Giovanni Reale
Síntese Pe. Paolo Cugini
digitação Winne Muryanne
1. A literatura órfica que nos chegou e o seu valor
Os estudos modernos sobre o orfismo chegaram a conclusões muito contrastantes entre si: a uma tendência que, com muita segurança, pensava poder reconstruir o fenômeno do orfismo nas suas varias dimensões e, até mesmo, explicar como o próprio orfismo não só grande parte da vida espiritual grega, mas também grande parte do pensamento filosófico (e que, conseqüentemente, foi justamente chamada de “pan-órifca”), se contrapôs uma tendência no sentido contrario e decididamente hipercrítica, a qual não só sistematicamente pôs em duvida o fundamento de uma série de convicções comumente aceitas sobre o orfismo, mas reduzir radicalmente as suas influencias até quase anulá-las, chegando a sustentar que certas teses consideradas tipicamente órficas devem, ao invés, ser consideradas invenções dos filósofos, em primeiro lugar de Pitágoras e, depois, de Empédocles e de Platão. Entre estas duas tendências extremas, a crítica busca hoje um justo equilíbrio, tentando evitar não só asserções que não sejam suficientemente críticas, mas também as hipercríticas e céticas em excesso[1].
Na verdade, trata-se de um equilíbrio bem difícil de alcançar, dado o estado verdadeiramente problemático da literatura órfica que nos chegou.
Antes de tudo deve-se observar que as obras integrais que nos foram transmitidas como órficas são falsificações de época muito tardia, situando-se provavelmente na época dos neoplatônicos e, portanto, cerca de um milênio posterior ao orfismo original. Estas obras são: 1) 87 hinos (precedidos de um poema) num complexo de 1.133 versos dedicados a varias divindades e distribuído segundo uma ordem conceitual precisa, 2) um poema com o titulo Argonautas, composto de 1.376 hexâmetros épicos, 3) um pequeno poema de 774 versos, também em hexâmetros épicos, intitulado Líticos. Nos Hinosestão contidas, além de idéias órficas, teses extraídas do Pórtico e até mesmo de Fílon de Alexandria: nos Argonautas (dedicado a mística viagem dos famosos heróis) as teses órficas são muito limitadas, enquanto nos Líticos (que tratam das virtudes mágicas das peras), de órfico não há quase nada. É evidente, portanto, que tais obras só servem para compreender as posições de alguns epígonos do orfismo[2].
Para reconstruir as posições do orfismo primitivo, nosso interesse aqui, possuímos apenas testemunhos e fragmentos. Otto Kern, na sua coletânea de 1921, que permanece até hoje canônica, apresenta 262 testemunhos indiretos e 363 fragmentos, para um montante de mais de 600 versos[3]. Mas também o valor deste material é muito heterogêneo. De fato, entre os testemunhos, só um pertence ao século VI, poucos são do século V e IV a.C., enquanto a maior parte pertence à tardia antigüidade. Quanto aos fragmentos, a sal genuinidade e antiguidade são muito dificilmente acertáveis, dado que nos foram transmitidos, na maioria dos casos por autores pertencentes ao período tardo-antigo.
A perplexidade dos estudiosos tem, pois, sérios fundamentos é, indubitavelmente, correto usar de grande cautela critica: todavia, o catecismo em excesso não parece justificado.
Deve-se observar que já o poeta Ibico no século VI a.C., fala de “Orfeu e nome famoso”, atestando assim a grande notoriedade da personagem naquela época, o que só se explica supondo a existência e a difusão do movimento religioso que a ele se remetia[4]. Eurípides e Platão atestam que na sua época corria um grande numero de escritos sob o nome de Orfeu, referentes aos ritos e purificações órficas[5]. De ritos e iniciações órficas nos falam Heródoto e Aristófanes[6]. Mas talvez o mais interessante de todos os testemunhos é o de Aristóteles, segundo o qual Onomácrito pôs em versos doutrinas atribuída a Orfeu[7]. Ora, dado que Onomácrito viveu no século VI a.C., temos um ponto de referencia seguro: no século VI a.C. se compunham seguramente escritos em versos sob o nome do mítico poeta e, portanto, existia um movimento espiritual que reconheceria e Orfeu o seu patrono e inspirador[8].
Mias difícil se apresente a situação no que concerne a doutrina, dado que, de um lado, certas crenças que, como veremos, só podem ser órficas, nem sempre são qualificadas como tais pelas nossas fontes, e, de outro lado, os fragmentos diretos muito amiúde não são datáveis. Todavia, como veremos considerando alguns testemunhos paralelos pode-se chegar a uma elevada probabilidade de atribuir aos órficos certas doutrinas. Os numerosos versos órficos pertencente a assim chamada teogonia rapsódica (Discursos sacros em vinte e quatro rapsódias), primeiro considerados genuínos, depois considerados falsificações de época tardo-antiga, são hoje considerados sob nova luz: o autor da teogonia rapsódia parece ter utilizado um material antigo, sistematizando-o e completando-o[9]. Mas um fato particularmente importante demonstrou recentemente que a hipercrítica não se sustenta: um fragmento de teogonia, típica expressão do sentimento “panteísta! órfico, reportado no Tratado sobre o cosmo por Alexandre atribuído a Aristóteles, considerado como composição da época helenística, assim como Tratado, resultou muito mais antigo, a partir da descoberta de um papiro de Derveni, ocorrida em 1962. O papiro, de fato, pertence à época socrática, mas, dado que o carme é submetido a um comentário, isso quer dizer que, naquela época, ele já gozava de autoridade e notoriedade consideráveis e, portanto, pertencia a uma época ainda mais antiga[10].
Estas especificações eram indispensáveis para esclarecer a objetiva complexidade da situação, assim como a necessidade de fornecer uma abundante documentação mesmo num trabalho de síntese como é o nosso.
2. A novidade de fundo do orfismo
Nos documentos literários gregos que nos chegaram aparecer pela primeira vez em Píndaro uma concepção da natureza e dos destinos do homem praticamente desconhecida aos gregos das épocas precedentes, e expressão de uma crença revolucionaria sob muitos aspectos, a qual, justamente, foi considerada como elemento de um novo esquema de civilização. De fato, começa-se a falar da presença no homem de algo divino e não normal, que provém dos deuses e habita no próprio corpo, da natureza antiética a do corpo, de modo que este algo só é ele mesmo quando o corpo dorme ou quando se separa para morrer e, portanto, quando enfraquecem os vínculos com ele, deixando-o em liberdade.
Eis o célebre fragmento de Píndaro:
O corpo de todos obedece à poderosa morte, em seguida permanece ainda viva uma imagem da vida, pois só esta vem dos deuses: ela dorme enquanto os membros agem, mas em muitos sonhos mostra aos que dormem o que é furtivamente destinado de prazer e de sofrimento[11].
Os estudiosos[12] há tempo observam que esta concepção tem paralelos exatos, mesmo terminológicos, além de conceituais, pro exemplo em Xenofonte, no final daCiropédia, e num fragmento que nos chegou da obra exotérica de Aristóteles, Sobre a filosofia.
Eis a passagem de Xenofonte:
Quanto a mim, filhinhos, jamais consegui persuadir-me disso: que a alma, enquanto se encontra num corpo mortal, viva; quando e libertou dele, mora. Vejo, com efeito, que a ala torna vivos os corpos mortais por todo o tempo em que neles reside. E tampouco jamais me persuadir de que a alma seja insensível, uma vez separada do corpo, o qual é insensível. Antes, quando o espírito se separa do corpo então, livre de toda mistura e puro, é logicamente mais sensível do que antes. Quando o corpo do homem se dissolve, vemos as partes individuais juntarem-se aos elementos da sua própria natureza, mas não a alma: só ela, presente ou ausente, foge a vista. Observai em seguida – prosseguiu – que nenhum dos estados humanos é mais próximo da morte que o sono: e a alma humana então, melhor do que nunca, revela com clareza a na sua natureza divina, prevendo o futuro, sem duvida porque então é quando se encontra mais livre[13].
Eis o fragmento aristotélico:
Aristóteles diz que a noção dos deuses tem nos homem uma dupla origem, do que acontece na alma e dos fenômenos celestes. Mais precisamente do que acontece na alma em virtude da inspiração e do poder profético, próprios a ela, que se produzem no sono. Quando, de fato, diz ele, no sono a alma se recolhe em si mesma então, assumindo a sua verdadeira e própria natureza, profetiza e vaticina o futuro. Assim também ela é quando, no momento da morte, separa-se do corpo. E assim ele aprova o poeta Homero por ter observado o seguinte: representou a Pátroclo que, no momento de ser morto, vacinou a morte de Heitor, e Heitor vaticinou o fim de Aquiles. De fatos deste gênero, diz ele, os homens suspeitam que existe algo divino, q eu é em si semelhante à alma e, mais di que todas as outras coisas, é objeto da ciência[14].
O novo esquema de crenças consiste, pois, numa concepção dualista do homem, que contrapõe a alma imortal ao corpo mortal e considera a primeira como o verdadeiro homem ou, melhor dizendo, o que no homem verdadeiramente conta e vale. Trata-se de uma concepção, como foi bem notado, que inseriu na civilização européia, uma nova interpretação da existência humana[15].
Não parece dubitável que esta concepção seja de origem órfica. Com efeito, Platão refere uma concepção, ligada estreitamente a esta, expressamente aos órficos, como fica claro desta passagem do Crátilo:
De fato alguns dizem que o corpo é tumulo [sema] da alma, como se esta tivesse nele enterrada: e dado que, por outro Aldo, a alma exprime [semainei] com ele tudo o que exprime, também por isso foi chamado justamente “sinal” [sema]. Todavia, parece-me que foram, sobretudo os seguidores de Orfeu a estabelecer este nome, como se a alma expiasse as culpas que devia expiar, e tivesse em torno de si, para ser custodiada [sozetai], este recinto, semelhante a uma prisão. Tal cárcere, portanto, como diz o seu nome, ´”custódia” [soma] da alma, enquanto esta não tenha pago todos os seus débitos, e não há nada a mudar, nem mesmo uma só letra[16].
O conceito da divindade da alma resulta também central nas “lâminas áureas” encontradas nalguns túmulos, da quais e extrai que tal conceito constituía o fulcro da fé órfica.
Eis uma das lâminas encontrada em Turi:
Venho pura dos puros, ó rainha dos infernos,
Eucles e Eubuleu e vós, deuses imortais,
Pois me orgulho de pertencer a vossa estirpe feliz;
Mas a moira me suplantou, e outros deuses imortais
... E o fulgor arrojado pelas estrelas.
Voei para fora do circulo que traz afano e opressora dor,
E subi com pés velozes para alcançar a desejada coroa
Depois emergi no seio da Senhora, rainha das profundezas,
E desci da desejada coroa com pés velozes,
”Feliz e bem-aventurado, serás e não mortal”.
Cordeiro, caí no leite[17].
Esta solene proclamação de que a alma pertence à estirpe dos deuses resulta ser também a ser tematizada em outras lâminas, e é expressa até com a mesma fórmula ou com uma fórmula de o significado totalmente análogo; “eu sou filha da terra e do céu cintilantes” [18]. Mas sobre isto voltaremos adiante.
Este novo esquema de crença estava destinado a revolucionar a antiga concepção da vida e da morte, como diz de modo paradigmático um célebre fragmento de Eurípides:
Quem sabe se o viver não é morrer
E o morrer, viver?[19]
E Platão, no Górgias, partindo exatamente desta idéia, mostra toda a carga revolucionária da nova mensagem: ela postula uma nova concepção d e toda a existência, e, em particular, postula uma mortificação do corpo e de tudo o que é própria do corpo, e uma vida em função da alma e do que é a alma. [20]
3.O orfismo e a crença na metempsicose
Já acenamos ao fato de que a opinião mais difundida dos estudiosos é que, na Grécia, foram os órficos a difundir a crença na metempsicose. Já Zeller, embora resistindo muito admitir que os mistérios tivessem uma incidência de relevo sobre a filosofia escrevia: “[...] em todo caso, parece seguro que, entre os gregos, a doutrina da transmigração das almas não veio dos filósofos aos sacerdotes, mas dos sacerdotes aos filósofos” [21]. Todavia, como alguns estudiosos contestaram este ponto, vale a pela e esclarecê-lo, porque entre a vozes de dissenso (que, contudo, não são muitas) elevou-se a autorizada voz de Wilamowitz- Moellendorff[22].
Nenhuma fonte antiga nos diz expressamente que foram os órficos a introduzir a crença na metempsicose; antes, algumas fontes tardias dizem até mesmo que foi Pitágoras.
Todavia, deve-se observar o seguinte: a) Pindaro conhece esta crença e não se pode demonstrar que El a tenha derivado dos pitagóricos e não dos órficos; b) as antigas fontes, ademais, quando falam de metempsicose, referem-na como doutrina revelada por “antigos teólogos”, “adivinhos” e “sacerdotes”, ou usam expressões com as quase comumente aludem aos órficos; c) numa passagem do Crátilo, Platão menciona expressamente os órficos, atribuindo-lhes doutrina di corpo como lugar de expiação da culpa original da alma, que pressupõe estruturalmente a metempsicose, e também Aristóteles refere expressamente aos órficos doutrinas que implicam a metempsicose; d) algumas fontes antigas fazem depender expressamente Pitágoras de Orfeu e não vice-versa.
a) Eis dois fragmentos de Píndaro, cujo teor é já por si eloqüente, enquanto não parece remeter ao pitagorismo:
E daqueles de quem Perséfones aceitará a punição
Pelo antigo luto, no nono ano restitui novamente
As almas ao esplendor do sol, no alto; delas surge
Reis augustos e grandes homens, subitâneos por força e sabedoria:
E heróis sagrados são chamados pelos mortais do tempo vindouro[23].
... Sim, se quem possui a riqueza conhece o futuro, se sabe que os ânimos violentos dos mortos daqui logo pagaram à pena – enquanto sob a terra alguém julga os erros neste reino de Zeus , declarando a semelhança com hostil necessidade; mas gozando da luz do sol em noites sempre iguais e em dias iguais, os nobres recebem da sua mão, nem a água marinha, por uma vazia subsistência; e, ao invés – junto aos favoritos dos deuses que goraram da fidelidade aos juramentos – ele percorrem um trecho de vida sem lagrimas, enquanto os outros suportam uma prova que o olhar não suporta. E os que tiveram a coragem de permanecer por três vezes em um e no outro mundo, e guardar totalmente a alma de atos injusto, percorrem até o fim a estrada de Zeus para a torre de Crono: lá as brisas oceânicas sopram ao redor da ilha dos bem-aventurados...[24].
b) Já o pitagórico Filolau – e isto é muito indicativo – escrevia:
Atestavam também os antigos teólogos e adivinhos que a alma está unida ao corpo para pagar alguma pena; e nele como numa tumba está sepultada[25]
Platão, no Ménon , ao reportar a primeira passagem de Pindaro acima lida, escreve:
[...] Dizem, de fato, que a alma do homem é imortal, e que às vezes chega a um fim – o que chamam morte – às vezes ressurge novamente, mas nunca é destruída: justamente por isso é preciso transcorrer a vida da maneira mais sensata possível [...] [26]
E noutras passagens ele usa expressões análogas e, em particular a expressão “discurso antigo”, com qual só se podem entender os discursos sagrados dos órficos.
Análogas conclusões devem ser tiradas do seguinte fragmento aristotélico do Protético:
Considerando estes erros e estas tribulações da vida humana, parece às vezes que viram algo aqueles antigos, seja profetas, seja interpretes dos desígnios divinos na narração das cerimônias sagradas e das iniciações, os quais disseram que nascemos para pagar o preço de algum delito cometido numa vida anterior, e parece verdade que se encontra em Aristóteles, ou seja, que sofremos um suplicio semelhante ao que sofreram aqueles que em outros tempos, quando caiam nas mãos dos piratas etruscos, eram mortos com uma crueldade refinada: os corpos vivos eram atados ao mortoscom a máxima precisão, adaptando a parte posterior de um vivo a parte posterior de um morto. E como aqueles vivos eram conjugados com os mortos, assim as nossas almas estão estreitamente ligadas aos corpos.[27]
c) Já lemos acima passagem platônica do Cratilo no qual os órficos são mencionados expressamente. Mas não menos interessante é a seguinte passagem aristotélica, tirada do tratado Sobre a alma, onde claramente se diz que os órficos admitiam uma preexistência da alma :
A tal erro confronta-se também o discurso que se encontra na assim chamada poesia órfica: esta diz , com efeito, que a alma, levada pelos ventos, do universo penetra nos seres quando respiram, e não é possível que isto ocorra com as plantas, e nem mesmo com certos animais, enquanto nem todos os animais respiram: mas isto escapou aqueles que tem tais convicções[28] .
d) Depois o fato de antigas fontes afirmarem que Pitágoras pois inversos certas doutrinas ,atribuindo-as a Orfeu, se não pode ser considerado literalmente testemunhas, todavia, qual era a mais antiga convicção sobre as relações entre os dois personagens [29] .
A metempsicose tem, fundamentalmente, um significado moral, o qual é bem destacado já por Platão, além das paginas do Fédon conhecidas por todos [30], em duas personagens das Leis que convém ler.
Isto seja dito como prelúdio ao tratamento desta matéria, e acrescente-se a isso a tradição, a qual, quando ouvem falar disso, muitos daqueles, que nas iniciações aos mistérios se interessam por estas coisas, prestam muita fé, ou seja, que no Hades se dá uma punição por tais erros, e que os seus autores, voltando novamente, devem necessariamente pagar a pena natural, isto é, aquela de padecer o que fizeram, terminando assim por mãos de outros a nova vida[31].
Aquele mito, portanto, ou tradição, ou como quer que se o deva chamar, diz claramente, como nos foi transmitido por antigos sacerdotes, que a vigilante justiça, vingadora do sangue dos parentes, segue a lei há pouco referida;, portanto, estabeleceu que quem comete um delito deste gênero, deve necessariamente padecer o mesmo que fez: se mata o pai, deve suportar que o mesmo tratamento lhe seja um daí violentamente infligido por obra dos filhos; e se a mãe, ele deve necessariamente renascer como mulher e, mais tarde, deixar a vida por obra dos filhos: pois não há outra expiação do sangue delituosamente derramado, sem a mácula pode ser lavada sem que a alma culpada tenha pagado o assassinato com o assassinato, o semelhante com o semelhante, e tenha aplacado a ira de toda a parentela[32].
Entre os estudiosos modernos, Dodds esclareceu melhor do que todos o significado destas passagens, do seguinte modo: “O castigo de além-túmulo [...] não conseguia explicar por que os deuses aceitam a existência da dor humana e, em particular, a dor imerecida dos inocentes.A reencarnação, ao invés, o explica: para esta não existem almas inocentes, todas pagam, em diversos graus, culpa de várias gerações, cometidas nas vidas anteriores. E toda esta soma de sofrimentos, neste mundo e no outro, é só uma parte da longa educação da alma, que encontrará o seu ultimo termo na libertação do ciclo dos renascimentos e no retorno da alma a sua origem divina. Só deste modo, e sob a medida do tempo cósmico, pode ser realizada completamente, por cada alma, a justiça entendida no sentido arcaico, isto é, segundo a lei do “que pecou pagará” [33].
4.O fim da alma segundo o orfismo
Se o corpo é prisão da alma, ou seja, lugar onde paga a pena de uma antiga culpa, e se a reencarnação é como a continuação desta pena, é claro que a alma deve libertar-se do corpo e, justamente, este é os eu fim último, o “prêmio” que lhe compete.
A literatura grega anterior ao século VI a.C. fala de castigos e prêmios no além, mas só em sentido muito restrito: trata-se com efeito, de castigos por algumas culpas excepcionalmente graves e prêmios por méritos igualmente excepcionais; e , sobretudo, num e noutro caso, trata-se de destinos que tocam exclusivamente a alguns indivíduos, a pouquíssimos e, ademais, a indivíduos de épocas passadas. Em Homero, aos homens do presente, como já foi observado, não cabe nem premio nem castigo[34].
A revolução da orfismo é, pois evidente, e é errado supervalorizar os antecedentes dos quais falamos: de fato, segundo a nova concepção, a todos os homens, sem exceção, compete um premio ou uma pena, segundo o modo como tenham vivido. Assim aquilo que era a exceção tornar-se a regra, aquilo que era o caso privilegiado torna-se o destino comum a todos.
Desta nova crença, Píndaro, mais uma vez, nos oferece a primeira expressão completa. Na segunda Ode olímpica fala explicitamente de um além no qual os maus são implacavelmente julgados pelos seus erros e, conseqüentemente, condenados, enquanto os bons são premiados:
Par este refulge o poder do sol,
Enquanto aqui embaixo é noite;
Junto à cidade está a sua sede, nos prados das rosas vermelhas,
De sombrias plantas de incenso [...] e é carregada
[de arvores] de frutos de ouro; e uns se alegram
Com os cavalos e os exercícios do corpo, outros com os jogos de xadrez,
Outros com o som da lira, e entre eles prospera em plenitude
A abundância: um perfume amável se difunde sobre aquela terra,
Enquanto levam sempre ao fogo, que de longe se distingue
Ofertas de todas as espécies sobre os altares dos deuses[35].
Pindaro, na verdade , vivifica o além com a sua acesa fantasia valendo-se das cores do aquém (como é sabido, os estudiosos consideram que esta não foi à pessoal crença do poeta, as, antes, a da pessoal a qual a sua poesia era dirigia) e, sobretudo, não nos diz qual é o destino supremo das almas dos bons. Isto, ao invés, é dito com toda a clareza nas lâminas órficas.
Na lamina encontrada em Hipônio, diz-se que a alma purificada no além fará um longo caminho pelas vias que percorrem também os outros iniciados e possuídos por Dionísio. Na Lâmina encontrada em Petélia, diz-se que a alma reinará junto com outros heróis. Em uma das laminas de Turi, diz-se que a alma purificada, assim como originariamente pertencia à estirpe dos deuses, será Deus e não mortal. Enfim, em outra lamina de Turi, diz-se que de homem ela se tornará Deus.
Eis o texto desta bela lamina:
Mas, apenas a alma abandona a luz do sol
À direita... encerrando, ela que conhece tudo junto.
Alegra-te, tu que sofreste a paixão: antes não havias ainda sofrido isto
De homem te tornaste deus: cordeiro caíste no leite.
Alegra-te, alegra-te, tomando o caminho à direita
Para os prados sagrados e os bosques de Perséfone[36].
“De homem, nasceras Deus, porque do divino derivas”: eis a mais revolucionaria novidade do novo esquema de crenças, cujo acolhimento estava destinado a transformar o mais antigo significado da vida e da morte.
5. A teologia órfica, o mito de Dionísio e os Titãs e a gênese da culpa original que a alma deve expiar
Não é tarefa nossa aprofundar-nos neste ponto na reconstrução da teogonia órfica. Pois só indiretamente interessa ao tema principal que estamos tratando. Tal reconstrução resulta, ademais, muito complexa e incerta, pois apresenta diferentes variantes. Recordemos que a antigüidade tardia[37] distinguia tres diferentes teogonias órficas: a) a referida a Eudemo, discípulo de Aristóteles, b) a assim chamada de Jerônimo de Helânico e c) a dos Discursos sagrados em vinte e quatro rapsódias (assim chamada teogonia rapsódica), da qual já falamos. Dos poucos acenos de Platão e Aristóteles, unidos são que nos restou de Eudemo, extraem-se apenas poucos traços, totalmente insuficientes[38]; da teogonia de Jerônimo e de Helênico possuímos um breve resumo transmitido por Damásio[39]. Da teogonia rapsódica possuímos numerosos fragmentos, sobre os quais, porém, gravam as pesadas hipotecas sobre as quais falamos no inicio,
A idéia de fundo das teogonias órficas é, em grande parte, a mesma da teogonia e Hesíodo. Bela se explica em nível mitológico e, portanto, fantástico-poético, o que era no principio de tudo, como nasceram progressivamente os vários deuses e se instauraram os seus vários reinos, e a geração de todo o universo.
Com relação à teogonia hesiodiana, todavia, duas parecem ser as diferenças, uma e outra de considerável importância.
Em primeiro ligar, aquela parece se, embora sob a capa mítica, mais conceitual, como já notava Rohde: “Atendo-se claramente aquela antiqüíssima teologia grega que se recolhera no poema hesiodiano, estas Teogonias órficas descreviam o devir e do desenvolvimento do mundo, dos obscuros impulsos primitivos até a variedade bem determinada dos cosmo ordenado a unidade; e o descreviam como a historia e uma longa serie de potencia e figura divinas que, desenvolvendo-se uma de outra e uma superando a outra, revezam-se na obra de formar e governar o mundo e observem em si o Todo, para restituí-lo, depois, animado por único espírito e Uno na sua infinita pluralidade. Certamente estes não são mais deuses do antigo tipo grego. Não só as divindades recriadas pela fantasia órfica e subtraída, pela força do símbolo, a possibilidade de uma clara representação sensível, mas também as figuras tiradas do Olimpo grego são aqui pouco menos que personificações de conceitos. Quem reconheceria o Deus de Homero no Zeus órfico, o qual, absorvendo em si o deus que está em toda parte, e tendo ‘assumindo a força de Eripeu’. Tornou-se por sua vez o Todo: ‘Zeus é o principio, o meio é Zeus, em Zeus o Todo se cumpre’? aqui o conceito alarga de tal modo a personalidade, que ameaça fazê-la explodir; ele tira os contornos às figuras individuais com sábia ‘mistura de deuses’, confunde-os entre si” [40].
Ora, o que dizia Rohde, a nosso ver, adquire hoje importância ainda maior, pois o fragmento da teogonia ou, pelo menos o carme em que Zeus é chamado de principio, meio e fim, e no qual parece perder as suas aparências míticas para se tornar o Todo e o fundamento do Todo, resulta ser do século V a.C., como já recordamos.
Eis o fragmento:
Zeus nascer primeiro, Zeus do fulgurante brilho e o ultimo;
Zeus é a cabeça, Zeus é o meio: por Zeus tudo se cumpre;
Zeus é fundo da terra e do céu brilhante;
Zeus nasceu varão, Zeus imortal foi menina;
Zeus é o sopro de todas as coisas, v é o ímpeto do fogo imperecível.
Zeus é a raiz do amor, Zeus é o sol e a lua;
Zeus é o rei, Zeus do fulgurante brilho é o dominador de todas as coisas: de fato, depois de ter escondido todos, novamente do coração sagrado trouxe-os a luz cheia de alegria, operando ruínas[41].
Em segundo lugar, como sobretudo Guthrie observou, as teogonias órficas, diferentemente da hesiodiana, terminavam com o mito de Dionísio e os Titãs (do qual logo falaremos) e com a explicação das origens dos homens, assim como do bem e do mal que neles existem. Por conseqüência, enquanto “uma [isto é, a teogonia hesiodiana] não poderia nunca se tornar uma doutrina de base para a vida espiritual, a outra [isto é, a teogonia órfica] podia constituir esta doutrina, e com efeito a constituía” [42].
Ora, a idéia de fundo da parte final da teogonia era a seguinte. Dionísio, filho de Zeus, foi triturado e devorado pelos Titãs, s quais, por punição, fora queimados e incinerados pelo próprio Zeus, e das suas cinzas nasceram os homens[43].
É evidente em que sentido a medida este mito pode constituir a base de uma ética. Ele explica a constante tendência ao bem e ao mau presente nos homens: a parte dionisíaca é a ala (e liga-se a ela a tendência do mal). Daqui deriva a nova tarefa moral de libertar o elemento dionisíaco (a alma) do elemento titânico (o corpo). A reencarnação e o ciclo dos renascimentos são, portanto, a punição desta culpa, e estão destinados a continuar até que o homem se liberte da própria culpa.
Alguns estudiosos puseram em duvida a antiguidade deste mito, não considerando suficiente o testemunho de Pausânias, que pó relaciona a Onomácrito (portanto, ao século Vi a.C.) e notando que a expressa conexão do elemento dionisíaco com alam só se encontra nos neoplatônicos. Mas, ao contrario, foi observado que a natureza seguramente arcaica do mito, assim como alguns acenos de Platão (que não se podem explicar a não ser supondo que aludam a este mito) garantem a sua autenticidade[44].
O mistério do homem e o seu sentimento de ser um misto de divino e beluíno, com os opostos impulsos e as contrastantes tendências, eram assim explicados de modo verdadeiramente radical. Platão tirará inspiração desta intuição e, transpondo-a e fundando-a no plano metafísico, construirá a visão do homem “em duas dimensões”, da qual falaremos amplamente[45], que condicionou largamente o pensamento ocidental.
6. As iniciações e as purificações órficas
Para concluir, devemos ainda acenar às praticas que os órficos uniam a estas crenças, e as quais atribuíam essencial importância.
Nessa praticas podemos distinguir dos momentos: o que implicava a participação em ritos e cerimônias e o que comportava a adesão a um certo tipo de vida, cuja regra fundamental era abster-se de comer carne[46]
Nas cerimônias de iniciação, provavelmente, representava-se e imitava-se o assassinato e o dilaceramento de Dionísio pelos Titãs, realizavam-se ritos e pronunciavam-se fórmulas de caráter mágico[47].
A purificação da culpa, em suma, era em larga medida confiada ao elemento não racional ou, como dissemos, mágico[48].
Já Pitágoras e os pitagóricos, embora conservando ainda muitos elementos deste gênero, começaram a atribuir a musica e, posteriormente, a ciência o meio de purificação, como vimos acima[49]. Mas a grande revolução foi operada, mais uma vez, pro Platão, o qual, numa passagem exemplar doFédon teorizou, de maneira esplêndida, que a verdadeira força purificadora está na filosofia,e apresentou esta sua asserção como a verdade da antiga intuição órfica.
Eis a célebre passagem:
E certamente não foram tolos aqueles que instituíram os Mistérios: e na verdade já dos tempos antigos nos revelaram de maneira velada que aquele que chega ao Hades sem ter-se iniciado e sem ter-se purificado jazerá em meio à alma; ao invés, aquele que se iniciou e se purificou, chegando lá, habitará com os deuses. De fato, os interpretes dos mistério dizem que ‘os portadores de tirso são muitos, mas são poucos os Bacantes’. E estes, penso eu, não são senão aqueles que pratica retamente a filosofia[50]. (pag.371-386)
[1] O leitor poderá orientar-se igualmente sobre o modo diferente de afrontar e tratar a complexa problemática do orfismo lendo as seguintes obras: E. Rohde, Psyche, seelenkult und unsterblichkeitsglaube der Griechen, 2 vols., Friburgo em N. 189-1894, trad. Italiana de E. Codignola e A. Oberdorfer com o título:Psiche. Culto delle anime e fede nell’imortalità presso i Greci, 2 vols., Florença 1930; W.K.C. Gurthrie, Orpheus and Grek Religion,Londres 1935 (1952), trad. Francesa de M. Guillemin com o tituloOrphée et La religion grecque. Étude sur la pensée orphique, Paris 1956; K. Ziegler, Orpheus, in Pauly – Wissowa, realencyclopadie der classischen Altertumswissenschaft, XVIII, 1 (1939), col. 1200-1316; Idem, orphische Dichtung, ivi, XVIII, 2 (1942), col. 1321-1417; I. M. Linforth, The Arts of Orpheus, Berkeley 1941 (Nova Iorque 1973); M.P. Nilsson, Geschichte der griechischem religion,vol. I. Monique 1941 (1967); E. Dodds, the Greeks and the Irrational, Berkeley-Los Angeles 1951, trad. De V. Cacca de Bosis com o titulo I Greci e I’ irrazionale, Florença 1959. Nestes volumes se encontrará mais bibliografias.
[2] Cf. Orphica. Irec. G, Hermannus, cum notis H. Stephani, A chr. Eschenbachii, J.M. Gesneri, The Tyrwhitti, Lipsiase 1805 (reimprressão anastática, Olms, Hildesheim 1969); Aglaophamus sive de Theologie mysticae Graecorum causis libri tres conscripsitC.A. Lobeck idemque poetarum orphicorum dispersas reliquias collegit, Regimontti prussorum 1829; Orphica, Rec. E. Abel, Lipsia e Praga 1885 (uma boa seleção dos mesmos com texto, tradução italiana e anotações foi preparada por G. Faggin, Inni orfici, Fussi, Florença 1949). Para os Argonautas ver também a edição de G. Dottin, paris 1930, com tradução frâncesa.
[3] Orphicorum Fragmenta, Collegit O. Kerns, Berlim 1922 (1963). Uma seleção de fragmentos desta edição foi introduzida para o italiano por G. Arrighetti, Orfici Frammenti, Borringhieri, Turim 1959. Uma nova coletânea dos fragmentos fundamentais, em edição critica, com tradução italiana e anotações encontra-se em G. Colli,La sapienza greca. I: Dioniso, Apollo, Eleusi, Museo, Ipebore, Enigma, Adelphi, Milão 1977, PP. 117-289. Dada a validez desta coletânea, indicaremos a sua numeração, junto com a numeração canônica de kern, também porque contém novos materiais.
[4] Ibico, fr. 17 Diehl (= kerns, test. 2 = Colli, 4 A la).
[5] Eurípides, Alcesti, 962-972 e, Hipólito, 952-954 (Kern, test. 82e 312 = Colli, 4 A 14 e A 16); Platão Republica, II, 64 e SS. (= kern, fr, 3 = Colli, 4 A 41).
[6] Heródoto, II, 81 (= Kerns, test. 216 = Colli, 4 A 12); Aristófanes, Rãs, 1032s. (= Kern, test. 90 = Colli, 4 A 25).
[7] Aristóteles, de philos., fr. 7 Ross (= kern, test. 188 = Colli, 4 A 56).
[8] Cf. Zeller- Mondolfo, I, 1, p. 119, nota 1.
[9] Ver, sobre isto, Jaeger, La teologia..., pp. 98-122.
[10] Ver as indicações que damos, sobre isto, no volume: G. reale,Aristóteles Trattato sul cosmo per Alessandro, Loffredo, Nápoles 1974, PP. 273 s. reproduzimos o hino, mais adiante, pp. 386s.
[11] Píndaro, fr. 131 b Snell (= Colli, 4 A 9).
[12] Cf., por exemplo, Dodds, I Greci e l’ irrazionale, pp. 159s.
[13] Xenofonte, Ciropédia, VIII, 7, 21.
[14] Aristóteles, de philos., fr. 12a Ross.
[15] Cf. Dodds, I Greci e l’ irrazionale, pp. 159ss.
[16] Platão, Crátilo, 400 c (= Kern, fr. 8= Colli, 4 A 34).
[17] Kern, fr. 32 c = Colli, 4 A 65.
[18] Kern, fr. 32 b. I-II = Colli, 4 A 70 a.
[19] Eurípides, Polyidos, fr, 638 Nauck, reportado por Platão, Górgias, 492 e (= Colli, 4 A 23)
[20] Cf. vol. II: “A imortalidade da alma, seus destinos ultraterrenos e a sua reencarnação”, 3ª seção da 1ª Parte.
[21] Zeller- Mondolfo, I, 1, p. 137.
[22] U. von Wilamowitz-Moellendorff, Der Glaue der Hellenen, 2 vols. Darmstadt 1959 (1932), vol. II, pp. 190.
[23] Píndaro, fr. 133 Snell (= Colli, 4 A 5)
[24] Píndaro, olímpicas, II,56-72(= Colli,4 A6).
[25] Diels-Kranz, 44 B 14.
[26] Platão, Menon, 81 b-c.
[27] Aristóteles, Protretico, fre.10 b (= Colli, 4 A 55).
[28] Aristóteles,sobre a alma , A , 5, 410 b 27 -41 a 1(= Colli, 4 A 60).
[29] Diógenes Laércio, VIII, 8 = Diels-Kranz, 14 A 19.
[30] Cf. Platão, Fédon , 80 c ss.
[31] Platão, Leis, IX, 870 d-e.
[32] Platão, Leis, IX, 872 d-e.
[33] Dodds, I Greci e l’irrazionale, p.196
[34] Cf. Guthrie Orphée..., pp. 167ss.
[35] Pindaro, fr. 129 Snell (=Colli, 4 A 7).
[36] Lâmina encontrada em Turi, 4 (kern, fr. 32 f= Colli, 4 A67)
[37] Sobre o tema ver: Guthrie, Orphée..., pp. 83ss.; jeager, La teologia..., pp. 100ss.
[38] Cf. Eudemo de Rodes, fr. 150 Wehrli (= Kern, fr. 28 = Colli, 4 B 9).
[39] Damásio, de principiis, 123 bis, I, 317, 15ss. Ruelle (=Kern, fr. 54 = Colli, 4 B72).
[40] Kern, fr. 21 = Colli, 4 A 71.
[41] Kern, fr. 21 = Colli, 4 A 71.
[42] Guthrie, Orphé...p. 100.
[43] Cf. Rohde, Psiche...pp. 447ss. E as passagens aí referidas.
[44] Este ponto é demonstrado muito bem por Dodds, I Greci e l’irrazionale, pp. 205s.
[45] Cf. vol. II: toa a 3ª Seção da 1ª Parte.
[46] Cf. Guthrie, Orphée..., pp. 216ss.
[47] Sobre algumas fórmulas do ritual órfico cf. Guthrie, Orphée..., pp. 231 ss.
[48] Cf. Dodds, I Greci e l’ irrazionale, p. 202.
[49] Cf. supra, pp. 87-89s.
[50] Platão, Fédon, 69 c-d.