(Sobre a Eucaristia)
Aquilo que agora vocês estão vendo sobre o altar de
Deus, já o viram a noite passada porem ainda não falamos o que coisa é e o que
significa e que profundos mistérios e ensinamentos escondem.
O que vocês vêem, pois? Um pão e um cálice: dos quais
são testemunhos os vossos mesmos olhos, embora, para a ilustração da vossa fé,
dizemos que este pão é o corpo de Cristo e o cálice seu mesmo sangue. Tem aqui
a verdade em duas palavras e pode ser suficiente pela fé, mas a fé requere
conhecimento, deseja instruir-se; é assim que fala o profeta: “Não entendereis se vocês não acreditareis”
( Is 7,9).
Agora vocês poderão dizer-me: “Pode nos pedir de crer,
explica para nós para que possamos entender”. Talvez surja em alguém esta
idéia: “Sabemos perfeitamente de onde tomou a sua carne Nosso Senhor Jesus
Cristo: da Virgem Maria, quando menino, foi amamentado e, alimentando-se, foi
crescendo, se fez homem, foi perseguido pelos judeus pendurando-o no madeiro e
no madeiro morreu. Desceu da cruz, foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia,
apareceu e subiu ao céu levando pra lá o seu corpo. Daqui verá para julgar os
vivos e os mortos e agora está sentado a direita de Deus Pai...” Como pode este
pão ser o seu corpo? E este cálice – ou melhor, o que ele contem – como pode
ser o seu sangue?
Estas coisas, meus irmãos, chamem-se sacramentos
precisamente porque uma coisa dizem aos olhos e outra á inteligência.
O que os olhos vêem tem aparências corporais, porem
encerram uma graça espiritual.
Se quereis entender o que es o corpo de Cristo escutai o Apostolo; vê o
que ele diz para os fieis: “Vós sois o
corpo de Cristo e os seus membros ( 1Cor 12,27). Se pois vós sois o corpo e
os membros de Cristo, o que está sobre a santa mesa é um símbolo de vós mesmos,
o que recebeis é o vosso mesmo emblema. Vós mesmos o reafirmais ao responder:
Amém. Se dissemos: eis aqui o corpo de Cristo, e vós respondeis: Amém; assim é.
Sois, pois, membros de Cristo para responderem com verdade: Amém. E porque
atrás das aparências do pão? Não acrescentamos nada de nosso. É o Apostolo que
diz, falando acerca deste sacramento: “Embora
muitos em numero, somos um só pão, um só corpo” (1 Cor, 10,17). Entende
isso e regozija-te! Oh unidade! Oh Verdade! Oh Piedade! Oh caridade! Um só pão.
Que pão é este? Um só corpo.
Recorda-te que o mesmo pão não se formou de um só
grão, mas de muitos. Quando recebestes os exorcismos, estáveis, na maneira de
falar, de baixo da mola do moinho; quando recebestes o Batismo fostes
triturados em massa e, de certo modo, o fogo do Espírito Santo vos cozinhou.
Sedes o que vedes e recebeis o que sois. É isso que o apostolo disse sobre este
pão.
E a respeito do cálice, embora não disse nada, o
deixou entrever. Para formar esta aparência sensível do pão, se conglutinou,
mediante a água, a farinha de muitos grãos, símbolo do que a escritura dizia
dos primeiros fieis: “Só tinham um só
coração e uma só alma em Deus” ( At 4,32).
Assim acontece com o vinho. Lembram, irmãos, como se
faz. Muitos grãos penduram formando um galho, porem o licor dos grãos se
confunde em um só.
Tal é o modelo que nos deu o nosso Senhor Jesus
Cristo; assim é como quis nos unir á sua pessoa e consagrou sobre a sua mesa o
mistério simbólico da paz e união que deve reinar entre nós.
Que recebe o mistério da unidade e não tem o vinculo
da paz, não recebe um mistério que lhe seja de proveito mas sim um sacramento
que o condena.
Voltados pois, a Deus Nosso Senhor, Pai Todo-
poderoso, com pureza de coração e á medida escassa da nossa possibilidade, lhe
demos grandíssima e sincerissima graça, suplicando com muito empenho a sua
incomparável bondade, se digne de ouvir com gratidão as nossas orações e
afastar com seu poder das nossas obras e pensamentos a influencia do inimigo; e
nos acrescente a fé, e governe o nosso espírito, e nos dê pensamentos
espirituais, nos guie e leve á bem-aventurança em nome de Jesus Cristo, seu
Filho. Amem.
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