O termo pós-humanismo designa
uma multiplicidade de perspectivas críticas ligadas a campos de estudo e
objetos de pesquisa diversos, que convergem na contestação dos axiomas
fundadores do pensamento ocidental, em particular dos pressupostos dualistas e
antropocêntricos atribuíveis à filosofia do Humanismo. Segundo Stefano Rozzoni,
a chave do debate pós-humanista é “a investigação crítica sobre o conceito de
‘homem’, com o objetivo de superar o hábito intelectual que o coloca ‘no centro
do universo’ ou como ‘medida de todas as coisas’” (Rozzoni, 2021, p. 67). Na
verdade, o pós-humanismo busca uma visão voltada para desmontar as hierarquias
e as discriminações implícitas que esse conceito possui, (re)posicionando o ser
humano dentro de uma ampla e complexa rede de relações com outros entes
orgânicos e inorgânicos (incluindo animais, vegetais, minerais, mas também a
tecnologia), com os quais constitui um unicum pluralista e horizontal.
No debate acadêmico
contemporâneo, ‘pós-humano’ tornou-se, portanto, um conceito-chave, capaz de
enfrentar a urgência de uma redefinição integral da noção de humano,
determinada pelos desenvolvimentos onto-epistemológicos, bem como pelos avanços
científicos e biotecnológicos dos séculos XX e XXI. A filósofa italiana
Francesca Ferrando, em um artigo de síntese sobre o fenômeno em questão,
afirmou que:
O cenário filosófico que se
delineou compreende diferentes movimentos e escolas de pensamento teórico e
metodológico, tanto entre o público especializado quanto entre o público geral.
O termo ‘pós-humano’ é, de fato, usado como um termo guarda-chuva para indicar:
o Postumanismo (Filosófico, Cultural e Crítico); o Transumanismo (em suas
variantes, como: o Estropianismo, o Transumanismo Liberal e o Transumanismo
Democrático, entre outras correntes); o Novo Materialismo (uma abordagem
feminista específica dentro da moldura pós-humanista); o panorama heterogêneo
do Antihumanismo; as Pós-humanidades e as Metahumanidades (Ferrando, 2017, p.
137).
As áreas mais confusas de
significado são aquelas compartilhadas pelo pós-humanismo e pelo Transumanismo,
e é sobre isso que pretendo focar a atenção. Segundo Gilbert Hottois, os termos
"transumanismo" e pós-humanismo devem ser diferenciados de
"transumano" e "pós-humano" (Hottois, 2017, p. XXXIV). O
primeiro par refere-se a posições teóricas – filosofia, ideologia, doutrina –
caracterizadas por sua relação com as tradições humanistas e por sua reinterpretação
da humanidade e de seu futuro. Essas posições têm um significado normativo e
prático atual, pois incentivam ou dificultam programas de pesquisa
tecnocientífica e formas de sociedade. Ainda segundo Hottois, a confusão que
envolve o uso de "transumanismo" e pós-humanismo é frequentemente
causada pela falta de reflexão crítica (Hottois, 2017, XXXI). No entanto, ela é
conscientemente abraçada por aqueles que tratam "transumanismo" e pós-humanismo
como sinônimos ou quase sinônimos, convencidos de que, a longo prazo, o futuro
do transumano é o pós-humano. É necessário, portanto, distinguir minimamente os
termos.
Em primeiro lugar, o
transumanismo em sentido estrito incentiva, de forma voluntária, o
aprimoramento e aumento (potencialização) das capacidades individuais (físicas,
cognitivas, emocionais), utilizando tecnologias materiais por tempo
indeterminado. Essa definição obviamente não exclui o uso de técnicas
tradicionais de aprimoramento simbólico para o indivíduo e para a sociedade
(educação, moralidade, direito e instituições democráticas em geral); não
exclui a necessidade de alguma regulamentação do uso individual de técnicas de
aprimoramento, levando em conta os riscos (saúde, segurança, etc.) e certos
valores (igualdade, justiça, bem comum, etc.). Eis uma breve definição de
transumanismo: "O transumanismo é um movimento filosófico e cultural que
se dedica a promover formas responsáveis de utilizar as tecnologias para
melhorar as capacidades humanas e ampliar o alcance do bem-estar humano".
O horizonte filosófico geral do transumanismo é evolucionista, utilitarista e
pragmático. Esforça-se para articular o paradigma da evolução e as exigências
éticas.
Em segundo lugar, o uso de
"transumanismo" ("transumano") e pós-humanismo
("pós-humano") como (quase) sinônimos. O uso mais significativo é o pós-humanismo
do aprimoramento transumanista "extremo" que, a longo prazo, levaria
ao fim da espécie humana.
Além disso, é importante
ressaltar os vários usos de pós-humanismo que criticam certos aspectos do
humanismo, especialmente o humanismo progressista individualista moderno. Nesse
processo, esse pós-humanismo também denuncia o transumanismo como uma ideologia
que perpetua ou até exacerba essa Modernidade. Dedicado à crítica ideológica e
cultural, próximo às ciências humanas, esse pós-humanismo presta atenção muito
heterogênea às tecnociências. Não conduz para fora da humanidade, muito menos
para fora da espécie humana, pois estende o humanismo ao denunciar seus
preconceitos e ilusões.
Por fim, destaco um pós-humanismo
centrado na tecnociência e em seu alcance evolutivo autônomo, que antecipa o
desaparecimento da espécie humana. Este é o pós-humanismo da substituição da
espécie humana e da "tecnoevolução".
Essas novas espécies
pós-humanas não passariam pela fase transumana porque a perspectiva não é mais
o aprimoramento dos humanos, mas sua substituição deliberada ou acidental por
entidades superiores capazes de se reproduzir e aperfeiçoar – em resumo, de evoluir
autonomamente (Hottois, 2017, XXXVI). Surgido em meados do século XX, esse pós-humanismo
concentrou-se inicialmente na cibernética, na pesquisa em IA (Inteligência
Artificial), robótica e nas TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação).
Agora a pesquisa inclui ciências cognitivas, nanotecnologia e biologia
sintética. Esse pós-humanismo autônomo é explicitamente evolucionista, muitas
vezes indiferente ou hostil ao humanismo considerado conservador ou
reacionário. É hiper-tecnófilo, por vezes com nuances misantrópicas.
Ray Kurzweil (2007) é talvez a
figura que melhor ilustra o trans/ pós-humanismo, a interligação entre trans- e
pós-humano. Kurzweil anuncia o início de uma era que se estende e rompe com a
humanidade, realizando sua fusão com a tecnologia e continuando a evolução que
já ultrapassou inúmeras barreiras "singulares", como o surgimento da
vida, a reprodução sexual ou a linguagem articulada.
No seu livro sobre
Superinteligência (SI) – a forma mais frequentemente esperada da Singularidade
– Nick Bostrom (2014) esclarece o conceito, detalha os tipos de pesquisa
tecnocientífica que podem levar à SI, identifica seus riscos e imagina como
enfrentá-los. Sua premissa é que, a ascensão autônoma de uma Superinteligência
artificial, consciente e voluntária, uma vez que atinja o nível da inteligência
humana, será deslumbrante (explosão de inteligência); ele também postula que o
advento da SI é iminente. A antecipação dos riscos associados à ascensão de uma
SI é inspirada simultaneamente pela imaginação antropomórfica (SI guiada por
uma vontade de poder hegemônico) e pela consciência dos limites do
antropomorfismo: a SI poderia perseguir objetivos radicalmente estranhos e
incompreensíveis para a razão e a sensibilidade humanas. Esses riscos são
graves, existenciais: ameaçam a perpetuação da humanidade. O tema central de
Bostrom é examinar as medidas que podem ser adotadas para preveni-los: como
podemos conter, controlar e educar contra a SI? Diante da insuficiência dos
meios atualmente concebíveis, ele conclui que a prudência exige abster-se de
continuar investindo em pesquisa e desenvolvimento em caminhos que possam levar
à SI e, ao invés disso, buscar retardar seu advento (Nick Bostrom, 2014, p.
379-413).
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