Ed.companhia das letras, são Paulo
2010
Síntese: Paolo Cugini
Digitação: Carine almeida Souza
1. confissão
religiosa e estratificação social
Basta uma vista de olhos pelas estatísticas ocupacionais de um país
pluriconfessional para constatar a notável freqüência de um fenômeno por diversas vezes vivamente discutivo na
imprensa e na literatura católica bem como nos congressos católicos da
Alemanha: o caráter predominante protestante dos proprietários do capital e
empresários, assim como das camadas superiores da mão de obra qualificada,
notadamente do pessoal de mais alta qualificação técnica ou comercial das
empresas modernas. (p. 29)
Mas aí se levanta a questão histórica: qual a razão dessa predisposição
particularmente forte das regiões economicamente mais desenvolvidas para uma
revolução na igreja. (p. 30)
Não um excesso, mas uma insuficiência de dominação
eclesiástico-religiosa da vida era justamente o que aqueles reformadores, que
surgiram nos países economicamente mais desenvolvidos, acharam de criticar.
Como explicar então que naquela época tenham sido justamente esses países
economicamente mais desenvolvidos e, como ainda veremos, dentro deles
preciosamente as classes [médias] “burguesas”, então economicamente emergentes,
que não só agüentaram aquela tirania puritana [que até então lhes era desconhecidas],
mas também desenvolveram, em defesa dela, um heroísmo que as classes burguesas
enquanto tais raramente haviam conhecidos antes e jamais viriam a conhecer
depois: “the last of our heroisms” {o último de nossos heroísmo} como diz carlyle não sem
razão? (p.31)
Que também entre os bacharelados católicos
a porcentagem daqueles que saem dos estabelecimentos modernos, realymnasien, real-schulen,
hohere Burgerschulen ., especialmente destinados e orientados a preparar para
os estudos técnicos e as profissões comerciais e industriais, em poucas
palavras, para a vida burguesa de negócios, fique uma vez mais notavelmente
muito atrás da dos protestante, e que a formação oferecida pelos Gymnasien
humanístico tenha a preferência dos católicos – esse é um fenômeno que não fica
explicado pela diferença de fortunas, mas, pelo contrário, é a ele que se deve
recorrer pra explicar, por sua vez, o reduzido interesse dos católicos pela
aquisição capitalista. (p. 32)
O maior “estranhamento do mundo” próprio
do capitalismo, os traços ascéticos que os seus mais elevados ideias
apresentam, deveriam educa os seus fiéis a uma indiferença maior pelos bens
deste mundo. (p. 34)
De fato notável – para começar a mencionar
alguns aspectos totalmente exteriores- que grande número de representantes
precisamente das formas mais internalizadas da piedade cristã tenha vindo dos
círculos comerciantes. É o caso em especial do pietismo, que deva essa
procedência um número notavelmente grande de seus adeptos mais convictos. (p.
36)
Toda uma gama de relações possíveis se
ergue perante nós, ainda obscuras, tão logo levantamos a questão nesses termos.
A missão há de ser, então, a de formular, com a máxima nitidez possível em meio
a inesgotável multiplicidade que se aloja em cada fenômeno histórico, o que
aqui vislumbramos assim, sem nitidez. Mas para chegar a tento teremos que
necessariamente abandonar o terrenos das vagas representações gerais com que
operamos ate aqui e tentar penetrar a peculiaridade característica e as
diferenças desses vastos mundos de pensamentos religiosa que se oferecem a nos,
historicamente,
nas diversas manifestações da religião cristã. (p. 39)
Antes, porém, é preciso anda chamar a atenção: primeiro, quanto á
peculiaridade do objeto que se trata de explicar historicamente; em seguida,
quanto ao sentido em que semelhante explicação é possível no quadro desta
pesquisa. (p. 39)
2. O
“espírito” do capitalismo
Todas as advertências morais de Franklin são de cunho utilitário: a
honestidade é útil porque traz credito, e o mesmo se diga da pontualidade, da
frugalidade também, e é por isso que são virtudes: donde se conclui, por
exemplo, entre outras coisas, que se a aparência de honestidade faz o mesmo
serviço, é o quanto basta, e um excesso desnecessário de virtude haveria de
parecer, aos olhos de Franklin, um desperdício improdutivo condenável. (p. 45 e46)
Não apenas o caráter pessoal de Benjamin Franklin, tal como vem á luz na
sinceridade entretanto rara de sua autobiografia, mas também a circunstância de
que ele atribuiu o fato mesmo de haver descoberto a “utilidade” da virtude a
uma revelação de Deus, cuja vontade era destiná-lo á virtude, mostram que aqui
nos estamos as voltas com algo bem diverso de um florilégio de máximas
puramente egocêntricas. Acima de tudo, este é o summum bonum dessa “
ética”:ganhar dinheiro e sempre mais dinheiro, no mais rigoroso resguardo de
todo gozo imediato do dinheiro ganho, algo tão completamente despido de todos
os ponto de vista eudemonistas ou mesmo hedonista e pensando tão exclusivamente
como fim em si mesmo, que, em comparação com a “felicidade” do individuo ou sua
“utilidade”, aparece em todo caso como inteiramente transcendente e simplesmente
irracional. O ser humano em função do ganho como finalidade da vida, não mais o
ganho em função do ser humano como meio destinado a satisfazer suas
necessidades materiais. Essa inversão da ordem. Por assim dizer, “natural” das
coisas, totalmente sem sentido para a sensibilidade ingênuos, é tão
manifestamente e sem reservas um Leitmotiv do capitalismo, quanto é estranha a
quem não foi tocado por seu bafo. (p. 46
e 47)
Mas implica ao mesmo tempo uma gama de sensações que tocam de perto
certas representações religiosas. Se alguém pergunta: por que afinal é preciso
“fazer das pessoas dinheiro”, Benjamin Franklin, embora fosse ele próprio de
confissão palidamente deísta, responde em sua autobiografia com um versículo
bíblico do livro dos provérbios (Pr 22, 29) que seu pai, calvinista estrito,
conforme ele conta, não se cansava de lhe pregar na juventude: “Vês um homem
exímio em sua profissão? Digno ele é de apresentar-se perante os reis”. Na
ordem econômica moderna, o ganho de dinheiro- contanto que se dê de forma
legal- é o resultado e a expressão da habilidade, é fácil reconhecer na
passagem citada como em todos os seus escritos sem exceção, constitui o
verdadeiro alfa e ômega da moral de Franklin. (p. 47)
A diferença entre “espírito” capitalista e pré-capitalista não reside
neste ponto, não: a cupidez do mandarim chinês, do aristocrata da Roma antiga,
do latifundiário moderno resiste a toda comparação. E auri sacra fames do
cocheiro ou do baracaiuolo napolitano ou ainda do representante asiático de
semelhantes atividades, mas também a do artesão da Europa do sul ou dos países
asiáticos se expressa, como qualquer um pode constatar por si mesmo, de uma
forma extraordinariamente mais aguçada e em particular menos escrupulosa do
que, digamos, a de um inglês em igual situação. (p. 49 e 50)
Nesses países, haja vista o caso da Itália em contraste com a Alemanha,
todo fabricante sabe que a falta de coscienziositá dos trabalhadores foi e
continua a ser em certa medida um dos principais obstáculos ao seu
desenvolvimento capitalista. O capitalismo não pode empregar como operários os
representantes práticos de um liberum arbitrim indisciplinado, do mesmo modo
que também não lhe pode servir, se é que aprendemos alguma coisa com Franklin,
aquele homem de negócios cujo comportamento externo for simplesmente sem
escrúpulos. (p. 50)
O adversário com o qual teve de lutar o
“espírito” do capitalismo [no sentido de um determinado estilo de vida regido
por normas folhado a “ética”] foi em primeiro lugar [e continuou sendo] aquela
espécie de sensibilidade e de comportamento que se pode chamar de
tradicionalismo. (p. 51)
Um dos meios técnicos que o empresário moderno costuma aplicar para
obter de “seus” operários o máximo possível da intensidade do trabalho é o
salário por tarefa. Na agricultura, Por exemplo, um caso que reclama
imperiosamente o amento máximo da intensidade do trabalho é o da colheita,
visto que, notadamente quando clima é
incerto, oportunidades de lucro ou de prejuízos extraordinariamente altos
dependem muitas vezes da possibilidade de sua aceleração. Daí o costume de usar
quase sempre o sistema e salário por tarefa. E como, com o aumento das receitas
e da intensidade do empreendimento, em geral costuma crescer o interesse do empresário
em acelerar a colheita, é óbvio que repetidas vezes se tentou interessar os
trabalhadores na elevação do rendimento de seu trabalho mediante a elevação da
taxa de remuneração por tarefa, o que lhes daria em curto espaço de tempo a
oportunidade de um ganho que pra eles era excepcionalmente alto. (p. 52)
É certo que para sua expansão o capitalismo requer a existência de um
excedente populacional que ele possa alugar a preço baixo no mercado de
trabalho. Só que um excesso de “exército de reserva” se em dadas circunstâncias
favorece sua expansão quantitativa, entrava por outro lado seu desenvolvimento
qualitativo, mormente a transição a formas empresariais que explorem o trabalho
intensivo. Salário baixo não é de modo algum idêntico a trabalho barato. Mesmo
de uma perspectiva puramente quantitativa, a produtividade do trabalho cai em
quaisquer circunstâncias com um salário fisiologicamente insuficiente e, a
longo prazo, vai significar uma verdadeira “ seleção dos mais incompetentes”.
(p. 54)
Sombart, em suas discussões sobre a gênese do capitalismo, distinguiu os
dois grandes Leitmotive entre os quais se teria movido a história econômica, a
“satisfação das necessidades” e o “ganho”, conforme a modalidade e a direção da
atividade econômica sejam determinados ou pela extensão das necessidades
pessoais ou, independentemente dos limites dessas últimas, pela ambição de
ganho e a possibilidade de obtê-lo. O que ele designa “sistema de economia de
satisfação das necessidades” parece corresponder, á primeira vista, ao que é
descrito aqui como “tradicionalismo econômico “. Isso só será verdade se
equipararmos o conceito de “necessidade” ao de “necessidade tradicional”. Caso
contrário, muitas economias que, segundo a forma de sua organização, devem ser
consideradas “capitalistas”, até mesmo no sentido de “capital” proposto por
Sombart noutra passagem de sua obra,
ficam de fora do âmbito das economias que visam ao “lucro” e passam ao âmbito
das “economias de satisfação das necessidades”. (p. 56 e 57)
Até por volta da metade do século passado {século XIX}, a vida de um
empresário da produção em domicílio, ao menos em muitos ramos da industria
têxtil continental, era bastante cômoda para os padrões de hoje. Pode-se
imaginar deu dia a dia mais ou menos assim: os camponeses vinham á cidade onde
morava o empresário trazendo seus tecidos – produzidos em grande parte ou
inteiramente (no caso do linho) com matéria-prima manufaturada por eles
próprios – e, após meticuloso exame de qualidade dos panos, muitas vezes de
caráter oficial, recebiam em paga o preço usual. (p. 58 e 59)
Era, em todos os aspectos, uma forma “capitalista” de organização, se
levarmos em conta ao lado puramente comercial-mercantil do empresário bem como
a inescapável necessidade de um investimento de capitais no negócio e,
finalmente ainda, os aspectos objetivos do processo econômico ou da forma de
contabilidade escolhida. Mas era economia “tradicionalista”, se atentarmos ao
espírito que animava esses empresários: a cadência de vida tradicional, o monte
de lucros tradicional, a quantidade tradicional de trabalho, o modo tradicional
de conduzir os negócios e de se relacionar com os trabalhadores e com a
freguesia, por sua vez essencialmente tradicional, a maneira tradicional de
conquistar clientes e mercados, tudo isso dominava a exploração do negócio e servia
de base – por assim dizer – ao ethos desse circulo de empresários. (p. 59e 60)
O se deu o mais das vezes foi simplesmente isto: um jovem qualquer de
uma das famílias desses empresários da produção em domicilio muda-se da cidade
para o campo, seleciona a dedo os tecelões de que necessita, aumenta ainda mais
sua dependência e o controle sobre eles, fazendo, dos camponeses, operários:
por outro lado, assume totalmente as rédeas do processo de vendas por meio de
um contato o mais direto possível com os consumidores finais: comércio a
varejo, granjeia pessoalmente os clientes, visita-os regulamente a cada ano,
mas, sobretudo, passa a adaptar a qualidade dos produtos exclusivamente ás
necessidades e desejos deles para “agradá-los” e a pautar-se ao mesmo tempo
pelo princípio “menos preço, maior giro”. Repete-se então o que sempre e em toda
parte è a consequência de um tal processo de “racionalização”: quem não sobe,
desce. (p. 60)
Tende-se a crer que essas qualidades morais pessoais não têm em si
absolutamente nada a ver com quaisquer máximas éticas ou mesmo com noções
religiosas, que, nessa direção, o fundamento adequado de uma conduta de vida
como essa de negócios seria essencialmente algo negativo: a capacidade de se
livrar da tradição herdada, em suma, um “iluminismo” liberal. E de fato esse é
geralmente o caso nos dias de hoje, sem dúvida. Não só falta uma relação
regular entre conduta de vida e premissas religiosas, mas, onde existe a
relação, costumas a ser de caráter negativo, pelo menos na Alemanha. Pessoas
assim de natureza imbuída do “espírito capitalista” costumam ser hoje em dia,
se não diretamente hostis a Igreja, com certeza indiferentes a ela. A ideia do
piedoso tédio do paraíso pouco tem de atraente á sua natureza ativa, a religião
lhes parece como um meio de desviar as pessoas do trabalho sobre a face da terra.
Se alguém lhes perguntar sobre o “sentido” dessa caçada sem descanso, que
jamais lhes permite se satisfazerem com o que têm, o que a faz por isso mesmo
tão sem sentido em meio a uma vida puramente orientada para este mundo, quem
sabe então responderia, se é que tem uma resposta: “preocupação com os filhos e
netos”, mas com mais freqüência e mais precisão – já que esse primeiro motivo
evidentemente não lhes é peculiar, tendo vigorado também entre os
“tradicionalista” – responderão simplesmente que os negócios e o trabalho
constante tornaram-se “indispensáveis a vida”. (p. 62)
O “tipo ideal” do empresário capitalista, tal como representado entre
nós alemães haja vista alguns exemplos eminentes, não tem nenhum parentesco com
esses ricaços de aparência mais obvia ou refinada, tanto faz. Ele se esquiva á
ostentação e á despesa inútil, bem como ao gozo consciente do eu poder, e
sente-se antes incomodado com os sinais externos da deferência social de que
desfruta. Sua conduta de vida, noutras palavras, comporta quase sempre certo
lance ascético, tal como veio á luz com clareza no citado “sermão” de Franklin
– e nós vamos examinar justamente a significação histórica desse fenômeno que
para nós é relevante. – Ou seja, não é raro, mas bastante freqüente, encontrar
nele uma dose de fria modéstia que é substancialmente mais sincera do que do
que aquela reserva que Benjamin Franklin soube tão bem aconselhar. De sua
riqueza “nada tem” para si mesmo, a não ser a irracional sensação de
“cumprimento do dever profissional”.
Mas é precisamente isso que,ao homem pré-capitalista, parece tão
inconcebível e enigmático, tão sórdido e desprezível. Que alguém possa tomar
como fim do seu trabalho na vida exclusivamente a ideia de um dia descer á
sepultura carregando enorme peso material em dinheiro e bens parece-lhe
explicável tão só como produto de um impulso perverso: a auri sacra fames. (p.
63)
A ordem econômica capitalista precisa dessa
entrega de se a “vocação” de ganhar dinheiro: ela é um modo de se comporta com
os bens exteriores que é tão adequada àquela estrutura, que está ligada tão de
perto às condições de vitória na luta econômica pela existência, que de fato
hoje não há mais que se falar de uma conexão necessária entre essa conduta de
vida “crematista “ e alguma “visão de mundo” unitária. É que ela não precisa
mais se apoiar no aval de qualquer força religiosa e, se é que a influência das
normas eclesiásticas na vida econômica ainda se faz sentir, ela é sentida como
obstáculo análogo à regulamentação da economia pelo estado. A situação de
interesses político-comerciais e político-sociais costuma então determina a
“visão de mundo”. (p. 64)
Já se afirmou – e assim o fez Sombart em
argumentos tantas vezes felizes e eficazes – que o motivo fundamental da
economia moderna como todo é o “racionalismo econômico”. E com todo direito, se
entendermos por essa expressão o aumento da produtividade do trabalho que, pela
estruturação do processo produtivo a partir de pontos e vista científicos,
eliminou sua dependência dos limites “fisiológicos” da pessoa humana impostos pela natureza. Ora,
esse processo de racionalização no plano da técnica e da economia sem dúvida
condiciona também uma parcela importante dos “ideais de vida” da moderna
sociedade burguesa: o trabalho com o objetivo de dar forma racional ao
provimento dos bens materiais necessários á humanidade é também, não há dúvida,
um dos sonhos dos representantes do “espírito capitalista”, uma das balizas
orientadoras de seu trabalho na vida. (p. 66 e 67)
O “racionalismo” é um conceito histórico
que encerra um mundo de contradições, e teremos ocasiões de investigar de que o
espírito nasceu essa forma concreta de pensamento e de vida “racionais” da qual
resultaram a ideia de “vocação profissional” e aquela dedicação de si ao
trabalho profissional – tão irracional, como vimos, do ângulo dos interesses
pessoais puramente eudemonistas -, que foi e continua a ser um dos elementos
mais característicos de nossa cultura capitalista. A nós, o que interessa aqui é
exatamente a origem desse elemento irracional que habita nesse como em todo
conceito de “vocação”. (p. 69)
3.o conceito [*] de vocação em Lutero. O objeto da pesquisa
Não dá para não notar que já na palavra
alemã Beruf, e talvez de forma ainda mais nítida no termo de inglês calling,
pelo menos ressoa uma conotação religiosa – a de uma missão dada por Deus -, e
enquanto mais enfaticamente acentuamos a palavra num caso concreto, mais ela se
faz sentir. E, a acompanharmos a palavra ao longo da história e através das
línguas diferentes culturas, constata-se em primeiro lugar que os povos
predominantes católicos ignoram uma expressão de colorido análogo para aquilo
que {em alemão} chamamos Beruf (no sentido de uma posição na vida, de uma ramo
de trabalho definido), tal como a ignorância a Antiguidade clássica, ao passo
que ele está presente em todos os povos predominantemente protestantes. (p. 71)
No conceito de Beruf, portanto, ganha
expressão aquele dogma central de todas as denominações protestantes que
condena a distinção católica dos imperativos morais em “praecepta” e “concilia”
e reconhece que o único meio de viver que agrada a Deus não está em suplantar a
moralidade intramundana pela ascese monástica, mas sim, exclusivamente, em
cumprir com os deveres intramundanos, tal como decorrem da posição do indivíduo
na vida, a qual por isso mesmo se torna a sua “vocação profissional”. (p. 72)
Em Lutero, essa ideia se desenvolve no
decurso da primeira década de sua atividade reformadora. De início, em
concordância com a tradição medieval predominante, conforme representada por
Tomás de Aquino, por exemplo, o trabalho mundano, embora querido por Deus, a
seu ver pertence ao reino das criaturas, é a base natural indispensável da vida
de fé, moralmente indiferente em si mesmo como o comer e o beber. Mas à medida
que ideia de sola fide se lhe torna mais clara em suas consequências i vai
ficando cada vez mais aguçada sua conseqüente
oposição aos “conselhos evangélicos” do monacato católico enquanto
conselhos “ditados pelo diabo”, aumenta a significação da vocação numa
profissão. Ora, a conduta de vida monástica
é encarada não só como evidentemente sem valor para a justiça perante
Deus, mas também como produto de uma egoísta falta de amor que se esquiva aos
deveres do mundo. Em contraste com isso, o trabalho profissional mundano
aparece como expressão exterior do amor ao próximo. (p. 72 e 73)
Cumprimento dos deveres intramundanos como
a única via de agradar a Deus em todas as situações, que está e somente esta é
a vontade de Deus, e por isso toda profissão lìcita simplesmente vale muito e
vale igual perante Deus. (p. 73)
Com o crescente envolvimento de Lutero no
negócios do mundo vai de par seu crescente apareço pela significação do
trabalho profissional. Simultaneamente, a profissão concreta do indivíduo lhe
aparece cada vez mais como uma ordem de Deus para ocupar na vida esta posição
concreta que lhe reservou o desígnio divino. E quando, na sequência de suas
lutas contra os “espíritos fanáticos” {anabatistas} e as revoltas camponesas, a
ordem histórica objetiva na qual i indivíduo foi inserido por Deus se torna
sempre mais aos olhos de Lutero uma emanação direta de vontade divina, a ênfase
agora cada vez mais forte no que advém da providência, mesmo em se tratando de
acontecimentos isolados da vida, leva-o progressivamente a uma tendência
tradicionalista correspondente à ideia de “destinação”: o indivíduo deve
permanecer fundamentalmente na profissão e no estamento em que Deus o colocou e
manter sua ambição terrena dentro dos limites dessa posição na vida que lhe foi
dada. Se o tradicionalismo econômico era de início resultado da indiferença
paulina, mais tarde é emanação da crença cada vez mais intensa na providência,
crença que identifica a incondicional obediência a Deus à aceitação
incondicional da situação dada. Desse modo Lutero não chegou a estabelecer uma
vinculação do trabalho profissional com os princípios religiosos fundada em
bases radicalmente novas ou baseada em princípios. (p. 76 e 77)
Assim foi que em Lutero o conceito de
vocação profissional permaneceu com amarras tradicionalistas. A vocação é
aquilo que o ser humano tem de aceitar como desígnio divino, ao qual tem de “se
dobrar” – essa nuance eclipsa a outra ideia também presente de que o trabalho
profissional seria uma missão, ou melhor, a missão dada por Deus. E o
desenvolvimento luteranismo ortodoxo sublinhou esse traço ainda mais. Algo de
negativo, portanto, foi de início o único produto ético a que se chegou aqui: a
supressão do afã de suplantar os deveres intramundanos pelos deveres
monásticos, ao mesmo tempo que se pregava a obediência à autoridade e a
aceitação das condições de vida dadas. (p. 77)
Convém, pois, considerarmos em primeira
linha aquelas formas de protestantismo nas quais é mais fácil verificar uma
conexão entre a práxis de vida e o ponto de partida religioso do que no
luteranismo. Já se mencionou acima o papel marcante do calvinismo e das seitas
protestantes na história do desenvolvimento capitalista. Assim como Lutero
encontrou vivo em Zwinglio um “espírito outro” que o seu, assim também seus
herdeiros espirituais o haveriam de encontrar especialmente no calvinismo.
(p.78)
A princípio isso tinha razões
eminentemente políticas: se a Reforma é impensável sem a personalíssima
evolução religiosa de Lutero e se espiritualmente ela ficou para sempre marcada
por sua personalidade, sua obra decerto não teria perdurado se o calvinismo –
Mas a razão dessa repulsa comum a católicos e luteranos se funda na
peculiaridade ética do calvinismo. Já uma vista de olhos superficial nos ensina
que aqui se produziu uma relação entre vida religiosa e ação terrena de espécie
totalmente diversa das que se produziram quer no catolicismo quer no
luteranismo. Mesmo nas obras literárias se valem de temas especificamente
religiosos isso salta os olhos. (p. 78 e 79)
Temos que admitir que os efeitos culturais
da Reforma foram em boa parte – talvez até principalmente, para nossos
específicos pontos de vista – consequências imprevistas e mesmo indesejadas do
trabalho dos reformadores, o mais das vezes bem longe,ou mesmo ao contrário, de
tudo o que eles próprios tinham em mente. (p. 81)
Trata-se apenas de averiguar se, e até que
ponto, influxos religiosos contribuíram para a cunhagem qualitativa desse
“espírito” mundo afora, e quais são os aspectos concretos da cultura assentada
em bases capitalistas quem remontam àqueles influxos. Em face da enorme
barafunda de influxos recíprocos entre as bases materiais, as formas de
organização social e política e o conteúdo espiritual das épocas culturais da
Reforma, procederemos tão só de modo a examinar de perto se, e em quais pontos,
podemos reconhecer determinadas “afinidades eletivas” entre certas formas da fé
religiosa e certas formas da ética profissional. (p. 82 e 83)
Parte II
A Ideia de Profissão [*] do Protestantismo Ascético
1. Os Fundamentos Religiosos da Ascese Intramundana
Os portadores históricos do protestantismo
ascético (no sentido em que a expressão é usada aqui) são essencialmente de
quatro espécies: 1. o calvinismo, na forma que assumiu nas principais regiões
[da Europa ocidental] sob sua dominação, particularmente no decorrer do século
XVII; 2. o pietismo; 3. o metodismo; 4. as seitas nascidas do movimento
anabatista. Nenhum desses mivimentos se achava absolutamente isolado dos
outros, e nem mesmo era rigorosa sua separação das igrejas protestantes não
ascéticas. (p. 87)
O calvinismo foi a fé em torno da qual se
moveram as grandes lutas políticas e culturais dos séculos XVI e XVII nos
países capitalistas mais desenvolvidos – os Países Baixos, a Inglaterra, a
França. E é por isso que nos ocupamos dele em primeiro lugar.
Considerava-se na época e de modo geral
se considera ainda hoje a doutrina da predestinação como o mais característico
dos dogmas do calvinismo. O que tem sido debatido é se esse dogma era o “mais
essencial” da igreja reformada ou se era uma “tendência”. (p. 90)
Para Calvino, não é Deus que existe para
os seres humanos, mas os seres humanos que existem para Deus, e todo
acontecimento – incluindo pois aí o fato para ele indubitável de que só uma
pequena parcela dos humanos é chamada à bem-aventurança eterna – pode ter
sentido exclusivamente como um meio em vista do fim que é a autoglorificação da
majestade de Deus. Aplicar critérios de “justiça” terrena a seus desígnios
soberanos não faz sentido e é uma ofensa a majestade, posto que ele e somente
ele é livre, ou seja, não se submete a nenhuma lei, e seus decretos só nos
podem ser compreensíveis ou em todo caso conhecidos na medida em que ele achar
por bem comunicá-los a nós. Apenas a esses fragmentos da verdade eterna podemos
nos ater; todo o resto: - o sentido de nosso destino individual – acha-se
envolto em mistérios obscuros que é impossível e arrogante sondar. (p. 94)
De uma coisa apenas sabemos: quem uma
parte dos seres humanos está salva, a outra ficará condenada. Supor quem mérito
humano ou culpa humana contribuam para fixar esse destino significaria encarar
as decisões absolutamente livres de Deus, firmada desde a eternidade, como
passíveis de alterações por obra humana: ideia impossível. (p. 94)
Por outro lado, ele constitui uma das
raízes daquele individualismo desiludido e de coloração pessimista como o que
ainda hoje percute no “caráter nacional” e nas instituições dos povos com
passado puritano – em flagrante contraste com as lentes tão outras pelas quais
mais tarde a “Ilustração” veria os seres os seres humanos. No período histórico
do qual nos ocupamos, vestígios desse influxo da doutrina da predestinação se
mostra com nitidez em manifestações elementares tanto da conduta de vida quanto
da concepção de vida, ainda quando sua vigência como dogma já estivesse em
declínio: sim, ela não senão a forma mais extrema da exclusividade da confiança
em Deus, cuja análise interessa aqui. Isso se vê, por exemplo, na admoestação
tantas vezes repisada na literatura puritana inglesa contra toda confiança na
ajuda e na amizade dos homens. (p. 96 e 97)
O trabalho social do calvinista no mundo é
exclusivamente trabalho in majorem Dei
gloriam {para aumentar a glória de Deus}. Daí por que o trabalho numa
profissão que está a serviço da vida intramundana da coletividade também
apresenta esse caráter. Nós vimos já em Lutero a derivação da divisão do
trabalho em profissões a partir do da “amor ao próximo”. Mas aquilo que nele
não passou do estágio de um ensaio ainda incerto, [de pura construção ideal],
nos calvinistas tornou-se parte característica de seu sistema ético. O “amor ao
próximo” – já que só lhe é permitido servir á gloria de Deus e não à da
criatura - expressa-se em primeiro lugar no cumprimento da missão
vocacional-profissional imposta pela Lex naturae, e nisso ele assume um caráter
peculiarmente objetivo impessoal: trata-se de um serviço prestado á conformação
racional do cosmos social que nos circunda. Pois conforme e endireitar em
relação a fins esse cosmos, que segundo a revelação da Bíblia e também segundo
a razão natural está manifestamente talhado a servi à “utilidade” do gênero
humano, permitem conhecer como o trabalho a serviço dessa utilidade social
[impessoal] promove a glória de Deus e, portanto, por Deus é querido. (p. 99)
Aí reside a fonte do caráter utilitário de
ética calvinista, daí igualmente advieram importantes peculiaridades da
concepção calvinista de vocação profissional. (p. 100)
Ora, o problema para nós decisivo é antes
de tudo: como foi suporta essa doutrina numa época em que o Outro Mundo era não
só mais importante, mas em muitos aspectos também mais seguro do que os
interesses da vida neste mundo. Uma questão impunha-se de imediato a cada fiel
individualmente e relegava todos os outros interesses a segundo plano: Serei eu
um dos eleitos? E como eu vou poder ter certeza dessa eleição? Para Calvino
pessoalmente, isso não era problema. Ele se sentia uma “ferramenta” de Deus e tinha
certeza do seu estado de graça. (p. 100)
Uma vez posta a questão do estado de graça
pessoal, contentar-se com o critério a que Calvino remetia e que, em princípio
ao menos, nunca foi abandonado formalmente pela doutrina ortodoxa, a saber, o
testemunho pessoal da fé perseverante que a graça opera no indivíduo, era no
mínimo impossível. (p. 101)
A exortação do apóstolo a “se segurar” no
chamado recibo é interpretado aqui, portanto, como dever de conquistar na luta
do dia a dia a certeza subjetiva da própria eleição e justificação. Em lugar
dos pecadores humildes a quem Lutero promete a graça quando em fé penitente
recorrem a deus, disciplinam-se dessa forma aqueles “santos” autoconfiantes com
os quais toparemos outra vez na figura dos comerciantes puritanos da época
heróica do capitalismo, rijos com aço, e em alguns exemplares isolados do presente.
E, de outro lado, distingue-se o trabalho profissional sem descanso como o meio
mais saliente para se conseguir essa autoconfiança. Ele, e somente ele,
dissiparia a dúvida religiosa i daria a certeza do estado de graça.
Ora,que o trabalho profissional mundano
fosse tido como capaz de um feito como esse [ - que ele pudesse por assim dizer
ser tratado como o meio apropriado de uma ab-reação dos afetos de angústia
religiosa - ] encontra sua explicação nas profundas peculiaridade da
sensibilidade religiosa cultivada na Igreja reformada {calvinista}, cuja
expressão mais nítida, em fraca oposição ao luteranismo, está na doutrina pela
fé. (p. 101 e 102)
O reformado {o calvinista} também queria
salvar-se sola fide. Entretanto, dado que já na visão de Calvino os simples
sentimentos e estado de espírito, por mais sublimes quem possam parecer, são
enganosos, a fé preciosa se comprova por seus efeitos objetivos a fim de poder
servir de base segura para a certitudo salutis: precisa ser uma fides efficax
[e o chamado à salvação, um effectual calling (termo da savoy Declaration) ].
Ora, se perguntarmos: em quais frutos o reformado {o calvinista}é capaz de reconhecer
sem sombra de dúvidas a justa fé, a resposta será: numa condução da vida pelo
cristão que sirva para aumento da glória de Deus. E o que leva a isso é
deduzido de sua divina vontade
diretamente relevada na Bíblia ou indiretamente manifestada nas ordens
do mundo criadas segundo fins (Lex naturae). É possível controlar seu estado de
graça comparando em especial seu próprio estado de alma com aquele que segundo
a Bíblia era próprio dos eleitos, dos patriarcas por exemplo. Só quem é eleito
possui a verdadeira fides efficax, só ele é capaz, por conta do seu
renascimento (regeneratio) e da santificação (sanctificatio) da sua vida
inteira, de aumentar a glória de Deus por meio de obras boas realmente, não
apenas aparentemente boas. E estando consciente de que sua conduta – ao menos
no tocante ao seu caráter fundamental e ao seu propósito constante (propositum
oboedientiae) – se assenta numa força que nele habita para a maior glória de
Deus, e portanto [não é apenas] desejada por Deus, [mas sobretudo] operada por
deus, alcança ele aquele bem supremo a que aspirava essa religiosidade: a
certeza de graça. Que ela possa ser alcançada é corroborado 2Cor 13,5. E,
portanto, por absolutamente incapazes que sejam as boas obras de servir como
meio de obter a bem-aventurança eterna – já que o próprio eleito permanece
criatura, e tudo o que ele faz permanece infinitamente aquém das exigências
divinas -, não deixam de ser imprescindíveis como sinais da eleição. (p. 103 e
104)
Jamais haja existido forma mais intensa de
valorização religiosa da ação moral do que aquela produzida pelo calvinismo em
seus adeptos. Para atinar com a significação prática dessa forma de
“santificação pelas obras”, decisivo em primeiro lugar é saber reconhecer as
qualidades que caracterizam essa conduta de vida para diferenciá-la da vida
cotidiana de um cristão médio de Idade Média. (p. 105)
O Deus do calvinismo exigia dos seus, não
“boas obras” isoladas, mas uma santificação pelas obras erigida em sistema. (p.
106 e 107)
E só uma vida regida pela reflexão
constante podia ser considerada superação do status naturalis: foi com essa reinterpretação
ética que os puritanos contemporâneos de Descartes adotaram o cogito ergo sum.
Essa racionalização conferiu à piedade reformada seu traço especificamente
ascético e consolidou tanto seu parentesco íntimo quanto seu antagonismo
específico com o catolicismo. (p. 107)
Falando em jargão
corrente: a ascese puritana – como toda ascese “racional” – trabalhava com o
fim de retornar o ser humano capaz de enunciar afirmativamente e fazer valer,
em face do “afetos”, seus “motivos constante”, em particular aqueles que ela
mesma lhe “inculcava”: - com o fim, portanto, de educá-lo como uma
“personalidade”, neste sentido da psicologia formal. Poder levar uma vida
sempre alerta, consciente, clara, ao contrário do que se fala em muitas das
representações populares, era a meta; eliminar a espontaneidade do gozo
impulsivo da vida, a missão mais urgente; botar ordem na conduta de vida de
seus seguidores, o meio mais importante da ascese. Todos esses pontos de vista,
que são decisivos, encontram-se estampados nas regras do monasticismo católico
tanto quanto nos princípios de conduta de vida do calvinistas. (p. 108 e 109)
Isto é que foi decisivo: o indivíduo que
par excellence levava uma vida metódica no sentido religioso era e continuou
sento, única exclusivamente, o monge, e portanto a ascese, quanto mais
intensamente tomava conta do indivíduo, mais o apertava da vida cotidiana, já
que a vida especificamente santa consistia mesmo em suplantar a moralidade intramundana.
Quem primeiro deixou isso de lado – e não como quem realiza alguma “tendência
de desenvolvimento imanente”, mas a partir de experiências absolutamente pessoais,
[no começo aliás ainda hesitante em relação às consequências práticas,] depois
impelido pela situação política – foi Lutero. E o calvinismo não fez mais que
lhe seguir os passos. (p. 110)
O calvinismo, na sequência de seu
desenvolvimento, acrescentou isso um aporte positivo: a ideia da necessidade de
uma comprovação da fé na vida profissional mundana. Fornecia assim [a amplas
camadas de naturezas com pendor religioso] o estímulo positivo do ascese e, uma
vez ancorada sua ética na doutrina da predestinação, a aristocracia espiritual
dos monges situada além e acima do mundo desde toda a eternidade predestinados
por Deus, aristocracia essa que com seu character indelebilis {caráter indelével}
está separada do resto da humanidade, constituído de réprobos desde toda a
eternidade, por um abismo em princípio intransponível e ainda mais inquietante
em sua invisibilidade do que o do monge medieval apartado do mundo – um abismo
sulcado com áspera agudez em todos os sentimentos sociais. (p. 110 e 111)
Historicamente, a ideia da predestinação
foi para todos os efeitos ponto de partida para a corrente ascética
habitualmente designada como “pietismo”. Enquanto esse movimento se manteve no
seio da igreja reformada {calvinista}, fica praticamente impossível traçar uma
fronteira nítida entre os calvinistas pietistas e os calvinistas não pietistas.
(p. 117)
O pietismo significou unicamente a
penetração da conduta de vida metodicamente cultivada e controlada, isto é, da
conduta de vida ascética, até mesmo em zonas de religiosidade não calvinista.
Mas ao luteranismo não era dado sentir tal ascese racional a não ser como um
corpo estranho, e a falta de coerência da doutrina pietista alemã se explica
pelas dificuldades daí decorrentes. (p. 120)
Mas a cada vez que no pietismo o elemento
ascético-racional mantinha predominância sobre a parte do sentimento, as
concepções que do nosso ponto de vista são decisivas pleiteavam seu direito, a
saber: 1) o desenvolvimento metódico da santidade pessoal em crescente solidez
e perfeição, controlada a partir da lei, era sinal do estado de graça; 2) era a
providência de Deus que “operava” naqueles que assim se aperfeiçoavam, e o
sinal disso estava em sua paciente perseverança e reflexão metódica. O trabalho
profissional, também aos olhos de A. H. Francke, era o meio ascético par
excellence, tanto ele, quanto – assim veremos – os puritanos estavam firmemente
convencidos de que era o próprio Deus que abençoava os seus com o sucesso no
trabalho. (p. 121)
Na verdade, manifesta-se esse modo
especificamente luterano de buscar a salvação, para o qual o fator decisivo é o
“perdão dos pecados” e não: a “santificação” prática. (p. 125)
A liga de uma religiosidade sentimental
porém ascética com uma crescente indiferença quando não rejeição pelos
fundamentos dogmáticos da ascese calvinista caracteriza também a contra-partida
anglo-americana do pietismo continental: o metodismo. Já seu nome revela o que
saltava aos olhos dos contemporâneos como próprio de seus seguidores: a
sistematização “metódica” da conduta de vida co o fim de alcançar a ceritudo
salutis: pois aqui também é dela que se trata desde o início, tendo se mantido
como ponto central da aspiração religiosa. Ora, o incontestável parentesco que,
apesar de todas as diferenças, o metodismo tem com certas correntes do pietismo
alemão revela-se antes de tudo no fato de que essa metódica fosse usada
especialmente para provocar o ato sentimental da “conversão”. (p. 126 e 127)
Ora, segundo a doutrina de Wesley, a qual
representa não só uma radicalização conseqüente da doutrina da santificação,
mas também um desvio decisivo de sua versão ortodoxa, quem dessa forma renasce
ou se regenera é capaz de obter já nesta vida, por força do efeito de graça
sobre si, a consciência da perfeição no sentido de ausência de pecado,
através de um segundo processo interior,
que de regra acontece à parte e não raro de improviso: a “santificação”. Por
difícil que seja atingir essa meta – o mais das vezes só lá pelo fim da vida –
imprescindível será ambicionar por ela. Pois é ela que garante em definitivo a
certitudo salutis e põe no lugar da “soturna” preocupação dos calvinista uma
alegre certeza, pois afinal de contas ao verdadeiro convertido cumpre provar
pra si mesmo e para os outros ao menos isto, que o pecado “não mais tem o poder
sobre ele”. (p. 127 e 128)
O metodismo aparece assim à nossa
consideração como uma edificação apoiada em alicerces éticos tão vacilantes
quanto o pietismo. Também para ele a ambição por uma higher life {vida
superior}, por uma “segunda benção”, funcionou como uma espécie de sucedânea da
doutrina de predestinação e, crescida no solo da Inglaterra, a prática de sua
ética orientou-se inteiramente pela do cristianismo reformado [natural dali
mesmo], cujo revival ele pretendia ser no fim das contas. O ato emocional da
conversão era suscitado metodicamente. E umas vez alcançada, não irrompia um
gozo piedoso de estar em comunhão com Deus à maneira do pietismo sentimental de
Zinzendorf, mas de pronto o sentimento despertado era canalizado para os
trilhos do empenho racional na perfeição. I caráter emocional da religiosidade
não conduziu, assim, a um cristianismo sentimental de traço íntimo, à maneira
do pietismo alemão. (p. 129 e 130)
O pietismo da Europa
continental e o metodismo dos povos anglo-saxões, tanto em seu conteúdo
conceitual como em seu desenvolvimento histórico, são fenômenos secundários.
Mas o segundo a ocupar, ao lado do calvinismo, a posição de portador autônomo
da ascese protestante é o anabatismo, junto com as seitas que dele se
originaram diretamente ou que adotaram suas formas de pensamento religioso ao
longo dos séculos XVI e XVII, como os batistas {propriamente ditos}, os
menonitas e sobretudo os quarkers. Com eles chegamos a comunidades religiosas
cuja ética repousa sobre um fundamento que é por princípio heterogêneo em
ralação à doutrina reformada {calvinista}. O esboço a seguir, que por sinal
realça apenas o que importa pra nós, não será capaz de dar uma ideia da
diversidade desse movimento. (p. 130 e 131)
A ideia mais importante de todas essas
comunidades, quer em termos históricos quer em termos teóricos, cujo alcance
para o nosso desenvolvimento cultural só poderá ficar perfeitamente claro num
outro contexto, nós já fizemos aflorar em ligeiros traços: a believers’ Church
{igreja dos crentes}. Ou seja: a comunidade religiosa, isto é, a “Igreja
visível” no linguajar usado pelas igrejas reformadas, deixou de ser aprendida
como uma espécie de instituto de fideicomissos com fins supraterrenos, uma
instituição que abrangia necessariamente justos e injustos – seja para aumentar
a glória de Deus (Igreja calvinista), seja para dispensar aos humanos os bens
de salvação (Igrejas católica e luterana) -, e passou a ser vista
exclusivamente como uma comunidade daqueles que se tornaram pessoalmente
crentes e regenerados, e só destes: noutras palavras, não com uma “Igreja”, mas
como uma “seita”. É apenas este, no fim das contas, o significado simbólico do
princípio, em si puramente exterior, de batizar exclusivamente adultos que
tivessem encontrado a fé em seu íntimo e a professassem. (p. 131)
Mas psicologicamente – visto que eles
condenavam a doutrina da predestinação – o caráter especificamente metódico da
moralidade dos anabatistas repousava antes de tudo na ideia de “espera
perseverante” pela ação do Espírito, que ainda hoje imprime seu cunho ao
meeting quaker e lindamente analisada por Barclay: finalidade dessa
perseverança, que deve ser silenciosa, é triunfar do quanto há de instintivo e
irracional em cada um, triunfar das paixões e subjetividade do homem “natural”;
por isso ele deve calar-se, a fim de criar na alma silêncio profundo, que só no
silêncio Deus pode vir a falar. (p. 134 e 135)
Se
nessas visões se instalava uma diluição da concepção calvinista de vocação
profissional assim como em muitas afirmações de Spener e dos pietista alemães,
nas seitas anabatistas, por outro lado, aumentava substancialmente a
intensidade do interesse profissional de cunho econômico, e por diversos
fatores. Primeiro, pela recusa de assumir cargos públicos, originalmente
concebida com um dever religioso decorrente do afastamento do mundo, recusa
que, mesmo deixando de ser um princípio, persistiu na prática, ao menos entre
menonitas e quarkers, por conta de uma estrita proibição de portar armas e
prestar juramento, o que desde logo os desqualificava para os cargos públicos.
De braço dado com isso vinha, em todas as denominações anabatistas, a
invencível hostilidade ao estilo de vida aristocrático em qualquer de suas
modalidades, que era em parte uma decorrência da proibição da glorificação da
criatura, como nos calvinistas, em parte igualmente consequência desses
princípios apolíticos ou mesmo antipolíticos. Toda a metódica sóbria e
conscienciosa da conduta de vida anabatista era com isso canalizada para os
trilos da vida profissional apolítica. Nesse sentido, a enorme significação que
a doutrina anabatista da salvação imprimia à inspeção exercitada pela
consciência, enquanto revelação individual de Deus, conferiu à atitude dos
anabatistas perante a vida profissional um caráter cuja grande significação
para o desdobramento de importantes aspectos do espírito capitalista só
chegaremos a conhecer de perto [mais adiante, e mesmo então só na medida em que
isso for possível] ao discutirmos o conjunto da ética política e social da
ascese protestante. Veremos então – para antecipar ao menos isto – que a forma
específica que essa ascese intramundana assumiu entre os anabatistas,
especialmente os quarkers, a juízo do século XVII já se manifestara na
comprovação prática daquele importante princípio da “ética” capitalista que se
usa formular assim: honesty is the Best policy {honestidade é a melhor
política} e que, aliás, encontrou tratado de Franklin supracitado o seu
documento clássico. Em contrapartida, cabe supor que os efeitos do calvinismo
foram mais na direção de soltar a energia aquisitiva no campo da economia
privada: pois apesar de todo o apego do “santo” à legalidade formal, frigir dos
ovos o que para o calvinista vigorava era o mais das vezes a máxima de Goethe:
”O homem de ação não tem consciência, consciência
só tem aquele que
contempla”. (p. 136 e 137)
2. Ascese e capitalismo [*]
O “descanso eterno dos santos” está no
Outro Mundo; na terra o ser humano tem mais é que buscar a certeza do seu
estado de graça, “levando a efeito, enquanto for de dia, as obras daquele que
enviou”. Ócio e prazer, não; só serve a ação, o agir conforme a vontade de Deus
inequivocamente revelada a fim de aumentar sua glória. A perda de tempo é,
assim, o primeiro e em princípio o mais grave de todos os pecados. Nosso tempo
de vida é infinitamente curto e precioso para “consolidar” a própria vocação.
Perda tempo com sociabilidade, com “conversa mole”, com luxo, mesmo com o sono
além do necessário à saúde – seis, no máximo oito horas – é absolutamente
condenável em termos morais. Ainda não se diz aí, como em Franklin, que “tempo
é dinheiro”, mas a máxima vale em certa medida em sentido espiritual: o tempo é
infinitamente valioso porque cada hora perdida que o puritanismo junta no
conceito de unclean life {vida impura} – cujo papel não é pequeno. Afinal, a
ascese sexual no puritanismo só se distingue em grau, não em contra princípio, da ascese monástica e, pelo
fato de abarcar também a vida conjugal, o alcance daquela é maior do que o
desta. Com efeito, também no casamento o intercurso sexual só é lícito porque é
o meio desejado por Deus para multiplicar sua glória na forma do mandamento:
“sede fecundos, multiplicai-vos” {Gn 1,28}. Contra todas as tentações sexuais,
do mesmo modo que contra as dúvidas religiosas e os escrúpulos torturantes,
além de uma dieta sóbria à base de refeições vegetarianas e banhos frios,
receita-se: “Trabalha duro na [tua] profissão”. (p. 144)
Mas ainda por cima, e antes de tudo, o
trabalho é da vida o fim em si prescrito por Deus. A sentença de Paulo: “quem
não trabalha não coma” vale incondicionalmente e vale para todos. A falta de
vontade de trabalhar é sintoma de estado de graça ausente. (p. 144)
Pois se esse Deus, que o puritano vê
operando em todas as circunstâncias da vida, indica a um dos seus uma
oportunidade de lucro, é que ele tem lá suas intenções ao fazer isso. Logo, o
cristão de fé tem que seguir esse chamado e aproveitar a oportunidade. “Se Deus
vos indica um caminho no qual, sem dano para vossa alma ou para outrem, possais
ganhar no limites da lei mais do que num outro caminho, e vós o rejeitais e
seguis o caminho que vai trazer ganho menor, então estareis obstando um dos
fins do vosso chamamento (calling), estareis vos recusando a ser o
administrador de Deus (stewart) e a receber os seu dons para poderdes
empregá-lo para Ele se Ele assim o exigir. (p. 148)
A riqueza é reprovável precisamente e
somente como tentação de abandonar-se ao ócio, à preguiça e ao pecaminoso gozo
da vida, e a ambição de riqueza somente o é quando o que se pretende é poder
viver mais tarde sem preocupação e prazerosamente. Quando porém ela advém
enquanto desempenho do dever vocacional, ela é não só moralmente lícita, mas
até mesmo um mandamento. (p.148)
Querer ser pobre, costumava-se argumentar,
era o mesmo que querer ser um doente, seria condenável na categoria de
santificação pelas obras, nocivo portanto à glória de Deus. E, ainda por cima,
quem pede esmola estando apto ao trabalho não só comete o pecado da preguiça,
como também afronta o amor ao próximo, diz a palavra do apóstolo. (p. 148)
O gozo instintivo da vida que em igual
medida afasta do trabalho profissional e da vocação era, exatamente enquanto
tal, o inimigo da ascese racional, quer se apresentasse na forma de esporte
“grã-fino” ou, da parte do homem comum, como freqüência a salões de bailes e
tabernas. (p. 152)
A ascese protestante
intramundana – para resumir o que foi dito até aqui – agiu dessa forma, com
toda a veemência, contra o gozo descontraído das posses; estrangulou o consumo,
especialmente o consumo de luxo. Em compensação, teve o efeito [psicológico] de
liberar o enriquecimento dos entraves da ética tradicionalista, rompeu as
cadeias que cerceavam a ambição de lucro, não só ao legalizá-lo, mas também ao
encará-lo (no sentido descrito) como diretamente querido por Deus. A luta
contra a concupiscência da carne e o apego aos bens exteriores não era,
conforme atesta de forma explícita o grande apologista dos quarkers, Baeclay,
junto com os puritanos, uma luta contra o ganho [racional] [mas contra o uso
irracional das posses]. Este consistia sobretudo na valorização das formas
ostensivas de luxo, tão aderidas à sensibilidade feudal e agora condenadas como
divinização da criatura, em vez do emprego racional e utilitário da
riqueza,querido por Deus, para os fins vitais do indivíduo e da coletividade.
Às pessoas de posses ela queria impingir não a mortificação, mas o uso de sua
propriedade para coisas necessárias e úteis em termos práticos. A noção de
comfort circunscreve de forma característica o âmbito de seus empregos
eticamente lícitos, e sem dúvida não é casual que o desenvolvimento do estilo
de vida que obedece a essa palavra de ordem tenha encontrado suas manifestações
mais precoces e de maior nitidez entre os representantes mais conseqüentes
dessa visão de mundo: os quarkers. Aos brilhos e clarões do fausto cavalheiresco,
que, assentado em bases econômicas vacilantes, prefere a elegância sórdida à
sóbria simplicidade, eles opõem como ideal o conforto asseado e sólido do home
burguês. (p. 155 e 156)
Eis porém algo ainda mais importante: a
valorização religiosa do trabalho profissional mundano, sem descanso,
continuado, sistemático, como o meio ascético simplesmente supremo e a um só
tempo comprovação o mais segura e visível da regeneração de um ser humano e da
autenticidade de sua fé, tinha que ser, no fim das contas, a alavanca mais
poderosa que se pode imaginar da expansão dessa concepção de vida que aqui
temos chamado de “espírito” do capitalismo. E confrontando agora aquele
estrangulamento de consumo com essa desobstrução da ambição de lucro, o
resultado externo é evidente: acumulação de capital mediante coerção ascética à
poupança. (p. 156 e 157)
Até onde alcançou a potência da concepção
puritana de vida, em todos esses casos ela beneficiou – e isso, naturalmente, é
muito mais importante que o mero favorecimento da acumulação de capital – a
tendência à conduta de vida burguesa
economicamente racional; ela foi seu mais essencial, ou melhor, acima de tudo
seu único portador conseqüente. Ela fez a cama para o “homo oeconomicus”
moderno. Pois bem: esses ideais de vida puritanos fraquejaram diante da
duríssima prova de resistência a que os submeteram as “tentações” da riqueza,
suas velhas conhecidas. È muito freqüente encontrarmos os mais genuínos adeptos
do espírito puritano nas fileiras das camadas de pequeno-burgueses em vias de
ascensão, dos farmers e dos beati possidentes {proprietários felizardo}, quase
sempre prontos, mesmo entre os quarkers, a renegar os velhos ideais. sim, este
foi, afinal de contas, o mesmo destino a que sucumbiu sempre de novo [a
precursora da ascese intramundana,] a ascese monacal da Idade Média: se aqui,
na sede de uma vida rigidamente regrada e de consumo refreado, a direção
racional da economia produziu o máximo de seus efeitos, aconteceu que, uma vez
acumulada a fortuna, ou se cedeu diretamente ao enobrecimento – e isso ocorria
na época anterior ao cisma – ou, quando menos, a disciplina monástica ficava a
ponto de se arrebentar, e aí acabava tendo que intervir uma daquelas
incontáveis “reformas”. A história inteira das regras das ordens monásticas é
em certo sentido uma luta perpetuamente renovada com o problema do efeito
secularizante dos haveres. O mesmo também vale em maior escala para o ascese
intramundana do puritanismo. O vigoroso revival metodista, que antecedeu a
eclosão da indústria inglesa no final do século XVIII, pode muito bem ser
comparado a uma dessas reformas monásticas. [Aqui é bem o meu lugar para citar
uma passagem do próprio John Wesley, a qual bem que poderia vir a ser
apropriada à guisa de mote para tudo o que foi dito até agora. De fato, ela
revela como os cabeças das próprias correntes ascéticas tinham perfeita clareza
das conexões aparentemente tão paradoxais que aqui expusemos, e isto,
inteiramente no mesmo sentido aqui desenvolvido. (p. 158 e 159)
O poder da ascese religiosa, além disso,
punha à sua disposição trabalhadores sóbrios, conscienciosos,
extraordinariamente eficientes e aferrados ao trabalho como se finalidade de
sua vida, querida por Deus. E ainda por cima dava aos trabalhadores a
reconfortante certeza de que a repartição desigual dos bens deste mundo era
obra toda especial da divina providência, que, com essas diferenças, do mesmo
modo que a graça restrita {não universalista}, visava a fins por nós
desconhecidos. Calvino já havia enunciado a frese, muitas vezes citada, segundo
a qual o “povo”, ou, dito de outra forma, a massa dos trabalhadores e dos
artesãos, só obedece a Deus enquanto é mantido na pobreza. Os holandeses
(Pieter de la Court etc.) “secularizaram” tal sentença ao dizer que a massa dos
seres humanos só trabalha se a tanto a impelir a necessidade, e essa formulação
de um Leitmotiv da economia capitalista iria desembocar mais tarde na
correnteza da teoria da “produtividade” dos baixos salários. (p. 161)
Um dos elementos componentes do espírito
capitalista [moderno], e não só deste, mas da própria cultura moderna: a
conduta de vida racional fundada na ideia de profissão como vocação nasceu –
como queria demonstrar esta exposição – do espírito da ascese cristã. (p. 164)
O puritano queria ser um profissional –
nós devemos sê-lo. Pois a ascese, ao se transferir das celas dos mosteiros para
a vida profissional, passou a dominar a moralidade intramundana e assim
contribuiu [com sua parte] para edificar esse poderoso cosmos da ordem
econômica moderna ligado aos pressupostos técnicos e econômicos da produção
pela máquina, que hoje determina com pressão avassaladora o estilo de vida de
todos os indivíduos que nascem dentro dessa engrenagem – não só dos
economicamente ativos – e talvez continue a determinar até que cesse de queimar
a última porção de combustível fóssil. (p. 165)
A tarefa seria muito mais a de mostrar a significação que o racionalismo ascético, apenas aflorada no presente esboço, teve para o conteúdo da ética político-social, ou seja, para o modo de organização e de funcionamento das comunidades sociais, desde o conventículo até o Estado. Depois seria preciso analisar sua relação com o racionalismo humanista e seus ideais de vida, suas influências culturais e, além disso, como o desenvolvimento do empirismo filosófico e científico, sua relação com o desenvolvimento técnico e com os bens culturais espirituais. Por fim, valeria a pena acompanhar seu vir a ser histórico, desde os primeiros ensaios medievais de uma ascese intramundana até a sua dissolução no puro utilitarismo, passando em revista cada uma das zonas de disseminação da religiosidade ascética. Só daí se poderia tirar a medida da significação cultural do protestantismo ascético em comparação com outros elementos que plasmam a cultura moderna. [o que aqui se tentou foi apenas, se bem que num ponto único mais importante, fazer remontar a seus motivos o fato e o modo de sua influência.] Mas depois, ainda seria preciso trazer à luz o modo como a ascese protestante foi por sua vez influenciada, em seu vir-a-ser e em sua peculiaridade, pelo conjunto das condições sociais e culturais, também e especialmente as econômicas. Porquanto, embora o homem moderno, mesmo com a melhor das boas vontades, geralmente não seja capaz de imaginar o efetivo alcance da significação que os conteúdos de consciência religiosos tiveram para a conduta, evidentemente, a intenção de substituir uma interpretação causal unilateralmente “materialista” da cultura e da história por uma outra espiritualista, também ela é unilateral. Ambas são igualmente possíveis, mas uma e outra, se tiverem a pretensão de ser, não a etapa preliminar, mas a conclusão da pesquisa, igualmente pouco servem à verdade histórica. (p. 166 e 167)
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