Mircea Eliade |
Paolo Cugini
Existe uma
diferença importante entre tempo sagrado e profano. Esta diferença está no fato
que o tempo sagrado é para sua mesma natureza reversível, ou seja, é um tempo
mítico, primordial que se torna presente. Cada festa sagrada, cada tempo
litúrgico consiste na atualização de um evento sagrado que teve lugar num
passado mítico.
Para um
cristão a liturgia se desenvolve dentro um tempo histórico santificado para a
encarnação do Filho de Deus.
O tempo
sagrado, ritualizado nas religiões pré-cristãs, é um tempo mítico, um tempo
primordial, não identificável com o passado histórico, um Tempo original, um
Tempo que não foi precedido por nenhum tempo.
Para o homem religioso das culturas arquaicas,
cada criação e cada existência começa no Tempo: nada podia existir antes do
Tempo. Por isso o mito é importante, pois é o mito que revela como uma
realidade veio à existência.
É o mito
cosmogonico que narra como o cosmo veio a existência. Neste sentido podemos
frisar a importância de dois elementos:
1. Para a repetição anual da
cosmogonia o Tempo era regenerado, recomeçava como Tempo sagrado, porque
coincidia com o illud tempus, onde o
mundo tinha vindo pela primeira vez á existência.
2. Participando ritualmente a
“fim do Mundo” e á sua “recreação” o homem se retornava contemporâneo do illud tempos, então ele renascia de novo,
ele recomeçava a sua existência com a reserva de forças vitais intacta tal
quais era ao momento do seu nascimento.
Sendo que o
Tempo sagrado é o Tempo da origem, o momento prodigioso aonde uma realidade foi
criada, o homem se esforçará de alcançar periodicamente este Tempo
original. Esta atualização ritual de o
illud tempus da primeira epifania de uma realidade é a base de todo calendário
sagrado: a festa não é a comemoração de um evento mítico, mas a sua
reatualização.
O Tempo do
origine por excelência é o tempo da cosmogonia, o tempo aonde apareceu o Mundo.
O Tempo de
origem de uma realidade tem um valor exemplar: por esta razão o homem se
esforça de atualizá-lo periodicamente por meio de rituais apropriados. A
primeira manifestação de uma realidade equivale á uma criação por os seres
divinos. É justamente a reintegração deste Tempo original e sagrado que
diferencia o comportamento humano durante a festa. Podemos dizer que o Tempo
sagrado é sempre o mesmo, um “suíte de
eternidade”. Os participantes se tornam contemporâneos dentro do evento
mítico. O homem religioso sente o desejo de entrar periodicamente dentro este
tempo sagrado e indestrutível. É o eterno pressente do evento mítico que rende
possível a durada profana dos eventos históricos. É graça aos seres divinos que
tudo veio à existência. A origem das realidades e da Vida em sim é religiosa.
Na festa se encontra a dimensão sagrada da vida.
O mito narra
uma historia sagrada, ou seja, um evento primordial que teve inicio no começo
do Tempo, ab initio. Só que narrar
uma historia sagrada significa revelar um mistério, pois as personagens de um
mito não são seres humanos. O mito é então a narração daquilo que aconteceu in illo tempore, a recita daquilo que os
deuses fizeram no começo do tempo. Uma vez que o mito foi proclamado, ou seja,
revelado, torna-se verdade apodictica: fundamenta a verdade absoluta.
O mito revela
a sacralidade absoluta porque narra a atividade criadora dos deuses. O mito
narra as diferentes e, as vezes, dramáticas entradas do sagrado no mundo.
O mito[2]
conta uma historia sagrada: ele relata um acontecimento ocorrido no tempo
primordial, o tempo fabuloso do “principio”. Em outros termos, como graças as
façanhas dos entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma
realidade total, o Cosmo, ou um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, etc.
O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente.
Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Os mitos revelam a
atividade criadora dos deuses e desvendam a sacralidade de suas obas. Os mitos
descrevem as diversas e algumas vezes dramáticas irrupções do sagrado no mundo.
O mito é
considerado uma historia sagrada e, portanto, uma historia verdadeira, porque
sempre se refere a realidades. O mito cosmogônico é verdadeiro porque a
existência do Mundo aí está para prová-lo.
Pelo fato ce
relatar as gestas dos Entes Sobrenaturais e a manifestação de seus poderes
agrados, o mito se torna o modelo exemplar de todas as atividades humanas
significativas.
A principal
função do mito consiste em revelar os modelos exemplares de todos os ritos e
atividades humanas significativas: tanto a alimentação, o casamento, o
trabalho, a educação, a arte, a sabedoria, etc.
As historias
falsas são as que contam as aventuras e proezas nada edificantes de animais
(Coiote, por exemplo). Nas historias verdadeiras defrontamo-nos com o sagrado e
o sobrenatural; as falsas, ao contrario tem um conteúdo profano.
Para o homem
das sociedades arcaicas o que aconteceu ab origem pode ser repetido através do
poder dos ritos. Para ele portanto, é essencial conhecer os mitos. Ao rememorar
os mitos e reatualizá-los ele é capaz de repetir o que os Deuses, os Heróis, ou
os Ancestrais fizeram ab origine. Conhecer os mitos é aprender o segredo da
origem das coisas. Aprende-se não somente como as coisas viram a existência,
mas também onde encontrá-las e como fazer com que reapareçam quando
desaparecem.
Os mitos
ensinam como repetir os gestos criadores dos Entes Sobrenaturais,
conseqüentemente, como assegurar a multiplicação de tal ou tal animal ou
planta.
Os mitos são
comunicados aos neófitos durante sua iniciação.
Ao recitar os
mitos reintegra-se aquele tempo fabuloso e a pessoa torna-se, conseqüentemente,
“contemporânea”, de certo modo, dos eventos evocados, compartilha da presença
dos deuses ou dos Heróis.
A cosmogonia é
o modelo exemplar de todos os tipos de atos: não só porque o Cosmo é o
arquétipo ideal de toda situação criadora e de toda criação, mas também porque
o Cosmo é uma obra divina, sendo portanto santificado em sua própria estrutura.
Por extensão tudo o que é perfeito, pleno, harmonioso, tudo o que é cosmicizado
tudo o que se assemelha ao Cosmo é sagrado.
Para o homem
religioso o essencial precede a existência. Isso é verdadeiro tanto para o
homem das sociedades primitivas como para os judeus. O homem é como é hoje
porque uma serie de eventos teve lugar ab origine. Os mitos contam-lhe esses
eventos e, ao fazê-lo, explicam-lhe como e porque ele foi constituído dessa
maneira. Para o homem religioso a existência real, autêntica, começa no momento
em que ele recebe a comunicação dessa historia primordial e aceita as suas
conseqüências. É sempre uma historia divina pois os personagem são os Entes
Supremos.
O mito garante
ao homem que o que ele se prepara pra fazer já foi feito e ajuda-o a eliminar
as dúvidas que poderia conceber quanto ao resultado de seu empreendimento.
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