terça-feira, 11 de novembro de 2025

Ontologia relacional contemporânea

 




 

(Paolo Cugini, org.)

A ontologia relacional contemporânea tem vindo a ganhar destaque no campo da filosofia, especialmente nas últimas décadas, como uma abordagem alternativa às ontologias tradicionais centradas em substâncias ou entidades isoladas. Em vez de considerar os elementos do mundo como unidades independentes, a ontologia relacional propõe que o ser e a realidade se constituem fundamentalmente através das relações.

 

Origens e evolução histórica

A ideia de que as relações precedem as substâncias não é totalmente nova. Na filosofia clássica, Platão e Aristóteles abordaram a questão da relação, mas foi apenas com pensadores modernos, como Leibniz, Hegel e Whitehead, que as relações passaram a ocupar lugar central na compreensão do ser. No século XX, influências da física quântica, da biologia sistémica e da teoria da informação vieram reforçar a importância da relacionalidade, culminando numa abordagem ontológica que privilegia os processos e interações em detrimento das entidades fixas.

 

Fundamentos da ontologia relacional

Na ontologia relacional, o ser não é concebido como algo estático ou isolado, mas como resultado de uma rede de relações. Esta perspectiva implica que nada existe por si só, mas sim em função das suas ligações com outros elementos. Por exemplo, um átomo só é definido pelas suas interações com outros átomos; uma pessoa constrói a sua identidade a partir das relações sociais, culturais e afetivas que estabelece.

Processualidade: O ser é visto como processo dinâmico e não como substância fixa.

Dependência contextual: A existência de qualquer coisa depende do contexto relacional em que está inserida.

Emergência: Propriedades emergem das relações e não são inerentes aos elementos individuais.

 

Pensadores e correntes atuais

Entre os principais representantes da ontologia relacional contemporânea destacam-se Bruno Latour, Karen Barad e Manuel De Landa. Latour, com a Teoria do Ator-rede, propõe que tanto humanos quanto não-humanos participam em redes de ação, dissolvendo fronteiras rígidas entre natureza e sociedade. Karen Barad, inspirada pela física quântica, desenvolve a teoria do “intra-ação”, defendendo que entidades só existem na medida em que interagem. DeLanda, por sua vez, articula uma ontologia de assemblagens, onde as relações entre componentes são mais relevantes que as propriedades individuais.

Implicações filosóficas

A ontologia relacional desafia várias conceções clássicas, como o dualismo sujeito-objeto, o individualismo e o essencialismo. Ao colocar as relações no centro da realidade, obriga a repensar conceitos como identidade, causalidade e agência. Isto tem repercussões em áreas como a ética, a política, a ciência e a tecnologia, promovendo uma visão mais integrada e interdependente do mundo.

Ética relacional: A responsabilidade e o cuidado são entendidos como processos que emergem das relações, em vez de atributos individuais.

Política de redes: O poder e a influência circulam através das ligações e não apenas dos centros tradicionais de autoridade.

Ciência pós-positivista: O conhecimento é visto como resultado de práticas colaborativas e interativas, rejeitando o paradigma do observador externo.

 

Desafios e Críticas

Apesar dos avanços, a ontologia relacional enfrenta desafios significativos. Entre eles, destaca-se a dificuldade de operacionalizar relações complexas sem cair em abstrações excessivas ou perder a capacidade de análise detalhada. Alguns críticos apontam que, ao dissolver entidades em redes, corre-se o risco de negligenciar aspectos importantes da experiência individual e da agência pessoal. A articulação entre o local e o global, o singular e o coletivo, permanece um dos principais dilemas desta abordagem.

 

Aplicações interdisciplinares

O impacto da ontologia relacional pode ser observado em múltiplas disciplinas. Na sociologia, as redes sociais tornaram-se objeto central de estudo; na física, os sistemas quânticos desafiam a ideia de partículas isoladas; na biologia, a ecologia evidencia a interdependência dos seres vivos. Na tecnologia, a internet e os sistemas distribuídos ilustram como a relacionalidade redefine a comunicação e a organização.

 

A ontologia relacional contemporânea constitui uma resposta inovadora aos desafios do mundo atual, propondo uma visão dinâmica, integrada e interdependente da realidade. Embora enfrente críticas e obstáculos teóricos, o seu potencial para transformar a compreensão filosófica e prática da existência é inegável. O aprofundamento deste campo continua a ser fundamental para responder às questões emergentes numa sociedade cada vez mais conectada e complexa.

 

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