veremos, ate captar o próprio espírito, o Uno, o absoluto.

A dialética não é um puro de pesquisa, ou seja, um puro instrumento. Com efeito, ele não consiste, como para Aristóteles e para a escola estóica, na determinação de meros procedimentos racionais ou do mundo correto de proceder nas perguntas e respostas, mas um processo de pensamento que, como em Platão capta imediatamente o ser e a realidade.

A dialética para Plotino, como para Platão, e também a isso já nos referimos, é elevação moral, é subida e é conversão. A dialética não pode existir sem a virtude e, mais nada, as virtudes superiores coincidem, ou estão estreitamente ligadas à dialética, uma vez que essas virtudes são separadas do corpo, assimilação e identificação com o divino, e a dialética tem em vista justamente esse alvo. Em suma, a dialética, a dialética plotiniana desemboca na mística.

Assim com essa ultima observação, voltamos à observação inicial acerca da natureza muito peculiar do momento culminante da dialética plotiniana. O processo dialético platônico já terminava na intuição do bem, ou seja, numa apreensão imediata do incondicionado.

Ora, Plotino acentua com extremo vigor a natureza extraordinária desse momento final a ponto de contrapô-lo a ciência, e chega até desse momento final, a ponto de contrapô-lo a ciência, e chega ate mesmo a falar de contato, assimilação, identificada, êxtase.

 

Métodos para interpretar e expor o pensamento plotiniano

 

As interpretações propostas pelos historiadores da filosofia

 

As componentes do pensamento plotiniano, com o os estudiosos já de há muito advertiam, são duas: uma de caráter subjetivo, ou com diríamos hoje, existencial; a outra de caráter objetivo ou, principalmente, especulativa. Com efeito, do principio ao fim da Enádes, emergem a ãnsia do divino e o desejo dervoroso de unir-se a ele, o sentimento religioso e a tensão mística, mas também é evidente, do começo ao fim da Enéades, a lúcida tentativa de explicar a totalidade do real e de explicar, fundando-se em bases racionais, a tendência do homem e de todas as coisas ao Divino.

Ora, os interpretes se dividiam e alguns deram primazia a primeira componente, oferecendo-nos uma serie de interpretações que podem ser ditas, grosso modo, de caráter religioso enquanto para outros a primazia cabe a segunda componente, e eles nos oferecem, assim, uma serie de interpretações mais filosóficas e metafísicas.

Em primeiro lugar, é preciso acentuar que, em Plotino, essa duas componentes dificilmente podem ser separadas.

 

O caminho seguido na presente exposição

 

Sabemos que já em Platão a dialética era tanto “ascendente” como “descendente”. Assim também acontece em Plotino. No entanto, os que acolhem a via ascendente, de baixo para cima, parece estar em sintonia com o método aristotélico, que costuma partir do que é primeiro para nós (o sensível) para subir ao que é ultimo para nós, mesmo se é primeiro para si (o supra-sensível). Mas o método aristotélico é de natureza completamente diferente do método plotiniano. Com efeito, o mundo sensível não tem, para Plotino, a espessura ontológica e autonomia que tem para Aristóteles e, por conseguinte, a sensação não possuir uma valência cognoscitiva autônomo. Como já lembramos a alma (a nossa inteligência) não haure os princípios do sensível, mas do próprio Espírito.

Doutra parte, é necessário salientar que Plotino usa o método de baixo para cima somente poucas vezes e só quando quer provar, a modo de verificação, que as hipóstases são três.

Mas, como regra, ele usa o método do alto para o baixo, pois somente com ele é possível representar adequadamente a “processão” das hipóstases, ou seja, o modo que uma deriva de outra e as relações que reciprocamente as unem.

De resto, como teremos ocasião de ver, o princípio supremo, o Uno, desempenha um papel absolutamente condicionante do sistema plotiniano, de modo que nenhuma parte dele se mostra inteligível se não na sua referencia ao Uno.

O caminho “de cima para baixo” é, pois, o mais adequado e mais conforme a especulação plotiniana.

 

As articulações do sistema

 

Relendo o tratado da primeira enéadas dedicado à dialética iremos encontrar justamente esse esquema. A filosofia tem partes distintas (que é o conhecimento do inteligível e do imaterial); as duas outras partes, expressamente mencionadas e declaradas dependentes da dialética são a física e a ética.

Porém, considerando bem, Plotino se desinteressa completamente do estudo dos problemas físicos examinados sob o ângulo estritamente cientifico. O mundo físico lhe interessa só com momento da “processão” do absoluto. Analogamente, a ética não possui uma espessura própria e nem mesmo uma autonomia relativa. Em Plotino, a ética torna-se o caminho de “retorno” ao Uno e somente sob esse aspecto nosso filosofo se interessa pelos problemas do homem.

Portanto, o sistema plotiniano só surge nas suas linhas fundamentais se recompusermos as “partes” tradicionais da filosofia no novo esquema “circular” da “procesão” de todas as coisas do Uno e de “retorno” do Uno.

No sistema plotiniano, com efeito, é nos apresenta a mais audez tentativa metafísica da Antiguidade, que desloca e quebra todos os esquemas tradicionais; as hipóstases e o próprio mundo são apenas graus ou momento está presente, em certo sentido, o todo, o Uno, ainda que de maneira diversa, conforme cada coisa seja capaz de conte-lo, e o todo está no Uno. Como foi observada com razão, a “processão” dos muitos a partir do Uno é “um cominho de Deus, a Deus, mas também um caminho em Deus, porque somente graus da vida divina, um eterno subir da alma, segundo ritmos determinados e segundo uma lei imanente” Juntamente por isso as “partes” da filosofia perdem sua significação tradicional e só adquirem nova significação e novo valor no circulo da processão e do “retorno”.

 

 

SISTEMA DE PLOTINO:

FUNDAMENTO E ESTRUTURA

 

A primeira hipóstase: o uno

 

Demonstração preliminar da existência do uno e das três hipóstases

 

O principio ultimo do real para Aristóteles, era a essência (ousia) e a inteligência do Motor e Móvel; para Plotino, ao contrario, principio ainda ulterior é Uno, o qual está para além do ser e a essência, para além da inteligência; é o Uno que transcende a própria ousia e o próprio Nous: ele retoma e leva as ultimas conseqüências o núcleo central das doutrinas não escritas de Platão notavelmente antecipadora.

Todo ser, e ultima distancia, é tal somente em virtude da unidade.Se, com efeito, se quebra a unidade a própria coisa deixa de substituir.Portanto, as subsistência da coisa depende da unidade negada essa, é o próprio ser das coisa que se nega.

Perguntemos agora, uma vez que esta comprovada que o ser dos entes depende da unidade, de onde procede ulteriormente essa unidade? Ora, observa Plotino, todo ente físico recebe a sua unidade da alma que é justamente uma atividade plasmadora, formadora e coordenadora de todas as coisas sensíveis e, nesse sentido, é causa e fundamento de sua unidade. Diremos então, que a própria alma é a unidade ou diremos, antes, que a alma confere a unidade, mais não coincide com a unidade em que, portanto deriva a sua unidade de algo ulterior? A resposta de Plotino é claríssima: a graus diversos de unidade; a alma tem um degrau de unidade superior aos dos corpos, mas ela não é a unidade.

Portanto, a alma introduz a unidade no mundo físico, mas ela recebe cuidado do Nous.

Nessa altura, apresenta-se o problema apresentado a respeito da alma: o Uno coincide com o ser e com espírito ou com o Nous?  Também nesse caso a resposta negativa. O ser e o espírito, não obstante gostem de um grau de unidade superior o da alma, não são o Uno porque implicam multiplicidade: Dualidade de pensante e de pensado e a multiplicidade das idéias vale dizer, a totalidade das realidades inteligíveis.

A raiz da unidade é, portanto, algo que transcendem o próprio Nous, algo livre se qualquer pluralidade é o Uno em si.

Para concluir: ao buscar fundamento das coisas que é a unidade, somos obrigados a subir do mundo físico a alma “que é a hipóstase mais baixa” e, logo, da alma “que tem, mas não é unidade” ao espírito “que tem uma unidade mais elevada do que a da alma, mas é multíplice também ele” a um principio ulterior absolutamente simples: o Uno que é a hipóstase primeira o princípio inpricipiado o absoluto.

 

 A infinitude, a absoluta transcendência e a inefabilidade do Uno

 

Características fundamental do Uno é a infinitude e é necessário partir dela para compreender as diferenças entre a metafísica plotiniana e a platônico-aristotelica à qual acima acenamos. A infinitude fora atribuída ao principio somente por alguns dos antigos filósofos da physis e, justamente, numa dimensão física. Em Platão e Aristóteles (e, em geral, no pensamento grego), prevaleceu a idéia de que o infinito comportasse imperfeição (isso é, que fosse sinônimo de indeterminado e de incompleto) ao passo que o finito (no sentido de determinado e completo) fora associado com o perfeito. Platão compreendera o primeiro principio como limite e o principio material como o ilimitado e o infinito. Aristóteles, por sua vez, declara impossível a existência do infinito em ato e concebera o infinito como puramente potencial, circunscrevendo-o à categoria da quantidade e, alem disso, afirmara que o perfeito implica sempre um fim e o fim um limite.

Era, pois, necessário, para poder fazer reviver a antiga concepção do infinito afirmada pelos materialistas que, no fundo, uma infinitude espácio-temporal, fundamentá-la sobre um plano novo, ou seja, o plano do imaterial como, ao menos em certa medida, já o fizera Filo de Alexandria.

Justamente porque não compreenderam radical transformação sofrida pelo conceito de infinito ao ser transposto e repensado pelo plano do imaterial, muitos historiadores da filosofia apresentaram as mais diversas e inadequadas interpretações do Uno.

Portanto, o infinito plotiniano não é o infinito do espaço nem da quantidade (ligada à espacialidade), mas como já sucedia, em algumas medidas com Filo de Alexandria, o infinito é entendido como limitada, inexaurível e imaterial potência produtora. Nesse contexto, a palavra potencia assume não a significação de potencialidade, por que essa significação aristotélica estava estruturalmente ligada à matéria e ao ser corporal, mas de atividade como já com Filo.

A potência, por conseguinte, coincide com força ativa, com a atividade, com o ato puro/, com o ato metafísico primeiro e supremo. Compreender o Uno como potência infinita significa, em suma, compreende-lo como energia espiritual infinita e criadora.

As conseqüências revolucionarias que o conceito positivo de infinito imaterial comporta no âmbito da segunda navegação são as seguintes.

1)      Em primeiro lugar, o Uno não poderá ser entendido como idéias, ou seja, no sentido platônico porque forma e essência implicam para Platão, como já dissemos finitude pêras, ou seja, limite: são e produzem delimitação e determinação. Mas o Uno não poderá ser também uma substancia aristotélica, imóvel e separada, porque essa ousía, que é inteligência que si pensa a si mesma é igualmente finita e determinada.

2)      Em conseqüência, já que o ser, tal como era entendido. Por esses filósofos, era o ser do eidos e da ousía (e daquilo que se refere à ousía) e, portanto, ser finito, entende-se a necessidade que sentia Plotino de por o Uno “acima do ser” e também, pelo mesmo motivo, “acima do pensamento e de repetir essa tese através de todas as Enéadas, com tal insistência que não deixa descansar o leitor. Trata-se aqui de uma nova concepção da transcendência que tem vagas precedentes no âmbito da cultura grega, mas tem um claro antecedente em Filo de Alexandria. O principio supremo não somente transcende o mundo físico, mas transcende toda forma de finitude, incluindo-se a finitude na qual Platão e Aristóteles havia aprisionado o próprio inteligível e a própria inteligência.

3)      Por conseguinte, compreende-se porque Plotino tende a dar do Uno determinações prevalente mente negativas (com efeito, enquanto é infinito, não lhe convém nenhumas das determinações do finito que são a ele posteriores) a este a declará-lo inefável.

4)      Quando Plotino, porém, atribui ao no caracterizações positivas, não se contradiz como pesaram alguns interpretes já que usa uma linguagem claramente analógica, tal como já fizera Filo.

 

As características positivas do Uno

 

O uno referido ao principio, não significa um Uno particular, ou seja, uma unidade terminada, mas é um Uno-em-si, a causa e a razão de ser da unidade de todas as outras coisas. O unos significa o absolutamente simples que é razão de ser do complexo e do múltiplo. O uno é potência de todas as coisas, no sentido de que, por si mesmo, ela as leva ao ser e no ser as mantém.

O outro termo que Plotino usava freqüentemente para designar o princípio absoluto é Agathon, isto é, Bem. Trata-se, evidentemente, não de um bem particular, mas do bem em si ou, se assim o quisermos, não de algo que tem o bem, mas que é o próprio bem.

Plotino explica também que, falando propriamente, o princípio primeiro é bem são para si, no sentido que não pode ser bem para proveito próprio, já que não tem necessidade de nada, mas é bem para todas as outras coisas que dele tem necessidade.

Sobre o fundamento de quanto foi dito até aqui, é possível esclarecer melhor os sentidos das afirmações segundo as quais o Uno está acima do ser (da ousía e da essência), acima do pensamento, e também, acima da vida. Plotino evidentemente não quer dizer que o primeiro quer dizer o não ser, o não pensamento, ou alguma coisa sem vida. Ao contrario, ele quer dizer que, como princípio infinito do qual derivam o ser, o pensamento e a vida, é alguma coisa do superior a esses produtos seus. Com efeito, Plotino usa esses termos quando se refere ao Uno, ou seja, em sentido analógico ou fala mesmo de super-pensamento e, em certo sentido, também de super-ser e, portanto, de super-vida.

Em resumo: o Uno subsiste não ao modo de ser das idéias e das essências, porque elas são um ser principiado e múltiplo.

Analogamente, o Uno não pensa desdobrando em pensante e pensado, já que esse desdobramento implica, justamente, ruptura da unidade e, portanto, o seu pensamento transcende a nossa possibilidade de determiná-lo e de compreendê-lo. De resto, se Plotino nega decididamente que o Uno se pense e se tenha consciência de si mesma maneira com que o espírito, como veremos, se pensa e se tem consciência de si da mesma maneira decididamente, que o Uno seja inconsciente.

E não menos decididamente nega analogamente que o Uno seja privado de vida, mês se a sua não é a vida própria do espírito nem a da alma.

O absoluto plotiniano tem um pensamento que é meta-pensamento, tem uma intuição que uma meta-intuição, tem uma vida que é meta-vida; também a sua volição, como veremos, é a metavolição.

 

O uno como atividade livre e autoprodutora

 

Por que o Uno é o que é? Formulada em outros termos essa pergunta equivale à seguinte: por que o absoluto é, e por que o absoluto é assim como é?

Desde logo, a) deve-se excluir que ele seja por acaso ou por acidente, porque dessa maneira podem existir somente as coisas do mudo sensível, sujeitas a circunstancias do devir. Nem ainda. B) ele pode existir por uma livre escolha, do tipo da que pressupõe a existência de contrários sobre os quis deve operar, porque ele está para alem de tudo isto. Nem c) pode-se dizer que ele existia por necessidade porque a necessidade é posterior a ele, antes, é justamente ele e a lei da necessidade para as outras cosas. Muito menos d) pode-se falar, com respeito ao absoluto, de um ser, de uma essência e de determinada natureza e explicar sua atividade em função da sua natureza, porque como sabemos, ele transcende o ser e a essência e mesmo a sua atividade só é tal em sentido analógico.

“Operari sequitir” esse, dirão aos medievais. Plotino, ao contrario, para caracterizar o seu absoluto diria “esse sequitur operari”; ou, melhor ainda, ser e operar coincide no absoluto: o primeiro principio se autopõe, cria a si mesmo, é atividade autoprodutora.

Nele a vontade corresponde ao seu ato e, portanto, ao ser, ele é vontade de ser o que é, é liberdade total e absoluta. Além disso, diz Plotino, ele quer ser o que é, porque é o que é de mais elevado, é o valor supremo e o supremo positivo.

O Uno é atividade autoprodutora, absoluta liberdade criadora, causa de si mesmo, é o que existe por si e para si. “ele é transcendente ao ser”.

 

A processão de todas as coisas do Uno

 

Por que e como do Uno derivam as outras coisas? Porque Uno, satisfeito consigo mesmo, não permaneceu em si mesmo? No fundo essa é como freqüente vezes tivemos ocasião de observar, a pergunta metafísica de mais árdua solução.

Para responder ao problema, Plotino se vale, repetidamente, de imagens esplendidas e que se tornam justamente muito famosas.

Mas exatamente enquanto imagens, ela permanecem ambíguas se não forem explicitadas conseptualmente. Infelizmente, alguns interpretes deixaram-se atrair mais pelas imagens do que pelas aplicações conceptuais, com grave prejuízo para compreensão do pensamento do nosso filosofo. Todavia, é necessário partir justamente das mais famosas entre essas imagens para poder determinar melhor a concepção teorética da qual elas são uma ilustração preliminar.

A mais celebre, certamente, é a da luz. A derivação das cosias do Uno é representada como irradiar-se de uma luz desde uma fonte luminosa, na forma de círculos sucessivos que pouco a pouco diminuem de luminosidade, enquanto a própria fonte permanece sem empobrecer-se, mesmo no seu difundir em torno de si. O primeiro circulo luminoso depois da fonte de luz é o Nous ou o espírito, ou seja, a segunda hipóstases; o circulo sucessivo é a alma, ou seja, a terceira hipóstases. O circulo que vem depois assinala o momento do apagar-se da luz e simboliza a matéria, que tem necessidade de uma irradiação de fora, sendo já treva.

Outras duas celebres imagens são as da nascente inexaurível que da origens aos rios e a da árvore.

Menos celebres, mas não menos interessante, é a imagens dos círculos concêntricos: o Uno é como o centro, a segunda hipóstase é como o circulo imóvel, ao passo que a alma é como um circulo móvel.

Observe-se porem, que se trata de círculos estruturalmente produzidos pelo centro, ilustrando, sobretudo a relação entre o centro e o primeiro circulo, e voltando ainda a imagem da luz.

São essa as imagens: mas, como acima observamos, elas formas tomadas muito literalmente e alguns interpretes acabaram por fixar-se neles, com o resultado e entender erradamente ou mesmo de não entender os conceitos que elas derivam ajudar a esclarecer. Foi a partir dessas margens que se falou de “emanantismo” e até de “panteísmo e de “monismo”. Na realidade, o assunto é mais complexo do que essas formas podem sugerir e depois de haver determinando a interpretação de todo o sistema potiniano será possível compreender em todas as suas múltiplas valências o que verdadeiramente significa a “processão a partir do Uno”, plotiniana. No entanto, é possível esclarecer, de momento, uma doutrina essencial, destinada a mostrar a processão sob uma luz inesperada.

Por enquanto, de todas as imagens pode extrair o seguinte. O principio permanece e, permanecendo, gera no sentido de que o seu gerar não o empobrece, não o diminui, não condiciona. O que é gerado é inferior ao que gerou e não serve ao que gera: o que é gerado tem necessidade daquele que o gera, e não o contrário.

Nesse ponto pode-se perguntar: dada a sua infinita perfeição e a sua potencia transcendente, o que gera não é acaso “necessitado” para criar? Pode a fonte de luz não emitir luz, a nascente de água não emanar água, o corpo perfumado não exalar perfume?

É justamente nesse ponto que as imagens induzem em engano, revelando somente um aspecto do pensamento plotiniano e ocultando o outro, justamente o aspecto maus inédito.

Com efeito, Plotino distingui dois tipos de atividade do Uno (e também das outras hipóstases) a) a atividade do ser e b) a atividade que deriva desde o ser: a primeira é, por assim dizer, imanente ao ser, ao passo que a segunda saí do ser e se dirige para fora. Em outros termos, a atividade do ser coincide com realidade singular, enquanto a atividade que deriva desde o ser se dirige ao outro. Ora, aplicando essa distinção ao Uno, deve-se fala: a) e uma atividade do Uno e b) de uma atividade que deriva desde o Uno; a) a atividade do Uno é a que o faz se, o mantém e o faz permanecer; b) ao invés, a atividade que deriva desde o Uno é a que faz com que o Uno derive, ou melhor, “proceda” outra realidade. É claro que a atividade desde o Uno depende estruturalmente da atividade do Uno.

Ora aplicando essa doutrina ao problema do qual falamos, consegue-se uma solução oposta a comente adotada e que não leva a primeira em consideração. É verdade que as coisas procedem de Uno porque o Uno é o que é, ou seja, infinita força que transborda; mas vimos também que a atividade do Uno consiste justamente em querer ser o que é, ou seja, na liberdade de ser o que é, de modo que a atividade que procede desde o Uno (ou seja, a pretensa emanação) constitui uma necessidade em certo sentido submetida à vontade, ou seja, uma necessidade posta por um ato livre ou, melhor, conseqüência de um ato livre. Com razão, pois, ressentimento se observou que de tudo isso, deve-se concluir que a vontade do Uno de ser a sua natureza é a causa direta da emanação desde a sua natureza e que, portanto, em certo sentido, a criação livre, nem mais nem menos de quanto o seja o próprio Uno. Preferimos dizer que a criação (a prosceção) é uma necessidade que se segue a um ato de liberdade.

Isto basta pôr si mesmo, para mostrar a grande novidade da processão plotiniana.

 

A segunda hipóstase: o “Nous” ou o espírito

 

A dupla relação que liga o Uno ao espírito

 

A relação da hipóstase implica, além das duas acima explicadas, uma ulterior atividade que não é menos essencial do que elas, uma vez que, sem está ultima as hipóstases não poderiam subsistir.

Trata-se da atividade de voltar-se para o principio do qual cada uma das hipóstases deriva, para olhá-lo e para contemplá-lo.

Observe-se que essa atividade contemplativa não está de maneira alguma expressa nas celebres imagens acima examinadas. Em conseqüência, ela foi complemente desconsideradas (e algumas vezes ignoradas) pôr interpretes até famosos quando, na realidade, representa um do eixos em torno dos quais gira a metafísica plotiniana.

Em particular, no que concerne à segunda hipóstase da qual presentemente nos ocupamos, deve-se salientar que o poder e a atividade não geram sem mais o nous e o espírito, e sim algo de indeterminado ou informe, e sete se determina e torna-se mundo das formas voltando-se para o Uno, olhando e contemplando o Uno, e sendo fecundando e planificado por ele justamente pôr meio de tal contemplação (e depois também se contemplando a si mesmo, como veremos, a o ser fecundado pela contemplação do Uno).

Esse produto indeterminado e uniforme do Uno (antes que se volte para contemplar o Uno) é chamado pôr Plotino “alteridade” inteligível, “matéria inteligível” e também “primeiro movimento”, ou seja, movimento inteligível.

A linguagem esotérica não deve nos enganar: esse material e esse movimento inteligível não são senão o pensamento indefinido (ou como ainda se poderia dizer, o ser indefinido) que se determina exatamente voltando para o Uno.

Para exprimir essa sua concepção, Plotino se serve também dos princípios pitagoricos-platônicos do Uno e da díade. O produto do Uno é a Díade indefinida, a qual, reunindo-se com o Uno, gera as idéias. Isso significa: a) o que o Uno produz não é mais o Uno, mas Díade, já que o pensamento pressupõe o objeto do pensamento e, portanto, implica justamente uma dualidade: b) essa dualidade indeterminada se determina ulteriormente voltando-se para o Uno, gerando desse modo o mundo das idéias e tornando-se assim, como veremos, espírito.

Mas Plotino é certamente feliz quando, deixando de lado as idéias de procedência seja platônico-aristotelica, seja neopitagórica, atem-se aos novos conceitos forjados. Põe ele, ora, acima dizíamos que o espírito não é de maneira nenhuma simplesmente a potência que procede do Uno, mas que essa potência, par ser espírito, deve-se voltar para o Uno e contempla-lo. No entanto esse também é um ponto muito importante mesmo esse voltar-se para o Uno não é ainda o espírito e sim a causa e a condição que o faz ser. Com efeito, Plotino distingue dois momentos: a) o “voltar-se” da potência ao Uno, o qual fecunda, enche e planifica a potência, e b) “refletir-se” dessa potência sobre si mesma já fecundada. Os dois momentos (que são obviamente distintos logicamente e não cronologicamente) espelham as duas faces do espirito. A) no primeiro momento nasce a substancia, a essência, o ser (ou seja, o conteúdo do pensamento, verdadeira e propriamente. Essa duplicidade de movimentos explica igualmente o principio do múltiplo: não somente a dualidade pensamento passado, mas também a própria multiplicidade do conteúdo (a multiplicidade das idéias).

O outro ponto a ser esclarecido: o nascimento da segunda hipótese é nascimento de um múltiplo ou, se prefere, de um Uno muitos, não só, como já observou, no sentido de que o espírito é inteligência e inteligível, mais ainda no sentido de que o inteligível é multiplicidade, ainda que unificada (como veremos, é o cosmo inteligível, mundo das idéias). Poderíamos pensar em explicar a gênese dessa multiplicidade com a inadequação ou incapacidade da segunda hipótese de captar o Uno na sua infinitude.

O espírito, como efeito, não pensa o Uno, o múltiplo só nasce no interior da segunda hipóstase, no sentido de que o espírito não vê o Uno como múltiplo, mas vê a si mesmo como múltiplo.

 

O espírito como ser pensamento e vida

 

O Uno é a potência de todas as coisas, o espírito, pôr sua vez, é todas as coisas.

Que significa isso?

Em primeiro lugar, deve-se salientar que o espírito plotiniano, como já indicamos, é união indivisível de ser e de pensamento, de inteligível e de inteligência. O espírito para Plotino, é o ser puro de Platão, o ser que é plenamente, não é, de modo algum, afetado pelo não ser e é, ao mesmo tempo, o pensamento do pensamento do qual falava Aristóteles.

Como tivemos ocasião de observar freqüentemente, Aristóteles, ao prosseguir a segunda navegação platônica, pôs a inteligência como imaterial e também que ela era a priema ousía, o ser supremo, a pura essência; mas, ao mesmo tempo ele, de certa maneia, a empobreceu quanto ao conteúdo extremamente no momento em que pensá-la te-la enriquecido, atribui-lhe como objeto do seu pensamento somente a si mesma (a si mesma como pensamento) e reservando a inteligência humana a prerrogativa de ser o lugar das formas enquanto acolhe-las, abstraído-as do sensíveis). Mas Plotino nega que as formas possam ser imantizadas a maneira aristotélica, reivindica para elas uma estrutura transcendente e, na trilha dos médio - platônicos, dos neopitagoricos e, sobretudo, de filo de Alexandria, faz da

 Inteligência a morada do mundo platônico das idéias. Para Plotino, o espírito é, assim, a morada de todos os seres (idéias) sem exceção.

Essa identificação do ser e do pensamento trás consigo uma radicalização da tese sustentada pôr Filo, pêlos médio-platonicos, e pêlos neopitagoricos, segundo a qual as idéias são pensamento de Deus. Com efeito, no contexto plotiniano, as idéias acabam sendo não somente o conteúdo do pensamento mas elas mesmas pensamento, no sentido de que cada uma das idéias não somente estão no espírito, mas elas mesmas são espírito.

Naturalmente o espírito é também vida, “é o vivente perfeito”, “o vivente em si”, é “vida infinita”.

Plotino teve cuidado de sublinhar que a vida não é necessariamente ligada à dimensão física e que também em nós há uma vida distinta da do organismo. A vida da segunda hipóstase é a vida na dimensão do imaterial, é vida espiritual, fora da temporalidade. De resto, Aristóteles caracterizava o seu Motor Imóvel com a forma mais alta de vida possível, que é a vida própria do pensamento e da inteligência, justamente na dimensão da eternidade.

 

O espírito como “cosmo inteligível”

 

No novo contexto da doutrina hipostática do espírito, o platônico Hiperurânio torna-se “cosmo inteligível”.

Eis, em, síntese, as linhas essenciais de reforma plotiniano da doutrina das idéias:

1)            A principal modificação, ou melhor, em alho que é, ao mesmo tempo inteligível e inteligência, em uma substancia pensante, na qual coincide pensante e pensado. As idéias tronara-se “forças” ou “potência inteligentes” e, portanto, vivem, ou seja, são espíritos ou intelectos. Em suma: como as idéias são multiplicidade dos seres inteligíveis, na qual se determina o ser no interior do próprio ser, assim elas e o ipso, multiplicidade de espíritos (de intelectos), na qual se determina o espírito no interior de si mesmo.

2)            Ligada estreitamente a essa é a modificação ulterior da concepção da relação subsistente entre as idéias, entre cada idéia e a totalidade das idéias e vice-versa. Platão afirmara a existência de uma trama de relações (seja positivas. Seja negativas) entre as varias idéias, mas Plotino vai bem além, chegando a afirmar que cada idéias é, em certo sentido, todas as outras idéias. Com efeito, já que o espírito é inteligência, não de uma coisa, mas de todas as cosias e coincidem com elas, e necessário que cada uma das suas partes seja também conhecimento de todas as coisas pois, se alguma das partes não o fosse, sendo cada uma e todas o mesmo espírito, se seguiria o absurdo de uma parte do espírito não ser espírito.

3)            Nesse sentido, diz Plotino que o espírito é uno - muitos, vale dizer, unidade multíplice e multiplicidade uma.

Essa característica das idéias, que parece tão paradoxal, na verdade se explica facilmente se tivermos presentes os dois traços essenciais do espírito em geral (do que são momentos particulares) isto é a imaterialidade ou incorporeidade e a infinitude (no sentido da inexauribilidade da sua potencia).

a)            Enquanto incorpóreos, o ser e o espírito não podem ser entendidos como muitos, como se fossem divididos nas varias idéias, ou como se fossem farionados em partes fisicamente separadas uma das outras, justamente como acontecem nas partes nas quais se dividem os corpos, que são múltiplas enquanto ocupam múltiplos espaços e são diversas em razão da sua espessura física. As muitas idéias que constituem o ser e o espírito, ao Ives, são tais em razão da alteridade inteligível (da qual Platão já falava no Sofista).

(...) Nós (...) concedemos que o ser seja multiplicidade em razão da alteridade, mas não no sentido do lugar. Com efeito o ser é “tudo simultaneamente” mesmo se seja, nesse sentido, pluralidade; já que “o ser confina com o ser” e é “todo simultaneamente; o espírito igualmente é múltiplo somente em razão da alteridade, não em sentido local, mas também “todo simultaneamente”.

Em suma, essa alteridade na medida em que não é alteridade de partes físicas e corpóreas mas diferenciação puramente espiritual, entra no ser (é alteridade do ser e no ser); mas o ser é unidade, de sorte que, nesse sentido, as idéias resultam numa multiplicidade simples e una e uma unidade múltipla, como acima dizemos.

Eis um texto muito indicativo:

O ser será pois vario e múltiplo? Vario, sim, mas com uma variedade simples e uma multiplicidade uma. Na verdade o ser é forma racional e única e múltipla e o ser universal é unitário. Com efeito, também o outro é derivado ao seu ser e a alteridade lhe pertence: compreende-se que ela não possa entrar no não ser. Além disso, o ser entra na unidade inesperada e onde quer que esteja o ser, mundo dele está a sua unidade e, doutra parte, o uno é ser de si mesmo, já que é possível que coexistem presença e distinção.

b)            as mesmas conclusões se obtém considerando os paradoxos do Uno muitos e do tudo em todos segundo o parâmetro infinito.

Se o espírito é infinito (e é infinito fecundado pela infinita potencia do Uno, ainda que retratada no modo que acima vimos) possui cada coisa singular e, vice-versa, em cada coisa deve, ser todas as coisas pois, doutro modo, na coisa singular o ser (o espírito) estaria diminuindo e depauperado e, portanto, de maneira alguma seria infinito.

Os seres inteligíveis, sendo muitos saio uno e sendo uno são muitos em virtude da sua natureza ilimitada. São, assim, muitos em uno e uno em muitos e são todos simultaneamente. O seu referido ao universal se exerce em todo o seu ser, mas, referido ao particular se exerce igualmente em todo o seu ser.

3)Também o caráter de eternidade do espírito (e, portanto, das idéias) acaba tendo um novo conteúdo, e em vez de ser determinado simplesmente como presente imóvel, ou seja, como a temporalidade estóica, é concebido dinamicamente, sendo conexo não só com a perfeição, mas também com a infinidade, ou seja, com a inexauribilidade da sua opotencia, ligado portanto com o teorema do “tudo em tudo”. No espírito, o “foi” e o “será” estão no “é”, na medida em que qualquer coisa que diga respeito ao espírito deve está sempre contida inteiramente e atualmente no espírito. Em suma, o futuro está no “é” do presente (como também acontece com o passado) porque tudo está em tudo uma vez que o espírito é todas as ciosas, não tem necessidade de nada e é inexaurível (potencia infinita).

4)            Platão introduziu as idéias como causas verdadeiras, como a “razão” e o “porque” das coisas sensíveis, mas teve ,muito trabalho para explicar em que sentido elas eram causas das cosias. Nas coisas sensíveis o quê (ou seja o ser-aí das coisas) e o porquê (ou seja, a razão do ser-aí das cosias) geralmente não coincidem; o porquê é sempre ulterior com respeito ao ser-aí físico das coisas, ao contrario, no mundo do espírito, o que e o porquê coincidem. Isto, levando em conta as explicações acima, não vale somente para o espírito no seu conjunto, mas igualmente para cada um dos seres que estão nele, ou seja, para cada idéia. Cada idéia, assim como o espírito, é tudo em todas (o espírito é cada ser singular do seu conteúdo). Em resumo: as idéias (como o espírito em geral) não têm, mas são a causa do próprio ser e, portanto, pôr essa razão são a causa de tudo mais.

5)            Na medida em que o espírito encerra em si todas as coisas, a idéia de todas as coisas e não somente das espécies, mas também de todas as diferenças possíveis com as quais as espécies podem apresenta-se. Portanto, não há somente uma idéia do homem, mas tantas idéias de homem quantas são as diferentes conformações dos homens, quanto são as diferenças individuais. Mesmo vale igualmente para os animais e para todas as outras coisas.

Plotino foi levado a essa conclusão, que é diferente da Platônica, pela sua concepção puramente negativa da matéria (que é não-ser). Com efeito, essa concepção o impedia (como mais adiante veremos) de atribuir à matéria qualquer capacidade de “individual” a espécie e de determinar as diferentes configurações particulares nas quais a espécie se manifesta nos múltiplos indivíduos (pôr exemplo, o homem como raiz aquilino ou achatado), da matéria segundo Plotino, derivam apenas fealdade e privações (por exemplo, o ser coxo, vesgo e outras deficiências) e tudo o que pode ser considerado inadequação na realização empírica da idéia.

Alguns estudiosos chegaram à conclusão e que Plotino, pôr conseguinte, admite a existência de idéias de todas as coisa individuais. Mas isso não e exato, ou pelo menos, é muito equivoco, uma vez que fala Plotino justamente o conceito de indivíduo como singularidade irrepetível. Com efeito, devemos observar, de um lado, que o mundo tem para Plotino uma historia, na qual se sucedem os vários períodos cósmicos, e durante cada um deles e retornam sempre as mesmas coisas, de modo que o mesmo modelo se repete sempre muitas vezes: portanto, também aquele singularismo tipo de homem ou de animal que, em dado ciclo, foi produzido apenas uma vez com aquelas particularíssimas diferenças, a sucessão dos ciclos, em todo caso, se repete muitas vezes.

Doutra parte deve-se observar que, no que diz respeito ao individuo homem, a questão torna-se mais complexa em virtude da doutrina da metempsicose, aceita por Plotino. Com efeito, no contexto dessa doutrina, a alma de Sócrates não é sempre Sócrates, porque renasce com outro rosto e aparência de modo que, nesse sentido, não poderá haver uma idéia de Sócrates.

6)            Platão na sua metafísica esotérica, estabelecera os números ideais como princípios dos quais derivam as idéias, e pusera princípios dos quais derivam os próprios números o Uno e a Díade.

A mesma doutrina, já reprovada pêlos neopitagoricos, encontramo-la também em Plotino, em parte aprofundada e tornada mas clara, embora não alcançada a primeiro plano. Os números ideais (que devem ser cuidadosamente distinguidos dos números matemáticos, isto é, dos números que surgem na mente do sujeito numeramente, isto é, do sujeito que os conta) derivam do próprio Uno. A Díade (já vimos em que sentido Plotino fala da díade) surge também do Uno, como já o haviam sustentado muitos nascem justamente dessa ulteriormente caracterizados pôr Plotino com a força que divide o ser e feliz nascer à multiplicidade no ser, a regra segundo a qual nasce do ser os múltiplos seres; e, nesse sentido, como fundamento e raiz dos seres.

7)Tudo o que se disse acima (e em particular, o princípio segundo qual o espírito ou o ser é Uno e muitos – muitas idéias justamente e harmonicamente unidade na variedade, simplicidade na diferença, tudo em tudo) explica a razão pela qual Plotino denomina o Nous com expressão filoniana, como já lembramos, “cosmo inteligível”, mundo de ordem e da harmonia espiritual, portanto, mundo da beleza. Para Plotino, com efeito, a beleza, em geral coincide com a forma: uma coisa é bela segundo o quanto possui de forma. O espírito, que é o fundo das formas e da idéias, ou seja, o sistema perfeitamente ordenado das formas nas sua totalidade (totalidade na qual uma forma singular é todas as outras e na qual todas são unificadas, mesmo sendo diversas) é a suprema e absoluta beleza.

 

As categorias do mundo inteligível

 

Dizíamos acima que a distinção entre o mundo corpóreo e o mundo incorpóreo é uma das colunas mestras do sistema plotiniano.

Mais ainda, levando as conseqüências extremas às conclusões que derivam de tal distinção, Plotino, afirma que o sistema aristotélico das categorias não vale para o incorpóreo e, pôr conseguinte, estabelece dois sistemas categorias complemente diferentes para as duas esferas da realidade.

Sendo o Uno absolutamente simples, para ele não vale nenhum sistema categorial. O Uno é principio transcategorial. As categorias do incorpóreo valem, portanto, para as outras duas hipóstases e, sobretudo, para o espírito.

Essa categoria, tiradas pôr Plotino do Sofista de Platão, com as oportunas reformas que se impunham em virtude da sua nova metafísica, são: a) o ser ou ousía, b) a estabilidade ou Êxtase, c) o movimento, d) o idêntico, e) o diverso ou diferente.

Tudo, no mundo do espírito, é usía. Além disso, o pensar do espírito implica movimento (trata-se evidentemente, de movimento espiritual e não físico). Mas o pensar do espírito implica do mesmo modo instabilidade ou estase, devida aos seus conteúdos. Além disso, o espírito é identidade de si consigo mesmo, assim como é diferença entre pensante e pensado.

Essas distinções categorias no mundo dos espíritos são, obviamente, concebidas na dinâmica do uno - muitos e do tudo-em-tudo, como Plotino expressamente observava.

A doutrina das categorias, no entanto, ainda que difusamente traída, não desempenha um papel primário no sistema plotiniano.

Deve-se, porem, observar como o fato de ter Plotino expressamente estabelecido que as diversas esferas de ser postulam sistemas categorias estruturalmente diversos constituam um avanço essencial na historia da ontologia.

 

A terceira hipóstase: a alma

 

A processão da alma desde o espírito e a dupla revelação que vigora entre a alma e o espírito

 

O espírito, como vimos, é potencia infinita, ou seja, inexaurível e justamente porque é tal, “transborda”, pôr assim dizer, e gera outra realidade, hierárquica inferior, que é justamente a alma.

Como acontece a processão da alma a partir do espírito?

Plotino faz uso dos mesmos módulos dos quais se sérvio para explicar a processão do espírito a partir do Uno. Com efeito, ele distingui (analogamente a quanto vimos a propósito do Uno), a) uma atividade do espírito, ou seja, uma atividade que o espírito dirige a si mesmo e b) uma atividade a partir do espírito, vale dizer, uma atividade que provem do espírito e sai dele. A segunda atividade deriva da primeira e é, mesmo, conseqüência da primeira na medida em que, justamente em virtude do próprio voltar-se sobre si mesmo, o espírito produz alguma cosia diferente de si.

O resultado da atividade que procede do espírito não é sem mas, ou seja, imediatamente a alma.

É necessário, como já vimos a propósito do espírito com relação ao uno, que também produto da atividade que procede ao espírito volte-se para irar e contemplar o próprio espírito: como efeito, a alma, como produto da atividade do espírito é, em face do espírito para qual se volta à contemplação, como a matéria com respeito à forma ou, como também se exprime Plotino, como o indeterminado com respeito à determinação formal.

Mais ainda, voltando-se para o espírito e contemplando-o, a alma, “através do próprio espírito”, vê o bem isto é, o Uno, torna-se “conforme ao bem” e entra na “posse do bem”.

Em ultima analise, o fundamento primeiro da realidade da alma reside justamente nesse seu está ligada ao Uno por meio do espírito.

 

Características essências e papel fundamental da alma no sistema plotiniano

 

Mas, qual é a característica especifica da alma e a sua razão de ser, e em que se diferencia do espírito do qual, no entanto, é “imagem e simulacro”?

A característica essencial do espírito consisti no pensar (e eis porque, lembremo-nos, Plotino escolheu o termo Nous, que significa justamente inteligência e pensamento, para designá-lo.) Daqui sua dualidade (já que o pensamento é sempre pensamento do ser) e mesmo sua multiplicidade (já que o ser é uma multiplicidade de idéias): dualidade e multiplicidade que, pôr outro lado, e pelas razões já vistas, coincidem com a unidade (o espírito é, essencialmente Uno - muitos). O uno, diz Plotino, se quer pensar deve-se fazer espírito, uma vez que o Uno como tal, pelas razões acima expostas, não pode pensar. Ora, também a alma pensa, ao menos na medida em que mira e contempla o princípio que há gerou, vale dizer, o espírito; mas a sua essência não consiste no pensar (do contrario não se distinguiria do espírito), mas sim em produzir e dar a vida a todas as outras coisas que existem (ou seja, todas as coisas sensíveis), em ordená-las e governa-las.

Ora, deve-se notar que esse “olhar” da alma, as coisas que vieram depois dela, esse “ordenar”, “reger”, “comandar” coincidem com o produzir, gerar e dar vida a essas mesmas coisas. A alma, como já menciona,os, é a casa produtora primigênia, o principio criador e vivificador de todas as coisas.

Concluído, podemos dizer que, como o Uno devia torna-se espírito para pensar, assim devia torna-se alma para gerar todas as coisas do mundo visível. A alma constituí o momento extremo no processo de expansão da infinita potencia do Uno, a hipóstase cosmagônica que coincide com o momento no qual, com ultimo dom de s, o incorpóreo gera o corpóreo, manifestando-se na dimensão de sensível.

Com efeito, não se pode esquecer que as hipóstases que sucedem ao Uno são, num certo sentido, o próprio Uno, na medida em que esse é a fonte e a potência de tudo. Mas, noutro sentido, não são o Uno, mas diferenciações da potencia do Uno, nas quais o novo que surge não destrói o antigo, mas flui exatamente da permanência do antigo.

 

A alma e a sua posição intermediária

 

Do que foi dito torna-se clara a significação da posição intermediária que Plotino confere à alma. Ela é a ultima deusa, ou seja, a ultima das realidades inteligíveis e, portanto, é a realidade que confirma com o sensível e é, mais ainda, a causa que produz o sensível.

A alma tem, por assim dizer, “duas faces”, orientadas numa e noutra direção.

Isso significa, note-se bem, que a natureza da alma seja algo misto de corpo e incorpóreo. Com efeito, Plotino devolve todo o esforço para repelir qualquer concepção que, de qualquer maneira, ligue a natureza da alma a natureza do corpóreo. Não somente ele recusa a concepção extrema do estoicismo, mas igualmente a concepção pitagorica da alma como harmonia e mesmo a concepção aristotélica e, portanto, possui duas faces porque, no gerar do corpo, a gozar de todas as prerrogativas do incorpóreo, “acontece-lhe” ter comercio com o corpóreo pôr ela mesma produzido e, em conseqüência, acontece-lhe ter algumas características do corpóreo, mas não no modo pelo qual essas características são próprias do mesmo corpóreo.

Expliquemos melhor esse ponto de notável importância. A alma, produzindo o sensível e entrando em comercio com o sensível, embora não sendo originalmente e primeiramente divisível, “torna-se divisível nos corpos”. Isso significa que, quando os corpos são divididos, acontece que também a alma, que está neles, é dividida: não porem, a maneira com que os corpos são divididos, mas, sim, permanecendo na sua inteireza em cada uma das partes, ou seja, sem cair da unidade do seu ser. Em suma, o torna-se divisível da alma não significa o seu romper-se em partes sucessivamente separadas uma da outra, como acontece com os corpos, mas o entrar inteira em todas as divisibilidade do corpo dividido, já que ela não tem grandeza de modo que, no fim, a divisibilidade permanece prerrogativa dos corpos, ao passo que a alma fica com a capacidade de entrar em todas as partes.

Nesse sentido, pode-se dizer que a alma é divisa-e-indivisa, una-multipla enquanto principio que produz, rege e governa o mundo sensível, com sua unidade múltipla e divisa ela dá a vida a todas as coisas com a sua unidade indivisível, reúne-se e governa. A alma é toa em todas as partes e em todas as partes idênticas. A alma é, assim, uno-e muitos, ou seja unidade e pluralidade, enquanto o principio primeiro é exclusivamente Uno, o espírito é uno - muitos, e os corpos são exclusivamente muitos.

 

Pluralidade da alma

 

A questão da unidade e da multiplicidade próprias da alma, da qual acabamos de falar, mostra-se ainda mais complexa se a considerarmos por outro ângulo. Com efeito, Plotino fala de uma multiplicidade da alma não somente no sentido que podemos chamar horizontal, mas também no sentido vertical, hierárquico. O nosso filosofo admite uma gradação hierárquica verdadeira e em sentido próprio no âmbito da Psyché. A característica do uno - muitos, que vimos ser própria do espírito, difere portanto, também nesse caso, da característica do uno-e-muitos própria da alma. No espírito, cada idéia é todo o espírito (vice-versa) porque, se assim não fosse, o espírito se apresentaria diminuído e empobrecido nas idéias singulares. Pôr isso, no mundo do espírito e do ser não há hierarquia, ao passo que na esfera da alma surge também essa multiplicidade hierárquica.

Os estudiosos diverge bastante ao individual essa hierarquia de almas, dada a extre,a variedade e mobilidade da linguagem plotiniana a esse respeito. Todavia, não obstante essa prolivocidade da linguagem da Enéadas com respeito a alma, que algumas vezes frisa a equivocidade, parece que a hierarquia das almas, ou melhor, dentro do âmbito da alma, a qual Plotino refere-se, seja a seguinte.

a)      em primeiro lugar está a alma suprema, a alma universal, ou seja, a alma na sua inteireza e pureza: essa é a alma considerada como pura hipóstase do mundo inteligível, em união estreita com o espírito do qual procede, e fora das declarações com o mundo sensível.

b)      Existe, em seguida, a alma do todo, que é a alma do mundo e do universo sensível, que põe, rege e governa o universo. A alma do universo acaba tendo assim uma relação exata do corpóreo, mas não “desce” do corpóreo. Permanecendo na esfera do inteligível, diz Plotino, ela se reveste do corpóreo, ou melhor, é o corpo que a ela se prende sendo pôr ela irradiado, enquanto ela fica na esfera superior, sem ser de modo algum afetada pelo corpo.

c)      Finalmente, há as almas particulares, que não criam , mas animam os corpos singulares, ou seja, as almas das estrelas e as almas dos homens e dos seres vivos particulares as quais (especialmente as dos homens e as dos viventes terrestres) “descem” nos corpos e, portanto, tem com os corpos relações mais estreitas do que a alma do universo, da primeira alma derivam as outras, seja a do universo seja as almas singulares, pôr conseguinte, essas ultimas são da mesma natureza que a alma do universo e se diferenciam, como já dissemos, pela menor ou maior proximidade comos corpos ou, para usar termos que explicaremos mas adiante, pelo maior ou menor grau de contemplação (o apego ao corpo e a descida no corpo pôr causa da alma são tanto maiores quanto mais arrefece a contemplação do espírito).

 

Alma, physis e logos

 

 A “natureza”, para Plotino, representa a fimbria extrema do mundo do incorpóreo e é o quanto de inteligível se reflete na matéria, representando o limite extremo no qual terminamos os seres verdadeiros.

Evidentemente, a natureza concebida dessa maneira na o é mera atividade produtora irracional, mas, ao contrario, é atividade produtora acompanhada da razão, Aristóteles havia mostrado na forma, no eidos e no logos, uma das significações da physis; Plotino retoma essa concepção e a leva as suas conseqüências extremas: a physis é eidos e logos, ou seja “forma racional”, ou melhor, é logos ou forma racional que produz outro logos, isto é, outra forma racional; ao invés, o eidos que é incluído na matéria está doravante desvitalizado e, portanto, não é mais capaz de produzir outra coisa. Em resumo, a natureza é logos que fornece as formas à matéria sensível.

Compreende-se que Plotino, nesse contexto, chegue a atribuir a própria physis uma “contemplação”. No entanto, já sabemos que a physis deriva de uma contemplação (da alma). Mas é essa mesma contemplação, na medida em que é forma racional e vida e, mais ainda, justamente enquanto contemplação, é criadora, ou seja,. Na medida em que é visão de formas e produtora de formas na matéria.

Também a natureza, como as realidades inteligíveis, contemplando produz.

 

A processão do sensível a partir do inteligível, a significação e o valor do cosmos físico

 

O problema da dedução do mundo físico

 

Como e por que existe o universo físico? Por que a realidade não termina com o mundo do incorpóreo e existe em outro mundo?

Comos urgiu o sensível, quais são as suas características estruturais, sua significação e valor?

Esses são os problemas fundamentais de toda a ontologia e de toda a metafísica. Mas eles adquirem um relevo particularmente notável no contexto da especulação plotiniana, em virtude do caráter dedutivo, que procede de cima para baixo, adotado pelo nosso filosofo.

No fundo, considerando-se bem, esses problemas se inserem profundamente no problema geral ao qual aludimos no inicio: por que o Uno não permaneceu Uno e por que do Uno derivaram também os muitos?

Mais ainda. Esses problemas constituem apenas a formulação do aspecto mais delicado e, num certo sentido, mas dramático do problema geral: como e por que do Uno incorpóreo derivou, alem do múltiplo incorpóreo, também o múltiplo corpóreo?

 

A processão da matéria do mundo sensível e as suas características

 

Dissemos que o elemento característico do mundo corpóreo e, justamente, a matéria sensível; digamos porem, logo, que a atenção deve voltar-se para o adjetivo e não para o substantivo. Com efeito,também no mundo do incorpóreo existe uma “matéria”, mas é uma matéria puramente inteligível. Vimos com a atividade ou potencia que deriva, do Uno não formam imediatamente a segunda hipóstase, ou seja o espírito, mas sim algo que se pode chamar de indeterminado ou de informe (um pensamento indeterminado e informe) que se determina e se torna no ético ou mundo das formas, contemplado o próprio Uno e sendo fecundado por ele. A potencia que deriva do uno é, portanto, como uma matéria indefinida,que se define somente voltando-se para o Uno. Algo análogo vimos igualmente a propósito da alma.

O resultado da atividade do espírito não é imediatamente a alma, para ser alma deve voltar-se para o espírito, em face do qual é como a matéria diante da forma, o indeterminado diante do determinado.

Mas a matéria inteligível tem característica própria do inteligível, vem a ser, a simplicidade, a imutabilidade, e a eternidade, ao passe que a sensível revela característica opostas. Por que isso sucede? Plotino nos oferece uma primeira resposta utilizando os conceitos de “exemplar” e “imagem” (modelo e copia). A característica de todo o tipo de matéria é o ser indefinida, indeterminada, limitada. A matéria sensível é a imagem da inteligível, enquanto imagem ou copia, afasta-se do ser do original e é, portanto, mais indeterminada e, portanto, entregue ao negativo e ao mal.

Mas isto não basta inda para dar razão da radical diferença entre a matéria inteligível (modelo) e a sensível (imagem e simulacro da outra), uma vez que também no mundo inteligível toda hipótese é copia ou simulacro da precedente e, no entanto, mantém a mesma natureza da precedente, na medida em que deriva dela.

Também a matéria deriva de causas que a precedem e, por conseguinte, do inteligível,e não é algo que se contraponha ao inteligível desde a eternidade (como em Platão). A solução para os nossos problemas deve,pois, ser procurada no modo segundo o qual ela deriva da precedente e no porque ela não consiga constituir uma hipóstase ulterior: somente assim poderá o compreender as razões pelas quais, com o surgir da matéria sensível, o ser se perde no vir-a-ser.

No entanto, resulta claramente que a matéria é deduzida por Plotino de causas anteriores.

A matéria sensível deriva da sua causa como possibilidade ultima ou seja, como a fase extrema do processo no qual o impulso para criar e a força de produzir se enfraquecem até esgotar-se completamente.

A matéria sensível torna-se, assim, esgotamento total e, portanto, privação extrema da potencia do Uno e, por conseguinte, do próprio Uno ou, em outros termos, privação do bem (que coincide com o Uno). Nesse sentido, ele torna-se mal (note-se que o mal não é entendido como força negativa oposta a positiva, mas como falta e privação do positivo).

É, portanto, compreensível que Plotino tenha podido definir sem mais a matéria como não-ser; essa expressão não pretende indicar o nada,. Ou seja, o não existente, mas , como não-ser; essa expressão não pretende indicar nada, ou seja, o não existente, mas, como plotino expressamente, o “outro ser”,. Com efeito, sendo a matéria inteligível ser, para distinguir-se da inteligível, a sensível deve ser diversa do ser (ou não ser aquele ser que é próprio da matéria inteligível).

Em resumo, a matéria não é anda que é próprio do mundo do ser, do espírito e da própria alma e, em geral, do inteligível.

Plotino procura determinar razões dessa falta de espessura ontológica, própria da matéria.

Ela é produzida pela alma, não pela alma suprema, fixada na contemplação, mas pela fimbria ultima da alma do universo, na qual a contemplação se enfraquece, pelo menos na medida em que alma se volta mais para si do que para o espírito.

Finalmente Plotino procura aprofundar a razão da natureza diferente da matéria com respeito as realidades que a precedem, com seu conceito típico de contemplação. A alma superior contempla, e dessa contemplação brota a força criadora da alma cósmica. Ora, essa força criadora não é, na realidade, mais do que contemplação enfraquecida; uma contemplação que é homogênea com respeito às da alma superior, mas sempre mais diminuída quanto a intensidade, tanto que “nessa diminuição quase desvanece”.  

Assim a matéria, produto dessa atividade que é contemplação enfraquecida, não tem mais força para voltar-se para a que a gerou e, por sua vez, contemplar, tanto assim que compete a alma sustenta-la, por assim dizer, e , portanto, ordena-la, informa-la e, de alguma maneira, mante-la suspensa do ser.

 

As formas e o desenho racional do mundo, sua gênese e relação com a matéria

 

O mundo sensível é constituído, na sua totalidade como nas suas partes, de matéria e forma. Mas, diferentemente da matéria inteligível, que é força ou potencia que busca perenemente a sua forma e que perenemente e, de fato, a possui e nela se atua, a matéria sensível não é capacidade positiva de receber a forma, mas somente possibilidade inerte de refleti-la, sem ser verdadeiramente informada e vivificada.

Em suma, a material sensível é tal que é incapaz de constitui com a forma uma verdadeira unidade.

Por esse motivo, não se pode dizer que a forme entre verdadeiramente na matéria, mas somente “a modo de mentira”, ou seja, superficialmente e quase aparentemente, como um objeto que se reflete num espelho.

O que até agora dissemos permite compreender plenamente a dupla atividade com a qual a alma cria o mundo físico.

a)      em primeiro lugar, ela põe a matéria que é como que a extremidade do circulo de luz que se apaga e torna-se obscuridade,

b)      depois dá forma a essa matéria, como que espancando as trevas e recuperando - as para a luz. Naturalmente, as duas operações não são cronologicamente distintas, mas só logicamente. A primeira ação da alma deriva do extremo enfraquecer-se da “contemplação”, a segunda do último esforço, por assim dizer, da contemplação.

Com isso indicamos a origem da forma que reverbera no mundo sensível: ela é o quanto de espírito passa através da alma suprema contemplante a alma criadora. Em outros termos: as idéias que constituem como sabemos o ser e o espírito, são pensadas e contempladas pela alma com formas e, depois, descem ao mundo físico como determinação racional, como logos ou desenho racional do mundo, como diz Plotino com terminologia tomado do estoicismo, mas que, no seu conteúdo conceptual, transforma em sentido platônico.

Nesse sentido, pode-se compreender a conclusão a que chega Plotino, ou seja, a de que no universo sensível não somente a forma tem um nítido predomínio, mas de que, mo limite, o cosmo resolve-se quase inteiramente na forma.

 

Gênese da temporalidade

 

A passagem do mundo inteligível ao mundo sensível comporta a passagem do ser ao vir-a-ser, vale dizer, da eternidade à temporalidade, como nasce à temporalidade?

Também, m a esse problema Plotino procurou dar uma resposta explicita. A temporalidade nasce por obra da alma conjuntamente com a produção desse nosso universo. Mais ainda, a temporalidade coincide com a própria atividade com a qual a alma produz o mundo físico, ou seja, com a atividade que produz alguma cosia diferente do espírito e do ser, que estão na dimensão do eterno.

Como já sabemos, a eternidade é, para Plotino, vida sem mudança, vida simultaneamente presente na sua integralidade. A vida do espírito é vida eterna justamente porque é presença da totalidade do ser que, sempre, é tudo no todo.

Ora, a alma, por uma espécie de temeridade e desejo de pertencer a si mesma ou, como se exprime Plotino com outra imagem, por desejo de transferir para um diferente a visão lá do alto, não contente de ver o todo simultaneamente, sai da nidade, avança e se distende, por assim dizer, num prolongamento e numa serie de atos que se sucedem um ao outro, e assim um mundo sensível feito, na verdade, segundo a imagem do inteligível, mas que fatalmente se move e põe na sucessão do antes e do depois o que lá, ao invés, estava junto à era simultâneo. Dessa maneira, a alma se temporiza a si mesma e, portanto, o seu produto. O mundo está estruturalmente no tempo, assim como está na alma e para alma.

Quando se diz a característica típica da alma, para Plotino, é a vida, entende-se extremamente a vida na dimensão da temporalidade, diferentemente da vida do espírito que é na dimensão da eternidade.

E a vida como temporalidade é a vida que flui em momentos sucessivos ou, se refere, que cria no fluido, ou fluido cria os momentos sucessivos e que, portanto, está sempre voltada para os momentos ulteriores e sempre carregada com momentos já transcorridos.

Com essas notáveis amplificações, Plotino repropõe a definição do tempo como imagem do eterno.

Três corolários merecem ser postos em relevo a propósito dessa concepção do vir-a-ser.

Em primeiro lugar, o vir-a-ser perde todo o caráter dramático e catastrófico, na medida em que nascer e morrer torna-se apenas um jogo móvel da alma que reflete as suas formas como num espelho: trata-se – convém notar – num jogo que tudo se conserva e nada parece já que, com diz expressamente Plotino, nada pode ser riscado do ser.

Em segundo lugar, o próprio universo, e não somente as suas duas artes, não parecerão, assim como não nasceu do nada num determinado momento. A gênese do mundo é terna, ou melhor, é ab eterno, no sentido de que a alma ab aeterno se temporaliza querendo ab aeterno fazer viver no diverso o que ela contemplou no espírito, segundo a lei necessária da processão.

Em terceiro lugar, sendo a alma a que gera e sustenta o mundo e todas as suas partes e sendo ela, na sua essência, vida, tudo é vivo, mesmo o que não tem aparência de vida, a terra e todos os elementos: em suma “não há que não viva”.

 

Gênese do corpóreo e da espacialidade e da sua natureza

 

Como o tempo depende da atividade da alma, assim apropria corporeidade (e consequentemente, a espacialdiade) dependem da forma, da atividade da forma sobre a matéria.

Com efeito, a matéria, concebida da maneira como vimos acima, não é nem massa nem extensão e, portanto, não é corporeidade. O corpo, em geral, nasce da união da forma com a matéria, e é o resultado da qualidade unida à matéria. Em particular, Plotino especifica que a corporeidade enquanto tal é forma, é logos, é razão seminal produtiva, que gera o corpo concreto em união com a matéria. Essa é uma tese muito interessante porque representa a tentativa extrema de fazer depender do logos e da forma qualquer determinação positiva. Já os estóicos definiam o corpo como matéria qualificada (matéria mais qualidade), mas entendiam qualidade como imanente a matéria num contexto materialista, ao passo que Plotino transpõe a doutrina para um contexto espiritualista, no qual a matéria é reflexo da forma. O corpo é portanto, em ultima analise, uma criação da forma.

 

A positividade do mundo corpóreo

 

Essa concepção da gênese e do mundo físico poderia, por si, da origem a duas avaliações contrapostas do mesmo mundo. Na medida em que se trata d um mundo que, de qualquer maneira, tem haver com uma matéria que é privado do bem, ou seja, má poder-se-ia concluir que o mundo nasceu sob o signo do mal. Ao invés, na medida em que se sublinha o aspecto da matéria como sobra da forma e a derivação a partir da alma e, portanto, do espírito, ou, em ultima analise, do mundo em geral, deve-se concluir que nasceu sob o signo do bem.

Essa segunda conclusão, conquanto não livre de aporias, é a que Plotino deduz dos seus princípios e defende profiadamente contra a oposta tese gnóstica.

Deve-se, no entanto, observar como a antiga intuição platônica, segundo a qual a alma não está no mundo, mas o mundo na alma, são levadas por Plotino as suas extremas conseqüências: a alma não somente produz o cosmo, mas o abraça, enfeixa, recolhe no próprio seio.

É evidente que, retomadas nesse contexto, as doutrinas estóicas da simpatia universal e da providencia recebem nova significação espiritualistas, com amplificações inéditas.

A própria doutrina de Demiurgo e muitas questões levantadas pêlos platônicos mudam a sua significação desde este ponto de vista

Num certo sentido, o Demiurgo é a alma, pois é a verdadeira causa produtora do mundo; mas a alma não produz somente enquanto vida e geradora de vida (o que é a sua característica particular), mas enquanto possuem em si as formas que derivam das idéias do espírito.

Nesse sentido, o espírito também é Demiurgo. Em ultima instância, o próprio Uno entra em questão, se é verdade que o cosmo físico devia nascer para que fosse realizada toda a potencia do Uno. Mas em geral, no entanto, como veremos, o conceito de “contemplação criadora deveria transformar completamente a problemática do Demiurgo.

A polemica antignostica reforçou mais ainda a convicção de Plotino acerca da positividade dos cosmo físico. Para o nosso filosofo, quem julga o mundo como mal nascido, comete um erro fundamental de avaliação, olhando segundo uma ótica errada: o mundo não deve ser visto nem julagdo como modelo, ou seja, como espírito, mas como copia que imita o modelo. Julgado como copia, vem a ser, como imagem, então é necessário concluir que ele é a mais bela imagem do original. De resto, Plotino diz mesmo que o mundo sensível “existe para o espírito e olha para o alto”.

Mas ainda, não somente ele afirma que o mundo olha para Deus, mas que, em certo sentido, o próprio mundo está em Deus. Já que o mundo está na alma, a alma está no Nous, o Nous está no Uno, e o Uno não está noutro, as tudo encerra em si.

A espiritualização do cosmos é levada verdadeiramente por Plotino até os limites do acosmismo: a matéria é reduzida à atividade da alma enfraquecida, o corpo a forma, o mundo a um jogo móvel de forma que se movem como num espelho, à força é suspensa do espírito e o espírito do Uno.

 

Origens, natureza e destino do homem

 

O homem anteriormente a sua descida no mundo corpóreo

 

O homem não nasce no momento em que surge o mundo corpóreo, mas preexiste a ele, ainda que noutra condição, ou seja, em estado de alma pura.

Entretanto, Plotino diz com toda clareza que antes do nascimento nós “estávamos lá em cima”, no mundo do ser e do espírito, éramos “outros homens”, e mais ainda “éramos deuses”, participantes da vida espiritual do todo, sem as sisões e as diferenças próprias da vida terrena.

Plotino explica, ademais, que as nossas almas estavam na origem associadas à Alma universal.

É necessário observar que, nessa fase, a alma conhece intuitivamente e simultaneamente a totalidade das cosias que estão no Espírito e, através do Espírito, o próprio bem nesse contexto isto é, na unidade com o espírito e com o bem, a alma tem também consciência de si.

Mas, por que as almas dos homens descem aos corpos?

Esse é o antigo problema que preocupa Platão e ao qual ele não soube dar uma solução unívoca, oscilando entre teses opostas: a de uma necessita ontológica e a de uma “culpa” Plotino reto essas teses opostas e tenta conciliá-las, com base nas conquistas da sua metafísica.

 

A descida aos corpos

 

Observe-se desde logo que a razão principal da descida das almas particulares aos corpos individuais deve ser buscada, em primeiro lugar, na própria lei que regula a “processão” de todas as cosias do Uno. Segundo essa lei, portanto, a alma universal deve desenvolver todas as suas possibilidades, e, assim deve produzir não só o universo em geral, através da alma do cosmos, mas também todos os viventes particulares, através das almas particulares, entre os quais está o homem; e tudo isso acontece, ou melhor, deve acontecer, para que a infinita potencia do Uno possa alcançar o seu total desenvolvimento e para que possa ser garantida a perfeição do todo, como vimos. Em suma: como a alma universal não pode permanecer como puro pensamento, pois, se assim fosse, não se teria distingui do Espírito, assim as almas particulares não puderam permanecer como espíritos particulares, mas foram obrigadas a assumir, para distinguir-se dos puros espíritos, a função que lhes é peculiar, que consiste em ordenar, reger e governar as coisas sensíveis.

Ora, é evidente que, assim sendo, a “descida” da alma aos corpos não é voluntária, enquanto não depende de uma escolha nem de uma deliberação da própria alma e, portanto, não pode constituir uma “culpa”. Antes Plotino admite até mesmo que, se a alma consegue fugir rapidamente do corpo, não só recebe dano pelo fato de ter assumido um corpo, mas um enriquecimento, seja pôr ter contribuído, como já disse, para atuação das potencialidades do universo, seja pôr ter sofrido a própria experiência do mal (que consiste no impacto com o corpóreo) que a faz adquirir consciências, mas clara do bem e lhe permite desenvolver todas a suas virtudes.

Todavia, ao mesmo tempo em que diz isso, Plotino afirma também que a tese que, para a alma, era melhor permanecer junto ao espírito e que o descer, pôr enquanto necessário, é um “piro” e, portanto, um mal e uma culpa (uma espécie de audácia ou de temeridade).

Voltamos assim às incertezas de Platão?

Plotino aceita ter superado a dificuldade ao distinguir duas espécies de culpa próprias da alma.

a)      A primeira espécie de culpa consciente, em geral, na própria "descida”, a qual, como vimos, na medida em que é inelutável, é involuntária, e o “castigo” que cabe a essa culpa é própria experiência dolorosa da descida aos corpos. Como esse mesmo tipo de culpa, ao seja, como essa descuida necessária, coincide a “vontade de apartasse” ao o “retirar-se na individualidade”, da qual fala Plotino, dado que justamente nisso consiste o fato de se tornar almas de corpos individuais e particulares.

b)      A segunda espécie de culpa diz respeito, ao invés, a alma que já tomou corpo e consiste, justamente, no excesso de cuidado com próprio corpo, com tudo o que daí se segue, ou seja, o afastar-se da própria origem para pôr-se ao serviço das coisas exteriores e, portanto, o esquecer e se mesma.

Não é, pois, a primeira espécie de culpa, mas a segunda a que constitui o grande mal da alma, ou seja, o mal que a leva a esquecer de se, da sua origem e, portanto, de Deus (a torna digna de particulares castigos).

 

O homem e as relações entre a alma e o corpo

 

Não impede, diz o filósofos, que se chama “eu”, ou seja, homem, também um conjunto de alma e corpo, mais permanece certo que “o homem verdadeiro” é só a alma, antes “a alma separada” e, como veremos também aqui em baixo “separável”.

Na verdade, em vários ponto das ENÈADAS se afiram que em nós existem como três homens e não simplesmente o homem interior e o homem empírico. Essa tese, que a primeira vista pode chocar, porta-se muito menos paradoxal não só se comparada com os parâmetros da antologia Plotiniana, mas também se ligada à tradição médio-platonica da qual até o neo-historico Marco Aurélio tirou a sua tríplice distinção do homem, em Nous, psyché e corpo.

Esta é, substancialmente, a tripartição da qual Plotino parte, transformando-a segundo os moldes da sua antologia e dando-lhe, pôr assim dizer, uma inusitada espessura metafísica, graças à teoria da processão.

Essa tripartição (sobre a qual insistimos pôr que é absolutamente fundamental para a compreensão da ética da ascética e da mística do nosso filosofo). É proposta também em termo de alma, do sentido de que os três homens podemos ser considerados como três almas, ou melhor, três potencias da alma, dado que o primeiro homem não é mais que a alma considerada na sua trangêcia com o espírito (trangêcia que, estruturalmente, nunca deixa de existir); o segundo homem é a alma ou pensamento discursivo, que está no meio entre o inteligível e o sensível, e o terceiro homem é a alma que vivifica o corpo terreno.

Aquilo que de maneira própria deve ser considerado o nosso eu é a alma e o homem intermediário (o pensamento discursivo), que é capaz seja de tender para o melhor (o espírito), seja o pior (o sensível o terceiro homem).

Para Plotino, o homem só é compreensível da dinâmica desses três momentos.

Permanece verdadeiro, para ele, que o homem é uma alma que se serve de um corpo. Todavia, pôr um lado, o corpo não é mais que “queda da alma”, e a alma como razão governante do corpo não só permanece superior ao corpo mesmo quando está no corpo, mas, mantém estavelmente um laço com o absoluto, uma relação que nunca desaparece.

Decidimos o nosso destino segundo deixemos predominar a parte sensível ou transcendamos o sensível mantendo-nos próximos a parte superior.

 

A atividade e as funções da alma

 

Como todas as atividades que parecem pertencer aos corpos em geral são, na realidade, próprias da alma que as produz, assim todas as atividades que pareceriam pertencer ao corpo particular estão, na realidade, sob a regência direta da alma que as governa, ou, até mesmo, são atividades próprias e peculiares dessa mesma alma e note-se que, em todos os níveis, a alma é concebida como impassível e como capaz só de agir, porque o incorpóreo não pode ser afetado, em qualquer modo que seja pelo corpóreo.

Como se explica, então, a sensação? Não supõe esta, não só uma ação de corpos sobre corpos, mais também uma ação dos corpos sobre a alma, e, portanto uma padecer da alma?

A resposta de Plotino é uma engenhosa. Ele distingui, fundamentalmente, dois aspecto da sensação: a sensação “exterior”, que não é mais que a afecção e a marca que os corpos produzem sobre os corpos (e que se explica em função da lei geral da simpatia que liga reciprocamente todas as cosias do universo entre si e com o todo), e a percepção sensitiva a verdadeira que é ao invés uma só alma, um ato cognoscitivo da alma um ato que capta factualmente a impressão e afecção incorpórea.

Portanto, quando sentimos, pôr um lado, nosso corpo sofre uma fecção pôr parte de outro corpo, ao contrario, a nossa alma entra em ação, não só no sentido de que (não lhe foge) a facção corpórea, mais também no sentido de que ela (julga) essas afecção. Antes, para Plotino, na impressão senhorial que se produz no nosso corpo, à alma ver (embora no nível mais fraca e mais débil) o rastro de forma inteligíveis e, portanto, a própria sensação é, para alma, uma forma de contemplação do inteligível no sensível.

Para nosso filósofo, a sensação é possível enquanto a alma inferior que sente é conexa com a alma superior que tem a percepção dos inteligíveis puros (a anamnese ou reminiscência platônica, para Plotino, é um originaria visão intuitiva ou uma posse dos inteligíveis puros), e o sentir da alma inferior captar as formas sensíveis como que enradiando-as com uma luz que emana dela e que lhe vem, justamente, daquela originaria posse que a alma superior tem das formas puras.

Plotino atribui a alma também à faculdade da imaginação e da memória. Não é corpo pôr si, nem o corpo considerado a união com a alma, que é capaz de recordar, mais só a alma; o corpo é ao contrario, um impedimento a um obstáculo para a recordação e, portanto, é mais causa de esquecimento.

Isso é evidente, diz Plotino, sobretudo no caso da recordação e da memória de doutrina cientifica, no qual, obviamente o corpo não tem qualquer função.

Memória e recordação tem porem, uma relação estrutural, com a temporalidade, com o vir primeiro e depois, e a alma, na medida em que tem relação com o corpóreo, tem também relação com a temporalidade ao invés, tudo o que permanece na identidade e na igualdade do eterno não tem memória, mas participa da simultâneo presença da totalidade. Deus e o espírito não tem, portanto, memória, mas só alma possui tal atividade justamente na medida em que, como se disse, tem relação com a temporalidade.

Como já acenamos, a reminiscência (a anamnese) é estruturalmente diversa das memória. A reminiscência consiste num conservar permanentemente na alma o que é de algum modo, com natural a própria ala, enquanto lhe deriva do seu originário e estrutural contacto com as raridades superior, A nossa alma superior, de fato, é eternamente ligada ao espírito.

Consequentemente, uma alem a alma tende a perder as recordações ligadas ao corpóreo e ao temporal, enquanto no aquém a anamnese das cosias sopeiros não pode nunca obscurecer-se inteiramente.

A mais elevada atividade cognoscitiva da alam consiste, portanto, no pensamento que capta das idéias e o espírito. Acima desta, porém, a alma possui também a capacidade, meta-nacional de captar o próprio Uno e “unificar-se” com ele. Mas disso falaremos adiante.

Também o sentimento, as paixões, as volições e tudo o que a eles esta ligadas às interpretados pôr Plotino assim como as exações, as percepções e a memória, como atividade da alma. De fato, para o nosso filosofo, é o corpo, ou seja, o animal, que sofre, enquanto a alma permanece, propriamente, imune à afecção, age sob o corpo dando-se conta das paixões do corpo interessando-se pôr elas consequentemente.

 

O homem e a sua liberdade

 

Vimos que o Uno, o princípio inpricipiado, é essencialmente liberdade, volição é causa de si. O Uno que a si mesmo (e, portanto, põe a si mesmo), porque é bem e como bem no absoluto a realidade (absoluta) coincide com a volição do bem (absoluto) ou com o querer ser como o bem (absoluto).

Se é assim, também a realidade do homem e da alma deve ser buscada nessa mesma direção, e as mesmas firmações de sabor intelectualistico deve ser lidas nessa ótica.

Contudo, deve-se observar que o próprio espírito só é livre graças ao bem.

Ora, com a liberdade do espírito consiste em pôr-se sobre a trilha do bem, assim, analogamente, a liberdade da alam consiste em pôr sua vez, impor a própria força operacional na trilha do espírito e em agir consequentemente, segundos os modos que a levam a unir-se ao espírito, e, através do espírito, ao próprio bem.

A liberdade, pro conseqüência, segundo Plotino, não pode consistir, na atividade pratica, ou seja, no exterior, mas na virtude, sobretudo nas mais elevadas virtudes, de modo particular no pensamento e, especialmente, na contemplação e, no limite, como veremos, no êxtase.

A liberdade e a vontade soberana, portanto, para Plotino, consiste no material.

Mas entre o Uno e a realidade que se auto põe como absoluto bem, o espírito é livre no sentido, de que o seu ato coincide com o querer o bem enquanto é ligado absolutamente são bem, a alma, enfim, é liberdade na medida em que, através do próprio espírito tende ao bem.

 

Os destinos escatológicos da alma e o fim supremo do homem

                     

Mas, que significa, para a nossa alma, querer e alcançar o bem?

E, querendo e buscando o bem, quando e como a alma o alcança?

Ao responder a esses problemas, Plotino em parte retoma e em parte supera as tradicionais concepções da grecidade.

Deve-se observar que Plotino quer se as remeta as concepções tradicionais órficopitagoricas, quer projete a que lhe é mais peculiar e que estrai do ambiente alexandrino, particularmente de Filo, acentua a separação do corpóreo e do imaterial como fim perspícuo a alcançar (de resto, para ele a liberdade reside no imaterial).

Dada esta sua radicadissima convicção (que se insere no sistema geral, e, particularmente, na concepção da matéria como privação de bem), é evidente que Plotino devia rejeitar firmemente o dogma cristão da ressurreição da carne, que ele considera expressão de uma forma de materialismo.

Não resta, portanto, para Plotino, senão a alternativa da metempsicose, que ele retoma e reafirma, remetendo-se largamente a Platão, e recaindo, portanto, em todas as aporias que essa crença comporta.

Deve-se, porém, observar que crença segundo a qual as almas dos homens podem reencarnar-se em corpos de animais ou até em plantas (com base no tipo de vida levado na precedente existência), no contexto da ontologia Plotiniana explica-se melhor do que no contexto da ontologia platônica, dado que a própria alma cria, vivifica e governa todo mundo físico e é principio de toda a forma de vida. Em todo caso, melhor do que Platão, Plotino reafirma que o destino das almas que viveram num mundo melhor consiste em reunificar-se com Deus.

Mas a novidade de Plotino, com relação à tradição grega clássica, consiste em ter projetado a possibilidade de realizar a separação do sensível e do corpóreo e de realizar plenamente a união com o Uno, já nesta vida, mediante a unificação místico com o absoluto.

Essa doutrina, de algum modo, dava razão às instancias da ética grega, que em partes Sócrates e Aristóteles já tinham feito valer e que, sobretudo os filósofos da era helenística tinham levado a primeiro plano, ou seja, que a felicidade (que é o comprimento do fim ultimo do homem) deve ser possível já nesta vida. Mas, ao mesmo tempo em que lhe dava razão, as revolucionava: o homem pode alcançar o seu telos nessa vida, mas destacando-se inteiramente, com o espírito, de tudo o que é material, e pôr essa via, entrando em intima união (ainda que só algumas vezes e puser um breve tempo) com o absoluto transcendente (como, embora sobre outras bases, Filo já tinha sustentando). E, mas ainda, observa Plotino, isso é possível enquanto no homem há uma componente totalmente diferente da componente física. Ser feliz mesmo entre os tormentos, é possível, mesmo entre os tormentos físicos, unir-se com alma incorpórea ao divino incorpóreo, mas, justamente, só é possível sob está condição.

O que foi o supremo ideal da era precedente é, assim, rompido e posto a no seu caráter ilusório. Só com um firme apoio na transcendência é possível o que em vão à era helenística tinha buscado na dimensão da imanência.

 

A reforma da tábua de valores

 

A tradição espiritualista grega procedente atribuíra uma significação aos valores físicos na medida em que pudesse ajudar de algum modo, os valores da alma, que era os valores da excelência; Plotino não atribuiu, mas qualquer significação aos valores físicos (“envergonhava-se de está num corpo”, disse Porfírio, e, doente, recusava os cuidados que a medicina de então prescrevia) aos próprios valores da alma atribuía uma significação instrumental, vale dizer, cultivou-os na media em que, através deles, julgou possível atingir os valores religiosos, ou seja, a assimilação a Deus na nova significação da qual falaremos. Em resumo Plotino pensou que o sábio verdadeiro não devia viver simplesmente a vida do homem probo, mas, mais ainda, a vida dos deuses.

 

Os caminhos da volta ao absoluto

 

É evidente que, nesse novo contexto, deviam ser retrasados de maneira nova os caminhos que levam a alcançar os valores supremos e o absoluto.

Em primeiro lugar, plotino redimensiona a doutrina da virtude. As “virtudes civis” tinham sido à base da ética clássica e sobre elas Platão fundará a sua republica; para Plotino, elas são um ponto de partida, mas de chegada. Justiça, sabedoria, fortaleza e temperança, entendidas no sentido “político”, ou seja, “cívico” são capazes somente de fixar limites e medidas ou aos desejos e de eliminar as falsas opiniões, sendo, portanto somente uma pegada do bem supremo. Elas são uma condição para semelhança com Deus, mas a assilação a Deus é algo superior a elas.

As virtudes entendidas como “purificações” são superiores a “virtudes civis”. Com efeito, enquanto as virtudes civis se limitam a modera as paixões, as virtudes no sentido de purificação nos livram das paixões pôr conseguinte, permite a alma unir-se ao que lhe é afim, ou seja, ao espírito uma vez que tal união só pode realizar-se pelo apelo do sensível e, mesmo, a própria alma (das suas apartes inferiores).

Uma vez que a alma atinge o espírito e o contempla, nessa contemplação a imitação do espírito as virtudes, pôr assim dizer, se transfiguram. No espírito, as “virtudes” são como que os modelos dos quais as virtudes da alma são imagem e cópia. Com efeito, nesse nível superior a sabedoria torna-se contato da alma com o espírito, a justiça, o voltar-se do ato da alma para o espírito, a temperança, o íntimo aderir da alma ao espírito e a fortaleza, o perseverar impassível da alma no espírito impassível, sem sofrer qualquer paixão do corpo. Em resumo: nesse nível as virtudes-paradgma são, justamente, o modo de viver da alma que, desapegada das coisas sensíveis e tendo reentrado totalmente em si, vive em absoluta pureza a própria vida dos deuses, ou seja, tornando semelhante ao espírito, vive a mesma vida do espírito.

Mas, as virtudes não são o único caminho que leva a união com o divino. Com efeito, apoiando-se em Platão, Plotino valoriza igualmente a erótica e a dialética que são embora o titulo diverso e em medida diferente. Modos distintos com os quais a alma se desapega.

A erótica Plotiniana é, como a Platônica, ligada estreitamente à beleza. Ora, sabemos que a beleza é, fundamentalmente, a forma em todos os níveis. Também a beleza sensível é forma: é, exatamente, o transluzir da forma inteligível no sensível. Na medida em que o belo é forma, é conatural a alma e, portanto, é capaz de fazer reentrar em si a alma e de reconduzir-la a lembrança das suas origens divinas; e a “transfixão” que o amante experimenta ao ver o belo, não é mais do que recordação metafísica das próprias origens espirituais.

Como para Platão, também para Plotino há uma “escada da beleza” que é necessário subir para alcançar o absoluto. Do belo sensível é preciso subir aos belos costumes, as obras da virtude e a beleza da própria alma purificada. Com efeito, a alma, purificada, torna-se idéia e, portanto, ela mesma beleza, realizando a identificação com aquele que é fonte de toda a beleza. Pôr esse caminho, afinal, a alma parte do belo e, transcendendo o belo sensível pôr meio das mesmas energias que o belo desperta nela, progride através dos vários degraus do incorpóreo até tornar-se ela mesma perfeitamente bela e identificar-se com o belo absoluto (o espírito) e com o próprio principio do belo (o bem, o Uno).

 

A reunificação com o Uno

 

Os caminhos de retorno ao Uno são, substancialmente, um percorrer em sentido contrário a “processão” metafísica a partir do Uno. E sendo que as sucessivas hipóstase derivam do Uno pôr uma espécie de “diferenciação” e de alteridade ontológica, as quais se acrescentam no homem de natureza moral, é evidente que o retornar ao Uno deverá consistir em tirar toda a diferença e alteridade, ou seja numa espécie de simplificação.

Deve-se observar que isso é possível porque a alteridade não está na hipóstase do Uno, mas sim no que vem depois do Uno e, particularmente, em nós. Assim, sendo imune de qualquer alteridade, o Uno está sempre presente em nós, mas nós estamos presentes a ele somente quando justamente eliminamos a alteridade.

Despojar-se de toda alteridade significa no fundo, para o homem, reentrar em si mesmo, na própria alma. Significa desapegar-se, portanto, do corpóreo, do corpo e de tudo que lhe é inerente. Além disso, significa desapegar-se da parte afetiva da alam e de tudo o que a ela está ligado. Em suma significa purificar a alma de tudo o que lhe é estranho.

Além disso, a alma deve despojar-se também da palavra, no discurso e da razão descortiça, de tudo o que lhe causa impedimento ou, de qualquer maneira, separa-a do Uno, até mesmo de conhecimento reflexo de o próprio ser.

A frase que resume no modo mais nítido o processo de purificação total da alma que quer unir-se ao Uno assim reza:

 

“Despoja-te de tudo”

 

Essa é, sem duvida, a concepção mais radical que se pode encontrar em toda a historia do pensamento antigo.

Na verdade, as filosofias da era helenística, pregavam a necessidade de despojar-se de todas as coisas exteriores de Pirro tinha mesmo procurado “despojar o homem”, quer dizer liberta-lo de tudo o que não é essencial. Mas nenhuma dessa filosofias avançou tão longe.

Ao contraio, como vimos, na tentativa de salvar o individuo como verdadeiro absoluto caíram todos no individualismo, plotino quer que os homens despojem mesmo daquilo que as filosofias helenísticas queriam conserva-lhe pôr considerar que lhe pertencia quanto tal.

Para ele, só assim é possível alcançar o fim supremo e, portanto, a felicidade.

Pode-se objetar que, pôr esse caminho Plotino chega a reduzir a zero não só o mundo exterior, mas também, o eu e, assim, a anular o próprio homem e que, pôr conseguinte, a sua felicidade acaba pôr ser a felicidade do perder-se no nada.

Para Plotino, porém, o oposto é que é verdadeiro.

Despojar-se de todas as cosias, não significa, de modo algum, empobrecer-se ou mesmo anular-se a si mesmo, mas, ao contrario, significa fazer-se maior enchendo-se de Deus e, portanto, do toso, ou seja, do infinito.

Despojar-se de tudo significa o retorno da alam a si mesma e o encontrar o vinculo metafísico que a une não somente ao ser e ao espírito (ou seja, a segunda hipótese), mas o próprio Uno (ou seja, a primeira hipótese).

A alma caminharia justamente para o não ser justamente não dipojando-se das coisas, mas apegando-se a elas, já que as coisas são feitas de maneira e, portanto, de não-ser (mas é evidente que a alma mesmo descendo pôr esse plano inclinado, não pode atingir o absoluto não-ser pelas razões metafísicas que conhecemos). Inversamente, despojando-se de todas as cosias chega a si mesma, chega ao ser (segunda hipótese) e, depois, transcende do ser até alcançar o não ser na significação do que está acima do ser, a saber. O Uno.

Portanto, longe de conduzir uma perda no anda, o depojar-se de todas as cosas leva a alma não somente a plenitude do ser, mas ao uno que está acima do ser, e a tocar o absoluto.

 

O êxtase

 

Esse tocar o Uno é denominada, “estase”.

Ora, é evidente que o Êxtase não pode ser uma forma de ciência nem de conhecimento racional ou intelectual. Ao invés disso, é um contemplar que implica um contato intimo (sem distinção de reflexa de sujeito e objeto) com o contemplado, uma co-presença, uma união, uma unificação total com ele, como foi fito.

Também a esse respeito pouco interpretes caíram em erro e confundiram o êxtase com o estado de inconsciência ou com algo de irracional ou de sub-racional.

Na verdade o eixo plotiniano não é um estado de consciência, mas um estado de inconsciência, não é algo irracional ou sub-racional e sim hiper-racional. No êxtase a alma se vê toda em Deus, por assim dizer, se vê plena pelo Uno e, na medida do possível, a ele complemente assimilada. Portanto, seu contemplar estático é um particular na substancia do Uno, com todas as características a ele peculiares, que são o além do ser e, portanto, o está acima do pensamento, da razão e da consciência, é indubitável que a doutrina do êxtase tenha sido divulgada em Alexandria sobre tudo pôr Filo, mas é indubitável também Plotino tenha repetidas vezes feito à experiência total do êxtase. Deve-se observar, todavia que, enquanto Filo, em espírito bíblico entendia o êxtase como graça, ou seja, como “Dom gratuito” de Deus em harmonia perfeita com o conceito bíblico de Deus que faz ao homem Dom dele mesmo e das cosias pôr ele criadas, Plotino reinsere essa doutrina numa visão que se mantém presa as categorias do espírito grego: deus não faz dom dele mesmo ao homem e os homens podem subir até ele e a ele unir-se pela sua força natural.

 

Natureza e originalidade da metafísica Plotiniana

 

A metafísica plotiniana não é uma forma de emanantismo oriental, nem, de panteísmo, nem de criacionismo.

 

Plotino fala de emanação somente nas suas imagens, ao passo que a sua doutrina é uma negação desse conceito.

Com efeito, convêm notar o seguinte:

a)      As hipóteses subseqüentes ao Uno não são de maneira alguma um fluxo da substância do Uno.

b)      Em conseqüência, não são a substância despontecializada do Uno.

c)      Finalmente elas não derivam do Uno pôr mera necessidade natural.

O Uno é transcendente em dois níveis: a) é transcendente (como todo o mundo incorpóreo) com respeito ao mundo corpóreo e, b) é transcendente no âmbito da própria esfera do incorpóreo, com respeito à alma e o espírito.

Além disso, quando Plotino afirma que todas as coisas estão em Deus, pretende dizer, como já antes notamos, que não coincide com a substancia de Deus, mas que derivam e dependem, todas elas, da sua potência.

Finalmente, não é verdade que a derivação da potência do Uno seja uma espécie de “ação natural”, mas, a processão implica uma complexidade tal de elementos que não se pode de modo algum falar de mera “ação natural”.

Evidentemente, a metafísica plotiniana diferencia-se nitidamente também da metafísica criacionista pelas seguintes razões.

a)      Plotino não admite que em nenhuma caso que a processão de todas as cosias do Uno possa ser fruto de livre escolha e decisão. Posto o Uno, as coisas seguem-se “pôr necessidade”.

b)    Por conseguinte, permanece totalmente desconhecido para Plotino o aspecto de contingência estrutural das cosias que derivam de Deus, aspecto que, ao invés, é fundamental na metafísica criacionista (no contexto da ontologia de nosso filosofo, fala de produção ex nihilo suit et subjcti não tem nenhum sentido).

c)     Enfim, Deus é o bem, mas não é o amor que dá gratuitamente, pôr “graça”.

Erraria, porém, quem pensasse que o criacionismo (que ele conhecia pôr meio da filosofia judaica e pôr meio de Amônio) não tenha de modo algum influenciado a metafísica plotiniana. Com efeito, essa metafísica mão se reduz a nenhuma das três posições examinadas acima, no entanto, contem alguns elementos de cada uma delas, verdadeiro unicum da historia da filosofia.

Recapitulemos os elementos essenciais desse unicum plotiniano.

 

A liberdade do Uno a “processão” e o “retorno”

 

A pergunta metafísica por excelência, para os gregos, era uma só: porque existem os muitos? “Ou seja” porque do Uno derivou um múltiplo? Com Plotino os problemas de fundo da metafísica tornam-se dois:

1)      por que há o Uno?

2)    Por que e como do Uno derivam os muitos?

O primeiro dos dois problemas é inteiramente novo, dado que no contexto da ontologia clássica era de tudo impensável. Se o Uno é principio, pergunta-se por que há o Uno significa perguntar-se porque há princípio, ou seja, o principio do principio: pergunta que Aristóteles tinha rejeitado como absurda. Com efeito, no contexto da sua doutrina de substancia= ousiologia), resposta aos problemas se anularia num processo ao infinito (porque do principio indicaria uma pergunta ulterior sob o porquê do porque do principio, e assim em seguida, ao infinito).

Plotino propõe a questão sob o influxo de certa problemática discutida pelos cristãos e, em particular, pelo “discurso temerário” dos agnósticos. A sua resposta, até em tão não formulada por nenhum pensador, deve ser enumerada, como já dissemos, entre os vértices da metafísica ocidental. A causa ou a razão do Uno é a liberdade. O Uno é porque é atividade livre auto produtora, livre causa sui, liberdade auto criadora. O uno é liberdade no sentido que é o que quer ser ou, em outros termos, quer ser o que é. E o que ele quer ser é o que pode ser de mais elevado, o absoluto positivo, o bem absoluto. O oitavo tratado da sexta eneada desenvolve, todo ele, de maneira mais clara e aprofundada, esses conceitos inteiramente novos.

O porquê do Uno é, pois, a liberdade.

Ora, é evidente que essa solução do primeiro problema, deriva radicalmente condicionar igualmente a solução do segundo, permitindo uma série de novos avanços.

Dois porque, pois, do uno derivam os muitos?

Plotino destingui no Uno “e depois nas hipóstase sucessivas” duas formas de atividade:

a)      Atividade própria do Uno e b) atividade que brota do Uno. A) a primeira é e permanece no Uno, b) a outra procede para fora do Uno. É evidente que as duas atividades são estruturalmente ligadas de modo que, posta a primeira (atividade do), dela, como conseqüência, brota a segunda (atividade a partir do).

Ora, a) atividade do Uno não pode coincidir com a liberdade, pelas razões que acima vimos. Ao invés, b) a atividade que procede a partir do Uno segue-se por necessidade. Mas, certamente, não se trata de uma necessidade “física”, “natural”, ou seja, sega. Em todo o caso, não se trata de uma necessidade que se possa interpretar em função da categorias tradicionais da cultura grega. Trata-se, com feito, de uma necessidade que é, sob determinado ponto de vista querida, livremente querida ou, melhor, de uma necessidade consecutiva a um ato de liberdade. O Uno põe livremente a si mesmo, e pondo-se livremente a si, produz necessariamente as outras coisas, que não podem não derivar dele, que se autopôs livremente como potência produtora infinita.

É claro, por conseguinte, que a atividade a partir do Uno é diferente da atividade criadora do Deus livre que “quer” as coisas e assim as produz (do nada) como “Dom” gratuito, mas é igualmente claro que as coisas derivam a partir do Uno porque o uno quis livremente ser o que é. E se pode parecer excessiva (ou, ao menos paradoxal) a conclusão deduzida por algum estudioso de que a criação das coisas por parte do Uno é tão livre quanto o é o próprio Uno, permanece, todavia verdadeiro que a raiz as processão (necessária) a parti do Uno é a própria liberdade (a atividade do Uno).

Mais isso não é tudo.

A gênese do múltiplo a partir do Uno não se explica unicamente com a atividade a partir do Uno de modo linear, quase mecânico. A atividade que deriva a partir do Uno (e das outras hipostases) pode produzir o espírito (ou a subseqüente hipóstases e a própria realidade física), somente se volta para contemplar. A teoria, a “contemplação criadora” sob a qual apenas recentemente os estudiosos chamaram atenção, torna-se um dos eixos de sustentação da metafísica plotiniana, se não mesmo o emblema dessa metafísica. Com efeito, em um dos seus escritos mais madurecidos, Plotino põe uma equação exata entre “contemplação” e “criação”. O criar é contemplar, u, se prefere, o efeito do contemplar.

A contemplação criadora é a característica comum a todas as hipóstases, a chave que abre o segredo da processão a partir do Uno e também do retorno ao Uno dado que, como vimos o próprio êxtase é contemplação.

A luz desse conceito (que, como foi notado, não é mais cristãos) os esquemas tradicionais nos quais se tentou encerrar o sistema plotiniano, mostra-se verdadeiramente inadequados.

 

A “contemplação criadora”

 

Um estudiosos italiano escrever que Plotino tira da sombra a contemplação até fazer dela um hipóstase: a hipóstase criadora é a única verdadeira: na contemplação o Demiurgo místico se submerge.

A afirmação acima, levada voluntariamente ao limite do paradoxo, contem a verdade fundamental, que, por muito tempo escapara aos estudiosos.

De resto, o próprio Plotino, começando o oitavo tratado da terceira Enéadas, no qual justamente ilustra o conceito de theoria que revoluciona todos os esquemas tradicionais. Utiliza um tom de brincadeira para abrandar o choque da nova doutrina, que deveria atingir o leitor com muita violência.

Mas logo o tom de brincadeira é deixado de lado e Plotino se concentra em demonstrar os dois pontos extremos da doutrina que dizem respeito à natureza e a atividade pratica.

Com efeito, que a inteligência contempla o no e alma contemple a inteligência (e, através dela, o próprio Uno) não poderia parecer paradoxal, mas, ao contrario, deveria parecer de si muito clara dada à estrutura dessas hipóstase. Ao contrario, poderiam parecer no todo ou em parte estranhas a contemplação justamente a) a natureza e b) a práxis, a ação. Ora, para o nosso filosofo, a natureza , ação e práxis são, também elas, contemplação e produto de contemplação.

É evidente que (e com isso chegamos ao segundo ponto), assim como a natureza contempla e produz enquanto a alma, assim nas almas particulares contemplação e ação devem ser estruturalmente articuladas. Não somente a ação depende da contemplação e é tanto mais rica quanto mais rica é a contemplação (tese obvia no contexto do sistema plotiniano), mas ela tende igualmente a retornar na contemplação, ainda no seu grau, mas a práxis, mesmo sem sabê-lo, tende a uma contemplação.

A verdadeira força criadora não é, pois, mas é a theoria, a contemplação. Assim como as almas, no Fedro platônico, tem uma riqueza interior proporcionada à visão daquilo que contemplaram na “planície da verdade”, assim, em medida incomparavelmente maior, essa intuição platônica, levada as ultimas conseqüências, torna-se Plotino com conceito metafísico geral. A atividade espiritual do “ver norma em criar”.

O Uno é uma espécie de autocontemplação; a inteligência é contemplação do Uno e, de si, planificada pelo Uno; a alma é contemplação da inteligência e, de si, planificada pela inteligência; a natureza, orla extrema da alma, é contemplação de si; a própria não é senão um grau mais débil de contemplação.

E a contemplação é silencio.

Toda realidade, portanto, é “contemplação e silêncio”.

Nesse contexto, o “retorno” ao Uno por meio do êxtase não e outra coisa senão ao retorno do Uno pro meio da contemplação. Recordemos que Êxtase é um termo que ocorre somente uma vez nas Enéadas e que o termo mais apropriado seria “simplificação”, que, como vimos, é eliminação da alteridade, separação de tudo o que é terreno e múltiplo, contemplação na qual justamente se fundem o sujeito contemplante e o objeto contemplado: é a famosa fuga do “só para o Só”.

Eis a vida dos deuses e dos homens terrenos e bem-aventurados:

Separação da outras coisas aqui debaixo, vida a qual nada das coisas daqui causa prazer, fuga do só para o Só.

De um lado, portanto, o conceito de liberdade como o “por que do Uno”, lança uma luz inteiramente nova sob a necessidade da processão e, de outro, o conceito de “contemplação” como conceito cosmogônico, vem a ser, o conceito de contemplação criadora, ajudam-nos a redescobrir a face verdadeira da metafísica de Plotino (uma das mais altas e complexas criações do gênio humano), cuja riqueza certamente ainda não foi inteiramente desvelada, uma vez que ela é como uma face para usar uma imagem cara ao próprio plotino, resplendentes de inúmeras faces no seu interior. E a história do pensamento que veio depois fixou-se, pelo menos até agora, apenas em algumas delas.

 

OS DESENVOLVIMENTOS DO NEOLATONISMO E O FIM DA FILOSOFIA ANTIGA GREGO-PAGÃ

 

Visão geral das escolas, expoentes e tendências do neoplatonismo.

 

Observações metodológicas referentes à reconstrução da história do neoplatonismo

 

Por numerosas razões, é difícil escrever a historia do neoplatonismo pós-plotiniano.

Em primeiro lugar, a s contribuições dos pensadores individuais tendem a tornar-se nível especulativo, sempre mais analíticas e, frequentemente, a complicar o sistema plotiniano, sobre tudo com a multiplicação, até o inverossímil, das hipóstases.

Em segundo lugar, o gênero literário do comentário tenda a fundir-se sempre mais, no qual a feição acima ressaltada é exagerada e leva aos limites de uma dispersão verdadeira e efetiva.

Em terceiro lugar, sobretudo a partir de Jâmbico, o neoplatonismo abraça a causa do politeísmo, incorporando uma série de motivos próprios da religião pagã, com a agravante ulterior derivada ao fato de se pretender fazer corresponder esse ou aquele Deus, essa ou aquela deusa, às várias hipóstases; ou ainda, em geral, o mundo das hipóstases tende a tornar-se não só o mundo da totalidade das realidades metafísicas, mas um verdadeiro Olimpo, e mesmo um panteão.

Em quarto lugar, enquanto de uma parte os filósofos pagão fazem do neoplatonismo, o fundamento teórico do politeísmo, os filósofos cristãos usam os mesmos princípios do neoplatonismo para repensar a nova religião em nível teórico, com resultados bastante priginais.

Existem também, pois, um neoplatonismo cristão: o de Orígenes, de procedência amoniana, o de Mario Vitorino, de procedência porfirina, o de santo Agostinho, de procedência plotiniana, além de porfirina, e do seu pseudo-Dionísio, de procedência procliana.

Ora. No plano da síntese, não podem ser retomadas as peculiaridades que referimos nos três primeiros pontos, que encontram lugar apenas em monografias amplas e especializadas. Além disso, numa historia da filosofia antiga assim como a entendemos (de resto, em acordo com a maioria dos estudiosos), ou seja, como historia do pensamento filósofo greco-romano que não acolheu ou não conheceu a mensagem cristã, não pode ter lugar à exposição da elaboração filosófica do cristianismo feita sobre o fundamento das categorias neoplatôncias. Tal elaboração, com efeito, como já tivemos ocasião de afirmá-lo, constitui a premissa necessária para a história da filosofia medieval, não a coroa do pensamento clássico e helenístico.

Reservando-nos voltar eventualmente em outra obra a percorrer o duplo itinerário, pagão e cristão, do neoplatonismo, não nos resta aqui senão a possibilidade de traçar um quadro geral, que permitia acabar sem dispersão as varias escolas, os vários expoentes e as várias, tendências do neoplatonismo pagão. Também as citações dos autores, nessa seção, ficarão necessariamente restritas, já que os textos mais belos desde filosofo (se excetuamos os elementos de teologia de Proclo) encontra-se, sobretudo no terreno da análise.

Mas, pelas razões explicadas, não é possível aqui penetrar nos meandros dessas análises.

 

Escolas e expoentes do neoplatonismo

 

Um esquema interpretativo bem-sucedido da historia do neoplatonismo (que foi por muito tempo acolhido pelos manuais e deles ainda não desapareceu de todo, conquanto já largamente superados pelos estudos especializados), foi proposto por Zeller.

Segundo o estudioso alemão, as escolas neoplatôncias seriam três, e a elas correspondiam outras tendências diferentes: a primeira seria a de Plotino, caracterizada pelo predomínio do interesse filosófico; a segunda seria a de Jamblico (escola Seríaca) na qual prevaleceria o interesse religioso, a terceira seria a escola de Atenas, caracterizada pela fusão das outras duas. Mas, numa contribuição que remota a 1910 e depois em outros trabalhos, Praechter denunciou a inadequação desse esquema e o caráter em grande parte apriorístico da sua gênese; com feito, é evidente que Zeller, inspirou-se no esquema hegeliano da tese antítese síntese. Plotino corresponderia em certo sentido à tese, jamblico e a sua escola a antítese e a escola de Atenas à síntese. Praechter demonstrou como, de fato, a realidade é bastante mais complexa. Ele distingui seis escolas e três tendências.

No seu esquema, ele não inclui acertadamente, pelas razões acima aplicadas, as escolas e tendências neoplatônico-cristãs, mas também não inclui a escola de Amônio. Saca, o que é muito discutido e, a nosso parecer, não justificável, uma vez que a gestão do neoplatonismo nasceu, sem duvida justamente no círculo de Amônio.

Completando, assim as conclusões de Praechter (que estudos sucessivos substancialmente confirmaram) podemos traçar o seguinte quadro das escolas neoplatônica:

1)      Primeira escola da Alexandrina, fundada por Amônio Sacas provavelmente em torno de 200.C e que floresceu no curso da primeira meada do século III. Como já sabemos, os membros mais famosos dessa escola foram Herênio, Origens, o pagão, e plotino, alem do celebre literato Longino (provavelmente também Origenes, o cristão foi ouvinte de Amônio).

2)      A escola fundada po Plotino em Roma em 244 e que floresceu na segunda metade do século III. Os membros que mais se distinguiram nessa escola Amélio e Porfírio (esse ultimo desenvolveu sua atividade igualmente na Sicília).

3)      Escola de Síria fundada por Jamblico pouco depois de 300 e que floresceu no curso dos primeiros decênios do IV século. Entre os expoentes dessas escolas estão Teodoro e Asina, Sópratos de Ampaméia e Dexipo.

4)      Escola de Pérgamo, fundada por Edésio, discípulo de Jamblico, pouco depois da morte desse ultimo. Expoente dessas escolas foram máximo, Prisco, Eusébio de Minda, Eunápio, o imperador Juliano chamado o Apóstata e seu colaborador salústio.

A dissolução dessa escola coincide com a morte de Juliano (363).

5)      Escola de Atenas fundada por Plutarco de Atenas entre os fins do século IV e começos do século V e consolidada por Siliano. Proclo foi seu expoente mais insigne. Outros representantes foram Domnino, Isidoro, Damáscio, Simplício e Prisciano. A escola foi fechada como conseqüência de um edito de Justiniano em 529.

6)      Segunda escola de Alexandria, entre cujo os expoentes devem ser enumerados Hipatia, Sinésio de Cirene, Hierócles de Alexandria, Hermias, Amônio, filho de Filopono. Asclépio, Olimpiodorom, Elias, David e Estevão de Alexandria. Essa escola nasce, ou melhor, renasceu contemporaneamente a escola de Atenas e sobreviveu até inícios do século VII.

7)      Um circulo a parte. Senão uma escola propriamente dita, é constituído pelos assim chamados neoplatonicos do ocidente latino do século IV e V, entre os quais contam, sobretudo, eruditos como Calcídio, Mario Vitoriano, Marciano capela e Boécio, esses pensadores foram quase todos cristãos ou então se converteram ao cristianismo; toda via eles não realizaram (excetuando-se Vitoriano e Boécio) consistentes tentativas de síntese entre platonismo e cristianismo e tiveram importância (em certos casos bem grande) como intermediários entre a antiguidade e a idade média.

 

As varias tendências das escolas neoplatônica

 

As tendências das escolas neoplatôncias, segundo Praechter, poderiam ser reduzidas a três:

1)      Uma tendência especulativa;

2)      uma tendência teúrgica;

3)      Uma tendência sobre tudo erudita.

A tendência especulativa seria representada pela escola de Plotino, pela escola de Síria e pela escola de Atenas; a tendência teúrgica se encontraria sobre tudo na escola de Pergamo; a tendência erudita, por sua vez, encontraria na escola Alexandria e nos neoplatonicos do ocidente latino. A esse propósito, o mérito principal de Praechter consiste sobretudo em ter revalorizado o papel de Jamblico e em ter mostrado, sobretudo, em ter valorizado o papel de Jamblico e em ter mostrado que, justamente com esse filosofo acontece a reviravolta essencial na historia segundo neoplatonismo. As características de Zelle julgava típico de Jamblico e da escola da Síria, a saber, a redução dos interesses especulativos e filosóficos ao interesse mistico-teúrgicos são ao contrario, segundo Praechter, típicos da escola de Pergamo.

Com efeito, os documentos que a nós chegaram não dão razão a Zelle e, sim, amplamente a Praechter, com as pesquisas mais recentes demonstram-no claramente.

Segundo nosso parecer, no entanto, o esquema deve ser modificado. Com efeito, entre a escola de Plotino de um lado, e a de Jamblico e a do Proclo de outro, subsiste uma diferença bastante nítida. Na medida em que somente na primeira prevalece a pura especulação, ao passado, que nas outras duas os interesses religiosos-teurgicos se juntam, como veremos, aos interesse especulativos. Será oportuno distingue não apenas três, mas quatro tendências:

1)Plotino com a sua escola (como tal vez Amônio com o seu circulo) representa a tendência metafísica especulativa pura, com efeito, ele mantém bem distinta a sua filosofia seja da religião “positiva” seja das práticas “teóricas”, e mesmo a sua religiosidade teve um caráter marcamente especulativo é bem conhecida a sua resposta a Amélio, que o convidara para uma cerimônia religiosa: “cabe aos deuses vir ter comigo; não a min a eles”. Também os seguidores imediato de Plotino, embora admitindo algumas atenuações, não lograram transformar senão de modo parcial e não substancialmente, como veremos, a orientação do mestre.

2)A escola de Jâmbico e a de Atenas representam, ao invés, como que uma síntese- ou, se preferimos uma combinação- entre a tendência especulativa e a mistica-religiosa-teurgica: neoplatonismo, além de especulação filosófica, tornou-se fundação e defesa apologética da religião politeísta chegando mesmo a incorpora a teurgia como complemento e até mesmo como coroa da filosofia.

1)      A escola de Pergamo representa um momento de acentuada involução religioso-teurgica e de clara tendência da componente filosófica especulativa.

2)      Nos Neoplatonicos alexandrinos bem como nos do ocidente latinos prevaleceu, enfim, a componente erudita e a construção metafísica foi notavelmente simplificada e, em alguns casos, reduzida no sentido medios-platonicos.

Examinaremos agora mais especificadamente cada uma dessas escolas e as respectivas tendências.

 

A segunda escola neoplatônica de Alexandria

 

Característica da ultima fase do neoplatonismo Alexandrino

 

Assim nós chamamos à atenção sobre oportunidade de se distingui as duas escolas neoplatônica de Alexandria ou, pelo menos, duas fases distintas do neoplatonismo naquela cidade. Com efeito, depois da morte de Amônio (pela metade do século III) seu circulo se dispersou: Plotino fundou sua própria escola em Roma; Origenes, o pagão, e Herenio, como aprece não formaram pólos particulares de atração.

Em Alexandria não havia condições para um desenvolvimento especulativo ulterior do neoplatonismo nas direções segundo as quais vimos moverem-se as outras escolas neoplatônica. Naquela cidade, com efeito, o pensamento cristão lançaram rapidamente raízes profundas e, como antes recordamos a escola catequista como Clemente e como Origenes, o cristão, tinha começado a elaborar um sistema filsofico-teologico propriamente dito com um cunho cristão e destinar-se a tornar-se alternativa vencedora.

Além disso, deve-se notar que em Alexandria desde muito tempo, já se formaram e consolidaram o espírito das ciências particulares e da pesquisa Empirico-Erudita nessa direção, portanto, podiam refugiar-se os espíritos sedentos e saber, no momento no qual se dissolvia a antiga visão do mundo e uma nova visão nascia e, por conseguinte, não era fácil escolher na desorientação geral.

Essas condições históricas explicam as características particulares que o neoplatonismo assume nos séculos V VI d.C.

A) de um lado encontramos alguns pensadores que recebem idéias cristãs e mesmo se convertem ao cristianismo.

b)      De outro, temos um grupo de pensadores e estudiosos que parecem ter mais o gosto erudição do que o da especulação e que se dedicaram de preferência ao comentário no qual exegese prevalece sobre a reelaboração filosófica.

c)      Tanto em uns quanto em outros, encontra-se numa espécie de simplificação do neoplatonismo. Os primeiros se redimensionam a especulação neoplatônica, de modo a fazer compatível com a mensagem cristã u capaz, de alguma maneira, de receber instâncias cristãs. Mais ainda, como há tempos já foi observado, alguns desses tendem, até a reconduzir o platonismo a posições do platonismo médio ou em todo o caso, a simplificá-lo o mais possível de resto, não por acaso justamente de dois representantes dessa corrente nos vem os únicos testemunhos que possuímos sobre a doutrina sobre a doutrina de Amônio Sacas: e essa doutrina note-se constituía justamente a forma mais simples do neoplatonismo, já fecundado mesmo pelo criacionismo cristão. Da sua parte, os comentadores orientaram-se a compreender os textos num sentido que hoje chamaríamos tendencialmente historico-filsofico, em sentido mais objetivo renunciado, como já indicamos, a muitas das superconstruções que se encontra na escola de jâmbico e na era de Atenas.

d)      Encontramos mesmo nos comentadores uma preferência pelas obras aristotélicas. Considerando bem, isso implica uma escolha, num certo sentido, de neutralidade exatamente no nível programático. Com efeito, vimos como desde a sua origem a escola de Atenas já havia compreendido Aristóteles como via de acesso a Platão e, portanto, de uma maneira em certo sentido instrumental ou, se preferirmos, propedêutico-experimental. Portanto, a leitura e o comentário de Aristóteles podiam ser tolerados ou mesmo utilizados mesmo pelos cristãos. Assim se compreende que a escola de Alexandria tinha podido sobreviver mesmo ao fechamento da escola de Atenas.

e)      Os neoplatonicos alexandrinos tiveram, desde o inicio, relações com a escola de Atenas: Hierócles foi discípulo de Plutarco de Atenas, hermias foi ouvinte de Siriano, e Amônio freqüentou proclo. Mas tarde, membros da escola de Atenas foram ouvintes de expoentes da escola de Alexandria; por exemplo, Damáscio e Simplício ouviam Amônio.

No entanto, não o bastante essas relações, as diferenças permaneceram bem nítidas, havendo até certa aversão entre as duas escolas.

O ano 529 d.C, Justiniano proibiu aos pagãos todo oficio publico e, portanto, manter escola e ensinar.

 

A sorte dos neoplatonicos da escola de Atenas depois do edito de Justiniano

 

Nem Platão nem nenhum grego teria podido qual fosse a “embarcação mais resistentes” e “qual a travessia segura através do mar da vida”. Sob esse aspecto, a mensagem cristã se apresentava como a mais desconcertante, mais radical e mais avançada nas questões ultimas; e justamente por essa razão foi à vencedora.

Referindo-se evidentemente a passagem platônica acima lida, diz santo Agostinho:

 

Ninguém [...] ninguém pode atravessa o mar desse século se não é levado pela crus de cristo.

 

Justamente esse que se realiza sobre o lenho da cruz, é a “terceira navegação”.

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