terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

De Pitágora á Zenão. A escola Eleática

 





Giovanni Reale, História da filosofia antiga

Síntese: Paolo Cugini


A FÉ PITAGÓRICA: O HOMEM, A SUA ALMA E O SEU DESTINO

Critica da concepção dos Deuses e destruição do pressuposto da religião tradicional

O tema de fundo desenvolvido nos carmes de Xenófanes é cons-tituído sobretudo pela crítica da concepção dos deuses fixado de modo paradi-gmático por Homero e Hesído, esse erro consiste no antropomorfismo, convicção de que os deuses e o Divino em geral devem ter aspectos, forma, sentimentos, tendências totalmente iguais aos dos homens, portanto, os Deuses não têm e não podem ter semelhanças humana; mas é ainda menos pensável que tenham costumes humanos e, sobretudo, que cometem ações ilícitas e nefastas, como o diz a mitologia. E, analogamente, é impossível que os Deuses nasçam, porque se nascem também morrem. E é também impossível que Deus se mova e vaguei de um lugar a outro, como os Deuses erradios de Homero:

E, enfim os fenômenos celestes e terrestres, que as crenças populares identificam com as várias divindades, são explicados como fenômenos naturais, como por exemplo, o arco-íris, que se acreditava ser a deusa Íris: 

Depois das críticas de Xenófanes, o homem ocidental não poderá mais conceber o divino segundo formas e medidas humanas.

Deus e Divino segundo Xenófanes

Xenófanes chega a afirmar que Deus é cosmo.

Fragmento 23, Uno, Deus, sumo entre os deuses e os homens, nem por figura nem por pensamento semelhante aos homens, em primeiro lugar, ele é contrária ao espírito de toda a grecidade, ao qual, permaneceu sempre estranho o problema de se Deus é uno ou múltiplo. Em segundo lugar o verso de Xenófanes, ao mesmo tempo que fala de “Deus” no singular, compara-o e o põe acima dos Deuses no plural, o ver, ouvir e pensar, assim como a força que tudo faz vibrar, são atribuídos a Deus, não em dimensão humana, mas em dimensão cosmológica. Portanto Xenófanes não é monoteísta, porque fala tranquilamente de “Deus”, no singular e no plural, e porque nenhum grego jamais percebeu antítese entre monoteísmo; mas é um espiritualista, porque o seu Deus é o cosmo, e a categoria do espiritual está totalmente além do horizonte da sua especulação e não é, por conseqüência, nem sequer dualista. Se Xenófanes identificou Deus com o universo, continuou depois a falar também de Deuses sem determinar as relações destes com aquele, e sem determinar também as relações entre o Deus-cosmo e os eventos e fenômenos singulares do cosmo.

A física xenofanéia

Nalguns fragmentos, tudo nasce da terra, e tudo na terra termina.

Terra e água são todas as coisas que nascem e crescem. Todas nasceram da terra e da água, parece que Xenófanes, com a terra quis explicar somente os seres terrestres e não todo o cosmo: portanto o seu princípio é diferente do princípio dos jônicos, que pretendia explicar as coisas terrestres e todo o cosmo.

Idéias morais

Xenófanes expressou também idéias morais de alto valor, e em particular afirmou, combatendo os preconceitos correntes, a nítida superioridade daqueles que chamaremos valores espirituais, tais como a virtude, a inteligência, a sabedoria, sobre os valores puramente vitais, como a força física dos atletas.


As três vias da pesquisa

No seu poema, Parmênides parece ter atribuído três possível “vias” á pesquisa, uma da verdade absoluta, uma das opiniões falaciosas ou da absoluta falsidade, e uma opinião plausível.

A via da absoluta verdade

O grande princípio parmediano, que é o próprio princípio da verdade, é este: o ser é e não pode não ser; o não ser não é e não pode ser de modo algum. O ser, portanto, é e deve ser afirmado, o não-ser é e deve ser negado, e esta é a verdade; negar o ser ou afirma o não-ser é, ao invés, a absoluta falsidade. O ser puro positivo e i não-ser o puro negativo, o ser é a única coisa pensável e exprimível; qualquer pensar, para ser tal, é pensar o ser, a ponto de podermos dizer que pensar e ser coincidem, ao contrário, o não-ser é de todo impensável, inexprimível, indizível e, portanto, impossível.

Neste princípio parmenidiano, os intérpretes há muito indicaram a primeira grandiosa formulação do principio de não-contradição. É este o grande princípio que receberá de Aristóteles a sua mais célebre formulação de defesa, e que constituirá não o fundamento de toda a lógica antiga, mas de toda a lógica do Ocidente. O ser é ingênito e incorruptível. De fato, é impossível que tenha sido gerado, enquanto, se assim fosse, deveria derivar ou do não-ser ou do ser: E por estas mesmas razões é impossível que se compra.

O ser não tem, pois, um passado e nem mesmo um futuro mas é presente eterno sem início nem fim. O ser é, ademais, imutável e absolutamente imóvel, é encerrado, nas cadeias do limite, da necessidade inflexível: ele é perfeito e acabado e, como tal, não carece e não tem necessidade de nada e, por isso, permanece em si mesmo idêntico no idêntico.

O ser também é indivisível em partes diferentes e, portanto, é um contínuo todo igual, já que qualquer diferença implica o não-ser. E a igualdade e a finitude juntas sugerem evidentemente a representação esferiforme, que o Eleata explicitamente atribui ao seu ser:

É evidente que tal concepção do ser postulava também o atributo da unidade. Única verdade é, pois, o ser ingênito, incorruptível, imutável, imóvel, igual, esferiforme e uno: o resto é apenas nome vão: é claro que o ser parmenidiano é o ser do cosmo, imobilizado e em grande parte purificado, mas ainda claramente reconhecível: é, por paradoxal que isso possa soar, o ser do cosmo sem o cosmo.

 A via do erro

A raiz do erro da “opinião dos mortais”, portanto, está na admissão do não-ser ao lado do ser e na admissão da possibilidade da passagem de um ao outro e vice-versa.

A terceira via: a explicação plausível dos fenômenos e a “doxa” parmenidiana

Parmênidas, além da Verdade e da Opinião falaciosa dos mortais, reconhecia a possibilidade e a legitimidade de certo tipo de discurso que tentasse dar conta dos fenômenos e das aparências sem ir contra o grande princípio, isto é, sem admitir, juntos, o ser e o não-ser, é necessário admitir a existência das aparências quem tudo indaga em todos os sentidos. Os mortais puseram duas formas supremas: “luz” e “noite”, concebendo-as como contrárias e deduzindo todo o resto delas, é claro que Parmênides pretende corrigir o erro dos mortais:

De fato eles [os mortais] estabeleceram dar nome a duas formas cuja unidade é necessária: nisso eles erraram. Os mortais, portanto, erraram porque não compreende que as duas formas estão incluídas numa superior unidade necessária, vale dizer, na unidade do ser.

Aporias estruturais da filosofia parmenidiana

Se o grande princípio de Parmênides, tal como foi por ele formulado, salvava o ser, perdia o fenômenos. Era preciso que a filosofia, depois de Parmênides e dos eleatas, encontrasse novas vias que permitissem salvar, além do ser, também os fenômenos.


Os agrupamentos dialéticos contra o movimento

Os argumentos de Zenão que nos foram transmitidos referem-se ao movimento e ao múltiplo. O primeiro argumento, chamado “da dicotomia”, sustenta que o movimento é absurdo e impossível, porque um corpo, para alcançar um alvo, deveria primeiro alcançar a metade do caminho a percorrer, mas antes de alcançar aquela metade, deveria alcançar a metade da metade, e antes ainda a metade da metade, e assim ao infinito, porque há sempre uma metade da metade.

O segundo argumento, chamado “de Aquiles”, sustenta que o movimento é de tal modo absurdo que, se por hipótese nós o concedêssemos, e puséssemos Aquiles de pésvelozes a perseguir uma tartaruga, ele jamais a alcançaria, porque as mesmas dificuldades vistas no precedente argumento se reapresentariam do outra forma: Aquiles deveria primeiro chegar ao ponto em que a tartaruga se encontrava na partida, depois ao ponto em que ela se encontrasse quando ele alcançasse o seu ponto de partida, e depois ainda ao terceiro ponto no qual ela se encontrasse quando ele tivesse alcançando o segundo, e assim ao infinito.

O terceiro argumento é chamado “da flecha” e demonstra que uma flecha, que se crê em movimento, na realidade está parada. O quarto argumento, chamado “do estádio”, mostra, ao invés, a relatividade da velocidade e, portanto, do próprio movimento do qual a velocidade é propriedade essencial, e, com esta demonstração da realidade, exclui a objetividade e a realidade do movimento.

3. Os argumentos dialéticos contra a multiplicidade

Análogo procedimento Zenão usava para demonstra a impossibi-lidade de que o ser seja múltiplo, isto é, que exista uma multiplicidade de seres.

4. A importância de Zenão

A dialética zenoniana agiu fortemente muito além da escola eleata,

Sobre a sofísica, sobre o próprio método socrático, sobre os megáricos e, em geral, contribuiu de maneira significativa para a formação das várias técnicas de argumentação e para o nascimento da lógica. A demonstração que será chamada por absurdo é, substancialmente, uma descoberta de Zenão.


IV. MELISSO DE SAMOS

A sistematização do eleatismo

Melisso pode ser definido como o “sistematizador” do pensamento eleata.

2. Os atributos do ser e a sua dedução

Melisso entendeu o ser tal como Parmênides o entendeu e, como ele, demonstrou o seu caráter ingênuo e a sua incorruptibilidade. Todavia, em lugar de conceber a eternidade desse ser toda recolhida no instante atemporal sem passado e sem futuro, preferiu dilatá-la ao infinito e concebê-lo como um “sempre será”. Mas a novidade maior de Melisso é, sem dúvida, a afirmação de que o ser é infinito. Parmênides afirmara o ser finito, respeitado o pressuposto de que o infinito é imperfeito e só o finito é perfeito, enquanto é tudo, o ser é eterno e infinito.

Melisso indicou que, se fosse limitado, o ser deveria confirmar com o ser deveria confirmar com o vazio, isto é, com o não-ser, o que é impossível.

Ademais de eterno e infinito, o ser é uno. E o ser é uno porque infinito, fragmento 6. Se é infinito, deve ser uno. De fato, se fosse dois, não poderiam ser infinitos, mas um teria limite no outro. O ser, ainda mais, como queria Parmênides, é igual, é inalterável, seja qualitativo, seja quantitativamente, e é imóvel. Enfim, Melisso disse que o ser é incorpóreo: o ser não tem corpo, não porque seja espiritual, mas porque e uno-infinito e, como tal, não é determinado nem por limites internos nem por limites externos, nem pelos limites da “esfera bem redonda” parmenidiana: não ter corpo coincide, pois, com não ter limite, com o ter grandeza infinita.

3. Eliminação da esfera da experiência e da “doxa”

Uma última novidade de Melisso e a sistemática eliminação do mundo dos sentidos e da doxa. Assim o eleatismo termina afirmando um ser eterno, infinito, uno, igual, imutável,imóvel, incorpóreo, que exclui qualquer possibilidade de um múltiplo, porque corta pela raiz qualquer pretensão de reconhecimento dos fenômenos.

É claro que o Ser, como o descreveram os eleatas, só pode ser o ser Deus, isto é, um ser privilegiado e não todo o ser, mas os eleatas não puderam distinguir ser de Deus e ser do mundo e, portanto, Deus e mundo, porque “ser”, para eles, não podia ter senão um único sentido, o sentido integral. Eles só teriam podido sair da aporia distinguindo ser e ser, isto é, distinguido diferentes significados do ser.


NOVA CONCEPÇÃO DO PRINCÍPIO. O número, princípio de todas as coisas

 



Reale, Giovanni. História da filosofia antiga

Síntese: Paolo Cugini


II. NOVA CONCEPÇÃO DO PRINCÍPIO

1. O número, princípio de todas as coisas

Do ponto de vista da ciência, Aristóteles estabelecera claramente que o princípio que os jônicos atribuíram á água, ao apeíron, ao ar e ao fogo, os pitagóricos, com nítida mudança de perspectiva, atribuíram ao número e aos elementos constitutivos do número.

Os pitagóricos forma os primeiros cultores sistemáticos das matemáticas, foram os primeiros a notar que toda uma série de realidade e fenômenos naturais são traduzíveis por relações numéricas e representáveis de modo matemático. Em primeiro lugar, os pitagóricos notaram como a música era traduzível por número e por determinações numéricas; eles descobriram as relações harmônicas de oitava, de quinta e de quarta e as leis matemáticas que as governam. E ao estudar os diferentes fenômenos do cosmo, também neste âmbito notaram a incidência determinante do número: são precisas leis numéricas que determinam o ano, as estações, os dias etc.; são precisas leis numéricas que regulam os tempos de incubação do feto, os ciclos do desenvolvimento e os diferentes fenômenos da vida.

Para o antigo modo de pensar, o número é coisa real, antes, a mais real das coisas, que, como tal, pode ser princípio constitutivo das demais o número é princípio das coisas assim como o forma a água de Teles ou o ar de Anaxímenes, isto é, princípio integral.

2. Os elementos do número: a oposição fundamental e a harmonia

“Os elementos dos números são os elementos de todas as coisas”. O que significa que os números enquanto tais não são o primum absoluto, mas ele mesmo derivam de ulteriores elementos ou princípios.

Que são esses elementos ou princípios?

Os números são todos agrupáveis em duas espécies, pares e ímpares. E porque, como sabemos, cada coisa é redutível a um número, cada uma é expressão de número pares ou ímpares. Mas o par e o ímpar não são ainda os elementos últimos. Filolau fala-nos expressamente do ilimitado e do limite ou limitante, como princípio supremos de todas as coisas:

Ora, esse acordo de elementos ilimitados e de elementos limitantes é, justamente, o número, de modo que os elementos últimos dos quais resultam os números são o ilimitado e o limitante. Não é de admirar que os pitagóricos, visem nos números pares uma espécie de florescimento do elemento indeterminado, e nos números ímpares uma espécie de florescência do elemento derterminado e determinado, e considerassem pares e ímpares, no interior do número, exatamente como os correspectivos de indeterminado e determinante.

Concluindo: o ilimitado e o limitante são os princípios primeiros: neles têm origem os números, os quais são a síntese de um e de outro elemento, mas uma síntese tal que vê no seu próprio interior e, precisamente, na série dos pares, a predominância do elemento limitado e, na série dos ímpares, a predominância do elemento limitante. Como síntese, todavia, o número representa sempre uma “amarração” do ilimitado no limite e, portanto, como tal, pode ser, por sua vez, elemento delimitante e determinante das coisas.

3. Passagem do número ás coisas

O número era representado como um conjunto de pedrinhas, ou desenhado como conjunto de pontos, portanto era visto, ao mesmo tempo, como figura; e porque os pontos eram concebidos como ocupando espaço, ou seja, como massas, o número era visto também como figura solida. Portanto, a passagem do número ás figuras, ás coisas, para aquele modo primitivo de pensar os números, era totalmente natural. Número e coisas são, pensados como espacialmente, determinados, vale dizer, são postos no mesmo plano: os pitagóricos posteriores estabelecerão o sistema, sem abandonar essas bases. E sempre sobre estas bases, pode-se esclarecer também a tentativa de assimilar os quatro elementos aos sólidos geométricos: a terra ao cubo, o fogo á pirâmide, o ar ao octaedro, a água ao icosaedro.

Assim fica claro o modo como se dá passagem dos elementos primigênios ao numero e do número a todas as coisas.

4. Fundação do conceito de “cosmo”: o universo é “ordem”

O universo dos pitagóricos é um universo inteiramente dominado pelo número. E assim fica claro que esse universo devia se tornar, para os pitagóricos, um “cosmo”, que significa “ordem”.

Como, portanto, é termo que eles pela primeira vez usaram neste sentido específico, e neste sentido se manterá se como definitivamente adquirido pelo pensamento ocidental.

O logos cumpriu então um dos seus passos decisivos: o mundo deixou de ser domínio de forças obscuras, campo de misteriosas e indecifrá-veis potências e tornou-se, justamente, “a ordem” e, como tal, tornou-se transparente ao espírito. A ordem diz número e número diz racionalidade, cognoscilidade e permeabilidade ao pensamento. Afirma Filolau:

Todas as coisas conhecidas possuem número; sem este, não seria possível pensar nada, nem conhecer. Portanto, domínio do número significa domínio da racionalidade e da verdade. Se temos presente tudo isso: que todo o universo é harmonia e número e que a própria música é harmonia e número, não parecerá admirável que os pitagóricos pensassem que os céus, girando segundo o número e a harmonia, produzissem belíssimos concertos, uma celeste música de esferas: Do Caos hesiodiano passamos ao Cosmo: graças aos pitagóricos, o homem ganhou novos olhos para ver o seu mundo.


HISTORIA DA FILOSOFIA ANTIGA. DE TALES Á HERÁCLITO

 




GIOVANNI RALE

Síntese: . Paolo Cugini

OS MITOS TEOGÔNICOS E COSMOGÔNICOS

Já foi há muito tempo observado que o anteceder da cosmologia filosófica é constituído pelas teogonias e cosmogonias mítico-poéticas, das quais é muito rica a literatura grega, e cujo protótipo paradigmático é a Teogonia de Hesídio, a qual, explorando o patrimônio da precedente tradição mitológica, traça uma imponente síntese de todo o material, reelaborando-o organicamente. A Teogonia de Hesídio narra o nascimento de todos os deuses; e, dado que alguns deuses coincidem com partes do universo e com fenômeno do como, além de teogonia ela se torna também cosmogonia, ou seja, explicação fantástica da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos.

Hesíodo imagina, no proêmio, ter tido, aos pés do Hélicon, na Beócia, uma visão das Musas, e ter recebido delas a revelação da verdade da qual ele se faz, mediatamente, arauto.

Em primeiro lugar, diz Ele, gerou-se o Caos, em seguida gerou-se Gea ( a Terra), em cujo seio amplo estão todas as coisas, e nas profundidades da Terra gerou-se o Tártaro escuro, e, por fim, Eros (o Amor) que, depois, deu origem a todas as outras coisas. Do Caos nasceram Êrebo e Noite, dos quais se geraram o Éter (o Céu superior) e Êmera (o Dia). E da Terra sozinha se geraram Urano (o Céu estrelado), assim como o mar e os montes; depois, juntando-se com Céu, a Terra gerou Oceano e os rios.

Procedendo no mesmo estilo, Hesíodo narra a origem dos vários deuses e numes divinos. Zeus pertence a ultima geração: de fato, foi gerado de Crono e de Rea (que, por sua vez, tinham sido gerados da Terra e de urano); e, com Zeus, fazem parte da última geração todos os outros deuses do Olimpio homérico, vale dizer, os deuses que o grego então venerava. É indubitável que a Teogonia de Hesíodo e, em geral, as representações teogônico-cosmológicas são o antecedente da cosmologia filosófica; todavia, é igualmente indiscutível que entre essas tentativas e a cosmologia filosófica há uma nítida diferença. Elas procedem com o mito, com a representação fantástica, com a imaginação poética, com intuitivas analogias sugeridas pela experiência sensível; portanto, permanecem aquém do logos, ou seja, aquém da explicação racional.


I. TALES

1. As proposições filosóficas atribuídas a Tales

De Tales, que nada escreveu, é Aristóteles quem nos informa, dizendo-nos dele o que segue.

a) Tales foi o iniciador da filosofia da physis, enquanto por primeiro afirmou a existência de um principio único, causa de todas as coisas que são, e disse que esse princípio é a água.

b) Afirmou que o mundo está cheio de deuses.

c) Disse que o ímã possui uma alma, porque é capaz de mover de todas estas proposições, essencial é a primeira, a proposição é “fundamentalíssima, e é poder-se-ia dizer, a primeira proposição filosófica da que se costuma chamar civilização ocidental”.

2. O significado de “princípio”

O princípio-água, É, como diz Aristóteles, “aquilo de que derivam originariamente e em que se dissolvem por último todos os seres”, uma realidade “que continua a existir intransformada”, mesmo através do processo gerador de tudo. Portanto é a) fonte ou origem das coisas, b) foz ou termo último das coisas, c) permanente sustento das coisas, o “princípio” é aquilo do qual as coisas vêm, aquilo pelo que são aquilo no qual terminam. Tal princípio foi denominado com propriedade por esses primeiros filósofos de physis, palavra que não significa “natureza” no sentido moderno de termo, realidade primeira, originaria e fundamental;

3. A água é princípio

E por que Tales pensou que a água fosse princípio? É ainda Aristóteles quem nos informa com precisão:

Tales, iniciador desse tipo de filosofia, diz que o princípio é a água (por isso afirma também que a terra flutua sobre a água) extraindo esta convicção da constatação de que o alimento de todas as coisas é úmido, que até o quente se gera do úmido e vive no úmido. Ora, aquilo de que todas as coisas se geram é, exatamente, o princípio de tudo. Ele tira, pois esta convicção desse fato de que todas as sementes de todas as coisas têm uma natureza úmida, e a água é o principio da natureza das coisas unidas. O princípio é a água, porque tudo vem da água, a própria vida se sustenta com a água, acaba na água. Portanto, não mais representações extraídas da imaginação, não mais figuração fantástico-poéticas: passou-se agora decididamente do mito ao logos. E assim nasceu a filosofia.


II. ANAXIMANDRO

O infinito como princípio e as suas características

Foi Anaximandro quem introduziu o termo arché para designar o primum, a realidade primeira e última das coisas, vale dizer, a physis. Mas, contrariamente a Tales, ele sustenta que tal princípio não era a água, mas o apeíron, o infinito ou limitado.

Mas que é apeíron?

Ápeiron é só imperfeitamente traduzido por infinito e ilimitado. Á-peiron significa o que é privado de peras, isto é, de limites e determinação não só externas, mas também internas. No primeiro sentido, áperion indica o infinito espacial, infinito em grandeza, isto é, o infinito quantitativo; segundo, ao invés, o indefinido quanto á qualidade, portanto, o indeterminado qualitativo, principio, realidade última das coisas, só pode ser o infinito, justamente porque, enquanto tal, ele não tem princípio nem fim, é ingênito e imperecível e, por isso mesmo, pode ser princípio das outras coisas. O infinito envolve ou e ou circunda, e rege ou governa todas as coisas. Ora sobre o significado desse termos não pode haver dúvidas: o envolver (), e o reger() indicam e especificam exatamente a função do princípio, que é a de compreender e reger todas as coisas, porque todas se geram do principio, consistem e são no e pelo princípio. Enfim, a passagem aristotética sublinha o valor caracteristicamente teológico do princípio. Anaximandro considerou o seu princípio como divino, porque imortal e incorruptível, é claro que a água de Tales e o infinito de Anaximandro devem ter sido considerados como Deus, como “o divino”, de fato, assumem em si, como princípio, como arché ou physis de tudo, as características que Homero e a tradição consideravam exatamente prerrogativas essências dos deuses: a imortalidade, o domínio e governo de tudo.

O que caracterizar a concepção do Divino em Anaximandro e nos pré-socráticos é e permanece sempre o naturalismo, no sentido de que, em lugar de ver no Divino o outro do mundo, eles vêem nele a própria essência do mundo, a physis de todas as coisas, e não lhe atribuem nenhuma daquelas características que, com categorias posteriores, chamaremos espirituais; não lhe atribuem nem sequer o que há de mais elevado no homem, vale dizer, o pensar.

1. Gênese de todas as coisas do infinito

Como nascem as coisas do infinito, através de que processo e por que causa? Isso aconteceria por uma separação ou um destacamento de contrários (quente-frio seco-úmido etc.) do princípio uno, por causa de um movimento eterno.

De onde as coisas tiram o seu nascimento, aí se cumpre a sua dissolução segundo a necessidade; de fato, reciprocamente pagam a pena e a culpa da injustiça, segundo a ordem do tempo.

3. Os infinitos cosmos e a gênese do nosso mundo

Como o princípio é infinito, também infinitos são os mundos que se geram do princípio a audácia da representação da terra, que não tem necessidade de uma sustentação material e se sustenta por equilíbrio de forças, e, em segundo lugar, a modernidade da idéia de que a origem da vida ocorreu com animais aquáticos e o vislumbre conseqüente da idéia da evolução das espécies mediante adaptação ao ambiente. E isso já é por si suficiente para montar quanto o logos, com Anaximandro, se distanciou do meio.


III. ANAXÍMENES

1. O princípio como ar

O princípio primeiro é, sim, infinito em grandeza e quantidade, mas não é indeterminado: ele é ar, ar infinito. Todas as coisas que são derivam, portanto, do ar e das suas diferenciações. Relata-nos Teofrasto:

[O ar] se deferência nas varias substancias segundo o grau de rarefação e condensação: e assim dilatando-se dá origem ao fogo, enquanto condensando-se dá origem ao evento e depois ás nuvens; e em grau maior de densidade forma a água, depois a terra e em seguida as pedras; as outras derivam depois destas.

Não se compreende bem de que modo os contrários, separando-se, geram as varias coisas; por isso Anaxímenes, sem dúvida, pensou que devia buscar outra solução.

Um testemunho antigo relata-nos que Anaxímenes pôs o ar como arché, porque o ar melhor que qualquer outra coisa, se presta a variações, e, por conseqüência, melhor que qualquer outra coisa presta-se a ser pensado como principio de geração de tudo.

No fragmento 2 lemos:

Assim como a nossa alma, que é ar, nos sustenta e nos governa, assim o sopro e o ar abraçam todo o cosmo.

Como o ar é essencial para a vida do homem e dos seres vivos, assim o deve ser para todas as coisas e para todo o cosmo (que Anaxímenes concebia como ser vivo).

Característica do ar é esta:

Quando ele é absolutamente uniforme, é invisível, torna-se visível com o frio, com o quente, com a unidade e com o movimento. Podemos crer, como nos é referido pelos antigos, que Anaxímenes tenha chamado o ar de “deus”, e crer também que tenha chamado deuses as coisas que derivam do ar.

2. Derivação das coisas

O ar é concebido por Anaxímenes como naturalmente dotado de movimento; e, pela sua própria natureza mobilíssima, bem se presta a ser concebido como em perene movimento.

Mas Anaxímenes, como já notamos, determina também qual seja o processo que do ar faz derivar as coisas: trata-se da condensação e da rarefação, como todas as nossas fontes dizem. A rarefação do ar dá origem ao fogo, a condensação dá origem á água e depois á terra.


IV. HERÁCLITO DE ÉFESO

1. O fluxo perpétuo de todas as coisas

Heráclito leva o discurso filosófico dos três milesianos a posição decididamente mais avançadas e em grande parte novas. Heráclito chamou a atenção para a perene mobilidade de todas as coisas que são: nada permanece imóvel e nada permanece em estado de fixidez e estabilidade, mas tudo se move, tudo muda, tudo se transforma, sem cessar e sem exceção.

De quem desce ao mesmo rio vêm ao encontro águas sempre novas.

Não se pode descer duas vezes ao mesmo rio e não se pode tocar duas vezes substancia mortal no mesmo estado, mas por causa da impetuosidade e da velocidade da mudança dispersa-se e recolhe-se, vem e vai.

Descemos e não descemos ao mesmo rio, nós mesmos somos e não somos.

O rio é aparentemente sempre o mesmo, mas na realidade é feito de águas sempre novas, que se acrescentam e se dispersam; nada permanece e tudo devém; as coisas não têm realidade senão, justamente, no perene devir “tudo flui”.

2. Os postos no quais o devir se desdobra e a sua oculta harmonia (a síntese dos opostos)

O devir de que falamos é caracterizado por um contínuo fluir das coisas de um contrário ao outro:

O devir é, um continuo conflito dos contrários que se alternam, é uma perene luta de um contra o outro, é uma guerra perpetua. Mas, dado que as coisas só têm realidade, no perene devir, então, por conseqüência necessária, a guerra se revela como o fundamento da realidade das coisas:

A guerra é mãe de todas as coisas e de todas as rainhas.

E é claro, enfim, que a multiplicidade das coisas se recolha numa unidade dinâmica superior: se as coisas só têm realidade enquanto devêm, e se o devir é dado pelos opostos que se contrastam e, contrastando-se, pacificam-se em superior harmonia, então é claro que na síntese dos opostos está o principio que explica a toda realidade, e é evidente, por conseqüência, que exatamente nisso consiste Deus ou o Divino. Diz, Heráclito no fragmento 67.

O Deus é dia-noite, é inverno-verão, é guerra-paz, saciedade-fome. Deus é a harmonia dos contrários, a unidade dos opostos.

3. O fogo como principio de todas as coisas

Os fragmentos, todas as coisas trocam por fogo e o fogo por todas as coisas, como as mercadorias se trocam por ouro e o ouro por mercadorias.

Esta ordem, idêntica para todas as coisas, não a faz nenhum dos Deuses, nem dos homens, mas era sempre, é e será fogo eternamente vivo, que em medidas se acende e em medidas se apaga.

Mutações do fogo: em primeiro lugar o mar, a metade deste a terra, a metade vento incandescente.

O fogo é perenemente móvel, é vida que vive da morte do combustível, é incessante transformação em fumaça e cinzas, é, como diz perfeitamente Heráclito do Deus, “fome e saciedade”, vale dizer, unidade de contrários, fome das coisas, que faz as coisas serem, e saciedade das coisas, que as destrói e faz perecer.

O deus ou o Divino heraclitiano coincide com esse fogo. Fragmento 64:

O raio governo todas as coisas. Sobrevindo o fogo, julgará e condenará todas as coisas.

Fragmento 32: o uno, o único sábio, não quer e quer também ser chamado Zeus.

Fragmento 78: A natureza humana não possui conhecimentos (   ), a natureza divina sim.

Fragmento 41: Só existe uma sabedoria: reconhecer a inteligência (  ) que governa todas as coisas através de todas as coisas.

Parece também praticamente certo que Heráclito chamou este seu princípio de logos, o que, em todo caso, como muitos sustentam-se não quer dizer propriamente razão e inteligência, mas, antes, regra segundo a qual todas as coisas se realizam e lei comum a todas as coisas e que todas governa inclui racionalidade e inteligência.

É claro que, para Heráclito, a verdade não pode consistir senão em captar, entender e exprimir esse logos comum a todas as coisas. E compreende-se, por conseqüência, que ele desconfia dos sentidos, porque estes se detêm na aparência das coisas; que ele despreza as opiniões comum dos homens, porque a estes foge tudo o que fazem em estado de vigília, assim como não sabem o que fazem quando dormem; enfim é claro que ele despreze o saber dos outros filósofos, porque o considera vã erudição, que acumula múltiplas noções particulares sem captar a lei universal.

4. A alma

Heráclito expressou também alguns pensamentos sobre a alma, que vão além dos seus predecessores. Por um lado, ele, como os milesianos, identificou a natureza da alma com a natureza do principio e disse que é fogo, e também disse ser mais sábia a alma mais seca, e, por conseqüência, coincidir a perda do senso com o umedecimento da alma.

Mas, ao lado dessa ordem de pensamentos, ele expressou outra de teor totalmente diferente, que o levou a descobrir na alma algo de propriedade completamente diferentes do corpo. Lemos fragmento 45:

Os confins da alma não os encontrarias nunca, embora percorrendo os seus caminhos; tão profundo é o eu logos.

Snell notou que essa concepção da “profundidade da alma” comporta a sua diferenciação nítida de qualquer órgão e função física: não tem sentido falar de mão profunda ou de orelha profunda.

Ora, diz ainda o mesmo estudioso, “a representação da profundidade surgiu justamente para designar a característica da alma, que é a de ter uma qualidade particular, não relativa nem ao espaço nem a extensão [...]. Com isso Heráclito quer significar que a alma estende-se ao infinito, justamente ao contrário do que é físico”.

Esta segunda ordem de pensamento liga-se á dimensão religiosa do pensamento órfico, do qual faz eco também o fragmento 62:

Imortais mortais, mortais imortais, vivendo a morte daqueles, morrendo a vida daqueles.

Isso exprime com linguagem heraclitiana a crença órfica segundo a qual a vida do corpo é mortificação da alma e a morte do corpo é vida da alma. E, como os órficos, Heráclito admitiu prêmios e castigos depois da morte e, portanto, uma imortalidade pessoal, como expressamente diz o fragmento 27:

Depois da morte aguardam os homens coisas que estes não esperam e nem sequer imaginam.

Porém, é uma ordem de pensamentos que mal concorda com a visão de conjunto, na qual não há espaço para uma alma pessoal, nem para um além. E, todavia, é uma ordem de pensamentos que encontraremos outras vezes nos pré-socráticos, inconcililiada e inconciliável com a sua doutrina da physis, mas que, exatamente por isso, se revelará fecundíssima, no sentido que explicaremos adequadamente a propósito de Platão.

Mas, antes de concluir a seção sobre Heráclito, queremos evocar alguns dos seus pensamentos morais, que devem ter-lhe sido inspirados, mas que pela sua doutrina da realidade, pela sua visão órfica da lama. A felicidade –diz o fragmento 4 – não pode consistir nos prazeres do corpo: se assim fosse, felizes seriam os bois diante do feno. E o belíssimo fragmento 85 precisa ulteriormente:

Difícil é a luta contra o desejo, pois o que este quer, compra-o a preço da alma.

É um pensamento no qual quase se adivinha o núcleo da ética ascética do Fédon: saciar o corpo significa perder a alma.


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

POLÍTICA EM PLATÃO





A verdadeira arte da política é a arte que cura a alma e a torna a mais possível virtuosa sendo, assim, a arte do filosofo.

Existe uma coincidência entre a verdadeira filosofia com a verdadeira política. 

Importante: somente se o político se tornar filosofo será possível construir a cidade autêntica, ou seja, o Estado fundado sobre o valor supremo da justiça e do bem.

Recuperação de algumas concepções gregas:

1. Sentido antigo da filosofia como conhecimento do tudo

2. Significado da redução da essência do homem à sua alma

3. Coincidência entre individuo e cidadão 

4. Cidade-Estado como horizonte de todos os valores 

Construir a cidade significa conhecer o homem e seu lugar no universo. O Estado não é se não o engrandecimento da nossa alma. 

O problema central da natureza da justiça, que consiste no eixo em torno do qual giram todos os outros temas, recebe solução adequada através da observação de como nasce uma cidade perfeita.


Um Estado nasce porque cada um de nós não é autárquico, não se basta a si mesmo e tem necessidade dos serviços de muitos outros homens:

1. Alimento, vestes, habitações

2. Defesa da Cidade

3. Governantes

A cidade necessita de três classes sociais

a. Lavradores, artesãos, comerciantes: homens pelos quais prevalece o aspecto concupiscível da alma, que é o aspecto mais elementar. A virtude da temperança deve caracterizar esta classe social. 

b. Guardas: homens nos quais prevalece a força irascível da alma. A virtude desta classe deve ser a fortaleza ou a coragem. 

c. Governantes: são aqueles que souberam amar a cidade e cumpriram com zelo sua própria missão e aprenderam a conhecer e a contemplar o Bem. Predomina a alma racional e a sua virtude é a sabedoria. 

Cidade perfeita: é aquela em que predomina a temperança na primeira classe social, a fortaleza ou a coragem na segunda e a sabedoria na terceira. A justiça é a harmonia que se estabelece entre estas três virtudes. 

Em cada homem estão presentes três faculdades da alma, que se encontram nas classes sociais do Estado.

Diante dos mesmos objetos existe em nós:

a. Uma tendência que nos empele para eles e que é o desejo

b. Outra tendencia que nos afasta dele e domina os desejos é a razão

c. Nos iramos e inflamamos: é uma tendencia passional 

Três partes da alma:

a. Apetitiva

b. Irascível

c. Racional

Justiça: é aquela disposição da alma pela qual cada uma de suas partes realiza aquilo que deve e do modo como deve se realizar.

Justiça segundo a natureza: cada um faça aquilo que lhe compete fazer.

A justiça só existe exteriormente, nas suas manifestações, quando existir interiormente na sua raiz, ou seja, na alma. 

A cidade perfeita deve contar com uma educação perfeita. 

A primeira classe social não necessita de educação especial, porque as artes e os ofícios facilmente aprendem-se com a prática.

Guardas: educação clássica, ginásio-musical. Platão propõe a comunhão de todos os bens: comunhão de homens e mulheres, de filhos. Abolição de qualquer propriedade de bens materiais. É tarefa da classe inferior, detentora da riqueza, prover as necessidades materiais dos componentes desta classe. Os filhos, imediatamente retirados do convívio com os pais, seriam alimentados e educados em lugares apropriados, sem conhecerem os próprios pais. A finalidade é criar uma grande família na qual todos se amam. Todos deveriam chegar a dizer: é nosso e não é meu.

Governantes: coincide com o tirocínio da aprendizagem da filosofia. Esta educação deveria durar até cinquenta anos 

30-35: experiencia com a dialética. 

35-50: retomado dos contatos com a realidade empírica no desempenho das diversas tarefas. 

Finalidade deste longo itinerário consiste em levar o filosofo-político ao conhecimento e a contemplação do Bem, conduzindo-o ao conhecimento máximo para que ele pudesse plasmar a si mesmo conforme o bem, visando inserir o bem na realidade histórica. Dessa forma o Bem emerge como princípio primeiro, do qual depende o mundo ideal.

O Demiurgo aparece como gerador do cosmo físico em razão da sua bondade e o Bem constitui o fundamento da Cidade e do agir político. 

Pouca importa se possa existir ou não existir tal Cidade; basta apenas que cada um viva segundo as leis dessa cidade, segundo as leis do bem e da justiça. 

Antes mesmo de realizar-se na cidade exterior, a Cidade platônica realiza-se no interior do homem. 

Mas talvez haja um modelo no céu para quem quiser contemplá-lo e, a partir dele, regular o governo da sua alma. Aliás, não importa que essa cidade exista ou tenha de existir um dia: é somente às suas leis, e de nenhuma outra, que o sábio fundamentará a sua conduta (República, IX).


O Político e as Leis

As constituições históricas, que representam imitações ou formas corrompidas da constituição ideal, podem ser três:

1. Monarquia - tirania

2. Aristocracia -oligarquia

3. Democracia -demagogia




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

ÉTICA E POLÍTICA EM ARISTÓTELES

 




A ÉTICA

1. O BEM SUPREMO DO HOMEM: A FELICIDADE


Reale Giovanni. História da filosofia antiga. São Paulo: Paulus, 2003, pp. 217-224. 

Síntese: Paolo Cugini


Nas suas varias ações, o homem tende sempre a preciosos fins, que se configuram como bens. Devemos pensar que todos os fins e os bens aos quais tende o homem estão em função de um fim último e de um bem supremo.

Qual é esse bem supremo? Aristóteles não tem duvidas: todos os homens, sem distinção, consideram que tal bem é eudaimonia, ou seja, a felicidade.

Portanto, a felicidade é o fim ao qual conscientemente tendem todos os homens. Mas que é a felicidade?

A multidão dos homens considera que a felicidade consiste no prazer no e gozo. Mas uma vida dedicada aos prazeres torna “semelhantes aos escravos” e é uma “existência digna dos animais”.

As pessoas mais evoluídas e mais cultas põem o bem supremo e a felicidade na honra.

Mas o bem supremo do homem não pode ser nem mesmo o que Platão e os platônicos indicaram como tal, vale dizer, a Idéia do Bem, ou seja, o transcendente Bem-em-si:

Não se trata de um Bem transcendente, mas de um Bem imanente, não de um bem definitivamente realizado, mas de um bem realizável e atuável pelo homem e para o homem.

Mas é o bem supremo realizável pelo homem?

O bem do homem só poderá consistir na obra que é peculiar, isto é, na obra que ele e só ele pode realizar, assim como, em geral, o bem de cada coisa na obra que é peculiar a cada coisa. A obra peculiar do homem seja a razão e a atividade da alma segundo a razão. O verdadeiro bem do homem consiste nessa obra ou atividade de razão, e, assim precisamente, no perfeito desenvolvimento e atuação dessa atividade. Esta é, pois, a “virtude” do homem e aqui deve ser buscada a felicidade.

Os autênticos valores, não poderão ser nem os exteriores (como a riqueza), que tocam apenas tangencialmente o homem, nem os corporais (como os prazeres), que não dizem respeito ao eu verdadeiro do homem, mas só os da alma, já que na alma consiste o verdadeiro homem.

Em conclusão, pode-se dizer que os verdadeiros bens do homem são os bens espirituais, que consistem na virtude de sua alma, e é neles que está a felicidade. A socrática “cura da alma” permanece, pois, também para Aristóteles, a única via que conduz à felicidade. Todavia, à diferença de Sócrates e, sobretudo de Platão, Aristóteles considera indispensável ser suficientemente dotado também de bens exteriores e de meios de fortuna. De fato, se estes, com a sua presença, não podem dar a felicidade, todavia podem arruiná-la ou comprometê-la com a sua ausência.

2. DEDUÇAO DAS “VIRTUDES” A PARTIR DAS “PARTES DA ALMA”

A felicidade consiste numa atividade da alma segundo a virtude.

É claro que qualquer ulterior aprofundamento no conceito de “virtude” depende de um aprofundamento no conceito de alma. Ora vimos que a alma se divide, segundo Aristóteles, em três partes, duas irracionais, isto é, a alma vegetativa e a alma sensitiva, e uma racional, a alma intelectiva. E dado que cada uma dessas partes tem a sua atividade peculiar, cada uma peculiar virtude ou excelência. Todavia, a virtude humana só é aquela na qual entra a atividade da razão. De fato, a alma vegetativa é comum a todos os viventes:

Diferente é a questão no que concerne à alma sensitiva e concupiscível, a qual, embora sendo por si irracional, participa de certo modo da razão:

Fica claro que existe uma virtude dessa parte da alma especificamente humana, que consiste em dominar, por assim dizer, essas tendências e impulsos que são por si desmedidos, e a esta o estagirita chama de “virtude ética”.

Enfim, dado que existe em nós uma alma puramente racional, então deverá haver também uma virtude peculiar dessa parte da alma, e esta será a “virtude dianoética”, ou seja, a virtude racional.

3. AS VIRTUDES ÉTICAS

As virtudes éticas derivam em nós do hábito: pela natureza, somos potencialmente capazes de formá-los e, mediante o exercício, traduzimos essa potencialidade em atualidade. Realizando atos justos, tornamo-nos justos, adquirimos a virtude da justiça, que depois, permanece em nós de maneira estável como um hábitus, o qual, em seguida, nos fará realizar mais facilmente ulteriores atos de justiça. Realizando atos de coragem, tornamo-nos corajosos, isto é adquirimos o hábitus da coragem, em seguida nos levará a realizar facilmente atos corajosos. E assim por diante. Em suma, para  Aristóteles, as virtudes éticas são aprendidas á semelhança do aprendizado das diferentes artes, que também são hábitus.

Qual é a natureza comum a todas as virtudes éticas?

Nunca há virtude quando há excesso ou falta, ou seja, quando há demais ou de menos; virtude implica, ao invés, a justa proporção, que é a via de meio entre dois excessos.

A virtude ética é, precisamente, mediania entre dois vícios, dos quais um por falta, o outro por excesso. É óbvio que a mediania não só não é mediocridade, mas a sua antítese: o “justo meio”, de fato, está nitidamente acima dos extremos, representando, por assim dizer, a sua superação e, portanto, como bem diz Aristóteles, um “cume”, isto é, o ponto mais elevado do ponto de vista do valor, enquanto assinala a afirmação da razão sobre o irracional.

Na Ética Eudêmica, Aristóteles fornece o seguinte elenco de virtudes e vícios:

I. A mansidão é a via média entre a iracúndia e a impassibilidade;

II. A coragem é a via média entre a temeridade e a covardia;

III. A verecúndia é a via média entre a impudência e a timidez;

IV. A temperança é a via média entre a intemperança e a insensibilidade;

V. A indignação é a via entre média entre a inveja e o excesso oposto que não tem nome;

VI. A justiça é a via média entre o ganho e a perda;

VII. A liberdade é a via média entre a prodigalidade e a avareza.

VIII. A veracidade é a via entre a pretensão e o auto desprezo;

IX. A amabilidade é a via média entre a hostilidade e a adulação;

X. A seriedade é a via média entre a complacência e a soberba;

XI. A magnanimidade é a via média entre a vaidade e a estreiteza da alma;

XII. A magnificência é a via média entre a suntuosidade e a mesquinharia.

Em todas essas manifestações a virtude ética é a justa medida que a razão impõe a sentimentos, ações ou atitudes que, sem controle da razão, tenderiam para um ou outro excesso.

4. AS VIRTUDES “DIANÓETICAS”

Acima das virtudes éticas, segundo Aristóteles, estão as virtudes da parte mais elevada da alma, isto é, da alma racional, chamadas virtudes diaoéticas ou virtude da razão. É dados que duas são partes ou funções da alma racional, uma que conhece as coisas contingentes e variáveis, a outra que conhece as coisas necessária e imutáveis, então existirão, logicamente, uma perfeição ou virtude da primeira função, e uma perfeição ou virtude da segunda função da alma racional. Essas duas partes da alma racional são, em substância, a razão pratica e a razão teorética, e as respectivas virtudes serão as formas perfeitas com as quais se colhem a verdade prática e a verdade teorética. A típica virtude da razão prática é a “sabedoria” phrónesis, enquanto a típica virtude da razão teorética é a “sapiência” (Sophia). 

A sabedoria consiste em saber dirigir corretamente a vida do homem isto é, em saber deliberar sobre o que é bem ou mal para o homem. (esta, diz Aristóteles, é “uma disposição prática. Acompanhada da razão veraz, em torno do que é bem e mal para o homem”). Deve-se notar, para uma exata compreensão da doutrina aristotélica, que a phoronesis ou sabedoria ajuda a deliberar corretamente sobre os verdadeiros fins do homem, no sentido de indicar os meios idôneos para alcançar os verdadeiros fins. Ela ajuda, portanto, a individuar e alcançar as coisas que conduz àqueles fins; porém, ela não indica nem determina os fins. Os verdadeiros fins são captados pela virtude ética que retifica o querer de modo correto.

É claro, portanto, que as virtudes éticas e a virtude dianóetica da sabedoria são duplamente ligadas entre si.

A outra virtude dianoética, a mais elevada, como se disse, é a aspiência (Sophia). Esta é constituída, seja pela captação intuitiva dos princípios através do intelecto, seja pelo conhecimento discursivo das conseqüências que derivam daqueles princípios. A sapiência é uma virtude mais elevada que a sabedoria, porque, enquanto aquela diz respeito ao homem e, portanto, ao que há de mutável no homem, a sapiência diz respeito ao que está acima do homem: o homem é o melhor dos seres vivos, todavia, diz Aristóteles: a sapiência coincide com as ciências teoréticas e, antes, de modo especial, com a mais elevada delas, vale dizer, a metafísica.

5. A PERFEITA FELICIDADE 

Dado que, como vimos no início, a felicidade é uma atividade conforme a virtude, é claro agora em que ela consistirá. Em primeiro lugar, na atividade do intelecto conforme à sua virtude. Na atividade da contemplação intelectiva, o homem alcança o vértice das suas possibilidades e atualiza o que há de mais elevado nele.

Em segundo lugar, vem a vida segundo as virtudes éticas. Elas dizem respeito à estrutura composta do homem e só podem dar uma felicidade humana.

Ao contrário. A felicidade da vida contemplativa leva, de algum modo, para além do humano, realiza por assim dizer, uma tangência com a divindade, cuja vida só pode ser contemplativa.

Esta é a mais perfeita formulação do ideal que os antigos filósofos da natureza buscaram realizar na sua vida, que Sócrates já começara a explicitar do ponto de vista conceitual, e que Platão teorizara. Mas em Aristóteles há, ademais, a tematização da tangência da vida contemplativa com a vida de Deus, que faltava em Platão, a quem faltava, como vimos, o conceito de Deus como Mente absoluta e Pensamento de pensamento. Assim, o preceito platônica de que o homem deve, quanto possível, “assimilar-se a Deus significa contemplar o verdadeiro tal como Deus o contempla, ou, como explicita a Ética Eudêmica, contemplar o próprio Deus, que é suprema racionalidade.

6. A AMIZADE E A FELICIDADE

A amizade é para Aristóteles, estruturalmente ligada à virtude e à felicidade, portanto, aos problemas centrais da ética.

Três são as coisas que o homem ama e pelas quais estabelecem amizades: o útil, o aprazível e o bom. À medida que o homem busque no outro o útil, o aprazível ou o bom, nascem diferentes tipos de amizade.

As duas primeiras formas de amizade são as menos válidas; são, sob certo aspecto, formas extrínsecas e ilusórias de amizade, porque para falar em termos modernos, com ela o homem ama o outro, não por aquilo que ele é, mas pelo que tem; o amigo, em larga medida, é instrumentalizado às vantagens (riqueza, prazer) que oferece. Sá a terceira forma de amizade é autêntica, porque só com ela o homem ama o outro por aquilo que ele é, ou seja, pela sua bondade intrínseca de homem.

Assim sendo, é clara a razão pela qual Aristóteles liga a amizade á virtude: a verdadeira forma de amizade é o laço que o homem virtuoso estabelece com o homem virtuoso por causa da própria virtude. E a virtude é, como vimos, aquilo em que e através do que o homem atua plenamente a sua natureza e o seu valor de homem, de modo que a verdadeira forma de amizade é, justamente, o laço que une os homens segundo o próprio valor do homem.

7. O PRAZER E A FELICIDADE

Para Aristóteles, o prazer não é uma mudança (um preenchimento, uma plenificação, uma integração ou reintegração) nem, em geral, um movimento, mas uma atividade em todo tempo perfeita. 

Fica claro qual é a novidade do pensamento aristotélica. Quando agimos ou conhecemos, seja de modo sensível, seja intelectualmente, traduzimos em ato, ou seja, realizamos determinadas potencialidades, e essas atividades alcançam (atuam) o seu escopo relativamente ao objeto que lhes é próprio. Justamente porque as nossas atividades são essa realização objetiva de potencialidades, constituem algo objetivamente positivo, e o prazer as acompanha como ressonância subjetiva da positividade objetiva. A própria vida, que é, justamente, uma atividade e a realização de algo positivo, é acompanhada, como tal, de um prazer.

Para Aristóteles, a aspiração ao prazer é totalmente natural, porque naturalmente acompanha o viver e toda atividade própria do viver à guisa de “perfeição” daqueles atividades, no sentido que foi precisado acima.

Toda a atividade tem o seu prazer, assim todo prazer, no seu gênero, é verdadeiro prazer. Todavia, como existem atividades convenientes e boas, e atividades inconvenientes e más, assim também existem prazeres convenientes e bons, e prazeres inconvenientes e maus. Para qualificar o prazer, ou seja, para estabelecer um critério discriminante e, portanto, uma hierarquia dos mesmos, Aristóteles remete-se, mais uma vez, á virtude e ao homem virtuoso.

Mas ao homem bom os prazeres aparecem bons ou maus por razoes de fundo bem precisas. De fato, existe um critério ontológico para discriminar os prazeres superiores dos inferiores: os primeiros são os ligados às atividades teorético-contemplativas do homem,  os segundos são, ao invés, os ligados a vidavegetativo-sensível do homem. E, em todo caso, dado que a felicidade está ligada, como vimos, á atividade teorético-ontemplativa, serão considerados verdadeiramente preciosos somente os prazeres ligados a essa atividade.

8. PSICOLOGIA DO ATO MORAL

Aristóteles tenta superar essa interpretação intelectualista do fato moral. Como bom realista que era, deu-se perfeitamente conta de que uma coisa é conhecer o bem, outra coisa é atuá-lo, realizá-lo, e fazer dele, por assim dizer, substancia das próprias ações, e tentou determinar mais profundamente quais eram os complexos processos psíquicos pressuposto pelo ato moral.

Em primeiro lugar, ele esclarece o que se entende por “ações voluntarias” e “ações involuntárias”. Involuntárias são as ações que se cumprem forçosamente, ou por ignorância das circunstâncias; voluntarias, são as ações “cujo principio reside no agente, se ele conhece as circunstâncias particulares nas quais se desenvolve a ação”.



A POLÍTICA

1. CONCEITO DE ESTADO

Segundo o estagirita, porquanto o bem do individuo e o bem do Estado sejam da mesma natureza pelo fato de consistirem, em ambos os casos, na virtude o bem do estado é mais importante, mais belo, mais perfeito e mais divino. A razão disso deve ser buscada na própria natureza do homem, a qual demonstra com clareza que ele é absolutamente incapaz de viver isolado e, para ser si mesmo, tem necessidade de estabelecer relações com os seus semelhantes em todo momento da sua existência.

Em primeiro lugar, a natureza distinguiu os homens em macho e fêmea, que se unem para formar a primeira comunidade, vale dizer, a família, em vista da procriação e da satisfação das necessidades elementares.

Dado que as famílias não bastam cada uma a si mesmas, surge a vila, que é uma comunidade mais ampla, com a finalidade de garantir de modo sistemático a satisfação das necessidades vitais.

Mas se a família e a vila são suficientes para satisfazer as necessidades  da vida em geral, ainda não bastam para garantir as condições da vida perfeita, isto é, da vida moral. Esta forma de vida, que podemos apropriadamente chamar de espiritual, só pode ser garantida pelas leis, pelas magistraturas e, em geral, pela complexa organização de um Estado. É no estado que o indivíduo, por efeito das leis e das instituições políticas, é levado a sair do seu egoísmo, e a viver conforme o que é subjetivamente bom, assim como conforme o que é verdadeira e objetivamente bom.

2 A ADMINISTRAÇÃO DA FAMILIA

A família, núcleo originário do qual se compõe a cidade, é constituída por quatro elementos: a) as relações marido-mulher, b) as relações pais-filhos, c) a relação senhor - escravos, d) a arte de obter as coisas úteis, em particular as riquezas (assim chamada crematística). Aristóteles detém-se especialmente sobre o terceiro e o quarto elementos. 

O artesão é “como um instrumento que precede e condiciona os outros instrumentos” e serve a produção de determinados objetos e de bens de uso. Ao invés, o escravo não serve à produção de coisas, mas, em geral, “é um artesão que serve ao que diz respeito à ação”, é “um instrumento que serve a ação”, isto é, à conduta da vida.

Aqui o filosofo deixa-se condicionar pelos preconceitos e condições do tempo, a ponto de submeter da maneira mais artificiosa os seus próprios princípios para fazê-los corresponder àquelas convicções. Ele parte do pressuposto de que como a lama e o intelecto, por natureza, governam o corpo e o apetite, assim os homens nos quais predominam a alma e o intelecto devem governar aqueles nos quais estes não predominam.

Dado que, então, era convicção geral de que a alma e a razão predominavam mais no homem que a mulher, assim ele conclui que o homem é por natureza melhor, a mulher pior; aquele apto para comandar, esta para obedecer.

Com mais razoes devem ser considerados piores por natureza e, portanto, capazes só de obedecer e, assim, escravos, todos os homens que a natureza dotou de corpos robustos e frágeis intelectos.

A nota que diferencia o homem do animal é a razão, e esta é a diferença essencial e determinante; ora, o fato de alguns homens terem mais ou menos razão não pode mudar a sua essência ou natureza: a natureza do homem permanece tal enquanto a razão, pouco ou muito que seja.

Os escravos provinham, muito amiúde, das conquistas de guerra (eram, portanto, prisioneiros). Mas uma guerra pode ser injusta, o prisioneiro pode ser de alto posto e, em caso de guerra de gregos contra gregos, pode ser um grego, em tudo igual “por natureza” a quem o fez prisioneiro. Em todos esses casos, a escravidão não é justificável “por natureza”. E então? A solução de Aristóteles é a seguinte: por natureza, inferior é o “bárbaro” e, por isso, sustenta com Eurípedes:

Que é natural que os gregos dominem sobre os bárbaros.

No que se refere à crematística, Aristóteles distingue três modos de obter bens e riquezas: a) um modo natural e imediato, que se realiza através da atividade da caça, do pastoreio e do cultivo dos campos; b) um modo intermediário, isto é, mediado, que consiste na troca dos bens com bens equivalentes (escambo) e c) um modo não-natural, que consiste no comércio através do dinheiro, que recorre a todos os artifícios para aumentar sem limites as riquezas. Ora, a terceira forma de crematística é condenada por Aristóteles, porque não existe limite para o acréscimo das riquezas.

A sã economia busca obter, nos primeiros dois modos, o quanto basta para satisfazer as necessidades naturais, que têm um limite fixado pela natureza.

3. O CIDADÃO

Visto que o Estado é feito de cidadãos, trata-se de estabelecer quem é o cidadão.

Para ser cidadão numa Cidade, não basta habitar no território da cidade, nem gozar do direito de empreender uma ação judiciária e, também, não basta ser descendente de cidadãos. Para ser cidadão, impõe-se “a participação nos tribunais ou nas magistraturas”, isto é, tomar parte da administração da justiça e fazer parte da assembléia que legisla e governa a Cidade.

Por conseqüência, nem o colono nem o membro de uma cidade conquistada podiam ser ou sentir-se “cidadãos” no sentido acima visto. Mas nem mesmo os artesãos podiam ser verdadeiros cidadãos, por não terem a sua disposição o tempo necessário para exercer as funções que, aos olhos de Aristóteles, são essenciais. E assim, os “cidadãos” são muitos limitados em número, enquanto todos os outros homens da Cidade acabam por ser, de algum modo, meios que servem para satisfazer ás necessidades dos primeiros.

4. O ESTADO E SUAS FORMAS POSSÍVEIS

Podendo esta autoridade soberana realizar-se de diferentes formas, as constituições serão, fundamentalmente, tantas quantas são estas formas. E o poder soberano pode ser exercido: 1) por um só homem 2) por poucos homens 3) ou pela maior parte dos homens. Mas não só. Cada uma dessas três formas de governo pode ser exercida de modo correto ou de modo incorreto.

Existem três formas de constituições retas: monarquia, aristocracia, e política, às quais correspondem outras tantas formas de constituições degeneradas: tirania, oligarquia e democracia.

Qual dessas três constituições é a melhor?

Se uma cidade existisse um homem que superasse a todos em excelência, a ele caberia o poder monárquico; e se existisse um grupo de indivíduos verdadeiramente excelentes por virtude, impor-se-ai um governo aristocrático,

Portanto, a monarquia seria, abstratamente, a melhor forma de governo, desde que existisse na Cidade um homem excepcional; e a aristrocacia seria, por sua vez, a melhor, desde que houvesse um grupo de homens excepcionais. Mas porque tais condições normalmente não se verificam, Aristóteles, com o seu sentido realista, indica substancialmente a política como a forma de governo mais conveniente para as Cidades gregas do seu tempo.

5. O ESTADO IDEAL

Na ética, que os bens são três gêneros diferentes: bens externos, bens corpóreos e bens espirituais da alma. Também o Estado deve buscar os dois primeiros tipos de bens de modo limitado e exclusivamente em função dos bens espirituais, porque só nestes consiste a felicidade.

Eis as condições ideais que deveriam dar lugar ao Estado feliz.

No que concerne a população, primeira condição da atividade política, esta não deverá ser nem demasiada exígua nem muito numerosa, mas justamente medida.

Também o território deverá apresentar características análogas. Ele deverá ser suficientemente grande para fornecer o que se precisa para a vida, sem produzir o supérfluo. Suas fronteiras deverão ser alcançáveis a olho nu. Devera ser dificilmente atacável e facilmente defensável, em posição favorável.

As qualidades ideais dos cidadãos são-segundo Aristóteles – exatamente aquelas que apresentam os gregos: estas são como uma via de meio e como uma síntese das qualidades dos povos nórdicos e dos povos orientais.

Aristóteles examina em seguida as funções essenciais da Cidade e a sua ideal distribuição. Para subsistir, uma cidade deve ter: 1) cultivadores da terra que forneçam o alimento, 2) artesãos que forneçam instrumentos e manufaturas, 3) guerreiros que a defendam dos rebeldes e dos inimigos, 4) comerciantes que produzam riquezas, 5) homens que estabeleçam o que é útil á comunidade e quais são os direitos recíprocos dos cidadãos, 6) sacerdotes que se ocupem do culto.

Ora, a boa cidade impedirá que todos os cidadãos exerçam todas essas funções. Os verdadeiros cidadãos ocupar-se-ao da guerra, do governo e do culto. Por si, enquanto essas funções exigem virtudes diferentes (o guerreiro deve ter força, o juiz e o legislador a prudência), seria preciso distribuí-las a diferentes pessoas, mas isso dificilmente seria tolerado pelos guerreiros, que, tendo a força militar, querem também o poder político. A solução que Aristóteles propõe é a seguinte, as mesmas pessoas exercerão essas tarefas em diferentes tempos.

Assim os cidadãos serão primeiros guerreiros, depois conselheiros, enfim sacerdotes.

A felicidade da cidade depende da virtude, mas a virtude vive em cada cidadão e, por isso, a Cidade pode torna-se e ser feliz na medida em que cada um dos cidadãos se torne e seja virtuoso. E como cada homem torna-se virtuoso e bom? Em primeiro lugar, deve haver certa disposição natural, depois, sobre esta agem de hábitos e os costumes, em seguida os raciocínios e os discursos. Ora, a educação age sobre o hábito e sobre o raciocínios e é, portanto, um fator de enorme importância no estado.

Mas em particular, dado que é idêntico a virtude do cidadão bom e do homem bom, a educação deverá, substancialmente, tem em mira a formação de homens bons, ou seja, deverá fazer com que se realize o ideal estabelecido na ética, isto é, que o corpo viva em função da alma e as partes inferiores da alma em função das superiores, e, em particular, que se realize o ideal da pura contemplação.

O estado, e não os indivíduos, deverá fornecer a educação que, naturalmente, começara pelo corpo, que se desenvolve antes da razão, e procederá com a educação dos impulsos, dos instintos e dos apetites, e, enfim, concluir-se-à com a educação da alma racional. A tradicional educação atlético-musical grega é assumida no Estado aristotélico, e a sua descrição conclui a política.

É desnecessário que todos os estratos inferiores são excluídos da educação.

Aristóteles situa entre as ações voluntarias também aquelas ditadas pela impetuosidade, pela ira e pelo desejo e, assim, chama voluntarias também as ações das crianças e até mesmo as dos animais. Portanto, é claro que “voluntarias”, neste sentido, são simplesmente ações espontâneas, que têm a sua origem nos sujeitos que as cumprem, e não coincidem com as que nós, modernos, chamamos com o mesmo nome.

Os atos humanos, além de “voluntários” no sentido esclarecido, são determinados por uma “escolha” (proáiresis), e explica que esta parece ser “coisa essencialmente própria da virtude e mais apta que as ações para julgar os costumes”. Com efeito, a escolha não pertence a criança ou ao animal, mas só ao homem que raciocina e reflete. A “escolha” sempre implica, de fato, raciocínio e reflexão e, precisamente, aquele tipo de raciocínio e reflexão relativos as coisas e ações que dependem de nós e estão na ordem do realizável. Esse tipo de raciocínio e reflexão é chamado por Aristóteles “deliberação”. A diferença entre “deliberação” e “escolha” consiste no seguinte: a deliberação estabelece quais e quantas são as ações e os meios necessários para alcançar certos fins: estabelece, assim, toda a serie das coisas a realizar para chegar ao fim, das mais remotas às mais próximas e imediatas; a escolha age sobre estas últimas e as descartas quando são irrealizáveis, põe-nas em ato quando as encontra realizáveis.

O Estagirita nega expressamente que a “escolha” possa identificar-se com a “vontade” (boúlesis), porque a vontade diz respeito só aos fins, enquanto a escolha (assim como a deliberação) diz respeito aos meios. O principio primeiro do qual depende a nossa moralidade está propriamente na volição na volição do fim.

Que é essa volição do fim? De duas, uma: a) ou é tendência infalível do bem, ao que é verdadeiramente bem, b) ou tendência ao que nos parece bem: a) no primeiro caso, é evidente que a escolha não-reta não será voluntaria, mas será, como dizia Sócrates, uma forma de ignorância, um erro, um equívoco: b) no segundo caso, seria preciso concluir que “o que é querido não é querido por natureza, mas segundo o que a cada um parece; e dado que a um parece uma coisa, a outro, outra, se assim fosse, o que é querido seria ao mesmo tempo coisas contrárias”. O que significa que ninguém mais poderia ser chamado bom ou mau ou, o que é mesmo, que todos seriam bons, justamente porque todos fariam o que lhes parece bem.

Aristóteles compreendeu muito bem que somos responsáveis pelas nossas ações, causa dos nossos próprios hábitos morais, causa do próprio modo pelo qual as coisas nos aparecem moralmente, mas não soube dizer porque é assim e o que está na raiz de tudo isso em nós. Não soube determinar corretamente a verdadeira natureza da vontade e do livre-arbítro.

Aristóteles, entreviu que há em nós algo do qual depende o ser bom ou mau, que não é mero desejo irracional, mas não é tão pouco razão pura; porem, em seguida, esse algo fugiu-lhe das mãos sem que ele conseguisse determiná-lo. De resto, devemos objetivamente reconhecer que nenhum grego conseguirá isso e que o homem ocidental só compreenderá o que são a vontade e o livre-arbítrio através do cristianismo


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

DICIONÁRIO FENOMENOLOGICO

 





REDUÇÃO

Principal ato do método fenomenológico de Husserl, pelo qual sofro uma modificação de meu ser em minha relação com o mundo. 

Três formas de redução:

1. Conversão reflexiva, que é redução psicologia

2. Variação eidética, que é redução á essência

3. Epoché transcendental: é a neutralização da tese do mundo. 


TRANSCENDÊNCIA

Sinônimo fenomenológico de exterioridade. ´transcendente um objeto cujo objetivo intencional vai me permitir constituir em unidade de sentido para mim.


TRANSCENDENTAL

Designa o próprio ego, a subjetividade, bem mais do que as meras condições de possibilidade da experiencia e sua forma aperceptiva primaria (a priori). É igualmente transcendental a atitude do ego que operou a redução e a modificou seu olhar sobre o mundo. 


DOAÇÃO

Processo pelo qual um objeto ou uma vivência advém a minha consciência, que então lhe dá sentido. Enquanto constituição sublinha a atividade de apropriação do objeto pelo sujeito, doação conjuga passividade e atividade: o objeto me é dado nele mesmo.


EIDETICO

Qualifica a intuição e a variação. Eidética: teoria das essências, não abstratas e separadas do sensível, mas dadas elas mesmas de forma intuitiva a partir de uma intuição sensível. Pela variação analiso os traços de um objeto e lhe recolho a essência, eliminando o contingente e retendo o necessário. 


ÉPOCHÉ

O gesto inaugural definitivo e incessante, da suspenção como interrupção do curso dos pensamentos e das atividades. Requisito absoluto e prejudicial da redução. 


EVIDÊNCIA

Nome fenomenológico da verdade, de tipo intuitivo.


INTENCIONALIDADE

Ato e estrutura fundamental da consciência pelo qual essa cessa de ser uma interioridade fechada nela mesma para se abrir aos objetos do mundo visados. Conhecida sobre a expressão técnica de “correlação noético-noemática” a estrutura intencional tem igualmente a virtude de reabsorver a oposição estéril do sujeito e do objeto.




SEGUNDA PROVA HISTÓRIA FILOSOFIA ANTIGA

  TERÇA FEIRA 15 ABRIL 2025 Responder como mínimo a cinco perguntas. Entre elas deve ter necessariamente uma sobre Sócrates e uma sobre Plat...