quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Por uma hermenêutica em perspectivas de transcendência

 




(aulas de filosofia de religião)

 

Paolo Cugini

 

 

1. A hermenêutica ontológica da experiência religiosa em L. Pareyson

 

A verdade se oferece só na interpretação e então o único método filosófico é o hermenêutico. A interpretação originaria da realidade é dada no mito e no símbolo.

 

O mito é a interpretação primigenia da verdade como cada homem é a si mesmo, é a verdade como ela fala a si mesmo a cada um, é a memória da origem... é a mesma revelação do ser, da verdade, da divindade: é Deus como fala ao homem, é Deus que fala ao homem”[1].

 

Por essa razão o mito não pode ser contraposto á verdade, ou á razão, pois se apresenta como experiência de realidade na forma de uma narração de fatos. Neste sentido a filosofia é uma interpretação de segundo nível, que reconhece a originalidade pre-filosófica do se oferecer da verdade no mito. Como interpretação do mito a filosofia hermenêutica:

 

“deve se abster de uma demitização que entenda substituir o lógos ao mito ou traduzir o conteúdo em forma filosófica. Ela tem a tarefa de respeitar o mito, guardando o caráter revelativo, consciente que ele diz coisas que não podem serem ditas que naquela maneira e que é importante pela mesma filosofia que sejam ditas”[2].

 

O pensamento hermenêutico não destrói o mito, mas continua a questioná-lo, porque ele revele o próprio significado, com uma “interpretação infinita” que nunca tem a pretensão de podê-lo explicar plenamente.

 

Pareyson considera o mito como a verdade “na única maneira em que esta se deixa prender, capturar, ou seja com um escondimento que, por isso mesmo é irradiante e revelativo”[3].

 

O símbolo revela não apenas a transcendência, mas também o fato que não é representável.  É este dato revelativo do símbolo que o diferencia seja do conceito que da metáfora e também da analogia.

O fato que não é possível separar o elemento físico do transcendente, a indeterminateza entre significado e significante, que caracteriza o símbolo. O rende idôneo a expressar a inalcançável transcendência de Deus e a sua deslumbrante manifestação e proximidade, melhor de qualquer outra linguagem.

Outro dato importante do símbolo que Pareyson sublinha é o seguinte:

 

“o símbolo não se limita a representar um objeto através uma alusão, mas sim diretamente: o símbolo é a mesma realidade presente e viva. E é este se fazer presente, esta radical identidade, que chamamos unidade tautegorica, a qual faz sim que no símbolo esteja presente aquilo que não pode estar presente de outra forma e que por isso seja essencialmente manifestação e revelação”[4].

 

 

2. A hermenêutica da religião como relação ética em Lévinas

 

Lévinas pensou o relacionamento de Deus com o homem como uma relação capaz de salvar a absoluta alteridade de Deus sem, porém, anular o relacionamento com o finito. Secundo Lévinas a filosofia Ocidental foi na verdade uma ontologia: uma redução do Outro ao Mesmo. Secundo Lévinas o relacionamento religioso não pode ser colocado só no plano conceitual. Lévinas aponta no relacionamento ético a profecia de uma alteridade escatológica. O autor apresenta algumas modalidades que rompem a estrutura de totalidade típica do pensamento representativo.

 

1.      À raiz do pensamento existe a linguagem, pois ele instaura uma relação que impede e reduzir o outro a objeto e acontece “cara a cara”, que é contestação radical de qualquer dominação sobre o outro.

2.      Desejo do absolutamente Outro, cuja fonte é a idéia do infinito em nós. Este desejo não tem no sujeito a sua origem, mas é uma aspiração animada por uma alteridade livre de intencionalidade. Este desejo é o desejo metafísico do bem.

 

O relacionamento com os Outros se institui a partir da experiência do rosto. O rosto dos Outros resiste subtraendo-se a qualquer tentativa de possesso e de poder por parte do Mesmo. Por isso Lévinas sustenta que a dimensão do divino se abre a partir do rosto humano[5].  O outro homem é indispensável no relacionamento com Deus, pois é a partir da epifania do seu rosto que Deus se revela. A mesma Palavra de Deus permanece uma abstração até quando não é iluminada e enchida de conteúdos, que resultam da relação de proximidade responsável com o outro homem.

Esta relação com outros (biblicamente falando o pobre, o estrangeiro) não é erótica, pois o amor tende a se mudar em necessidade, mas ética, ou seja, não de sujeito a sujeito, mas de pessoa a pessoa, com uma forte ligação de responsabilidade.

Reconhecer isso não deve levar a identificar Deus com o outro homem, pois a alteridade divina precede e Fonda aquela dos Outros. Ele é ao fundo do Tu, e permanece transcendente até a essência.

O homem pode entrar em relacionamento com a absoluta transcendência de Deus só de forma indireta, através a relação ética. Isso significa que “a ética não é um momento do ser, mas é além e melhor do ser”[6].

 

3. A hermenêutica escatológica dos símbolos do sagrado: Paul Ricoeur

 

Secundo Ricoeur a subjetividade deve renunciar a pretensão de se por qual origem do sentido e aceitar de reencontrar-se através a compreensão dos sinais e dos símbolos aonde a vida se expressa.

 

“A consciência não é imediata, mas sim mediada; ela não é uma fonte, mas uma tarefa, a tarefa de se tornar mais consciente”[7].

 

Ricoeur critica Freud pela sua análise redutiva do símbolo. De fato, o símbolo não possui somente uma dimensão arquepatica, ou seja, de regressão da consciência rumo ao inconsciente, mas tem também uma dimensão teleológica, uma progressão rumo a o desenvolvimento da consciência.

O símbolo, segundo Ricoeur, é o lugar do encontro entre a arqueologia e a teleologia, entre progressão e regressão. Esta é claramente uma crítica a todas as formas de hermenêuticas da suspeita, com hermenêuticas redutivas, que colhem somente um aspecto da complexa realidade do simbolismo religioso.

Uma hermenêutica dos símbolos deve sempre percorrer as duas direções da arché e do télos. A existência é desejo e esforço.

Não é suficiente que o sujeito descubra a fraqueza da própria condição, mas precisa que ele descubra também o próprio devir consciente, como um desenvolvimento do sentido da própria consciência, que não pertence exclusivamente a ele. É isso que anunciam os símbolos do Sagrado:

 

“Uma arqueologia e uma teleologia desvendem ainda uma arqué e um télos, cujo sujeito, entndendo-os, pode dispor. Não acontece a mesma coisa com o sagrado anunciado numa fenomenologia da religião. O sagrado designa o Alfa de toda arqueologia e o Omega de toda teleologia; deste alfa e deste Omega o sujeito sabe que pode dispor. O Sagrado interpela o homem e, neste chamado, se anuncia como aquele que dispõe da sua existência, pois o põe em absoluto, como esforço e como desejo do ser”[8].

 

Os símbolos do Sagrado não oferecem um saber absoluto, mas prometem uma tensão escatológica. Eles anunciam uma plenitude de sentido que é oferecida ao sujeito como absoluta novidade que interpela e orienta o viver. Os símbolos são a “profecia da consciência”, pois “manifestam a dependência do Si de uma raiz absoluta de existência e de significação, de um eschaton, de um ponto final rumo ao qual são dirigidas as figuras do espírito”[9].

De qualquer forma, porém, os sentidos mais proféticos do Sagrado são sempre enxertados sobre alguns rastos do mito arcaico. Por causa deste entrelaçamento entre dado arqueológico e escatológico, a profecia da consciência fica sempre “ambígua e equivoca, pois nunca somos seguros que um certo símbolo do Sagrado não seja também uma volta ao removido”[10].

Os símbolos do sagrado, segundo Ricoeur, sinalizam algo de ulterior sobre o sujeito humano, um comprimento escatológico que coincide com a sua mesma origem. O Totalmente Alheio da escatologia de Ricoeur permanece além da história. “O homem, cada homem, não pertence nunca totalmente a si mesmo, a alteridade é inscrita na identidade do homem, como no tempo que ele vive”[11].

Na hermenêutica de Ricoeur os símbolos religiosos desvendem a lógica do sentido da existência e colocam o homem perante uma possibilidade nova quanto antiga compreensão de si, que foge de qualquer falsa certeza e de toda pretensão de onipotência.



[1] L. Pareyson, Ontologia della libertá, Einaudi, Torino, 1995. p.141.

[2] Ivi, p. 61.

[3] Ivi. 163.

[4] Ivi, p. 102-103.

 

 

[5]Cf.  E. LÉVINAS, Totalitá e infinito, Jaca Book, Milano 1996, p. 76.

[6] Ivi p. 296.

[7] P.RICOEUR, il conflitto delle interpretazioni,  Jaca Book, Milano 1986, p. 339.

[8] Ivi, pp. 35-36.

[9] Ivi, p. 347.

[10] Ivi, p. 348.

[11] Ivi, p. 313.

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