quinta-feira, 9 de outubro de 2025

PÓS-HUMANISMO

 




Paolo Cugini

 

O termo pós-humanismo designa uma multiplicidade de perspectivas críticas ligadas a campos de estudo e objetos de pesquisa diversos, que convergem na contestação dos axiomas fundadores do pensamento ocidental, em particular dos pressupostos dualistas e antropocêntricos atribuíveis à filosofia do Humanismo. Segundo Stefano Rozzoni, a chave do debate pós-humanista é “a investigação crítica sobre o conceito de ‘homem’, com o objetivo de superar o hábito intelectual que o coloca ‘no centro do universo’ ou como ‘medida de todas as coisas’” (Rozzoni, 2021, p. 67). Na verdade, o pós-humanismo busca uma visão voltada para desmontar as hierarquias e as discriminações implícitas que esse conceito possui, (re)posicionando o ser humano dentro de uma ampla e complexa rede de relações com outros entes orgânicos e inorgânicos (incluindo animais, vegetais, minerais, mas também a tecnologia), com os quais constitui um unicum pluralista e horizontal.

No debate acadêmico contemporâneo, ‘pós-humano’ tornou-se, portanto, um conceito-chave, capaz de enfrentar a urgência de uma redefinição integral da noção de humano, determinada pelos desenvolvimentos onto-epistemológicos, bem como pelos avanços científicos e biotecnológicos dos séculos XX e XXI. A filósofa italiana Francesca Ferrando, em um artigo de síntese sobre o fenômeno em questão, afirmou que:

O cenário filosófico que se delineou compreende diferentes movimentos e escolas de pensamento teórico e metodológico, tanto entre o público especializado quanto entre o público geral. O termo ‘pós-humano’ é, de fato, usado como um termo guarda-chuva para indicar: o Postumanismo (Filosófico, Cultural e Crítico); o Transumanismo (em suas variantes, como: o Estropianismo, o Transumanismo Liberal e o Transumanismo Democrático, entre outras correntes); o Novo Materialismo (uma abordagem feminista específica dentro da moldura pós-humanista); o panorama heterogêneo do Antihumanismo; as Pós-humanidades e as Metahumanidades (Ferrando, 2017, p. 137).

As áreas mais confusas de significado são aquelas compartilhadas pelo pós-humanismo e pelo Transumanismo, e é sobre isso que pretendo focar a atenção. Segundo Gilbert Hottois, os termos "transumanismo" e pós-humanismo devem ser diferenciados de "transumano" e "pós-humano" (Hottois, 2017, p. XXXIV). O primeiro par refere-se a posições teóricas – filosofia, ideologia, doutrina – caracterizadas por sua relação com as tradições humanistas e por sua reinterpretação da humanidade e de seu futuro. Essas posições têm um significado normativo e prático atual, pois incentivam ou dificultam programas de pesquisa tecnocientífica e formas de sociedade. Ainda segundo Hottois, a confusão que envolve o uso de "transumanismo" e pós-humanismo é frequentemente causada pela falta de reflexão crítica (Hottois, 2017, XXXI). No entanto, ela é conscientemente abraçada por aqueles que tratam "transumanismo" e pós-humanismo como sinônimos ou quase sinônimos, convencidos de que, a longo prazo, o futuro do transumano é o pós-humano. É necessário, portanto, distinguir minimamente os termos.

Em primeiro lugar, o transumanismo em sentido estrito incentiva, de forma voluntária, o aprimoramento e aumento (potencialização) das capacidades individuais (físicas, cognitivas, emocionais), utilizando tecnologias materiais por tempo indeterminado. Essa definição obviamente não exclui o uso de técnicas tradicionais de aprimoramento simbólico para o indivíduo e para a sociedade (educação, moralidade, direito e instituições democráticas em geral); não exclui a necessidade de alguma regulamentação do uso individual de técnicas de aprimoramento, levando em conta os riscos (saúde, segurança, etc.) e certos valores (igualdade, justiça, bem comum, etc.). Eis uma breve definição de transumanismo: "O transumanismo é um movimento filosófico e cultural que se dedica a promover formas responsáveis de utilizar as tecnologias para melhorar as capacidades humanas e ampliar o alcance do bem-estar humano". O horizonte filosófico geral do transumanismo é evolucionista, utilitarista e pragmático. Esforça-se para articular o paradigma da evolução e as exigências éticas.

Em segundo lugar, o uso de "transumanismo" ("transumano") e pós-humanismo ("pós-humano") como (quase) sinônimos. O uso mais significativo é o pós-humanismo do aprimoramento transumanista "extremo" que, a longo prazo, levaria ao fim da espécie humana.

Além disso, é importante ressaltar os vários usos de pós-humanismo que criticam certos aspectos do humanismo, especialmente o humanismo progressista individualista moderno. Nesse processo, esse pós-humanismo também denuncia o transumanismo como uma ideologia que perpetua ou até exacerba essa Modernidade. Dedicado à crítica ideológica e cultural, próximo às ciências humanas, esse pós-humanismo presta atenção muito heterogênea às tecnociências. Não conduz para fora da humanidade, muito menos para fora da espécie humana, pois estende o humanismo ao denunciar seus preconceitos e ilusões.

Por fim, destaco um pós-humanismo centrado na tecnociência e em seu alcance evolutivo autônomo, que antecipa o desaparecimento da espécie humana. Este é o pós-humanismo da substituição da espécie humana e da "tecnoevolução".

Essas novas espécies pós-humanas não passariam pela fase transumana porque a perspectiva não é mais o aprimoramento dos humanos, mas sua substituição deliberada ou acidental por entidades superiores capazes de se reproduzir e aperfeiçoar – em resumo, de evoluir autonomamente (Hottois, 2017, XXXVI). Surgido em meados do século XX, esse pós-humanismo concentrou-se inicialmente na cibernética, na pesquisa em IA (Inteligência Artificial), robótica e nas TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação). Agora a pesquisa inclui ciências cognitivas, nanotecnologia e biologia sintética. Esse pós-humanismo autônomo é explicitamente evolucionista, muitas vezes indiferente ou hostil ao humanismo considerado conservador ou reacionário. É hiper-tecnófilo, por vezes com nuances misantrópicas.

Ray Kurzweil (2007) é talvez a figura que melhor ilustra o trans/ pós-humanismo, a interligação entre trans- e pós-humano. Kurzweil anuncia o início de uma era que se estende e rompe com a humanidade, realizando sua fusão com a tecnologia e continuando a evolução que já ultrapassou inúmeras barreiras "singulares", como o surgimento da vida, a reprodução sexual ou a linguagem articulada.

No seu livro sobre Superinteligência (SI) – a forma mais frequentemente esperada da SingularidadeNick Bostrom (2014) esclarece o conceito, detalha os tipos de pesquisa tecnocientífica que podem levar à SI, identifica seus riscos e imagina como enfrentá-los. Sua premissa é que, a ascensão autônoma de uma Superinteligência artificial, consciente e voluntária, uma vez que atinja o nível da inteligência humana, será deslumbrante (explosão de inteligência); ele também postula que o advento da SI é iminente. A antecipação dos riscos associados à ascensão de uma SI é inspirada simultaneamente pela imaginação antropomórfica (SI guiada por uma vontade de poder hegemônico) e pela consciência dos limites do antropomorfismo: a SI poderia perseguir objetivos radicalmente estranhos e incompreensíveis para a razão e a sensibilidade humanas. Esses riscos são graves, existenciais: ameaçam a perpetuação da humanidade. O tema central de Bostrom é examinar as medidas que podem ser adotadas para preveni-los: como podemos conter, controlar e educar contra a SI? Diante da insuficiência dos meios atualmente concebíveis, ele conclui que a prudência exige abster-se de continuar investindo em pesquisa e desenvolvimento em caminhos que possam levar à SI e, ao invés disso, buscar retardar seu advento (Nick Bostrom, 2014, p. 379-413).

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

BRAIDOTTI, ROSI. O Pós-Humano. A vida para além do indivíduo, da espécie, da morte

  . Vol. 1. Lavis (TN): DeriveApprodi, 2014.   A imagem do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, é o símbolo da doutrina do humanismo, que...