segunda-feira, 9 de junho de 2025

PLATÃO – FEDON (96-99)

 




Necessidade de uma segunda navegação

 

(É Sócrates que está falando). O facto, Cebes, é que, na minha juventude, me senti extraordinariamente atraído para esse ramo do saber que dá pelo nome de «Ciência da Natureza». Que interessante não será (pensava eu) conhecer as causas de cada coisa, a razão por que cada uma surge, por que cada uma perece ou existe! E muitas vezes dava comigo às voltas a examinar, antes de mais, questões deste teor: será realmente, como alguns sustentam, a partir de um estado de putrefacção, em que entram o quente e o frio, que os seres vivos se constituem? E é graças ao sangue que pensamos, ou ao ar ou ao fogo? Ou nada disto conta, e é sim o cérebro que nos permite as sensações do ouvido, da vista e do olfato, donde se formariam a memória e a opinião e estas, uma vez consolidadas, dariam origem a conhecimentos correspondentes? Passei depois a inquirir a forma como tudo isto se corrompe, as mudanças que afetam o que há na terra e no céu; e assim acabei por reconhecer que não tinha, decididamente, qualquer vocação para este tipo de indagações!

Basta esta prova que vou dar-te. Todos esses conhecimentos que antes possuía e que a mim, como a muito boa gente, se afiguravam seguros, pois bem: a tal ponto as ditas indagações me deixaram cego, que tudo isso, que antes julgava saber, desaprendi. Um exemplo entre muitos: o do crescimento humano. Qual a sua causa? Antes, julgava eu que a resposta era óbvia a qualquer um: o que comemos e bebemos. E efetivamente (pensava) através dos alimentos que a carne se vai juntando à carne, os ossos aos ossos e, dentro do mesmo princípio, as demais substâncias às da sua espécie, daí resultando que uma massa inicialmente pequena se torna gradualmente volumosa. E assim, pois, o homem, de pequeno que era, se tornava grande. Tal era então a minha maneira de ver ... não a achas lógica?

— Por mim acho — respondeu Cebes. — Ora presta ainda atenção a este ponto. O certo é que, quando se me deparava um homem alto junto de outro baixo, esta explicação era para mini o bastante: tal ou tal homem excede o outro justamente pela cabeça; e o mesmo de um cavalo relativamente a outro. Este caso, porém, ainda me parecia mais flagrante: o dez é mais do que o oito (pensava) porque tem mais duas unidades do que este; tal como o duplo côvado é mais do que um côvado porque o excede em metade da sua extensão ...

— E agora, que pensas tu disso? —indagou Cebes.

— Eu? Por Zeus — redarguiu·—, estou bem longe de imaginar que conheço as causas de tudo isto! Hoje seria mesmo incapaz de dizer se, quando a uma unidade adicionamos outra é a primeira que, pela adição da segunda, se torna dois, [ou se é a segunda], ou se são ambas que, adicionadas uma à outra, - em virtude dessa mesma adição, passam a ser dois. Com efeito, eis o que me deixa perplexo: quando ambas existiam à parte uma da outra, cada uma delas constituía uma unidade e não havia então o dois; e, após se terem aproximado uma da outra, aí está a causa que as faz passar a ser dois, ou seja, a junção resultante dessa aproximação recíproca ... Tão-pouco posso convencer-me de que, quando se fracciona uma unidade, seja por sua vez esse mesmo facto, ou seja, o fraccionamento, a causa de passar a haver dois. Com efeito, o que então definíamos como causa do dois seria agora o seu oposto: ali, era a proximidade que entre ambas se estabelecera, com a adição de uma à outra; aqui, o seu afastamento, com a correspondente separação uma da outra. E inversamente, a razão por que surge a unidade, confesso que estou longe de sabê-la, como, em suma, a respeito de qualquer outra coisa, ignoro as razões por que surge, perece ou existe, de acordo com este método de inquirição que te referi; mas há ainda outro que vou tenteando ao acaso, desde que o primeiro deixou de me atrair.

Ora justamente, ouvi um dia ler excertos de um livro que era, segundo se disse, de Anaxágoras. Aí se afirmava que era o Espírito o ordenador e a causa de todas as coisas. Rejubilei com tal explicação, pois, em certo sentido, pareceu-me vantajoso que fosse o Espírito a causa de tudo. Porque se assim é (pensei), se é o Espírito que ordena todas as coisas, então por certo que as ordena e dispõe da forma que for mais conveniente para cada uma delas. E se alguém quiser achar, para cada coisa, a causa que a faz nascer, perecer ou existir, não tem mais que achar aquilo que para ela é mais ajustado: se existir, se sofrer qualquer processo ou ter parte ativa nele. Nesta ordem de ideias, portanto, a única coisa que o homem devia ter em vista, tanto nesse objeto específico como nos demais, era a ideia da perfeição, do supremo bem. E assim, era indispensável que o mesmo homem tivesse também o conhecimento do mal, já que o conhecimento de um deles implica o do outro. E com estas reflexões rejubilei, convicto de ter encontrado em Anaxágoras um mestre que me explicasse a causa de tudo o que existe, de acordo com a minha própria maneira de ver. Assim julgava eu, por exemplo, que me diria primeiramente se a Terra era redonda ou plana; em seguida expor-me-ia a causa e a necessidade de ela assim ser, invocando razões de conveniência e demonstrando que tal ou tal natureza lhe era, de facto, a mais conveniente. E se me dissesse que ela estava ao centro, pois explicaria também por que motivo era mais ajustado que estivesse ao centro. Enfim, se ele me desse conta de tudo isto, eu, por minha parte, estada disposto a jamais aspirar a outro tipo de causa! E na mesma disposição de espírito procuraria informar-me do Sol, da Lua, e dos demais astros, das suas velocidades relativas, revoluções e outros fenómenos a que estão sujeitos, investigando em tudo isto como a atividade que produzem ou os estados por que passam lhes são, na verdade, os mais ajustados. Longe estava eu, com efeito, de imaginar que, depois de atribuir ao Espírito a função de os manter ordenados, pudesse para tanto invocar outra causa que não fosse a suprema conveniência de eles assim existirem tal como existem ...

E, pois, uma vez que atribuía tal causa a cada um dos seres e a todos em geral, supus que iria explicar-me onde reside o melhor para cada um deles e aquilo que é comummente bom para todos. Por nada do mundo teria então trocado as minhas esperanças! Agarrei-me com todo o afinco aos seus livros e devorei-os com quanta pressa era capaz, a fim de ficar o mais cedo possível a conhecer o que é melhor e o que é pior ... Pois bem, meu amigo, esta maravilhosa esperança, tive de passar sem ela! À medida que avançava na leitura, descubro um homem que não fazia o mínimo caso do Espírito, que nenhuma responsabilidade lhe atribuía na ordenação das coisas, remetendo-a sim para o ar, o éter, a água e tantas outras causas despropositadas·.

Enfim, a minha impressão era exatamente como se alguém asseverasse que tudo o que Sócrates faz, o faz graças ao espírito, e tentasse seguidamente expor nestes termos as causas de cada uma das coisas que faço: primeiro, que estou agora aqui sentado pela razão de que o meu corpo é constituído por músculos e ossos; que esses ossos são sólidos e separados entre si por articulações, enquanto os músculos, feitos de molde a contrair-se e a distender-se, rodeiam por completo os ossos com a carne e a pele, que os contém juntamente; que sendo, pois, os ossos dotados de mobilidade dentro das respectivas articulações, os músculos, à medida que se distendem e contraem, possibilitam que eu dobre os membros ... E eis a causa de me encontrar agora sentado, com o corpo dobrado nesta posição! E idênticas causas serviriam para explicar o facto de me encontrar aqui a falar convosco — a voz, o ar, o ouvido e mil outras causas do género, esquecendo, em fim de contas, a causa essencial, ou seja, que, uma vez que os Atenienses acharam por bem condenar-me, também eu, pelas mesmas razões, achei por bem e mais justo ficar aqui sentado, aguardando a vez de me sujeitar à pena que me infligiram.

Porque—pelo cão!—ou muito me engano ou há muito que estes mesmos ossos e músculos estariam lá para as bandas de Mégara  ou da Beócia, levados por uma certa noção do «melhor»,.. Poderá, claro, alegar alguém que, sem possuir ossos, músculos e assim por diante, não seria também capaz de pôr em prática as minhas decisões — e não estaria fora da verdade. Agora asseverar que é graças a eles que faço aquilo que faço, e * que é em função do espírito que assim me comporto, mas não já em função de uma escolha que fiz do «melhor», eis o que trai porventura excessiva inconsequência de linguagem ... Trai, cm j) b suma, a incapacidade de distinguir que uma coisa é a causa em si, outra, aquilo em cuja ausência jamais a causa seria causa. Ora, quanto a mim, é nesta última que as pessoas visivelmente falham e, como tenteando na escuridão, lhe atribuem um nome indevido, confundindo-a com a verdadeira causa. E aí está, pois, porque alguns, envolvendo a Terra num turbilhão, querem que seja o céu a mantê-la, enquanto outros, fazendo dela uma espécie de tampo largo e chato, lhe colocam o ar por baixo como base e suporte.

Mas esse poder, graças ao qual tais coisas se encontram dispostas da forma mais conveniente, isto é, man tendo a posição que mantêm, desse não cuidam eles ou tão- -pouco lhe atribuem qualquer força divina .... Julgam, pelo contrário, descobrir ainda um dia um Atlas mais possante do que este, mais imortal e capaz de suportar o peso do mundo, sem pensarem que é o Bem o verdadeiro elo de ligação que liga entre si todas as coisas e as suporta. E no entanto, confesso, com que alegria me não teria feito discípulo fosse de quem fosse, para me instruir sobre semelhante causa e o seu modo de actua ção! Mas, uma vez que esta me falhou e não pude, por minha parte, descobri-la ou achar quem ma explicasse, tive de tentar uma segunda via para me lançar na sua busca ...M Desejas pois, Cebes, que te conte a história dessas tentativas?

— Por mim — respondeu—, não desejo outra coisa! — Ora bem·—-retomou ele.·—

■ Depois disto, uma vez desiludido da observação dos seres, achei por bem acautelar-me, não viesse a acontecer-me a mim o mesmo que àqueles que contemplam e observam o Sol em momentos de eclipse: é sabido que alguns chegam a perder a vista, se não é através da água ou de qualquer outro meio que observam a sua imagem. E, com pensamentos mais ou menos deste teor, receei ficar irremediável mente cego de espírito, caso persistisse em fixar os olhos nas coisas, em tentar tocar-lhes diretamente com os meus cinco sentidos. Pensei então que o melhor que tinha a fazer era refu giarme do lado das ideias e, através delas, inquirir da verdade dos seres.

 

A segunda navegação ou a descoberta da metafísica

 




 

Existe um ponto fundamental da filosofia platônica de cuja formulação dependem por inteiro a nova disposição de todos os problemas da filosofia e o novo clima espiritual em cujo interior se colocam tais problemas e suas respectivas soluções, como já ob­servamos. Esse ponto fundamental consiste na descoberta da exis­tência de uma realidade supra-sensível, ou seja, uma dimensão suprafísica do ser (de um gênero de ser não-físico), existência essa que a filosofia daphysis nem mesmo vislumbrara. Todos os naturalistas haviam tentado explicar os fenômenos recorrendo a causas de caráter físico e mecânico (água, ar, terra, fogo, calor, frio, condensação, rarefação etc.).

Platão observa que o próprio Anaxágoras, não obstante tenha atinado com a necessidade de introduzir uma Inteligência univer­sal para conseguir explicar as coisas, não soube explorar essa sua intuição, continuando a atribuir peso preponderante às causas físicas tradicionais. Entretanto—e esse é o problema fundamental —, será que as causas de caráter físico e mecânico representam as “verdadeiras causas” ou, ao contrário, constituem simples “con- causas”, ou seja, causas a serviço de causas ulteriores e mais elevadas? A causa daquilo que é físico e mecânico não será, talvez, algo não-físico e não-mecânico?

Para encontrar resposta a esses problemas, Platão empre­endeu aquilo que ele simbolicamente denomina a “segunda nave­gação”: na antiga linguagem dos homens do mar, “segunda nave­gação” se dizia daquela que se realizava quando, cessado o vento e não funcionando mais as velas, se recorria aos remos. Na imagem platônica, a primeira navegação simbolizava o percurso da filosofia realizado sob o impulso do vento da filosofia naturalista. A “se­gunda navegação” representa, ao contrário, a contribuição pessoal de Platão, a navegação realizada sob o impulso de suas próprias forças, ou seja, em linguagem não metafórica, sua elaboração pessoal. A primeira navegação se revelara fundamentalmente fora de rota, considerado que os filósofos pré-socráticos não conse­guiram explicar o sensível através do próprio sensível. Já a “segunda navegação” encontra a nova rota quando conduz à descoberta do supra-sensível, ou seja, do ser inteligível. Na primeira navegação, o filósofo ainda permanece prisioneiro dos sentidos e do sensível, enquanto que, na “segunda navegação”, Platão tenta a libertação radical dos sentidos e do sensível e um deslocamento decidido para o plano do raciocínio puro e daquilo que é captável pelo intelecto e pela mente na pureza de sua atividade específica. Podemos ler no Fédon: “Tive medo de que minhaalma se tomasse completamente cega olhando as coisas com os olhos e buscando captá-las com cada um dos outros sentidos. Por isso, achei neces­sário refugiar-me nos raciocínios (logoi)para neles considerar a veracidade das coisas (...). Seja como for, encaminhei-me nessa direção e, a cada vez, tomando por base o raciocínio que me parece mais sólido, julgo verdadeiro aquilo que com ele concorda, tanto em relação às causas como no que se refere a outras coisas, conside­rando como não verdadeiro aquilo que com ele não concorda.”

O sentido dessa “segunda navegação” fica particularmente claro nos exemplos apresentados pelo próprio Platão.

Desejamos explicar por que certa coisa é bela? Ora, para explicar esse “porquê” o naturalista invocaria elementos pura­mente físicos, como a cor, a figura e outros elementos desse tipo. Entretanto — diz Platão — não são essas as “verdadeiras causas”, mas, ao contrário, apenas meios ou “con-causas”. Impõe-se, por­tanto, postular a existência de uma causa ulterior, que, para constituir verdadeira causa, deverá ser algo não sensível mas inteligível. Essa causa é a Idéia ou “forma” pura do Belo em si, a qual, através da sua participação ou presença ou, de qualquer modo, através de certa relação determinante, faz com que as coisas empíricas sejam belas, isto é, se realizem segundo determinada forma, cor e proporção como convém e precisamente como devem ser para que possam ser belas.

E eis um segundo exemplo, não menos eloqüente.

Sócrates se encontra preso, aguardando sua condenação. Por que está preso? A explicação naturalista-mecanicista não tem condições de dizer senão o seguinte: porque Sócrates possui um corpo composto de ossos e nervos, músculos e articulações que, com o afrouxamento e o retesamento dos nervos, podem mover e flexionar os membros: por essa razão Sócrates teria movido e flexionado as pernas, ter-se-iadirigido ao cárcere e lá se encontraria até o momento. Ora, qualquer pessoa percebe a inadequação desse tipo de explicação: ela não oferece o verdadeiro “porquê”, a razão pela qual Sócrates está preso, explicando apenas qual o meio ou instrumento de que Sócrates se serviu para se dirigir ao cárcere e lá permanecer com seu corpo. A verdadeira causa pela qual Sócrates foi para o cárcere e nele se encontra não é de ordem mecânica e material, mas de ordem superior, representando um valor espiritual e moral: ele decidiu acatar o veredito dos juízes e submeter-se à lei de Atenas, acreditando que isso representasse para ele o bem e oconveniente. E, em conseqüência dessa escolha de caráter moral e espiritual, ele, em seguida, moveu os músculos e as pernas e se dirigiu para o cárcere, onde se deixou ficar prisioneiro.

Os exemplos poderiam se multiplicar à vontade. Platão chega até a dizer expressamente que o que ele afirma vale “para todas as coisas”. Isso significa que toda e qualquer coisa física existente supõe uma causa suprema e última, que não é de caráter “físico” mas sim, como se dirá com uma expressão cunhada pos­teriormente, de caráter “metafísico”.

A “segunda navegação”, portanto, leva ao reconhecimento da existência de dois planos do ser: um, fenomênico e visível; outro, invisível e metafenomênico, captável apenas com a mente e, por conseguinte, puramente inteligível. Eis o texto em que Platão afirma isso de modo absolutamente claro:

— E não é verdade, talvez, que enquanto podes ver, tocar e perceber com os outros sentidos corpóreos essas coisas mutáveis, já aquelas que permanecem sempre idênticas, ao contrário, por nenhum outro meio podem ser captadas senão através do racio­cínio puro e da mente, porquanto são coisas invisíveis que não podem ser colhidas pela vista?

— O que dizes é absolutamente verdade — respondi.

— Admitamos, portanto, se quiseres duas espécies de seres: uma visível e outra invisível — acrescentou ele.

— Admitamos — respondi.

— E que o invisível permaneça sempre na mesma condição e que o visível não permaneça jamais na mesma condição.

— Admitamos isso também — disse.

Podemos afirmar sem dúvidas que a “segunda” navegação platônica constitui uma conquista que assinala, ao mesmo tempo, a fundação e a etapa mais importantes da história da metafísica. De fato, todo o pensamento ocidental seria condicionado definitiva­mente por essa “distinção”, tanto na medida de sua aceitação (o que é óbvio), como também na medida de sua não aceitação. Neste último caso, na verdade, terá que justificar polemicamente a não aceitação e, por força dessa polêmica, continuará dialeticamente a ser condicionado.

Após a “segunda navegação” platônica (e somente depois dela) é que se pode falar de “material” e “imaterial”, “sensível” e “supra-sensível”, “empírico” e “metaempírico”, “físico” e “suprafísico”. E é à luz dessas categorias que os físicos anteriores se revelam materialistas e que a natureza e o cosmos não aparecem mais como a totalidade das coisas que existem, mas apenas como a totalidade das coisas que aparecem. O “verdadeiro ser” é constituído pela “realidade inteligível”.

 

Metafísica-Introdução

 



 

A metafísica é o ramo da filosofia que, indo além dos elementos contingentes da experiência sensorial, trata dos aspectos mais autênticos e fundamentais da realidade, segundo a perspectiva mais ampla e universal possível. Visa estudar os entes "como tais" em sua totalidade; por exemplo, Aristóteles a definiu como "a ciência do ser enquanto ser" (Metafísica, livro Γ, cap. I, 1003 a, 21-26), independentemente de suas determinações ou atributos.

Na tentativa de superar os elementos instáveis, mutáveis ​​e acidentais dos fenômenos, a metafísica concentra sua atenção naquilo que considera eterno, estável, necessário, absoluto, para tentar apreender as estruturas fundamentais do ser. Nessa perspectiva, as relações entre metafísica e ontologia são muito estreitas, tanto que, desde a antiguidade, tem sido costume encerrar o significado da metafísica na busca incessante por uma resposta à questão metafísica fundamental "por que o ser em vez do nada?".

O campo da pesquisa metafísica tradicional inclui problemas como a questão da existência de Deus, a imortalidade da alma, o ser "em si", a origem e o significado do cosmos, bem como a questão da possível relação entre a transcendência do Ser e a imanência das entidades materiais (diferença ontológica).

 

Etimologia

Aristóteles, reconhecido como o pai da "metafísica", embora nunca tenha utilizado esse termo.

O termo metafísica (em grego antigo: μετὰ τὰ φυσικά, metà tà physikà) deriva da catalogação dos livros de Aristóteles na edição de Andrônico de Rodes (século I a.C.), na qual, após o tratamento da natureza, que era a física (τὰ φυσικά), seguiu-se o da "filosofia primeira" (πρώτη φιλοσοφία) ou teoria do "ser como ser". O termo ser corresponde, simplesmente, ao particípio presente do verbo ser.

Como esses volumes foram então colocados após (μετά, metá) aqueles sobre física, tanto no sentido da ordem de publicação quanto no de importância, metafísica teria passado a significar "as coisas que vêm depois das coisas da física", isto é, os livros que seguem aqueles sobre a natureza. O prefixo meta-, no entanto, também assume o significado de "além", "acima", "acima": nesse sentido, no pensamento árabe medieval, aos objetos da "filosofia primeira" era atribuído um valor de transcendência e superioridade em relação aos objetos da física sublunar. Então, a partir de um título que designava os textos colocados após aqueles sobre física, o termo metafísica teria se tornado o nome de uma parte da filosofia.

O historiador da filosofia Giovanni Reale contesta a reconstrução lógica e cronológica da etimologia do termo "metafísica" com base no duplo significado do prefixo grego meta. A tese de Reale é que, entre os dois significados de meta, o relativo ao conceito de "sucessão" (ou "depois") é irrelevante e secundário, pois não foi levado em conta que toda a doutrina aristotélica diz respeito àquele princípio de "unidade do ser" (ou Ser como ser) que vai "além" (ou "acima") da física, e este é o único significado primário que para ele o termo meta deve assumir.

Os fundamentos da metafísica

Um dos objetivos desta disciplina é estudar os primeiros princípios de uma perspectiva qualitativa, diferentemente da matemática, que estuda sua quantidade, ou da física, que estuda seu aspecto natural. O objetivo final é, portanto, a verdade em si mesma.

 

Os limites da experiência sensorial

O pressuposto da metafísica é a investigação dos limites e possibilidades de um conhecimento que não pode derivar diretamente da experiência sensorial. Os cinco sentidos, de fato, limitam-se a receber passivamente as impressões derivadas dos fenômenos naturais dentro de uma estreita faixa de percepções e, portanto, não são capazes de fornecer uma lei capaz de descrevê-los, ou seja, não são capazes de apreender sua essência.

O objetivo da metafísica, nesse sentido, é a tentativa de encontrar e explicar a estrutura universal e objetiva que se supõe estar oculta por trás da aparência dos fenômenos. Surge, portanto, a questão de saber se tal estrutura, além de determinar a realidade, é capaz de determinar nossa própria maneira de conhecer, por meio de ideias e conceitos que correspondem à realidade.

Segundo essa linha de interpretação, somente em nosso intelecto é possível formular aqueles critérios de racionalidade e universalidade que nos permitem conhecer o mundo: a simples "sensação em ação", de fato, "tem como objeto coisas particulares, enquanto a ciência, ao contrário, tem como objeto universais, e estes se encontram, em certo sentido, na própria alma". Eis, então, a oposição radical, típica dos grandes filósofos metafísicos, desde Parmênides, Sócrates, Platão, Aristóteles, até Agostinho, Tomás, Cusano, Campanella etc., entre o conhecimento adquirido pelos sentidos e o conhecimento próprio do intelecto.

Segundo essa escola de pensamento, portanto, não pode haver conhecimento verdadeiro se ele não brotar da inteligência, que, no entanto, para ser ativada, deve primeiro tomar consciência de si mesma: se o intelecto fosse incapaz de pensar por si mesmo, não poderia sequer tomar consciência da verdade, nem ter consciência de jamais poder alcançá-la. O pensamento de si, portanto, tem sido frequentemente tomado como ponto de partida, partindo de sua capacidade de tornar possível o conhecimento imediato, universal e absoluto, pois nele o sujeito é imediatamente idêntico ao objeto, sendo o eu que se intui.

Pelo menos até Descartes, de onde o tema da autoconsciência será retomado em uma dimensão mais puramente subjetiva e psicológica, a intuição cognitiva de si permanecerá conectada à questão ontológica preponderante de um Ser a ser colocado no fundamento de sua essência íntima. Mesmo na filosofia moderna, porém, não faltam casos, por exemplo em Spinoza, Leibniz, Fichte, em que, de tempos em tempos, a subjetividade é vinculada a temas ontológicos.

Em geral, a intuição, ou apercepção, tem sido colocada como a origem e o objetivo de toda metafísica, e considerada superior tanto ao pensamento racional quanto ao conhecimento empírico: o pensamento racional baseia-se, de fato, em uma forma mediada de conhecimento, na qual o sujeito chega a apreender o objeto somente após um cálculo ou uma análise racional, e onde, portanto, ambos são separados; Da mesma forma, o conhecimento empírico é mediado pelos sentidos e, portanto, nele, mais uma vez, sujeito e objeto são separados.

 

Em vista disso, é compreensível como a maioria dos filósofos metafísicos postulou uma diferença não apenas entre consciência e percepção sensível, mas também entre intelecto e razão. O intelecto é o lugar onde a intuição é propriamente produzida e, portanto, é superior à razão por ser o primeiro princípio sem o qual não haveria conhecimento de nada; enquanto a razão é apenas um instrumento, um meio que permite comunicar e abordar discursivamente a visão intuitiva do universal.

 

A relação com a teologia

Como a metafísica "...visa identificar a natureza última e absoluta da realidade, para além de suas determinações relativas...", ela tem sido frequentemente atribuída a um caráter místico e religioso, de tensão em direção ao absoluto, a Deus e à transcendência.

Já com Aristóteles, a metafísica é a ciência do ser perfeito, isto é, o estudo de Deus: uma vez que buscava as causas primeiras da realidade, tornou-se também uma investigação de Deus. A estreita ligação com a teologia permanecerá válida por quase toda a Idade Média. Nesse sentido, é fundamental a contribuição de Tomás de Aquino, que identificou a metafísica com a teologia filosófica e, portanto, considerou possível uma síntese entre razão e fé.

De alguns pontos de vista, a Idade Média termina quando a intuição se separa da razão, quando a metafísica e a teologia tendem a ser vistas como disciplinas separadas. Alguns filósofos, incluindo Descartes e Hegel, tentarão construir uma autonomia da razão, tornando-a independente da intuição.

 

A relação com a ontologia

As relações com a ontologia também são variáveis. Ao longo da história do pensamento, filósofos atribuíram a esta disciplina significados, características e funções diferentes da metafísica: ora a ontologia foi entendida como parte da metafísica, concebendo-a como uma espécie de descrição geral do ser, preparatória para as demais disciplinas metafísicas; ora elas foram substancialmente coincididas, negando à metafísica qualquer autonomia; ou uma nova ontologia capaz de revelar as verdadeiras estruturas do ser foi oposta à metafísica tradicional.

Segundo Varzi, a ontologia antecede a metafísica: «a ontologia ocupar-se-ia de estabelecer o que existe, ou de elaborar uma espécie de inventário de tudo o que existe, enquanto a metafísica ocupar-se-ia de estabelecer o que é aquilo que existe, ou de especificar a natureza dos artigos incluídos no inventário». Segundo Mondin, a metafísica consiste na busca das causas últimas da realidade, sendo, portanto, essencialmente etiologia, enquanto a ontologia seria apenas um estudo da «fenomenologia» do ser tal como se revela.

Monismo, Dualismo, Pluralismo

Um dos problemas clássicos da metafísica é a disputa entre a concepção monista do ser e a concepção dualista. Os defensores do dualismo, dos quais Descartes é um exemplo clássico, concebem a realidade segundo uma dicotomia entre o mundo material e o mundo espiritual (o que, no homem, corresponderia à distinção radical entre corpo e alma). Os monistas, dos quais Spinoza é um exemplo, sustentam que a realidade pode ser rastreada até uma única substância. Finalmente, podemos incluir os defensores da pluralidade de planos ontológicos: um exemplo relativamente recente é Karl Popper com sua teoria do Mundo 1, Mundo 2 e Mundo 3.

 

 

sábado, 7 de junho de 2025

CALENDÁRIO CURSO DE METAFISICA JULHO DEZEMBRO 2025

 




 

JULHO

17 Introdução ao curso. O léxico da metafisica.

24 PRIMEIRA PARTE: Nascimento e desenvolvimento da metafisica na filosofia antiga. Parmênides e Platão

31 A metafisica aristotélica

AGOSTO

7 Os sistemas metafísicos médio-platônico e neoplatônico

14 A metafisica no período patrístico

21 Prova 1

28 Santo Tomás e a síntese tomista. A importância da metafisica aristotélica no Tomismo clássico.

SETEMBRO

4 SEGUNDA PARTE. A metafisica na época da modernidade. Metafísica enquanto Teoria do Conhecimento. Descartes e o debate sobre o método científico de Bacon até Galileo.

11 Leibniz e a Monadologia.  

18 Prova 2

25 Espinoza e Meister Eckhart

 

OUTUBRO

2 A crise iluminista

9 O sistema Kantiano

16 A grande síntese Hegeliana

23 Prova 3

30 III PARTE o pensamento pós metafisico. A crítica de Nietzsche. A concepção cientifica do mundo do círculo de Vienna

 

NOVEMBRO

6 A fenomenologia de Husserl e o desenvolvimento ante metafísico da filosofia contemporânea de Gadamer passando para Heidegger.

13 Habermas e os recentes desenvolvimentos do pensamento pós-metafísico.

20 DIA NACIONAL DE ZUMBI E DA CONSCIENCIANEGRA (FERIADO ESTADUAL)

27 Prova 4

 

DEZEMBRO

3 Entrega da prova

sexta-feira, 6 de junho de 2025

CALENDARIO ANTROPOLOGIA FILOSOFICA JULHO-DEZMBRO 2025

 




 

JULHO

15 PRIMEIRA PARTE: ABORDANDO O PROBLEMA ANTROPOLOGICO

Introdução ao curso. A antropologia filosófica e as ciências antropológicas

22. SEGUNDA PARTE: ITINERARIO HISTÓRICO. Análise das principais concepções filosóficas acerca da pessoa humana. Concepção clássica e o dualismo antropológico elaborado por Platão e a antropologia de Aristóteles. A novidade de Plotino.  

29 Concepção cristã medieval: a novidade da proposta cristã.

 

AGOSTO

5 Concepção humanista. Pico da Mirandola e Erasmus de Roterdam

12 Concepção moderna em Descartes e na elaboração iluminista

19 Prova 1

26 TERCEIRA PARTE: os desafios da antropologia na época contemporânea.

A crise pós-moderna na filosofia de Zygmunt Bauman e Gianni Vattimo

 

SETEMBRO

2 Antropoceno como consequência da proposta elaborada na modernidade

9 Entre pós-humano e transumano

16 Prova 2

23 Indicações para uma antropologia indígena

30 São Jeronimo: celebração da Palavra na Faculdade

 

OUTUBRO

7 Antropologia feminista no contexto cultural do patriarcado

14 QUARTA PARTE: algumas respostas da antropologia cristã.

A antropologia libertadora de Leonardo Boff. O diabólico e o simbólico na construção da realidade.

 

21 Prova 3

28 O personalismo de Emmanuel Mounier

 

NOVEMBRO

4 A perspectiva fenomenológica: empatia e interioridade de Edith Stein

11 A liberdade como essência da antropologia em Abraham Joshua Heschel

18 A perspectiva antropológica de Max Scheler

25 Prova 4

 

DEZEMBRO

2 entrega prova

CALENDÁRIO HISTÓRIA FILOSOFIA MEDIEVAL JULHO-DEZEMBRO 2025

 





 

JULHO

14 Apresentação do curso. A novidade da abordagem da filosofia medieval: a revelação como fonte do conhecimento.

21 O platonismo dos Padres. Do Cristo do Novo Testamento ao Cristo da Igreja. Helenização e deselenização da cristologia.

28 Alegorese de Filo de Alexandria e o método tipológico dos Padres da Igreja

 

AGOSTO

4 Os Padres Apostólicos e os Apologistas: Justino.

11. Clemente e Origenes

18 Avaliação 1

25 Os grandes Concílios de Éfeso, Niceia e Constantinopla. A contribuição da filosofia na luta contra as heresias.

 

 

SETEMBRO

1 Gregório de Nisa e os Padres Capadócios

8 Pseudo Dioniso Areopagita. Máximo o Confessor.

15 Avaliação 2

22 A filosofia de Santo Agostinho: primeira parte

29 A filosofia de Santo Agostinho: segunda parte

 

OUTUBRO

6 Boécio. Anselmo de Aosta e a prova ontologica.

13 As escolas medievais: Chartres, São Vitor. O surgimento das Universidades.

20 Avaliação 3.

27 Abelardo e Bernardo de Chiaravalle e a controvérsia sobre os universais

 

 

NOVEMBRO

3 A escolástica e Santo Tomás de Aquino

10 Santo Tomás de Aquino: Segunda parte

17 Ockham e Mestre Eckhart

24 Avaliação 4. Prova escrita individual. Critérios e pontuação: 8 questões objetivas e 2 questões dissertativas.

 

PLATÃO – FEDON (96-99)

  Necessidade de uma segunda navegação   (É Sócrates que está falando). O facto, Cebes, é que, na minha juventude, me senti extraordinariame...