“Síntese Pe. Paolo Cugini,
digitação Winne Muryanne”
De fato, o leitor com certeza acabará
se dando conta de que considerarei pressupostas e garantidas questões que em
outras abordagens não o são. Duas sobretudo:
1. O
caráter realista e verdadeiramente humano da revelação divina. O discurso não se apóia, por conseguinte, sobre o
pressuposto segundo o qual a revelação- é conseqüentemente a religião – é algo
que se aceita somente porque “alguém nos diz que Deus disse...”, sem nenhum
controle de nossa parte, e por isso mesmo sem uma verdadeira ligação com a
nossa existência;
Aqui nosso ponto
de partida é aquilo que eu denominei de estrutura
maiêutica da revelação. O que chamamos de “revelação” é uma resposta real e
concreta a perguntas humanas, que, por isso mesmo, são sempre as nossas mesmas
perguntas. Desse modo, nós descobrimos
a revelação porque alguém no-la anuncia; mas a aceitamos porque, despertados pelo anuncio, “vemos” por nós mesmos
que essa é a reposta certa. (pag.17-18)
2. Intimamente
unida à primeira está à segunda questão. Se a revelação consiste em dar-se
conta de que deus já estava aí, é porque, a partir de seu amor ativo, ele
estava fazendo todo o possível para se manifestar. E para se manifestar a todos
e a todas, na máxima medida. (pag.20)
Disso nasceu à terceira postura, o pluralismo, representado, sobretudo pelo
já citado John Hick, mas com uma ampla lista de seguidores, como Paul Knitter28
na América do Norte e Stanley Samartha29 na Índia. Para ele todas as
religiões são, no fim das contas, iguais: manifestações equivalentes em seu
valor salvífico e em sua verdade, pois a diversidade nasce unicamente dos
diferentes contextos culturais em que é tematizada e concretizada a experiência
do divino. Ele recolhe, como se pode ver, a tradição do liberalismo, mas sem
reservas diante do valor “sobrenatural” do religioso. Exerce hoje uma
indubitável atração, quase chegando às raias da fascinação, talvez em parte
devido ao fato de se tratar de uma reação generosa diante do fechamento
histórico do exclusivismo, muitas vezes com conseqüências nefastas30.
Está relacionado, além do mais, com a queda do – chamemo-lo assim –
“ocidentalismo”, bem como com toda uma nova constelação cultural que tem como
valores centrais a democracia, a tolerância e o consenso. 31
Seu
grande problema reside na questão da verdade,
32, pois muito dificilmente pode evitar o perigo de um relativismo
que não beneficiaria a ninguém. E se antes falávamos de falta de realismo
histórico, agora é preciso dizer o mesmo em relação ao realismo antropológico:
nas realizações e nas conquistas humanas, embora em principio todos mereçam
respeito, o grau alcançado nunca é o mesmo ou, no máximo, o é raríssimas vezes
e em casos ou aspectos concretos. (pag.27-28)
Notas
28No
other Name? A critical Survey of Chistian Attitudes Toward the Word Religions. New York, 1985
(usarei a tradução italiana: Nessun altro nome? Brescia, 1991).
29One
Christ, Many Religions, New York, 1991.
30 Em
nosso meio, R. Panikkar é o principal representante, com uma postura muito
profunda e com uma abundante produção. Veja-se a síntese que ele mesmo fez em Autoconciencia Cristiana y religiones (Fe
Cristiana y sociedad moderna, n.26). Madrid, 1989, PP. 199-267; nesse mesmo
texto (p.264), pode-se encontrar uma resenha de suas obras principais; cf. em
especial: The Unknown Christ of Hinduism.
New York, 1941; La trindad la
experiência religiosa. Barcelona, 1989, l’incontro indispensabile. Dialogo
delle Religgioni. Milano, 2001.
Cf.
também, com uma radicalidade diferenciada, A. Race, Christians and Religious Pluralism, já citado; P.F. Knitter, No Other Name? Também já citado; e,
sobretudo J. Hick, de quem, além das duas obras já citada, podem ser vistas: God and the Universe PF Faiths: Essays in
the Philosophy of religion. London,
1973; The Secand Christianity. London,
1983; Problems of Religious Pluralism.
London, 1985
São
também significativos os trabalhos em colaboração: L. Swidler (Ed.)., Taward a Universal Theology of religion. New
York, 1987; J. Hick
& P.F. Knitter (Eds.), The Myth of
Christian Uniqueness. Toward
a Pluralistic Theology of Religions, New York, 1987.
31
À importância dessa constelação é
particularmente sensível o tratamento dado por C. Duquoc, El único Cristo. La sinfonia diferida. Santander, 2005.
32
Tema profundamente estudado por A kreiner,
Uberlegungen zu theologischen Wahrheitsproblematik und ihrer okumenischen
Relevanz. Catholica 41, 1987, PP.
108-124; e também por M. de França Miranda, O
cristianismo em face das religiões. São Paulo, PP. 19-23.
Vejam-se
também as críticas feitas por J.J. lipner, Does Kopernicus Help? in R. W.
Rousseau (ed.), Inter-religious Dialogue.
Scranto, 1981, PP. 154-174; e G. D’Costa, Theology and Religious Pluralism, cit. por J. Gesù cristo incontro alle relligioni, pp. 144-149, oferece um bom
resumo.
Capítulo 1
A “particularidade” como necessidade histórica
1.1 Não existe universalidade
abstrata
A teologia atual compreendeu bem que a
verdadeira universalidade só pode realizar-se “através da mediação
histórico-particular”.3 Por mais paradoxal que possa parecer num
mundo cada vez mais universalizado, a consciência histórica nos fez ver que uma
religião só poderá ser realmente
universal se chegar a sê-lo partindo do interior de sua particularidade.4 (pag.40-41)
1.2 Não existe revelação
isolada
Hoje
é um fato óbvio que a revelação bíblica não constitui uma realidade tão
especial que a diferencie totalmente das demais religiões, nem que estas devam
esperar por aquela revelação para experimentar a presença salvífica de deus.
Onde fica, então, a pretensão de universalidade? (pag. 42)
E
aquilo que poderia parecer cuidado “especial” não é, de forma alguma, um
favoritismo excludente, mas o único modo possível de se realizar concretamente
essa relação viva e real. Deus não age abstratamente, ou “como se”; ele está em
relação sempre única com um “tu” pode sentir – se - e, de fato, se sente -
eleito: “te chamei pelo teu nome” (Is 45,4). Todavia, precisamente porque todos
são “eleitos”, não há eleição em sentido exclusivo. (De fato, devido ao perigo
de não compreender bem tudo isso e à abrangência semântica que tal
universalização comporta hoje o
melhor a se fazer é renunciar à categoria
da eleição. Tal renúncia pode parecer infidelidade à letra bíblica, mas na
realidade supõe a máxima fidelidade ao seu espírito).
Ao mesmo tempo delineia-se com clareza uma
conseqüência, que mais adiante deverá se elaborada mais detalhadamente: se
todos são chamados e o chamado se realiza na inevitável particularidade de cada
um, a acolhida desse chamado é sempre parcial e limitada. De sorte que toda
acolhida, por parte de um individuo ou de uma religião particular, está
intrinsecamente aberta para ser completada pela contribuição das demais
religiões, bem como para oferecer-lhes sua própria contribuição. A
particularidade se revela, então, como um meio a mais do amor incondicional a
todos. Tal é o que procuraremos mostrar como o sentido profundo da “eleição”. (pag. 43-44)
1.3 Orientação geral da
resposta
Ficam assim enunciados os dois grandes
pólos ao redor dos quais vai girar a nossa resposta. Só eles permitem, a meu
ver, uma compreensão coerente com a globalidade da experiência reveladora:
1) A particularidade da
revelação cristã não é uma alternativa “escolhida” por deus, mas uma revelação
precisa acontecer na história. Dito positivamente: deus se revela sem reservas
e a todos, com toda a força do seu amor, de sua sabedoria e de seu poder; os
limites da revelação não são “queridos” por Ele, mas “impostos” pela
insuperável finitude da captação humana. Trata-se de uma incomensurabilidade
estrutural - entre o infinito e o finito - que explica as limitações concretas,
provenham elas de limites voluntários (como a etapa histórica ou a
circunstancia cultural) ou de resistência voluntárias (como a cegueira ou a
deformação culpáveis).
2) A
culminação histórica do processo revelador, concebida como plenitude insuperável, não poderia dar-se senão num ponto concreto.
Tal ponto é o significado do mistério teândrico da pessoa de cristo e sua
necessária unicidade; por isso sua capacitação já é, simultaneamente, confissão
de fé. Mas essa plenitude está intrinsecamente destinada a todos; o Cristo por
essa razão, não é “propriedade” dos cristãos, mas oferta a todos como possível
culminação da fé que eles já têm, a partir de sua própria historia. Tal é o
fundo da razão do “inclusivismo” e constitui a base justa para o encontro “pluralista”
das religiões, vista a partir do cristianismo. (pag.48-49)
2. O (suposto) silêncio de Deus: Cur tam sero?
Pensar que a revelação divina pudesse dar-se
com perfeita clareza e para todos os homens desde o começo equivale a pensar-
sem perceber – um sem-sentido. Significa, com efeito, ser vítimas de um
reflexo imaginativo que concebe acrítica e abstratamente a onipotência do agir
divino, sem levar em conta os limites impostos à sua realização pela fechada
limitação da criatura. No fundo, equivale a imaginar o “circulo quadrado” da
capacitação perfeita do infinito na estreiteza da subjetividade finita.
É
preciso observar, contudo, que quase sempre se conserva ainda um traço
voluntarista. Com efeito, continuam considerando como um pressuposto que deus
“poderia” revelar-se plenamente ao homem histórico, mas “não quer”, porque isso anularia a liberdade humana.
Isso que se tenta afirmar talvez seja legítimo, 20 mas estabelece
todas as bases para continuar alimentando o fantasma imaginativo de que, no fim
das contas, as coisas são tão difíceis porque Deus assim o quer.(pag. 53)
3. A
(suposta) “eleição” de Deus: Cur tam
cito?
3.3
A missão particular como “estratégia do amor universal
Aquilo
que a tradição bíblica conquistou através de sua culminação em cristo pode ser
colocado agora à disposição de todos. De fato, historicamente é muito sugestivo
que aquilo que foi alcançado na tradição no Primeiro Testamento, até então bem
isolado num particularismo nacionalista, é entregue agora a toda a humanidade no
universalismo cristão.
Um
mínimo de realismo histórico mostra que, sem diminuir em nada tudo o que nelas
foi justamente adquirido, agora as outras religiões podem, além disso, receber uma contribuição á qual não tinham chegado por
meio de sua evolução interna. E, repito, aqui estou falando da autocompreensão
cristã; mas, em seu aspecto estrutural, o que dissemos do cristianismo pode ser
dito da mesma forma, partindo-se da autocompreensão de qualquer religião. (pag. 60)
Notas
3E.
Schillebeeckx, Jesús. La historia de um
vin viente. 2. Ed. Madrid, 1984, PP. 556-560. Uma
tentativa densamente especulativa é a de W. loser, “Universale concretum” als
Grundgesetz der economia revelations, im W. Kern; H. J. Pottmeyer; M, Seckler
(Eds.), Handbuch der Fundamentaltheologie.
Freiburg, 1985,v. II (Traktat Offenbarung), PP. 108-121.
4Obviamente
não estamos querendo dizer com isso que toda tradição particular seja
potencialmente, sem mais nem menos, universal; tal pretensão deverá ser
demonstrada em sal capacidade real para chegar a todos e para ser aceita, não
pela imposição da força mais sim pela validade humana da oferta. Daí a importância
do tema da verificação, ao qual aqui
poderemos apenas acenar.
Como
se sabe, essa é uma preocupação capital na reflexão de W. Pannenberg sobre a
revelação, já desde o escritor programático, dirigido por ele, Offenbarung als geschichte. 4. Ed.,
Gottingen, 1970. Em diálogo com o seu pensamento, também nós prestamos grande
atenção ao problema; cf. La revelación, principalmente
PP. 343-381.
20
A dificuldade remonta a Kant e foi
retomada por K. Jaspers: "Eu mesmo não posso pensar de outra maneira que a
de Kant: se a revelação fosse ‘real’ [comprovável empiricamente: A.T.Q.], isso
seria o infortúnio para a liberdade concedida aos homens” (La Fe filosófica ante la revelación. Madrid, 1968, PP. 23-24).
Veja-se como o expressa hoje J.Hick: “We can imagine
[observe-se o verbo] finite personal beings created oin the immediate presence
of God, so that in being conscious of that which is other than themselves they
are authomatically and unavoidably conscious of God [...] But how, in that
situation, cold they have any genuine freedom in relation to their creator?” (God has Many Names).
Cf. em La revelacíon, pp. 311-322, as
referencias que faço a outros autores e um raciocínio um pouco mais detalhado.
Deixo
de analisar aqui o caso distinto da
plenitude na glória, já que esta supõe necessariamente
a história prévia: cf. as considerações que fazemos a respeito em Creo en Dios Padre. Santander, 1986, PP.
145-149 (Ed. Brasileira: Creio em deus
pai. São Paulo, 2005).
Capítulo 2
A plenitude e definitividade da
revelação cristã
1. A
autocompreensão cristã e a questão do pluralismo
1.1 A impossibilidade de um
pluralismo indiferenciado
Qualquer tentativa de universalizar uma
particularidade deve se precaver, por todos os meios, de fazê-lo à custa dos
outros. Não deve tratar-se de uma “universalidade de conquista”. Ninguém pode
pensar hoje, com um mínimo de sensatez, que toda a revelação tenha se
concentrado unicamente na tradição bíblica e cristã, diante de um mundo
totalmente privado da presença reveladora de Deus. (pag.69)
O mérito de Hick está em ter
reconhecido de forma unívoca e ter contribuído para introduzir na publicidade
teológica o valor e a dimensão salvífica das grandes religiões. Estas,
totalizando a vivência e a visão religiosa no seio da cultura profundamente
amadurecidas, descobriram o valor do humano como tal, conseguindo superar o seu
fechamento tribal e puramente naturalista, tornando-se universais e
explicitando de maneira expressa e coerente o valor transcendente da salvação. 17
Contudo, reconhecido isso, não é
realista supor que a entrada na época represente um nivelamento no acerto e no
valor das diferentes religiões. (pag.75-76)
Em todas as épocas, qualquer modo de
viver uma religião em principio tem seu direito; mas todos procuramos discernir
entre modos mais autênticos e menos autênticos de vivê-la; ou seja, procuramos modos
que cremos serem objetivamente melhores.
Por isso a crítica interna, representada de forma exemplar pelo profetismo, possui uma presença ubíqua e
determinante em (quase) todas as religiões. (pag. 77)
1.2 A questão do critério:
“lógica do descobrimento”
Disso emergem duas conclusões que podem
lançar alguma luz sobre o problema.
A primeira coincide com a grande
contribuição da fenomenologia, entendida como uma atitude global
(prescindindo-se, portanto, de discussões sistemáticas, escolares ou detalhadas):
a necessidade de “voltar às coisas mesmas”. 22 Dito de uma forma um
pouco mais técnica: o “dado”, tal como aparece em suas formulações e figuras
concretas, deve ser “reduzido”, isto é, libertado, na medida do possível, de
todo “pré-juizo”, “suspendendo-se” ou pondo-se entre parênteses sua validade e
trazendo-o de volta para o seu nascimento, até que se comprove se ele responde
a uma experiência real e em que
mediada a interpreta com exatidão. E quando se trata de experiências originárias, o critério definitivo só
pode estar na “dação” da realidade que nela se manifesta; isso vale para a
sensação de “verde” tanto quanto para a noção de “bondade” ou de “beleza”. E
vale também, embora a comprovação se torne muito mais difícil, para a
experiência religiosa.
É
claro que mencionar a “experiência” introduz o tema numa das questões mais
difíceis do pensamento; mais ainda quando se trata da experiência religiosa.
Aqui, no entanto, não precisamos entrar em detalhes, pois – ao contrario do que
acontece, por exemplo, no diálogo com o ateísmo – o dialogo entre as religiões
só tem verdadeiro sentido se partirmos do reconhecimento de que essa
experiência é possível e existe. 23 o problema concreto em relação
ao dialogo é outro: como toda interpretação que cada religião faz da
experiência “comum” ou, mais exatamente, da oferta que a realidade faz aos
humanos nesse âmbito especifico, ou seja, na “dação religiosa” do real.
E
assim chegamos à segunda conseqüência: o critério não pode ser dado de antemão,
já que o mesmo não pode existir fora da própria experiência, a qual só pode
validar-se a si mesma no encontro com a realidade. E isso significa que, quando
se coloca o problema radical já feita, com um critério externo a própria
experiência e previamente estabelecido. Trata-se, pro necessidade, de uma
“lógica do descobrimento”, do acerto em detectar e interpretar a ofertar da
realidade que se mostra nessa experiência.
1.3 O humanum como critério
constitutivamente aberto
A convicção religiosa,
como toda convicção verdadeiramente importante, só é verdadeira e aceitável se
ajudar na realização autentica das pessoas, e à medida que o fizer. De fato,
quando por convicção crítica e pessoal - não por simples tradição ou mera
rotina – alguém aceita uma religião, o faz porque de maneira mais ou menos
explícita, mas muito real, percebe que nela encontra o melhor modo de
realizar-se nessa última dimensão da sua existência. (pag. 83)
Por isso em toda origem
religiosa verdadeira há re-velação e
dês-coberta, porquanto a inspiração religiosa do revelador consegue ver na
opacidade do real uma nova possibilidade que se reconhece como verdadeira, pois
“salva” e plenifica. Por isso também, como já o sugeri falando da revelação
como “maiêutica”, uma revelação é aceita porque o ouvinte, ajudado pela palavra
externa, reconhece nela algo que responde ao intimo do seu próprio ser e da sua
própria aspiração. E por isso, enfim, não há espaço para seguranças infalíveis
nem pretensões a priori; o que há,
unicamente, é uma busca aberta e uma exposição crítica, mas limpa e sincera,
daquilo que se lhe propõe como verdadeiro. (pag. 84)
A necessidade do dialogo
entre as religiões nasce justamente diante da diversidade das ofertas. Toda
pessoa que aspira a uma vivencia madura e personalizada da experiência religiosa
precisa confrontar-se, em algum momento de sua vida, com a pergunta sobre a
verdade da interpretação – da religião – que receber; e hoje dificilmente
poderá fazê-lo sem levar em conta também
a oferta interpretativa que chega até ele proveniente de outras religiões. É
nesse momento que aquilo que era assunção de fato e a priori se converte em questão de direito e tentativa de conclusão
a posteriori. A opção que se fizer
será então – nesse sentido estrutural e de principio - fruto do dialogo, pois
só à medida de que uma proposta for percebida como acertada (lembre-se: nunca
na totalidade dos seus pontos) se poderá assumi-la crítica e honestamente como
própria.
1.4 Sentido fundamental da
“culminação” em Cristo
Ao atrever-se a falar de culminação
em Cristo, a afirmação crente precisa deixar-se confrontar com os dados da
historia, pois, neles se apóia sua “razoabilidade” humana. E isso obriga a se
remeter à proposta objetiva feita por
Jesus, isto é, ao que se revela nele
através de sua palavra, de suas obras e de seu destino.
O diálogo precisa fazer um esforço
para mostrar as razões pelas quais essa proposta é a proposta que, a partir de si mesma, sugere sua
insuperabilidade. Deve, portanto, responder às seguintes perguntas: Pode-se
pensar, ao longo da historia humana, outra proposta superior à que – na
conseqüência radical de sua palavra e de sua conduta, de seu viver e de seu
morrer – fala de um deus pessoal que “é amor” sem limite e perdoa sem
condições, que “faz surgir o seu sol sobre bons e sobre maus” (Mt 5,450 e “quer
que todos sejam salvos” (1Tm 2,4); um deus que como Abbá, “Pai-Mãe”, suscita uma atitude religiosa de confiança filial
nele e promove uma ética de serviço aos outros sobretudo aos mais necessitados,
bem como uma atitude de amor a todos, inclusive ao inimigo?
Justamente por se culminação, pressupõe que - em modos, em
graus e por caminhos distintos – sua presença se dê também em outras religiões.
O que aqui se reconhece- e por isso a
opção por ser cristão - é tão-somente o lado coerente, integral e definitivo da
proposta realizada e oferecida. Sem excluir sequer que, nos aspectos concretos
e particulares, se possa e se deva aprender com as demais religiões.
(pag.89-91)
2.”Universalismo
assimétrico” e “plenitude” cristã
2.1 Dificuldade e sentido
da categoria
A reivindicação da verdade numa religião
não tem, portanto, a mesma significação que tem na filosofia. Neste último
caso, a reivindicação implica e exige a confrontação e o dialogo entre as
filosofias. Na religião, no entanto, há uma maneira de sentir-se obrigado e de
se comprometer (de se lier) que é tão
forte, tão extrema, tão única, que cada comparação seria por isso mesmo, uma indiscrição profunda. 43 (pag.
96)
Buscar o encontro e a compreensão não pode
ser confundido com a busca do mínimo
denominador comum entre as religiões. A rigor, e de forma inevitável, isso
equivaleria a privilegiar aquele que conquistou menos, com o conseqüente
empobrecimento do conjunto. Seria como definir o autenticamente humano de modo que em sua definição fossem incluídas
também todas as deficiências e deformações que, de fato, ocorrem na realidade
(entenda-se bem o sentido da comparação: não estou afirmando que somente fora
do cristianismo estas podem ocorrer). O respeito verdadeiro está não em
retroceder em relação ao que já se conquistou mais sim em propô-lo daí para
frente, de modo que todos tenham também a oportunidade de alcançá-lo.
O problema do caráter absoluto do cristianismo,
como se denomina costumeiramente, apresenta-se assim em toda sua agudeza,
mas conta também com as possibilidades do novo clima. Começando pelo fato de
fazer-nos ver que, desde já, se trata de uma pretensão enorme. Tão enorme que
só se torna tolerável explicando-se com muito cuidado essa palavra48
ou, melhor, como faço aqui, renunciando a ela e substituindo-a por plenitude. E, ainda assim, unicamente se
pode fazê-lo como confissão humilde e
solidaria de quem crê ter descoberto algo que Deus quer revelar e entregar a todos. Confissão que não deve por isso
mesmo ser calada, mas que exige o esforço para aclarar seu significado
autentico eliminando-se toda pretensão de domínio e de conquista. (pag.100)
Plenitude
não pode significar, vamos logo afirmando, nada semelhante a “onicompreensão”,
como se uma religião determinada, por mais elevada que fosse, pudesse abarcar o
Mistério; o tesouro pode ser precioso e insuperável, mais a acolhida humana
será sempre deficiente e necessitada dos “vasos de barro” paulinos. O que,
conseqüentemente, significa também abertura real às possíveis riquezas e
complementações que possam vir das mesmas. 49 (pag. 101)
3. “Teocentrismo jesuânico” e
definitividade cristã
Reconhecer isso não impede que se confesse
a “plenitude” e definitividade da revelação que nós cristãos afirmamos ter
acontecido em cristo. Mas exige que sejam buscadas – instinto – novas
categorias para sua compreensão, o que supõe sempre um processo lento e
difícil. Concretamente, creio que em relação a este ponto precisamos elaborar
hoje uma difícil dialética que, por um lado, evidencie a imprescindibilidade de
Jesus de Nazaré como pessoa histórica
e, por outro, reconheça que, no fim das contas, o centro último é sempre deus.
Daí a proposta da categoria “teocentrismo jesuânico” como uma tentativa de
juntar ambas as extremidades. (pag. 102)
3.1. Importância
constitutiva do “jesuânico”
Por outro lado, esclarece igualmente que a
revelação de cristo não se situa à margem das demais revelações. Pela
emergência e pela intensificação, esta procede desse fundo comum que é a
presença reveladora de Deus em todas as religiões. Seu ponto de partida é a
experiência religiosa humana e nunca se coloca fora dela, embora não a deixe
intacta; o que faz, com efeito, é captá-la de um modo especifico e levá-la à sua culminação.
Por isso, como já vimos, Jesus se conecta – e só assim ele próprio é
historicamente possível – com a tradição de Israel e, através dela, com a de
toda a humanidade. E por isso a missão cristã – apesar dos minutos pecados de
sua historia – sabe que chega sempre a uma casa já habitada pelo senhor, pois o
que faz é oferecer seu modo, novo e
pleno de compreender o deus único, comum
a todos. (pag. 106)
Como cristão posso – e o faço com
prazer – confessar minha convicção de que em cristo a relação viva com deus
atingiu o instransponível e o insuperável, de tal modo que nele se tornam
patentes para min. as chaves definitivas
da atitude de deus em relação ao mundo e da conseqüente conduta de nossa parte;
a ponto de eu não poder pensar que seja possível ir além daquilo que foi pro
ele descoberto. Por isso confessor que, para min não existe um teocentrismo pleno que não incluía aquilo que foi
revelado em Jesus de Nazaré, isto é, que não seja também jesuânico. (pag. 108-109)
3.2 O específico do
“teocentrismo” jesuânico
Aquilo sobre o que os cristãos no fim das
contas apóia sua convicção é a experiência de Deus com Abbá, tal como brilhou e continua brilhando através das palavras e
das obras, da vida, da morte e da ressurreição de Jesus. Essa é a glória é a
aposta da proposta cristã.
Uma proposta que só pode confiar em sua
própria força de convicção. (pag. 111-112)
Não é uma imposição arbitraria nem
soberba; na realidade, sendo ela mesma fruto daquilo que propõe, sente-se
autorizada a abrigar a humilde esperança de que possa produzir o mesmo efeito dos demais. Aquele que, através de
Jesus, descobriu que “deus é amor” (1Jo 4,8.16), isto é, que consiste em amar e em suscitar amor, tem
motivos para pensar que, mesmo dentro dos limites de sua apresentação
histórica, oferece algo no qual todos podem encontrar uma plenificação – não
necessariamente uma refutação – de sua busca religiosa. (pag.112)
Todavia, ao apresentar sua proposta neste
novo contexto, o cristão se dá conta de que também a sua própria compreensão
está sendo profundamente afetada. Como o que é proposto pelo Evangelho supera
sempre a captação e a compreensão concreta ocorridas no tempo da historia,
[...] as religiões não cristãs têm algo a oferecer, que pode muito bem ajudar
os cristãos sinceros a descobrir novos aspectos do mistério de Jesus Cristo. Deve ser conhecida e
reconhecida claramente a possibilidade de que determinados aspectos do mistério
de Cristo possam ser experimentados por não-cristãos de uma forma mais profunda
do que por muitos cristãos. O esforço em participar mediante um dialoga adequado,
na experiência religiosa dos não-cristãos pode ajudar os cristãos a aprofundar
sua própria compreensão de um mistério cuja revelação autêntica lhe tenha sido
presenteada. 70(pag. 113)
O centro último e decisivo para todos –
como, de resto, acontecia com o próprio Jesus – radica-se em Deus, o único
absoluto.
Com efeito, Jesus – da mesma forma que
Buda ou Maomé – não pregou a si mesmo; ele sempre se remeteu ao pai: a Deus e
ao seu Reinado. Jesus foi, sem sombra de dúvidas, “teocêntrico”. Por isso em
que, no momento do encontro, o que deve ser apresentado de maneira primária e
fundamental é a sua visão de deus, que desse modo entra em dialogo
com as outras visões e se deixa confrontar por elas. Partindo-se dessa
perspectiva, a “revolução copernicana”72 do pluralismo não o é tanto
assim, e a “travessia do Rubicão”73 não tem por que levar a uma
conquista do poder; e menos ainda a uma batalha de vida ou morte; pelo
contrário, seja qual for o resultado, deve-se buscar o abraço fraternal.
Assim, pois, o dialogo das religiões
obriga a revisar com absoluta seriedade o “cristocentrismo”. 76
Todavia, por sua vez, essa revisão reverte sobre o “teocentrismo” que adquire
também uma nova dimensão. O modo concreto, historicamente único, da proposta
cristã induz uma certa bipolaridade, não porque nega a primazia absoluta de
Deus, mas porque para o cristão essa primazia, em sua manifestação plena e
definitiva, apresenta-se mediada de maneira indissolúvel pela pessoa de Jesus
de Nazaré. Continua sendo verdade que “o Pai é maior do que eu” (Jo 4,14), mas
também que “quem me vê, vê o pai” (Jo 14,9). (pag.115-116)
A ressurreição tem um significado constitutivo para o ser de Jesus e para
o significado de sua revelação.
Isso, no entanto, possui um alcance
extraordinário. Pois a ressurreição já faz parte do mistério absoluto de Deus,
o que significa que a revelação de Jesus, tal como é entregue definitivamente a
humanidade, se realiza numa difícil dialética de pertença e não pertença a historia. Não pertença, porque o ressuscitado
“vai para o Pai”, escapando radicalmente da nossa compreensão adequada.
Pertença, porque, apesar de tudo, “ele permanece”, dando-se a conhecer a nós em
nossa historia e mantendo-nos abertos a plenitude em que agora ele vive.
E significa também pertença e não pertença à igreja. Pertença, porque ela é a
comunidade encarregada – não existia outra possibilidade histórica – de manter
viva sua lembrança e efetiva sua oferta. Mas também não pertença, porque aquilo
que foi aberto pelo ressuscitado supera ela mesma, que por essa razão não o
engloba nem o possui, e precisa reconhecê-lo como destinado em igual direito a todos os demais.
(pag. 119)
Notas
49
Nesse sentido são particularmente
significativas, pela lucidez e pela cordialidade, as observações de W,
Ariarajah, La Biblia y La gentes de otras
religiones. Santander, 1999, PP. 93-100, que dentre outras coisas, adverte
contra a tentação de ver a verdade da própria religião como “um lote completo”,
a ser tomado ou deixado em todos os seus elementos. Lembra que “o conceito de
‘lote’ foi um dos fatores que separara mahatma Gandhi do cristianismo como
religião” (p.99)
70
M. Vellanickal, Die kirche im Dialog MIT den religiosen und Kulturellen
Traditionen im Umfeld des Johannesevangeliums, in G. M. Soares-Prabhu (eds.), Wir warden bei ihm wohnen. Das
Johannesevangelium in indischer deutung. Freiburg, 1984, pp. 48-70; 59 (cit.
por G. neuhaus, kein Weltfrieden ohne
christlichen Absolutheitsansupruch: eine religionstheologische
Auseinandersetzung mit Hans Kung “Projekt Weltethos”. Freiburg/Basel/ Wien,
1999, p. 109; nas pp. 103-109, embora insistindo no carater absolute do cristianismo,
faz uma interessante aplicação do “cristianismo anônimo” de K. Rahner à
necessidade do enriquecimento do mútuo no dialogo.
72
É a expressão usada continuamente por J. Hick; cf., por exemplo, God Has Many Names, PP. 18; 36-39.
73 Cf. L. Swidler (ed.). Taward a
Universal Theology of religion. New
York, 1987, pp. 227-230 (cit. por J. Dupuis, Gesù Cristo incontro alle religioni. Assissi, 1989, p. 146).
76
Aqui se enraíza, sem duvida, o ponto
crítico de toda a questão, Cf. as referencias de J. Dupuls, Rumo a uma teologia cristã do pluralismo
religioso. pp. 251-294.
Capítulo 3
O encontro entre as religiões
1. Todas as religiões são
verdadeiras
O enunciado anterior
reveste-se claramente de um certo ar provocativo, mas nem por isso renuncia ao
sentido profundo que suas palavras sugerem. Desse modo, pretende situar a
reflexão a luz daquilo que foi obtido até aqui. Em relação a essa questão
concreta, vamos sistematizá-lo mais uma vez em duas idéias.
A
primeira é a presença real – salvífica
e reveladora – de Deus no coração de toda a história da humanidade; presença
que se traduz de maneira concreta nas
religiões. (pag. 168-139)
A segunda refere-se à particularidade como necessidade histórica que,
por conseguinte, não consiste em privilegiar para separar, mas em cultivar
todas as possibilidades de cada religião – em nosso caso, as presentes na
tradição bíblica, de tal modo que o que nela foi adquirido possa chegar também
a todas, da mesma forma que ela
própria permite-se ser enriquecida pelas conquistas das demais.
Se, pelo contrário,
partimos da firmação de que todas as religiões – enquanto modos específicos de
acolhida e configuração comunitária da universal presença salvífica de Deus –
são verdadeiras, o diálogo brota por si mesmo. (pag. 139)
E levando-se em conta que
nenhuma realização histórica pode jamais ser perfeita, cada religião deve
experimentar essa mesma dialética acima de tudo na forma de um dialogo dentro
dela mesma, no sentido de uma busca interna daquilo que é o melhor, num
processo de correção daquilo que é o melhor, num processo de correção e
conversão contínuas.(pag. 140)
O dialogo entre as
religiões é, por isso mesmo, decidida e sinceramente real, e, além disso, conectar-se com essa busca que cada uma delas
realiza a partir de seu interior. Aí desaparecer o espírito de competição, de
modo que se exerça tão-somente o de acolhida e de oferecimento mútuo. A
inquietude da busca deixa a descoberto a necessidade de cada uma e a
receptividade real em relação às demais, e por isso mesmo faz com que se sinta
também a urgência de compreendê-las em si
mesmas. (pag.141)
O valor das religiões por
essa razão é, de certo modo, “absoluto”, já que nelas está em jogo o destino
definitivo de seus crentes. É claro que na perspectiva cristã nós vemos sua abertura num momento
posterior, ou seja, no fato de serem intimamente chamadas, também elas, a completude com aqueles aspectos que não estão
presentes nelas e que de acordo com a nossa confissão estão presentes na
plenitude aberta por Cristo. Mas tal abertura – que a seu modo, quanto à sua
efetiva realização histórica, se dá também no cristianismo – não deve esconder
jamais que nelas Deus está real e verdadeiramente presente. O que, se na
perspectiva cristã não elimina sua incompletude – porquanto Deus não descansa
até dar-se de modo pleno-, confere-lhes em definitivo o caráter absoluto da
fidelidade incondicional de seu amor, mais forte do que toda deficiência na
efetiva realização histórica. (pag. 145-146)
2. O
novo clima do diálogo
2.1.A lógica da
gratuidade
É significativo comprovar que a própria
fenomenologia da religião mostra que toda experiência religiosa tende, pelo seu
próprio dinamismo, a ser compartilhada, e embora sempre ameaçada pelos egoísmos
particulares, sua orientação intrínseca é no sentido de uma expansão sem
fronteiras; no limite, rumo à universalidade. (pag. 147-148)
A verdade que uma religião crê ter
descoberto não a descobre para si, nem lhe pertence com exclusividade; ela a
descobre para todos e pertence igualmente aos outros: “daí de graça o que de
graça recebeste” (Mt 10,8). (pag. 148)
Cada uma tem pleno direito de considerar
como seu tudo aquilo que as outras descobriram; “sua” verdade é “minha”
verdade, assim como a minha é a sua, porque na realidade é “a verdade de deus
para todos”.
A verdade religiosa é sempre o reflexo da
plenitude de Deus no espírito humano, plenitude a qual, de nossa parte, só
podemos responder com a busca conjunta, fraternal e compartilhada. Todos
recolhendo os fragmentos de uma verdade que, refletida na finitude, é destinada
a todos.
O diálogo
não é, portanto, um capricho, mas constitui uma condição intrínseca da verdade,13 porque não é possível
aproximar-se sozinhos, fechados no egoísmo dos próprios limites, da riqueza
infinita da oferta divina.
Por isso as religiões nunca foram fatos
isolados, mas, sim, parte de um tecido muito denso de contatos e influências,
na maioria dos casos sequer conscientes. (pag. 149)
2.2 A insuficiência da
linguagem
Talvez por isso convenha inclusive ir
substituindo – ou pelo menos completando – a própria palavra “diálogo” pela
palavra “encontro” (de fato, procurei usá-la com certa freqüência). O diálogo
pode implicar a conotação de uma verdade logo pode implicar a conotação de uma
verdade que já se possui plenamente e que vai ser “negociada” com o outro, que
também já tem a sua. O encontro, pelo contrário, sugere muito mais um sair de
si, unindo-se ao outro para ir em busca daquilo que está diante de todos. (pag.
153-154)
Por isso. Da mesma forma, a resistência em
falar de “inclusivismo”, porque o que a palavra sugere é que toda a verdade dos
outros já está “dentro” (incluída) da nossa. Essa é também a razão que
justifica a adoação de uma postura de corte “pluralista”, embora, procurando
não ceder às possíveis conotações de nivelamento igualitário ou de relativismo
indiferenciado. É o que tenta explicar a categoria de “pluralismo assimétrico”, que, partindo da autocompreensão
cristã, não renuncia a afirmar que as “chaves” de tudo o que é fundamental e
necessário em nossa relação com Deus nos foram dadas de modo suficiente – e,
nesta medida, definitiva- na revelação de Cristo; mas que, nem por isso, nega a
verdadeira, salvífica e autêntica presença de Deus nas demais religiões. (pag.
154)
É preciso evitar a todo custo à tentação
reducionista de que afirmar algo como verdade implica excluir a verdade do
outro. Isso pode valer para uma linguagem estrita e formalizada, mas conduz à
deformação e à intolerância nas questões verdadeiramente humanas, as quais, por
usa íntima riqueza, não admite apenas uma perspectiva e sempre deixam de fora
aspectos que só podem ser vistos a partir de uma outra perspectiva. (pag.
154-155)
Uma teologia consciente da precariedade
histórica a qual cada etapa, cada forma e cada realização concreta do
cristianismo necessariamente impede a plenitude neles oferecida, sabe que
sempre terá muito que aprender do contato respeitoso e cordial com outras
religiões. Pois o que está em jogo não é o “em si” da comunicação de Deus, mas
o precário e relativo “para nós da recepção. E dado que esta se realiza como
encarnação na polifonia do mundo, seria pretensão ingênua, para não dizer
soberba no cristianismo; há aspectos que só a partir de fora de sua configuração concreta podem chegar-lhe e que,
justamente pela fidelidade ao Deus seu e
de todos, deve estar disposto a acolher. (pag. 157)
A diferença nunca pode traduzir-se em negação. Embora a bondade divina não seja como a nossa, nunca diremos
que deus não é bom ou que é menos bom. Do mesmo modo, é necessário
qualificar o conceito de pessoa quando o mesmo for aplicado a Deus, para
evitar, na medida do possível, qualquer confusão; mas isso não deverá ser feito
nivelando-se “por baixo”, negando-lhe ou diminuindo-lhe o caráter pessoal; pelo
contrário, será necessário acentuá-lo até uma abertura infinita. (pag. 163)
3. A
“inreligionação” como modo do encontro
3.1. Os avanços: diálogo
inter-religioso e inculturação
Acima de tudo é evidente que, por mais
diferentes que sejam os posicionamentos a respeito, em geral todas as religiões
participam de um novo clima comum, mais aberto, mais flexível, mais dialogante
e, por isso mesmo, mais arriscado, mas também mais p promissor para o futuro.
Vão aparecendo inclusive novos modelos de conceber e viver essa realização
concreta, e surgem conceitos e categorias que até agora não eram usados, ou
eram usados com uma ênfase menor. (pag. 167-168)
Dado que a fé, como toda experiência,
não pode existir em “estado puro”, devendo sempre ser interpretada já numa
cultura concreta, sua própria expansão cultural a obriga ao dialogo e ao
intercâmbio. Mesmo sem poder chegar às teorizações atuais, isso foi
compreendido – inclusive desde o começo – pelo judaísmo primeiro e pelo
cristianismo depois. (pag. 171)
Toda religião se “incultura”, pois
constitui- sempre e por necessidade intrínseca – a interpretação de uma
experiência originária. Para se tornar compreensível e poder ser vivida. Deve
encarnar-se nos “elementos culturais” das pessoas e comunidades às quais está
se apresentando. Algo que fica muito claro quando, como acontece com as
religiões universais, uma religião se estende para fora da cultura na qual
nasceu. Por que não deveria acontecer o mesmo com os “elementos especificamente
religiosos”? Por isso não é difícil ver que, ao lado- e além - da
“in-culturação”, seria necessário falar- de “in-religionação”. (pag. 176)
Isso- só isso, mas nada menos do que
isso – é o que pretende sugerir a categoria da inreligionação: assim como na “inculturação” uma cultura assume
riquezas religiosas que lhe vêm de fora, sem renunciar a ser o que ela é, o
mesmo deve acontecer no plano religioso. Uma religião, que consiste em saber-se
e experimentar-se como relação viva com deus ou com o Divino, quando percebe
algo que pode completar ou purificar essa relação, é normal que procure
incorporá-lo. Para conseguir isso não há outro caminho autentico a nãos ser
recebê-lo em e através dos elementos da sua própria vivência religiosa. Esta pode
ser aperfeiçoada ou inclusive corrigida; mas essa mesma atitude significa que
ela continua permanecendo, e que é em seu seio que assimila o novo; ela é o
meio no qual se encarna e se expressa à nova experiência. (pag. 177-178)
Creio que o adequado, e inclusive
simplesmente sensato, é manter-se aberto para esse tipo de experiências, para
ver o que elas vão dando de si, tanto na prática viva quanto na reflexão
teórica. A relação humana com o Mistério divino é tão profunda e tão ampla que
não convém confiar nos diagnósticos a priori,
e muito menos insistir neles. De todo modo, o que pode ser dito é que o
fenômeno ao qual fizemos referência é muito significativo para se ver – e
confirmar – a validade da “inreligionação” enquanto categoria operativa. (pag.
188)
4. Perspectivas
4.1. O que foi adquirido
À
base de todo o discurso esteve presente uma nova idéia da revelação, não mais concebida de maneira fundamentalista, como uma
espécie de “ditado divino” que é preciso tomar à letra, mas como um “dar-se
conta” daquilo que deus, desde sempre e sem discriminação, está tentando
comunicar a todo individuo, a toda comunidade e a toda cultura. Muito unida a
essa nova idéia, e em boa parte graças a ela, marcou presença também a
compreensão da particularidade como
uma necessidade de realização – de toda realização – histórica, a qual, apesar
de sua destinação universal, é sempre “situada” e, pela mesma razão, se torna
desigual em suas conquistas e configurações.
A
queda do exclusivismo – hoje,
felizmente, em geral por todos reconhecida – representa a conseqüência mais
saliente e de importância decisiva para o problema. Em continuidade com essa
queda, tornou-se imperioso revisar e no fim das contas abandonar a idéia da eleição como um privilegio pelo qual, de
maneira mais ou menos “voluntarista” ou “favoritista”, a divindade escolheria
alguns, decidindo deixar os restantes abandonados ou no mínimo relegados a um
segundo plano. Na nova perspectiva, o ponto de partida para o diálogo tem sido,
pelo contrario, a constatação da universal presença reveladora e salvífica de
Deus, que leva a afirmar que, a seu modo e em sua medida, todas as religiões são verdadeiras. (pag. 189-190)
A
novidade da situação, ao propor problemas até agora inéditos, fez com que se
percebesse a deficiência dos recursos até agora empregados, suscitando a busca
de novas categorias. Três foram
concretamente propostas neste nosso trabalho.
A
primeira é a de um pluralismo assimétrico.
Uma vez reconhecida e afirmada a presença universal da salvação, essa opção se
torna mais coerente. A partir dela parece possível chegar a um difícil
equilíbrio que deve dar conta de duas frentes: por um lado, manter tanto o
espírito ao valor intrínseco de todas as religiões quanto o realismo de
reconhecer a independência de seu nascimento e desenvolvimento na historia; por
outro, e também por realismo histórico e antropológico, não ceder nem ao
relativismo do “tudo é igual”, nem ao achatamento do buscar a universalidade do
mínimo denominador comum. Em qualquer processo histórico de descoberta – seja
na ciência, na filosofia ou na religião – todos vêem algo, mas nem todos o vêem
na mesma medida e com a mesma clareza. Mas o fato de alguém ver mais, ou
melhor, (nunca em todos os aspectos) não deve ser interpretado como uma
privação aos demais de sua visão própria, mas, isso sim, como uma abertura de
possibilidade de enriquecimento mútuo mediante o encontro e o dialogo. A
“lógica da gratuidade” deve substituir a “lógica da concorrência” e, como está
escrito, é preciso “dar de graça o que de graça foi recebido”.
Nesse
sentido, o trabalho assumiu a autocompreensão do cristianismo como culminação definitiva i da revelação de Deus
na historia. Insistindo, fique claro, no fato de que tal culminação não
priva nenhuma religião de sua verdade especifica, pois refere-se unicamente às
“chaves fundamentais”, não à realização concreta, a qual é sempre deficiente
por si mesma e em muitos aspectos pode estar, e de fato está, num estágio mais
avançado em outras religiões. A alusão ao dialogo Oriente-Ocidente insistiu na
importância, que a meu ver é irrenunciável, de afirmar o caráter pessoal do divino (ou, em todo caso, mais-do-que-pessoal,
nunca no sentido de negação, mas unicamente no de afirmação infinita).
Essa
autocompreensão cristã acaba sendo sem dúvida tão ousada que só pode ser feita
hoje com temor e tremor. E desde já obriga a uma revisão muito profunda da Cristologia que, seguindo o exemplo do
próprio Jesus, precisa tornar-se (mais) teocêntrica. Ao fazer isso, todavia, agora
também o realismo pede um delicado equilíbrio que, ao mesmo tempo em que
acentua a centralidade de Deus, não desvaneça o papel único e irrenunciável da
figura histórica de Jesus de Nazaré. Renunciado a entrar em especulações de
segundo ou terceiro graus, como as que se refere ao “cristo cósmico” ou ao
“logos ásarkos”, o presente trabalho optou por introduzir uma categoria – a
segunda p mais ligada aos dados controláveis: a do teocentrismo jesuânico.
Expressão
um tanto difícil, mas que procura esclarecer os dois pólos da árdua opção nesse
campo. Mantendo com clareza o teocentrismo, abre espaços para um diálogo real e
paritário com as outras religiões, às quais ninguém pode negar, em principio, o
direito à sua peculiar pretensão teocêntrica. Só depois, a posteriori, isto é, mediante o dialogo que compara as propostas e
oferece as razões, há lugar para a opção global de quem acolhe o teocentrismo
especifico que se revela na palavra e no destino do nazareno. Razões que
fundamentalmente se concentram em sua proposta de deus como Amor sem limite nem
discriminação e como perdão incondicional e, em conseqüência disso, como
fundamento de nossa relação filial com ele, bem como [nossa relação] de amor e
serviço com os demais.
Esse
esforço pelo equilíbrio estende-se para a terceira das categorias adotadas: a
da inreligionação, a qual, reconhecendo
o avanço pressuposto pela categoria da “inculturação”, evidencia a necessidade
de dar um passo a mais. O perigo está de fato, em pensar, que é suficiente
respeitar a cultura, mesmo suprimindo-se a religião. Isso, a partir do
paradigma adotado, equivalente muito claramente a desmedida pretensão de
suprimir uma presença real de Deus no mundo. Na verdade, embora o nome não
apareça – só tiver conhecimento de uma exceção em que foi usado-, a realidade
expressa por esse nome tem uma presença marcante tanto na teologia quanto na
espiritualidade.
Partindo-se
da visão assim configurada, convém agora lançar o olhar para a situação atual,
procurando ver algo daquilo que pode ser futuro do encontro entre as religiões.
(pag. 190-193)
Nenhum comentário:
Postar um comentário